sábado, 28 de janeiro de 2012

Para a História do Movimento Associativo em Montijo (I)

Sede e farmácia da Associação Mutualista N.ª Sr.ª da Conceição - 1961


           A história do concelho de Montijo dá-nos a conhecer a existência de um rico movimento associativo de carácter religioso ou corporativo cujo desenvolvimento se intensifica a partir do século XV.

A importância da função e dos interesses religiosos origina a criação de confrarias, instituições de carácter fraternal, cuja acção assentava no auxílio mútuo, mas também em manifestações lúdicas como as festas em honra do padroeiro. São exemplo disso, as confrarias dos Pescadores e dos Barqueiros da Atalaia, ambas já fundadas no reinado de D. Manuel, e as Irmandades da Santa Casa da Misericórdia, de Nossa Senhora da Conceição (Mareantes) e de Nossa Senhora da Purificação, instituídas no século XVI e a do Santíssimo Sacramento fundada em 1720.

O esforço progressivo de laicização e secularização da cultura provocou o aparecimento, em meados do século XIX, de outro tipo de associações. Confrarias e corporações, instituições associativas tradicionais, precedentes históricos das associações, no dizer de Albert Meister, cedem lugar a mais complexos e especializados processos associativos.

No século XIX, o País foi sacudido pelos novos ideais do liberalismo e pelo despertar de um novo tipo de sociedade, assente na associação voluntária interclassista, que visava concorrer para o esclarecimento dos cidadãos e o incentivo à participação social na definição dos destinos da Nação.

O aparecimento de associações mutualistas, culturais e recreativas e outras de cariz político proporcionará o debate de ideias e a difusão dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, fermentados pela Revolução Francesa, operando uma assinalável mudança de valores e de mentalidades.

Assim se passou também em Aldegalega do Ribatejo, que constituiu a primeira Sociedade Patriótica, em 1837, e a primeira Associação Mutualista, em 1872.

As Sociedades Patrióticas constituíram um espaço privilegiado para a discussão dos cruciais problemas políticos da época e ajudaram a formar uma opinião pública favorável ao regime constitucional. Os estatutos delimitavam a composição e os fins destas associações: cidadãos portugueses constitucionais, defesa do Sistema Constitucional e formação do bem da Pátria.

No dia 29 de Março de 1839, no Palácio das Necessidades, a Rainha autorizou e aprovou os estatutos da Sociedade Patriótica de Aldegalega do Ribatejo, «que alguns cidadãos pretendem estabelecer, com o fim de sustentar por todos os meios legítimos o Sistema Representativo».

A partir de 1834 multiplicaram-se as sociedades de recreio e instrução, que responderão à necessidade de ocupação dos tempos livres da pequena e média burguesia, e assistiu-se à proliferação de saraus e academias e à afirmação do teatro «como meio de civilização e de divulgação de novos valores», como escreveu António Reis. Na esteira deste autor, «o cidadão urbano adquire um perfil e um estilo próprios» e vive «dividido entre a ópera e o teatro declamado, o drama histórico ou a comédia, os vários periódicos, o café e o sarau, a leitura do folhetim».

Em Aldeia Galega do Ribatejo foi instituída, em 1854, a Sociedade Recreativa, pólo pioneiro de animação cultural, cívica e recreativa, que teve vida efémera, e, em 1 de Dezembro de 1868, foi fundada a Sociedade Filarmónica 1.º de Dezembro, que se reclamou herdeira da Sociedade Recreativa. Nos termos dos seus estatutos aprovados em 9 de Julho de 1906, a sociedade tinha por fim abrir aulas gratuitas nocturnas de música, abrir aulas diurnas ou nocturnas de instrução primária, de dança de ginástica ou de esgrima, prestar socorros nos incêndios ou em outros quaisquer sinistros e promover tudo quanto fosse necessário ao bem-estar, moralidade e instrução dos sócios, além de se propor criar uma biblioteca e gabinete de leitura e organizar um grupo dramático.

Ate à constituição da Sociedade Filarmónica 1.º de Dezembro, Aldegalega não dispunha nem de um teatro público nem duma sala para fins recreativos, conforme se alcança da informação prestada pelo Administrador do Concelho à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, em Fevereiro de 1862, e confirmada em 1870.

Em 1873, a Sociedade Filarmónica 1.º de Dezembro edificou um pequeno teatro, que resultou da adaptação do salão da sua sede.

Naquele ano, nos dias 23 e 24 de Fevereiro, foram levadas à cena duas récitas por uma companhia de teatro espanhola.

No final do século XIX, a população de Aldegalega divertia-se nos bailes e nas festas religiosas e populares, assistindo às touradas e às entradas, correndo ao teatro e à opereta e, regularmente, recebia o circo de cavalinhos e barracas de arlequins e de panoramas.

