terça-feira, 20 de maio de 2014

Pequenas histórias do Cinema e do Teatro em Montijo

RUI ALEIXO APRESENTA:


Pequenas histórias do Cinema e do Teatro em Montijo
Precedidas de uma dedicatória eterna e de uma carta de amor.

DEPOIS HÁ BAILE!

(Talvez um dia numa livraria perto de si.)



Em nome do Pai…

In Memoriam Guilherme Aleixo 20-10-1911 – 22.01.1985 –

Meu Pai, modesto lisboeta que, na década de trinta do século XX, procurou, em Angola, o conforto que a Pátria lhe negava, apareceu, certo dia lá em casa, com uma máquina de projectar Eumig 8 e um filme de Charlot. Depois, espaçadamente, foram aparecendo outros: Ali Babá e os 40 Ladrões, Bucha e Estica, Gary Cooper e poucos mais. Todos de 8mm e a preto e branco. Quantas vezes passaram aqueles filmes, vistos sempre com o mesmo entusiasmo, com a mesma alegria e com o mesmo espanto…
Sei, hoje, o sacrifício que custou aquela máquina a quem tinha um magro ordenado, mas a paixão pelo cinema falara mais alto e o sacrifício foi compensado pela alegria que brotara na família e que acabou por transbordar para o bairro.
O Bairro da Fronteira, em Benguela, República de Angola, era um bairro limítrofe, pobre, com ruas esburacadas e sem asfalto, sem iluminação pública nem água canalizada. Poucos portugueses ali viviam nas suas modestas casas rodeadas de cubatas. O meu Pai era um deles. Fê-lo por amor à mulher por quem se apaixonara e já enfeitiçado pela magia de África.
Homem de coração aberto e alma generosa, ao sábado, à noite, pegava na máquina, colocava-a no quintal, de modo que se visse da rua, e assim dava início à sessão de cinema. O portão da nossa casa nunca esteve fechado e, por isso, os vizinhos do bairro ao saberem que havia cinema, entravam, acomodavam-se, abarrotavam o quintal e o espectáculo começava. As sessões eram indescritíveis, tal o gozo proporcionado por Charlie Chaplin ou o frenesim das coboiadas de Gary Cooper. Três ou cinco minutos era quanto durava a projecção de cada filme, mas (que) pareciam uma espantosa eternidade a quem, pela primeira vez, via um filme… Em todas as sessões de Charlot estavam bem presentes as exclamações «uuááá!...uuááá!...viabááá», que acompanhavam cada "finta" do actor, num jogo do gato e do rato, no ginásio das termas, e que se repetiam com o mesmo entusiasmo em cada visionamento.
Tirando o Salão de Baile da Dona Sofia, na década de 50, cujo terreiro tinha de ser constantemente regado para aplacar a poeira levantada pelos pares dançantes, não havia outro divertimento senão o cinema em casa do senhor Guilherme Aleixo. E a entrada era gratuita.