Ruky Luky

Montijo, Cascais do Séc. XXI ou o Vale das Promessas

O ancoradouro para que serve e a quem serve?
O Partido Socialista de Montijo prometeu, logo que subiu ao poder municipal, em 1998, transformar o Montijo em “Cascais do Século XXI”. 
Hoje, ao dar um passeio pelo Vale das Promessas encontrei, ao passar junto ao rio, a promessa da construção de um Repuxo de 30 metros, numa zona que continua plena de lodo.
Ali, junto ao rio, encontrei um ancoradouro, que deverá rivalizar com a marina de Cascais, mas que se não sabe a quem serve – e para que serve. E ali também vi a ser levada pelas águas lodosas do rio a mirabolante recuperação da zona ribeirinha, sorvedouro das finanças municipais.
 Mais adiante, encontrei a promessa de um Novo Parque de Exposições, quando o actual, com enormes potencialidades, agoniza.
Dirigindo-me para os arredores cruzei-me com a promessa de uma Frota de 10 ou 15 Autocarros para fazerem a ligação aos barcos que, foi também prometido, passariam a chegar ao Montijo/Seixalinho de 15 em 15 minutos.
Para fazer face a tanto movimento, também encontrei a promessa de um Metro de Superfície a ligar o Seixalinho ao centro da cidade, e tudo isto sem que os futuros utentes tivessem de pagar mais, pelo contrário encontrei também a promessa que o custo da viagem, incluindo já a ligação ao Seixalinho, seria mais barato 3%.
No Vale das Promessas encontrei tanta coisa bonita que me quedarei por agora, para não enfadar os leitores, só por mais duas ou três.
Também lá está a construção de uma Nova Biblioteca. Ao olhar para o modo como funciona a actual, sem luz apropriada, que dificulta a leitura, sem condições climatéricas, é um forno em pleno Verão, sem audiovisuais, a sala foi encerrada há cerca de cinco anos desconhecendo-se os motivos, sem isolamento acústico, sem novidades literárias e jornais diários, interrogo-me se, em vez desta promessa, não seria melhor dar à actual o perfil de uma real biblioteca e não de um mero depósito de livros e de sala de estudo.
E a promessa do famoso Complexo Desportivo Municipal, que seria construído atempadamente para receber o estágio de uma selecção do Campeonato Europeu de 2004, não é verdade?
Ah! e a promessa de construção de umas piscinas e, pasmem-se, de uma praia fluvial?
E lembram-se do Salão de Chá?
E as promessas de cariz político e ético? Bom, isto são contas de outro rosário, que rezarei num outro dia em que me encontre mais pachorrento.
É lindo o Vale das Promessas. Ao passear por ele vem-me à memória uma canção francesa, cujo refrão é: Paroles! Paroles! Paroles!, que se traduz por palavras, palavras, palavras(, e não como fez, certa vez, um amigo meu que traduziu convictamente por parolos, parolos, parolos, para risada geral da turma.)
Talvez por nos terem prometido o cosmopolitismo de Cascais do Século XXI nos lançaram para um subúrbio de Cascais.

domingo, 22 de janeiro de 2012

O “Apagão” da Biblioteca de Montijo

    O ano passado os leitores montijenses foram surpreendidos com a decisão da Câmara Municipal de Montijo que cancelou a compra de jornais e revistas para a Biblioteca Municipal Manuel Giraldes da Silva. Esta medida foi tomada em coerência com uma outra que suspendera a compra de livros. Na memória dos utentes da biblioteca ainda persiste a sala de audiovisuais encerrada pela vereação socialista.

 Conversando, há dias, com uma jovem leitora, confessou-me que a biblioteca perdera o interesse porque já não tinha livros novos. Ir à biblioteca, agora, concluiu, só para fazer os trabalhos da escola em grupo.

O espaço de leitura de periódicos era um local concorrido e de convívio inter-geracional. Animado todo o dia, ganhava um novo alento, depois do almoço, quando muitos idosos e reformados o procuravam. Era um local de leitura e de são convívio.

Depois de encerrado, e durante alguns dias, alguns idosos ali se dirigiram na animada convicção de que a medida seria provisória.

A câmara municipal socorreu-se da crise para tomar uma medida obscurantista que atenta frontalmente contra os interesses da comunidade e cuja finalidade se não divisa.

Por outro lado, é uma medida contraditória e incoerente, porque, ao longo do seu mandato, a câmara socialista tem inaugurado pólos da biblioteca, em várias freguesias.

Dir-se-á que a crise a tanto obriga. Mas este é o argumento dos incompetentes e insensíveis, porque o que a crise nos obriga – e obriga sobretudo a quem gere bens públicos - é sermos inteligentes, parcimoniosos e sensíveis na procura de soluções justas em tempos de vacas magras.

Já não se espanta, assim, que quando se fale de cultura logo se aponte o orçamento.

Ruky Luky

sábado, 21 de janeiro de 2012

Ó Tempo Volta p’ra Trás




                                                                António Mourão
Dizem os velhos aldeanos e montijenses que Montijo é uma terra madrasta, querendo dizer que nela singram mais facilmente os forasteiros, que aqui aportam, do que os seus próprios filhos. E eu, que sou forasteiro, reconheço que Montijo tem uma fraca auto-estima que não lhe permite reconhecer quem aqui nasce e singra e, assim, engrandecer-se.

Retirado na “Casa do Artista”, depois de uma carreira brilhante nos palcos portugueses e estrangeiros, colhendo da serenidade e da melancolia dos dias a seiva do tempo, vive um dos grandes vultos da canção nacional, o montijense António Mourão.

Apagaram-se a luzes da ribalta, mas não se esfumou essa voz sempre lembrada num tempo que não volta para trás.

 António Mourão, de seu nome completo António Manuel Dias Pequerrucho, nasceu no dia 3 de Junho de 1936, na freguesia da Atalaia, concelho de Montijo.

     Inicia o seu percurso de fadista na “Parreirinha de Alfama”, em 1964, refúgio da grande fadista Argentina Santos. Antes cantara, como amador, em várias casas de Lisboa, cidade onde começara a trabalhar desde os 17 anos.

 Em 1965, estreia-se, no Teatro Maria Vitória, no Parque Mayer,  revista “E Viva o Velho”. Mourão sobe ao palco e canta “´Ó tempo Volta p’ra Trás”, original de Manuel Paião/Eduardo Damas, e surpreende os espectadores, que se rendem àquela voz tão singular e talentosa. !”. A Fama recolhe-o e embala-o nas suas asas propagando a canção por todos o País. O êxito da canção levará ao Maria Vitória uma multidão ávida de ouvir Mourão, a nova estrela rutilante do firmamento nacional.

 “Ó Tempo Volta p’ra Trás”, por mérito dos seus autores e intérprete, inscreveu-se no cancioneiro nacional, enquanto canção que vai perseguindo gerações, e o disco, então editado, ultrapassou os duzentos mil exemplares.

 - «Depois de gravar "Oh Tempo Volta Para Trás", António Mourão tornou-se num cantor muito popular, pelo que, de forma natural, percorreu o país e chegou a cantar em vários palcos no estrangeiro, em países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Venezuela, África do Sul, França e Alemanha. Também gravou outros temas marcantes, de fado e de folclore, como "Os Teus Olhos Negros, Negros" (Manuel Paião, Eduardo Damas), "Chiquita Morena" (Moreira da Cruz), "Oh Vida dá-me outra vida" (Manuel Paião, Eduardo Damas), "Fado do Cacilheiro" (Paulo Dias, Fausto da Fonseca) ou "Varina da Madragoa" (Manuel Paião, Eduardo Damas). Apesar da sua vincada vertente popular, cantou grandes poetas portugueses, como Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro ou José Carlos Ary dos Santos.
Estes e outros sucessos foram registados em mais de uma vintena de álbuns. Destacam-se os títulos É Sempre Sucesso (1968), Folclore das Províncias (1970), Meu Amor, Meu Amor (1971), Se Quiseres Ouvir Cantar (1973), Oh Razão da Minha Vida (1984), Não Há fado sem Verdade (1989, Movieplay) ou as coletâneas Álbum de Recordações (1984) e Oh Tempo Volta para Trás (1992,Polygram).
Apesar de ter sido muito premiado e acarinhado pelo público, António Mourão acabou praticamente por se retirar do mundo artístico nos anos 90, evocando uma certa desilusão com o meio musical português.»

     De António Mourão registou o jornalista Carlos Castro: «Era referenciado como ‘o fadista de charme’. Sabia aliar a forma do seu canto com uma postura elegantíssima. Na sua figura de homem bonito e no modo como se vestia. Ele era um caso. Fala-se de Mourão como um ícone. Muito reservado e tímido era um ser muito especial. Detestava a vulgaridade ou cair no ridículo. Talvez por isso mesmo se tenha retirado no auge da sua carreira.»

Ruky Luky


Ó Tempo Volta para Trás

A Severa foi-se embora
O tempo p'ra mim parou
Passado foi com ela
Para mim não mais voltou

As horas p'ra mim são dias
As horas p'ra mim são dias
Os dias p'ra mim são anos
Recordação é saudade
Recordação é saudade
Saudades são desenganos

Refrão

Ó tempo volta para trás
Dá-me tudo o que eu perdi
Tem pena e dá-me a vida
A vida que eu já vivi
Ó tempo volta p'ra trás
Mata as minhas esperanças vâs
Vê que até o próprio sol
Volta todas as manhãs

Porque será que o passado
E o amor são tão iguais
Porque será que o amor
Quando vai não volta mais
Mas para mim a Severa
Mas para mim a Severa
É o eco dos meus passos
Eu tenho a saudade à espera
Eu tenho a saudade à espera
Que ela volte p'rós meus braços

 



                                        










 




 




















Fados de Mourão

http://youtu.be/MfuVVS8VmnE

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Os Círios dos Pretos de Nossa Senhora da Atalaia

Romagem a N.ª Sr.ª da Atalaia (final do séc. XIX - princ. séc. XX)


A impetuosa voragem do tempo varreu da memória dos homens a data da aparição da imagem de Nossa Senhora, entre os pinheiros, na colina da Atalaia, no concelho de Aldegalega do Ribatejo.