Carta de Amor

Aldeia Galega do Ribatejo, 21 de Julho de 1901

Querida Rosália,

Mal acabara de soar a quinta badalada no relógio da torre da Igreja Matriz do Divino Espírito Santo, ainda o dia não rompera, a vila foi acordada por uma girândola de foguetes. Pela terceira vez consecutiva comemoravam-se as festas do orago da vila, o Divino Espírito Santo. Que emoção!
Apesar de todas as dificuldades e atritos, a Comissão Promotora das Festas, onde pontifica gente dos diferentes estratos sociais, e se destacam António Luiz Oliveira, Manuel Cypriano Pio, Jacinto Tavares Ramalho, Domingos António Saloio, Joaquim Augusto da Silva, João Epifâneo das Neves e José Luiz da Silva, preparou Aldegalega para receber os numerosos hóspedes que é mister visitarem-na nesta altura.
E como trabalhou a Comissão… A Praça e o Largo Serpa Pinto, a Rua e o Largo do Caes, a Rua da Ponte, o Largo da Caldeira e a Rua José Maria dos Santos estavam formosamente ornamentadas com iluminações que utilizavam o sistema do Minho, com 20 mil luzes. Parecia até que o sol não se punha na Praça Serpa Pinto.
Tanta luz fez mesmo esquecer que a vila é escura. Os candeeiros são acesos por volta das seis horas da tarde, mas às nove da noite já estão apagados. Dão uma luz mortiça, porque o petróleo é de má qualidade, e, além disto, ruas há que não têm candeeiros, outras têm dois ou três, mas só um se acende pois os outros estão partidos. Quando as festas acabarem, as ruas parecerão ainda mais escuras.
Mas repara, meu Amor, que, apesar das noites escuras, nesta época de festejos – e sabes bem que em chegando o Santo António começa o bailarico – todas as noites se encontram grandes bandos de formosas raparigas que, depois dos seus quefazeres, correm pressurosamente aos bailaricos para ali gorjearem improvisadas canções em frenético desafio com os seus mais que tudo. Apagando-se a iluminação pública às nove, os bailes vão até às tantas da madrugada, pois nem o corfadário assusta esta alegre gente.
Contam as senhoras que vêem a vida a passar através do postigo da porta, – que a rua não é para as mulheres! - dizem elas, que nas noites mais escuras, escuras como o breu, têm aparecido fantasmas na Rua José Maria dos Santos. Sim, acredita, querida, fantasmas!
Com a voz firme e os olhos abertos de espanto, contam que, numa noite destas, quando estavam ao postigo observando as carroças a passar de um lado para o outro, algumas a uma velocidade de causar calafrios, viram um vulto todo branco a correr rua acima, e a tal velocidade que mais parecia que voava. Fecharam logo os postigos, correram as rótulas, retiraram-se para os quartos, apagaram a luz trémula dos candeeiros a petróleo e, desassossegadas e temerosas, rezaram piamente a Nossa Senhora da Atalaia, rogando-lhe que afastasse o fantasma.
Estará a vila assombrada? Não bastava o corfadário a atormentar os noctívagos, ali para os lados da Quinta do Saldanha, nos arredores da vila, para agora termos fantasmas entre portas. Custa-me a acreditar. Quem sabe se o fantasma não é algum espertalhote que, para se encontrar com a pessoa amada, atemoriza toda aquela zona para se poder esgueirar para a alcova da amada sem ser visto? Enquanto as senhoras rezam as ave-marias, eles entoam hinos. Comecei a escrever-te esta carta a falar das Festas do Divino Espírito Santo e desviei-me para outros assuntos. Voltemos então à festa.
Hoje (,) encontrei no “Comércio do Povo”, o senhor José de Sousa Rama. Pessoa interessante e distinta como tu bem conheces. Em menos de um fósforo, perdemo-nos em amena e longa cavaqueira. Como o tempo é de festa, divagou, entre outros assuntos, sobre a razão porque Aldegalega construiu uma nova igreja e a consagrou ao Divino Espírito Santo.
Segundo me contou, leu na Corografia Portuguesa, escrita pela Padre António Carvalho da Costa, em 1709, que o povo de Aldeia Galega deprecou ao Senhor D. Jorge, Mestre de Santiago, filho de El-Rei D. João, o Segundo, reformação de uma nova igreja mais no centro da vila, mas o Mestre indeferiu a pretensão popular. O povo consentiu então que fosse lançado um imposto, denominado finta, e com o dinheiro arrecadado ergueu uma nova igreja que teve posteriormente novas campanhas de obras até alcançar, no século dezassete, o aspecto com que chegou aos nossos dias. Havia então nas extremas da vila duas igrejas, a de S. Sebastião, a oriente, e na Póvoa, a de Santiago.