O Padre Frederico Ribeiro da Costa, Capelão que foi da Atalaia no século XIX, aventa que poderá ter ocorrido no século XIII, mas sendo homem prudente e estudioso sensato, reconhece que é «suposto porém não se poder averiguar a verdadeira origem da aparição da imagem, todavia não nos resta dúvida de que ela é de uma grande antiguidade. Dos tempos mais chegados a nós temos memórias da sua existência no ano de 1507, segundo o compromisso do círio da Alfândega de Lisboa (...).»

Ao Santuário de Nossa Senhora da Atalaia ocorrem ainda hoje, com data marcada, peregrinos organizados em círios, demandando a protecção da Virgem, rogando em prece ou agradecendo uma graça concedida.

Num só credo traduzido em plúrimas manifestações das suas “usanças” ali se foram encontrando, no caminho dos dias e no volver dos séculos, os homens de todas as cores com que Deus coloriu o mundo e fizeram com os Portugueses Portugal.

A Igreja, sempre contraditória no que tangia à condição dos escravos, não deixou, contudo, na sua acção evangelizadora, pelo menos desde o século XVI, de incitá-los  à participação em confrarias, muitas delas dedicadas a Nossa Senhora do Rosário, uma das protectoras favoritas dos negros.

Em Aldeia Galega do Ribatejo, cuja confraria mais importante era, na época, a Santa Casa da Misericórdia, é mister afirmar-se que os negros estavam excluídos de participarem como irmãos. É a conclusão que se alcança lendo o requerimento de admissão de António Marques, e outros de igual teor, mareante, morador na vila, redigido em Abril de 1679, que, in fine, reza: «o suplicante é cristão velho sem raça alguma de judeu, mouro e mulato ou de outra infecta nação que é contra o compromisso, pede a Vossas Mercês que sejam servidos mandar informar e achando ser capaz o aceite por irmão.»

Se se não conhece nenhuma confraria de negros instituída em Aldeia Galega do Ribatejo - existiram em Lisboa e no Brasil -, sabe-se, no entanto, que, desde o século XVIII, a vila tomou conhecimento da existência de círios constituídos exclusivamente por negros ou mulatos, que por aqui passavam a caminho da Atalaia.

A preparação para a romaria começava meses antes da data aprazada com a realização do peditório pelas ruas de Lisboa, ao som de instrumentos tradicionais e de coloridas danças, que a aculturação e a evangelização não conseguiram subtrair (ou quiseram respeitar) ao seu património, e que eram também postas em evidência nos dias festivos.

No dia da peregrinação, partiam de barco para Aldegalega do Ribatejo, atravessando então as ruas poeirentas, enchendo-as de alegria com as suas danças e cantares, a caminho da Atalaia.

Os Círios dos Pretos terão sido constituídos no século XVIII, em Lisboa. Concorriam ao Santuário de Nossa Senhora da Atalaia “O Círio dos Pretos Crioulos de Lisboa”, que, segundo o Padre Frederico Ribeiro da Costa, «concorria a festejar a imagem de Nossa senhora de Atalaia no terceiro domingo de Setembro (...). Compunha-se apenas de bandeiras; a sua romaria era feita da mesma forma que o círio dos pretos do bairro alto da cidade de Lisboa.»

Espreitemos então “O Círio dos Pretos do Bairro Alto”, do qual se sabe um pouco mais.

A caixa do círio, que ainda no final do século XIX jazia no corredor da sacristia, continha uma preciosa informação: «Este sírio he da confraria dos homens pretos do bairro alto, em o anno de 1743.» Acompanhados de gaitas de foles “e de mais instrumentos próprios da sua antiga usança”, os romeiros festejavam no terceiro domingo de Setembro, tendo deixado de concorrer a partir de 1840.

Noutro dos bairros populares de Lisboa, se instituiu o “Círio dos Pretos do Bairro de Alfama”, cuja data de constituição se ignora e que terá deixado de concorrer na primeira metade do século XIX, visto que, em 1839, o «Sírio de Alfama foi renovado pelos homens brancos.»

Quedam-se por aqui as notas coligidas pelo Capelão de Atalaia e devemos assinalar que, no século XIX, o número de negros, em Lisboa, ainda era significativo – as romarias eram feitas “com muitos romeiros” – e concorriam do mesmo modo que faziam os outros círios, embora usando “os instrumentos próprios da sua antiga usança.”

A Revolução Liberal, que eclodiu em 1820, foi a aurora que anunciou que o fim dos degradantes dias de cativeiro estava próximo.

A Constituição de 1822, consequência do liberalismo triunfante, atribuiu a cidadania aos “escravos que alcançarem carta de alforria”, a Carta Constitucional de 1826 aboliu “a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis” e, dez anos mais tarde, D. Maria II, em 10 de Dezembro, aboliu o tráfico de escravos, primeiro passo significativo para a abolição da escravatura dado com a assinatura do Visconde de Sá da Bandeira, que viria a desempenhar um papel de determinante na abolição de tão hediondo regime.