José de Sousa Rama confidenciou-me que está a escrever um livro sobre a história de Montijo e, sempre gentil, acerca da edificação da igreja, leu-me o seguinte trecho da Corografia Portuguesa, do Padre António Carvalho da Costa: “Fintado o povo com o seu consentimento, se edificou nova Igreja, que é hoje das melhores do Ribatejo, que o braço do povo fez e ornou de prata e ornamentos.” Sempre foi forte o braço deste povo aldeano.
O “Comércio do Povo”, – ainda te lembras? - fica na R. Direita, n.º 88. E como está suja e esburacada esta rua! Os reganos correm junto às casas levando toda a imundície. No rés-do-chão do Paço, onde está instalada a Câmara Municipal, funciona o mercado, sendo que aí também se vende peixe. As carroças e alguns breaks passam deixando atrás de si nuvens de poeira, que as não acalmam os baldes de água lançados amiúde pelos comerciantes. As senhoras resguardam-se com suaves lenços e com vistosos chapéus-de-sol do calor, do mau cheiro e da poeira, que se entranha nos poros. Felizmente, há a Praia do Moinho para se tomar um banho retemperador.
Apesar das obras de construção de um urinol público, a Praça Serpa Pinto está limpa e ornamentada com um vistoso arraial e iluminação minhotos. Barracas de quinquilharias, de tiro e de pim-pam-pum, além da kermesse, são algumas das diversões que os organizadores das festas nos proporcionam.
A festa é rija e não nos faltará música. As Festas do Divino Espírito Santo estão a ser abrilhantadas por seis bandas: a Humanitária de Palmela, a 1º de Dezembro, de Aldegalega, a Banda Municipal, de Lisboa, e as Bandas de Infantaria 5, Infantaria 11 e Infantaria 16.
Para as receber foram construídos mais três coretos, que concorrem com o coreto da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro. Dois sólidos e elegantes coretos foram construídos sob a direcção do consciencioso artista, senhor José Rodrigues Pancão, e instalados um na Praça Serpa Pinto e o outro no Largo do Poço. Um outro ainda, o dos marítimos, tem a original forma de um galeão, e deve-se à iniciativa do senhor António Pedro Silva, proprietário do estaleiro de construções navais da vila e está no Largo do Cais, dominando o Cais das Faluas. Este estaleiro, pela sua forma original, tem sido muito admirado e tem merecido as mais elogiosas referências.
A banda da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, que botara muito boa figura, em Lisboa, quando da recepção da Família Real, voltou a deslumbrar todos quantos assistiram aos seus concertos. Tão bem tem tocado que já se diz ter sido a tocar em Madrid.
Fogo, muito fogo no ar e bailes ao ar livre, campestres e, claro, no Novo Club, na Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro e na Sociedade Recreio Familiar, na Rua do Forno. Os bailes realizados nas associações são muito animados, prolongam-se até às três horas da manhã e neles participam muitas damas formosas vestidas de ricas toilettes, que conferem um tom de alegria e beleza especial aos salões.
Como são animadas e diversificadas as nossas festas!
No Teatro Electro-Mágico, graciosa barraca montada no Largo do Poço, assisti à récita apresentada por distintos amadores da nossa vila. Abriu o espectáculo “O Arlequim”, poesia dramática do senhor Manuel Ferreira Giraldes, o dono da farmácia e republicano – é o que dizem –, e seguiu-se o monólogo “Que Mulher!” e a cançoneta “A Costureirinha”, brilhantemente apresentados por Justiniano António Gouveia. Depois foi representada a engraçada comédia em um acto, “Morte de Galbo”, em que tomaram parte a actriz F.A., Justiniano Gouveia, Domingos António Saloio, José Augusto Simões da Cunha, Amadeu Q. Ventura e Marciano A. da Silva Júnior.
A assistência era constituída pela elite da nossa sociedade.