Embora correndo o risco de enfadar os leitores, não resisto à tentação de transcrever, alguns trechos do preâmbulo do decreto promulgado pela Soberana:

«SENHORA! = A civilização da África tem sido nestes últimos tempos o pensamento querido dos sábios e dos filantropos, e não menos o desvelado cuidado dos principais Governos que, no antigo e novo Continente marcham à testa do progresso e promovem o melhoramento da espécie humana; enquanto Portugal, que durante séculos havia trabalhado nesta grande obra, hoje, em vez de a promover, lhe põe obstáculos (...). Sobre vários feitos de África, como em tantos outros, os Portugueses têm sido caluniados por historiadores modernos (...). E todavia, não há um só documento em toda a primeira época de nossos descobrimentos, que não prove que o principal, e quase único intuito do Governo Português era a civilização dos povos pelo meio do Evangelho. O comércio foi secundário, posto que meio civilizador também; e a dominação foi uma necessidade consecutiva, não um objecto.

Os erros de doutrina religiosa, e o vício das medidas políticas, eram do Século, não dos homens. (...)

O infame tráfico de negros é certamente uma nódoa indelével na história das Nações modernas; mas não fomos nós os principais, nem os únicos, nem os piores réus. (...) Emendar pois o mal feito, impedir que mais se não faça, é dever da honra Portugueza, e é do interesse da Coroa de Vossa Majestade;(...).

Os naturais da África foram aprisionados e transportados além Atlântico para tornarem rico um imenso país (...).»

Longe ia o tempo em que, no Brasil, frei José Anchieta defendia que «para este género de gente não há melhor pregação do que a espada e a avara de ferro», mas seria ainda necessário percorrer mais de quarenta longos e penosos anos para que se concluísse o caminho que conduziria à abolição da escravatura em Portugal.

Volvamos agora a  Aldegalega do Ribatejo...

Corria o mês de Setembro do ano de 1856, quando o Administrador do Concelho de Aldegalega foi informado pelo Governador Civil de Lisboa que, nos termos da Carta de Lei, de 18 de Agosto do mesmo ano, eram “declarados livres, tantos os escravos embarcados nos navios portugueses como os que pertencerem a estrangeiros, e que entrarem nos portos, ou ancoradouros do Continente deste Reino, e das Ilhas Adjacentes.”

Era mais um passo para estancar o comércio de escravos, porque poderosos interesses económicos se sobrepunham às determinações da lei.

Depois do decreto de D.Maria II, ergueu-se um edifício legislativo tendente à total libertação dos escravos em todos os domínios portugueses, que não cabe analisar num artigo deste jaez, que teve a sua cúpula no Decreto de 25 de Fevereiro de 1869, do qual se reproduzem os dois primeiros artigos:

 «Artigo 1º Fica abolido o estado de escravidão em todos os territórios da monarquia portuguesa desde o dia da publicação do presente decreto.

Art.º 2º Todos os indivíduos dos dois sexos, sem excepção alguma, que no mencionado dia se acharem na condição de escravos, passarão à de libertos e gozarão de todos os direitos e ficarão sujeitos a todos os deveres concedidos e impostos aos libertos pelo decreto de 14 de dezembro de 1854.»

O diploma, que, entre outros ministros, foi assinado pelo Marquês de Sá da Bandeira e por José Maria Latino Coelho, foi promulgado pelo Rei D. Luís.

Longe ia a data, cerca de 1441, em que os primeiros cativos negros, denominados peças, entendendo-se por peça o escravo de 15 a 25 anos, cuja altura ideal era de 1,80m, tinham chegado a Portugal, ampliando significativamente o número de escravos, tornando-os indispensáveis nos trabalhos domésticos e agrícolas, porque “o trabalho é do negro e a fama é do branco”, com nefastas consequências para o trabalho livre, acabando por não se desenvolver no País o gosto pelo trabalho e pelo progresso.

Decretada a abolição da escravatura, nem por isso se redimiu a dignidade humana dos povos do Sul, porque ali ainda havia quem se não tivesse esquecido do conselho de João Fernandes Vieira, Governador de Angola, que, na segunda metade do século XVII, esclarecia a corte que «É um velho e aprovado costume nunca permitir que um negro levante a mão contra um branco, porque a preservação do reino depende desta obediência e medo.»

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Na relva luminosa do Parque Municipal do Montijo correm crianças despreocupadas atrás de uma bola, enquanto os pais assistem despreocupados. Falam uns uma língua estranha, outros um português de diversos sotaques e todos, ali na relva, fitando o futuro, não se apercebem que são os lídimos descendentes de todos os povos que um dia, por razões tão diversas, encontraram ou os encontrou Portugal. Ali estão fraternalmente entre portugueses, porque “os erros de doutrina religiosa, e o vício das medidas políticas, eram do Século, não dos homens.” Ontem, como hoje.

E eu parto em direcção ao Cais dos Vapores. Vou pedir ao Tejo que me leve uma lágrima até ao oceano, para que ao beijar a orla desse país quente onde jaz a minha avó negra, também ela filha de escravos, quem sabe?, lhe diga que choro de alegria por saber que não há “escravidão” no mundo capaz de amordaçar eternamente a vontade de o Homem ser Livre e Feliz, apesar dos pequenos tiranos que, dia a dia, nos seus efémeros reinos de fantasia, apenas servem para nos recordar que a Liberdade é uma conquista quotidiana.