Mas, querida Rosália, é na rua que a festa acontece, com os ganilhos numa correria desenfreada e com os pregões e a vozearia em torno das inúmeras barracas que se espalham pelas ruas da feira.
Apesar de a polícia andar vigilante, foi reforçada com efectivos vindos de Lisboa, ontem, à noite, dois homens pegaram-se à zaragata, puxando de facas. Um deles levou uma facada no pescoço e foi socorrido, na farmácia Giraldes, pelo médico cirurgião Francisco Ferreira da Silva Júnior, que o suturou.
Num outro dia, durante as festas, uma varina irrompeu aos gritos pelo Largo do Poço e atirou a sua tamanca de madeira à cabeça de um pescador, que se mostrara mais atrevidote. A zaragata que se armou! … O decoro, o pudor e o respeito pelos teus nobres sentimentos impedem-me de lavrar a cena e os motivos que a originaram.
A devoção deste povo, que, ao longo do ano, se manifesta em procissões e novenas, em missas e promessas, tem os seus momentos áureos na Romaria da Atalaia e na Festa do Divino Espírito Santo, onde o religioso e o profano se conjugam e nos mostram como somos tão contrários na unidade das nossas criaturas.
As cantigas de amigo, da Idade Média, testemunham que as meninas iam à Romaria de S. Simão e, enquanto as mães rezavam no interior da ermida, elas bailavam no adro. Assim continua a acontecer. Baila-se no adro das Igrejas de Nossa Senhora da Atalaia e do Divino Espírito Santo e ora-se profundamente no interior de cada uma delas. Em Atalaia, é pungente o espectáculo de homens e mulheres a arrastarem-se pelo chão ou a marcharem sobre os joelhos, cobrindo a distância que vai da ermida ao cruzeiro, à procura de expiarem com a dor os pecados ou de agradecerem as dádivas divinas.
As cerimónias religiosas das Festas do Divino Espírito Santo começaram ontem, dia 20, pelas sete horas e trinta minutos da noite, com a imagem de S. Pedro a ser conduzida processionalmente do Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição para a Igreja Matriz. Às oito e trinta, o mesmo se passou com a imagem de S. Sebastião, da sua ermida para a Igreja Matriz. Nas procissões incorporou-se a Filarmónica Humanitária de Palmela. Às nove horas da noite houve ladainha a grande instrumental.
Hoje, às nove horas da manhã, saíram, processionalmente, do Recolhimento da Senhora da Conceição para a Igreja Matriz, as crianças que pela primeira vez foram comungar, acompanhadas pela Filarmónica Humanitária.
A missa a grande instrumental, cantada pelo Reverendo Prior da freguesia, João Pereira Vicente Ramos, acolitado por outros dois sacerdotes, começou às dez. Foi uma missa diferente como exige a solenidade dos dias festivos. O Reverendo José Joaquim Peixoto empolgou os crentes com a sua pregação ao Evangelho e, a seguir, seguiu-se a comunhão das crianças.
Depois da missa, a Irmandade do Santíssimo ofereceu um almoço às crianças, que foi servido na Casa do Despacho pelas senhoras das famílias mais ilustres da vila, num gesto de caridade, e que foi abrilhantado pela Banda de Infantaria 5.
Após o almoço, seguiu-se o Te Deum  que encerrou a cerimónia.
À tarde, cerca das quatro e meia, saiu da Igreja Matriz uma imponente procissão, com a seguinte ordem: cruz, cereais, Irmandade, anjos, e as imagens de S. Pedro, e logo a seguir a Filarmónica 1º de Dezembro; cruz, cereais, Irmandade, anjos e imagem de Nossa Senhora da Conceição, encerrava a Banda de Infantaria 5; cruz, cereais, pendão, Irmandade, anjos e imagem de Nossa Senhora da Purificação, com a Banda de Infantaria 16; cruz, cereais, Irmandade do Santíssimo, crianças da comunhão, anjos, pálio da Câmara Municipal com o seu estandarte, autoridades judiciais e administrativas e as pessoas mais gradas da vila, que tomaram lugar no pálio. A Banda de Infantaria 11 e uma força do exército encerravam o cortejo religioso.
Haverá ainda mais dois momentos religiosos, com a condução em procissão para o Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição da imagem de S. Pedro, acompanhada pela Filarmónica Humanitária, às nove da tarde, e, à mesma hora, a saída em procissão para a Ermida das imagem de S. Sebastião, acompanhada pela Filarmónica 1º de Dezembro.

Meu amor,

Conheces alguma festa, digna desse nome, em terras ribatejanas, que não tenha outra festa dentro de si, a festa dos touros?
Em quatro dias de festas fui a duas touradas, organizadas pela Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro e abrilhantadas pela sua filarmónica, e que contaram com touros oferecidos pelo opulento lavrador de Rio Frio e Presidente Honorário da Sociedade, o Exmº Senhor José Maria dos Santos.
Claro que, às dez da manhã, não deixei escapar a embolação do gado, momento em que tomamos conhecimento mais de perto com o curro que será lidado.
À tarde, lá me encontrava eu nas primeiras filas, animadíssimo para assistir ao espectáculo. A praça estava à cunha, mas a tourada não satisfez sequer o menos exigente. E isto, segundo se diz, devido a uma patifaria do embolador. E acredito que tenha sido mesmo uma patifaria, porque, na segunda tourada, o gado saiu bravíssimo, dando azo a que se distinguissem Rafael Toledo, El Paleño, Augusto Salgado e Torres Branco. Fernando d’Oliveira castigou com valentia os touros que lhe couberam em sorte, e José Martins fez bons quites. Os moços de forcado José Peixinho, José Russo e Pé-de-Chumbo fizeram pegas rijas, como sempre nos habituaram, sendo por isso muito aplaudidos.
É tarde, querida.
A vila descansa depois de quatro dias de festas.
Iluminaram-se as fachadas da Câmara Municipal, da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro e do Novo Club. Durante o tempo que duraram as festas, a Comissão Promotora conseguiu alcançar da Parceria dos Vapores de Lisboa carreiras de duas em duas horas, entre Aldegalega e Lisboa, e, no domingo e na segunda-feira, houve uma carreira às doze horas da noite, por um dos melhores barcos da Parceria, de Aldegalega para Lisboa. Por isso as ruas da nossa vila encheram-se de hóspedes que foram recebidos com muita simpatia. Os hotéis fizeram bom negócio e o comércio, em geral, animou-se.
A luz do meu candeeiro tremula. O petróleo está a chegar ao fim, mas ainda me dará luz suficiente para responder a uma das perguntas que me fizeste, na tua amável carta: quando foi instituída a festa do Divino Espírito Santo?
Em comemoração da descida do Divino Espírito Santo sobre os apóstolos, a Igreja instituiu uma das suas principais festas litúrgicas no quinquagésimo dia depois da Festa da Ressurreição. Desconhece-se quando se comemorou pela primeira vez no nosso País, dividindo-se as opiniões dos autores. Uns defendem que a Festa do Divino Espírito Santo foi instituída, em Alenquer, pela Rainha Santa Isabel. Outros, no entanto, sustentam que foi instituída em Sintra, onde se celebrava na Sala dos Infantes dos Paços daquela vila.
Em Aldegalega, há notícias da existência da Confraria do Divino Espírito Santo, pelo menos, desde o século XV. Podemos então considerar que as festas remontarão a essa data. Dona Antónia da Silva, que foi importante e rica Provedora da Santa Casa da Misericórdia, no século XVI, legou à instituição a que presidira, a quantia suficiente para que, ao longo dos tempos, se comprassem quarenta alqueires de trigo para se darem em pão amassado aos pobres e necessitados pelas festas do Natal, da Páscoa e do Espírito Santo. As nossas festas serão tão antigas como a própria vila de Aldegalega do Ribatejo.

Meu Amor,

Não sei em que festas nos encontraremos, mas será, certamente, uma grande festa o nosso encontro.
Seja em que festa for, que seja tão animada como foram as Festas em Honra do Divino Espírito Santo.
Abre-se um mundo novo, no princípio deste século, e as mais recentes invenções começam a chegar a Aldegalega. Consta que já poderemos utilizar, no próximo ano, a luz eléctrica e que o animatógrafo passará a animar as festas. Já viste uma lâmpada eléctrica? E como será o animatógrafo? Será melhor do que o teatro ou a opereta?
Escreve-me a contar.
Tentei descrever-te um dia nas Festas do Divino Espírito Santo, em Aldegalega do Ribatejo.
Até ao nosso encontro desejo-te a protecção dos dons do Divino Espírito Santo: sapiência, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor a Deus.
Beijo respeitosamente as tuas níveas e delicadas mãos.
Deus te guarde.
Ruy



Aqui é Montijo…

É de madrugada…
Serena, embalada
Na esperança que é,
A Vila ainda dorme
Na certeza enorme
D’um sonho de Fé!
Já paira sobre ela
A doce aguarela
Do dia nascente,
Apaga-se a Lua
E anima-se a rua
Com a vida da gente.
Há vultos que passam
Conversam, chalaçam,
Na santa alegria
Da rústica gente
Que parte contente
P’rá faina do Dia.
Os burros e enxadas
Tocam nas calçadas
Velha sinfonia…
Sua vida encerra
A História da Terra
Que já se esquecia!
Pescadores no rio
Eterno desafio
À força do Tejo,
Enfrentam revezes
Que a maré às vezes
Não vai a desejo!
O Sol, despontou,
A Vila acordou
E parece gritar:
- Sacode a preguiça
Que o pó da cortiça
Já anda no ar!
Sirenes uivando,
Gritando, chamando
O operariado,
Que passa ligeiro,
Sereno e ordeiro
Na rua, apressado.
Guiando o seu rumo
Penachos de fumo
Subindo em espiral,
São o símbolo imenso
Do trabalho intenso
Da vida local.
Energia dinâmica
Trabalha a cerâmica
A Indústria geral,
Cortiça – a Rainha
Chacina velhinha
Não tem rival!
Trabalho e progresso
Não há retrocesso
Na vila fremente,
Aumenta o valor
Cada vez maior
Em ritmo crescente.
Homens trabalhando,
Máquinas arfando,
Pulmões industriais,
Mais vitalidade,
Poder e Vontade
Que em terras iguais.
E todo o rumor
Do intenso labor
Se transforma num brado,
Ecoando vibrante
Feliz triunfante,
Poderoso e sagrado!
E o brado potente
Que eu lanço contente
E com regozijo,
É um Hino de Amor,
Progresso e Labor:
AQUI É MONTIJO!