A Objectiva de Frank William








Abriu a Corrida Autárquica

A Câmara Municipal de Montijo está a realizar um inquérito para auscultar os novos residentes nas freguesias de Montijo, Atalaia e Afonsoeiro com o objectivo de «saber do conhecimento que têm das valências culturais, desportivas, dos espaços públicos de lazer que o concelho oferece» e pedir-lhes uma opinião sobre «as melhorias a realizar em termos de oferta/bem-estar».

Depois da inauguração da Ponte Vasco da Gama, Montijo assistiu ao maior surto de construção da sua história, e viu surgir uma “nova” cidade, nos seus arrabaldes.

Não se pecará por excesso se se afirmar que há mais de dez anos que há uma “colónia” de novos residentes que bem escolheu o hospitaleiro Montijo como concelho de abrigo, sem que, ao longo destes anos, tivesse sido alvo de qualquer inquérito para apurar da sua satisfação e anseios de viver em Montijo, sobretudo, num tempo de vacas gordas em que as suas aspirações teriam sido prontamente resolvidas.

Assim, esta iniciativa camarária, que peca por tardia, só se entenderá, no momento em que é desencadeada, por um lado, como medida de “charme político” com fins eventualmente eleitorais, se se atender ao facto de a própria autarquia ter reconhecido que este ano se limitará a realizar meras tarefas de rotina operacional e administrativa, e, por outro, ao sentido de voto registado nos novos aglomerados urbanos pouco favorável aos socialistas.

Num concelho que regista um forte deficit de participação popular e democrática, atendendo ao perfil de gestão política do PS, aguarda-se que se realizem novos inquéritos à população em geral.


quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Duas Atitudes

                               Aspecto parcial do Cais dos Vapores, no início da década de 60

Montijo já adquiriu, hoje, que uma das medidas mais nefastas tomadas pela Câmara Municipal foi a abrupta deslocalização do cais para o Seixalinho.

Até então, os barcos entravam até ao “centro” de Montijo, agora atracam nos arrabaldes. Ontem, eram a seiva que transportava o progresso e o desenvolvimento ao Montijo, hoje, um braço incapacitado.

A deslocalização do cais não é assunto hodierno. Desde o século XIX que a História regista várias tentativas e pressões para que Aldeia Galega/Montijo perdesse o seu cais, mas até ao executivo liderado pelo Partido Socialista, a partir de 1998, as câmaras resistiram colocando os interesses da comunidade acima dos interesses partidários ou particulares.

No início de 1852, quando se projectou a primeira ligação por barcos movidos a vapor de Lisboa para Aldeia Galega, o governo pretendeu construir uma ponte no Montijo (actual Base Aérea) para “ali aportar o vapor e fazer o embarque e o desembarque, e ser dali o ponto de partida da Estrada de 1ª Classe Lisboa a Elvas e Évora.»

A Câmara Municipal de Aldegalega, ao ser confrontada com a notícia, reuniu-se, convidando 26 influentes cidadãos aldeanos para participarem na reunião, e defendeu uma posição diferente, advogando que «tal medida muito vinha a afectar os interesses dos habitantes da vila e neste caso não convinha que a ponte fosse construída no Montijo, mas que se abrisse a cala para que o barco pudesse aportar em Aldeia Galega».

Para que melhor pudesse fazer ouvir a sua voz e defender os interesses de Aldeia Galega, a câmara municipal deliberou fazer um abaixo-assinado para ser presente ao Rei e nomear uma comissão constituída por respeitáveis aldeanos: Dr. Adriano Simões, Dr. António Virgolino dos Santos Oliveira, Manuel dos Santos Costa, Marcelo Ferreira Lima e João Joaquim Ribeiro das Neves.

Não tendo obtido resposta do Governo e por lhe parecer que o abaixo-assinado não tinha sortido o fim que se lhe desejava e que a ponte de desembarque seria construída no Montijo, a câmara municipal reuniu com a comissão criada para formular o abaixo-assinado para discutirem algumas medidas que pudessem «pôr algum obstáculo para que os trabalhos não prossigam».

Por coincidência, durante a reunião, chegou ao conhecimento da edilidade que se dirigia para a vila «um barco a vapor e que a bordo vinha Sua Excelência o Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino», encerrando-se então a reunião para que se pudesse receber e cumprimentar condignamente o Ministro.

O representante do Governo trazia boas novas: a ponte seria construída em Aldeia Galega.

Um ano depois o barco a vapor já tinha granjeado a preferência dos aldeanos e, por esse motivo, José Marques Peixinho, em 6 de Julho de 1853, pedia a reforma da Postura das Carreiras das Faluas, «em virtude de terem diminuído os interesses das carreiras, desde que principiaram as viagens a vapor».

As fragatas e as faluas ainda sulcaram o Tejo por mais de um século, mas sucumbiram à voracidade do progresso.

Em 1852, os cidadãos que representavam os aldeanos na Câmara Municipal ouviram e deram voz aos interesses das populações.