               José Joaquim Caria


CINEMA 


     1

Aldegalega foi a porta Sul de Lisboa, ponto de paragem obrigatório para se alcançar a capital do País, e esta localização privilegiada habituou os aldeanos a assistirem aos mais diversos eventos ou entretenimentos, quer resultassem da pompa de uma real visita quer de uma exibição de um urso amestrado pelas ruas, de um espectáculo em barraca de saltimbancos, ou uma exposição.
Em Aldegalega embarcava e desembarcava a corte nas suas viagens para Vila Viçosa ou Elvas.
Na memória da vila ainda se registava o mais faustoso evento a que alguma vez assistira, e que ficou conhecido como «o cortejo da troca das princesas», que se realizou em 1729, espectáculo maior proporcionado aos aldeanos.
O cortejo era capitaneado pelo rei D. João V, que desceu de uma galeota, seguida de centenas de barcos engalanados. Quando saiu de Aldegalega em direcção a Vendas Novas o cortejo abria com um tenente, trombetas e oito cavalos, seguidos de milhares de cortesãos e criados. Ali iam a corte, a nobreza, o corpo diplomático, ministros, mordomos e estribeiros, vinte e cinco carros para os criados do rei, dois com guarda-roupa real, quinhentos cavalos de guarda, duzentos cozinheiros, seiscentas e oitenta e duas bestas de cargas, seges, liteiras e novecentos criados fardados de libré.
A última testa coroada a passar pela vila e a visitá-la oficialmente foi D. Maria II que, no dia 4 de Outubro de 1843, ali desembarcou em companhia do marido, D. Fernando, e dos filhos, D. Pedro e D. Luís. Integravam o séquito real, o Duque do Porto, uma dama, uma governanta, o Duque Estribeiro-Mor, o Presidente de Conselho de Ministros, um gentil-homem da Câmara, um Ajudante de Campo do Rei, 3 criadas, Ministros do Estado, o Médico, o Ajudante de Campo do Presidente de Conselho de Ministros e os criados de mesa. Acompanharam o cortejo real, no desembarque, a guarda de honra, com banda de música.
A rainha foi recebida, no Cais dos Vapores, debaixo do um pálio e, depois das cerimónias protocolares, dirigiu-se em cortejo para a Igreja Matriz do Divino Espírito Santo, que estava ricamente engalanada, onde houve um Te Deum laudamus, em acção de graças. Terminada a cerimónia religiosa, «Suas majestades recolheram-se, por entre alas da guarda de honra do Regimento 16, aos Paços de Concelho, tendo, para isso, de passar sob um artístico arco.» Longe ia o espavento da corte de D. João V.
Devido ao incremento dos transportes a povoação desenvolveu-se, não escapando, porém, às vicissitudes políticas e militares que assolaram o país, nomeadamente, as Invasões Francesas e a Revolução Liberal. Por isso, cerca de 1850, segundo José de Sousa Rama, «o movimento da gente do Alentejo ainda era considerável, mas o número de barcos e de estalagens decrescera. Havia ainda muitas quintas, mas as pessoas nobres e ricas tinham desaparecido (...). Não era nada próspero o seu estado económico e a vila apresentava um aspecto pouco edificante.»
A construção do Caminho de Ferro, em 1855,e, posteriormente, a saída da Posta, em 1858, para Bombel, e, de seguida, para Vendas Novas, ligando-se ao Caminho de Ferro, originou uma grave crise económica e social em Aldegalega. Naquela altura, transitavam, por ano, pelo seu cais, «mais de cinquenta mil passageiros e dez mil carros alentejanos», que passaram a optar pelo caminho-de-ferro e pela vila do Barreiro para alcançarem Lisboa.
Face à crise, os habitantes de Aldegalega «em lugar de implorarem socorro dos governos, preferiram aumentar de esforços e procurar novos meios de trabalho, havendo até quem trocasse a enxada pelo saco de batatas, e o leme pelo cabaz de carne ensacada.»
Paulatinamente, Aldegalega ultrapassou a crise apoiando-se na suinicultura e, posteriormente, na indústria corticeira. A pequena indústria e o comércio floresceram. A agricultura tornou-se ridente, desenvolveu-se o transporte fluvial de mercadorias, e, ao atingir a primeira metade do século XX, Montijo era já uma das vilas mais pujantes do País, com as indústrias de transformação de carne de porco e da cortiça a marcarem o ritmo de desenvolvimento de uma localidade que, atendendo à actividade industrial, mal dormia.
No início do século XX, Aldegalega é uma pequena vila de ruas planas e largas, que se anima com as carroças que a atravessam, com o comércio na Rua Direita e na Praça Serpa Pinto (Praça da República), com as chacinarias em alvoroço, que ouve o martelar de tanoeiros e funileiros e transforma as farmácias em tertúlias, ao fim da tarde e à noite. Os despejos domésticos correm pelas ruas, em reganos, e os dejectos são recolhidos pelo homem da pipa.
Se, durante o dia, os aldeanos têm de ver bem onde põem os pés, à noite têm de ter cuidados redobrados porque a vila está mal iluminada. Os 150 candeeiros a petróleo não respondem aos receios da população de se afoitar à noite.
No princípio do século XX, a vida, em Aldegalega, corria calma, mas animada.
O movimento cultural e recreativo com arraiais na Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, no Novo Clube, no Aldegalense Sport Club e no Grupo Musical Manuel Valente, que mais tarde adoptou o nome de Musical Clube Alfredo Keil, a par do teatro e do animatógrafo, das excursões e touradas, do futebol e dos bailes, das festas e romarias aos santos protectores, a que se juntavam os espectáculos de circo, de opereta, de trupes diversas e de saltimbancos, eram os responsáveis por uma intensa vida cultural, social e recreativa.