A História não se repetiu. Ontem, Aldeia Galega do Ribatejo ganhou e prosperou. Hoje, Montijo perdeu e definha.

Ruky Luky

Isto não será uma vergonha?

O Orçamento do Município de Montijo, para 2012, apresenta-se com a missão de «ser o motor (…) da coesão social e territorial»; com a visão de ver reconhecida a Câmara Municipal de Montijo (maioria absoluta PS) «pela sua capacidade de transformar os sonhos em realidade»; e assente numa série de valores (ou princípios?) entre os quais destacamos o da integridade, segundo o qual o «Município de Montijo exige de si próprio (…) os mais elevados padrões de ética (…) combatendo todas as formas de corrupção».

No âmbito das transferências de capital para as freguesias do município a Câmara Municipal de Montijo propõe-se remeter as seguintes verbas:

Afonsoeiro…………………………………… € 42.000.00

Alto Estanqueiro/Jardia……………….. € 45.000.00

Atalaia…………………………………….....€102.000.00

Canha…………………………………………… €25.000.00

Montijo…………………………………………. €35.000.00

Pegões………………………………….........€145.000.00

Santo Isidro de Pegões…………………€100.000.00

Sarilhos Grandes………………………€ 0.00 (ZERO).


A maioria das freguesias referidas são governadas por executivos socialistas. Já Pegões, onde o PS não concorreu, é liderada por um executivo independente, mas que recebeu o beneplácito da presidente da comissão política concelhia de Montijo do PS e o forte apoio da presidente da câmara, e Sarilhos Grandes é dirigida por uma junta de freguesia comunista.

Depois da leitura das verbas acima publicadas não se alcança(m) o(s) fundamento(s) que suportam a transferência de € 102.000.00 para a diminuta freguesia de Atalaia e que, por outro lado, justifiquem que sejam remetidos € 25.000.00 para a freguesia de Canha, situada acerca de 40 Kms da sede do município, a maior do município e cuja área tem um forte impacto positivo na transferência das verbas do Orçamento do Estado para o Município.

Sarilhos Grandes é a única freguesia que não será beneficiada com a transferência de verbas, uma vez que a dotação para aquela freguesia é de zero.

Sarilhos Grandes vota, usualmente, no PCP, e bom seria que, por causa disso, nada de mal viesse ao mundo sarilhense/montijense.
Não há notícias de que os fregueses de Sarilhos Grandes sejam discriminados pela sua Junta de Freguesia por causa da sua cor política. Pelo contrário, Sarilhos Grandes apresenta-se como uma sociedade harmoniosa. Ali vivem cidadãos iguais aos de qualquer outra freguesia do município e que também pagam os seus impostos e têm o direito de ver os seus sonhos transformados em realidade.

A discriminação de que é alvo a freguesia de Sarilhos Grandes, que prejudica, sobretudo, os interesses da sua população, independentemente das razões que a possam fundamentar, não põe em causa a coesão social e territorial? E não fere também os mais elevados padrões éticos a que o Município de Montijo diz exigir a si próprio?
E a violação de uma norma ética não será sempre uma forma de corrupção?
E isto não é uma vergonha, Montijenses?

Ruky Luky

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

As Lágrimas Amargas do Orçamento Municipal de Montijo

                                               A estrela socialista empalidece em Montijo


«As nossas prioridades centram-se na manutenção e tratamento do espaço público (jardins, rede viária, sinalização e resíduos sólidos); na manutenção de equipamentos, viaturas e edifícios municipais; na educação e na acção social.»

                               Maria Amélia Antunes

O orçamento municipal, recentemente aprovado pela assembleia municipal, reflecte, por um lado, a gestão de “cigarra” do Partido Socialista, e, por outro, as restrições impostas pelo Orçamento de Estado.
A presidente da câmara reconhece a dificuldade de obtenção de receita «que permita suportar a realização de despesas indispensáveis à manutenção dos serviços e, consequentemente, à realização das actividades fundamentais atribuídas aos municípios.» Isto é, a autarca reconhece que mesmo as actividades rotineiras de mera gestão do município correm o risco de se não realizarem, porque o Montijo, ao longo da gestão socialista, foi conduzido até ao período amargo de “vacas magras”.
Montijo não tem investimentos garantidos para 2012, porque as duas únicas obras previstas, requalificação da Praça Gomes Freire de Andrade e do Mercado Municipal, estão ainda dependentes da realização de um (novo) empréstimo que rondará um milhão de euros.
  A câmara municipal não fará investimentos na cultura, à excepção do Cinema Teatro Joaquim de Almeida, reconhecendo que «neste quadro de restrição orçamental não é possível desenvolver as actividades regulares na cultura e no desporto, nem apoiar as associações nos seus programas de acção», pondo em risco a realização das Festas Populares de S. Pedro.
2012, na senda de 2011, será mais um de estagnação para Montijo, cidade transformada em dormitório após 15 anos de gestão socialista, que malbaratou, qual cigarra, as condições ímpares que lhe foram oferecidas e que lhe teriam permitido, tivesse havido competência e arrojo, transformar Montijo num dos concelhos mais desenvolvidos da Área Metropolitana de Lisboa.

 Ruky Luky






                                              

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Montijo, Um Outro Olhar






Se quisermos ver Montijo de "nariz no ar" surpreender-nos-emos com a beleza de alguns dos pormenores dos seus edifícios. Pequenos detalhes que vão resistindo ao tempo e aos homens para nossa satisfação.

Ruky Luky

Busto de Santos Dumont - Praça da Brasília

Praça da Brasília, Montijo. Nota-se o abandono a que foi votado o busto de Santos Dumont, que foi oferecido pela República Federativa do Brasil a Montijo, na década de 70, do século XX. A fotografia revela, por um lado, a falta de civismo de alguns munícipes e, por outro, a incúria, sinónimo de incompetência, dos nossos autarcas. A propósito, o presidente da Assembleia Municipal, Amândio de Carvalho, que ali tem o seu domicílio, não se incomoda com tal "cenário"?

Ruky Luky

Como se dançava o Cotillon

O Cotillon

Páginas Esquecidas de Montijo

Bailes de Natal

Houve um tempo, na velha Aldegalega do Ribatejo, no raiar do século XX, em que as famílias aldeanas se reuniam, pelo Natal, nos dias 24 e 25 de Dezembro, em animados e elegantes bailes, com regular assistência e franca animação, que se prolongavam até de madrugada.
À luz de archotes, de candeeiros de petróleo ou de acetilene, e ao som do piano ou de uma concertina ou de divertidos conjuntos constituídos por instrumentos de corda e de sopro, os pares rodopiavam elegantemente no salão da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, do Novo Club, ou em qualquer salão improvisado num armazém de família da «elite da sociedade».
 Os bailes do Natal, do Ano Novo, de Micarene e do Carnaval eram os mais apetecidos, mas qualquer pretexto servia para reunir as famílias num «sarau dramático, literário e musical», que se concluía, usualmente, com um animado baile, «assistido por muitas formosas damas vestidas de ricas toilettes.»
Contudo, eram os bailes de Natal que revestiam de maior solenidade e onde «as senhoras trajavam elegantes toilletes, fazendo sobressair mais ainda a beleza das suas formosuras.»
Naqueles bailes imperava o cottillon que era marcado com a devida antecedência exigindo-se inscrição prévia para a dança, que, usualmente, contava grande número de participantes.
Na noite de Natal de 1906, decorreu concorridíssima e com extraordinária alegria a soirée promovida pela direcção da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, auxiliada por uma comissão de cavalheiros da vila, na sua maioria estudantes. O baile começou às 9 horas da noite e terminou às 4H30 da madrugada tendo a comissão organizadora servido chá e bolos às damas e sanduíches e vinho aos cavalheiros.
O cotillon começou à 1,30 e organizou-se com 22 pares, sendo par marcante Álvaro Valente e a Sr.ª D. Cândida Marques.
Segundo um relato da época, «houve marcas engraçadíssimas e de muito efeito. Tocou piano durante o baile, o nosso amigo António Dâmaso Nunes de Carvalho. A sala estava gostosamente ornamentada. (...) Às 10 horas prefixas o mestre-sala, Ex.mo Sr. António Cristiano Saloio Júnior, deu o sinal para começar o baile executando magistralmente ao piano o Ex. Sr. António Nunes de Carvalho. Às 12 horas e meia foi servido pelos cavalheiros que compunham a comissão Ex.mºs Srs. Fernando Ramos, Álvaro Valente, António Cristiano Saloio Júnior, Manuel Paulino Gomes, José Reis, Armando Antunes e mais pelos Ex.mos Srs. Armando Henrique Marques e António Marques Contramestre, que gentilmente coadjuvaram a comissão neste encargo, chá e bolos às damas e mais tarde uma ceia aos cavalheiros.»
Num outro baile, na mesma época, diz a mesma fonte, «às 2 horas começou o cotillon dirigido pela Ex.ma Sr.ª D. Adélia da Veiga Marques e pelo nosso prezado amigo, Ex.mo Sr. Álvaro Campos Valente. As marcas simples, mas de um fino gosto artístico, confeccionadas por gentis damas desta vila e por elas oferecidas à comissão, despertaram o entusiasmo e a admiração da numerosa assistência. O prémio, conferido ao melhor valsista, foi alcançado pelo Ex.mº Sr. Fernando Ramos, que dançou com a Ex.ma Sr.ª D. Beatriz Rodrigues Pereira. Eram 5 horas da manhã quando acabou esta simples mas encantadora festa».
A partir da segunda metade da terceira década do século XX, paulatinamente, os bailes de natal vão esmorecendo. O “baile mandado” de S. Bento substituiria o cotillon, a valsa ou mesmo o corridinho.

P.S.O cotillon era uma dança oriunda de França e inventado por volta de 1700, para ser executada por dois pares, que formavam uma espécie de quadrado, que se trocavam entre si. A partir de 1800, o cotillon evoluiu permitindo a inclusão de mais pares.