2

Em 1900, a população de Aldegalega foi surpreendida pelo convite de Mr. Sousbié para visitar a «Maravilhosa Oleóptica, da Grande Exposição de Paris», colecção de peças mecânicas desconhecidas em Portugal.
A exposição compunha-se de «objectos e de uma grande colecção de vistas modernas».
O convite referia-se à «Exposição Automática e Científica da Sociedade Artística de Paris» e enfatizava que «Mr. Sousbié acaba de receber um sortimento de peças mecânicas de um trabalho e imaginação, o mais completo que se pode exigir, das principais cidades da Europa: é uma colecção inteiramente desconhecida neste país, de diferentes artigos da mais alta novidade, sem rival, e que se pode classificar – Non plus ultra da Europa. Mr. Sousbié escolheu uma colecção de gosto(…). Por este motivo convida todos os amadores e artistas portugueses a virem ver a linda produção dos mestres das melhores oficinas da Europa, em que se revelam as mais sumptuosas ideias artísticas.» 
A entrada era franqueada, a partir das 18H00, ao preço de 60 réis, e de 40 réis para crianças e militares sem graduação, na casa da viúva de José Bento, perto da Rua Direita.
Quem visitasse a “Maravilhosa Oleóptica” podia apreciar o Domador de Serpentes, ver a Resignação de Cleópatra, ouvir Música Automática (piano), admirar a Grande Valz, executada por marquês e marquesa no tempo de Luís XIV, encantar-se com a Rainha do Congo, observar a Vista à Roda do Mundo representada pela artista Sarah Bernhardt, e divertir-se com as Cenas Cómicas e Transformação de Fisionomias. A par dos objectos, a exposição patenteava também uma Grande Colecção de Vistas Modernas, retratando o Enterro de Victor Hugo, a Batalha de Toukin, Franco-Prussiana, o Princípio do Mundo até à Morte de Cristo e a Vista Geral da Exposição de Paris de 1889. Um regalo para os olhos, um espanto para a imaginação.

3

No final do século XIX e até meados do século XX, os bailes foram o divertimento central dos aldeanos e elementos integrantes das récitas e dos saraus dramáticos que, usualmente, se concluíam com um animado baile, que se prolongava pela madrugada.
À luz de archotes, de candeeiros de petróleo ou de acetilene, e ao som do piano ou de divertidos conjuntos constituídos por instrumentos de corda e sopro, os pares rodopiavam elegantemente pelo salão da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, ou em qualquer salão improvisado num armazém de família da «elite da sociedade».
 Os bailes do Natal, Ano Novo, Micarene e do Carnaval eram os mais apetecidos, mas qualquer pretexto servia para reunir as famílias num «sarau dramático, literário e musical», que se concluía com um animado baile, «assistido por muitas formosas damas vestidas de ricas toilettes.».
Apreciemos o baile de Natal, de 1906, pela pena do jornal «O Domingo»,:
«Na noite de Natal esteve concorridíssima, decorrendo com extraordinária alegria a soirée promovida pela direcção da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, auxiliada por uma comissão de cavalheiros desta vila, na sua maioria estudantes. Começou às 9 horas da noite e terminou às 4,30 da madrugada. Pela comissão foi servido chá e bolos às damas e sanduíches e vinho aos cavalheiros.
O cotillon começou á 1,30 e organizou-se com 22 pares, sendo par marcante o nosso amigo Álvaro Valente e a Sr.ª D. Cândida Marques. Houve marcas engraçadíssimas e de muito efeito. Tocou piano durante o baile, o nosso amigo António Dâmaso Nunes de Carvalho. A sala estava gostosamente ornamentada. (...) Às 10 horas prefixas o mestre-sala, Ex.mo Sr. António Cristiano Saloio Júnior, deu o sinal para começar o baile executando magistralmente ao piano o Ex. Sr. António Nunes de Carvalho, que gentilmente acedeu ao pedido que, para este fim, lhe fora feito pela comissão. Às 12 horas e meia foi servido pelos cavalheiros que compunham a comissão Ex.mos Srs. Fernando Ramos, Álvaro Valente, António Cristiano Saloio Júnior, Manuel Paulino Gomes, José Reis, Armando Antunes e mais pelos Ex.mos Srs. Armando Henrique Marques e António Marques Contramestre, que gentilmente coadjuvaram a comissão neste encargo, chá e bolos às damas e mais tarde uma ceia aos cavalheiros.»
Num outro baile, na mesma época, «às 2 horas começou o cotillon dirigido pela Ex.ma Sr.ª D. Adélia da Veiga Marques e pelo nosso prezado amigo, Ex.mo Sr. Álvaro Campos Valente. As marcas simples, mas de um fino gosto artístico, confeccionadas por gentis damas desta vila e por elas oferecidas à comissão, despertaram o entusiasmo e a admiração da numerosa assistência. O prémio, conferido ao melhor valsista, foi alcançado pelo Ex.mo Sr. Fernando Ramos, que dançou com a Ex.ma Sr.ª D. Beatriz Rodrigues Pereira. Eram 5 horas da manhã quando acabou esta simples mas encantadora festa».
Apreciadas eram também as récitas populares, onde as principais famílias da vila se esmeravam para levarem à cena pequenas peças, cançonetas, poesias, operetas e actos de folies-bergeres, «com grande entusiasmo, verdadeira alegria e sincera familiaridade.»
No dia 31 de Julho de 1910, realizou-se, no «elegante teatrinho do Musical Club Alfredo Keil, um belo sarau dedicado às gentis damas de Aldegalega» pelo Grupo Musical Baltazar Manuel Valente, como reconhecimento pela oferta do estandarte, cujo programa foi seguinte:
«Prólogo» pelo sr. José Augusto Simões da Cunha e leitura, pelo mesmo sr., duma bela poesia do nosso correligionário e amigo Álvaro Valente dedicada às gentis damas de Aldegalega, como reconhecimento pela oferta, ao Grupo, do estandarte; Hino do Grupo Baltazar Manuel Valente pelo Grupo; «Os teus Encantos», sinfonia do sr. Baltasar Manuel Valente pelo Grupo; «A prova», monólogo pelo sr. António Gouveia Dimas; «Palácio da Ventura», soneto pelo sr. Augusto José Rodrigues; «Sempre Feijões», cançoneta pelo sr. José Ribeiro dos Santos; «A vida», poesia pelo sr. Carlos Saraiva; «Fado» pelo grupo e cantado com coros; «Adélia», valsa pelo grupo; «Carta Última», poesia pelo sr. Gabriel do Carmo; «O meu gatinho», monólogo pela Ex.ma Srª D. Carlota Tavares Garcia; «Lord Port Wine», cançoneta pelo sr. José Jorge Gomes; «Os Pergaminhos», poesia pelo sr. Álvaro Valente; «Drama», monólogo pelo sr. Carlos Tormenta; «O Ciclista», monólogo pelo menino Joaquim Moreira; «Aninhas e Zé da Horta», dueto pela Ex.ma srª. Dª. Irene Rodrigues Paulada e pelo sr. Amadeu dos Santos; «Poesia Musical», pelas Ex.mas sr.ªs D. Idalina M. Paulada, D. Irene R. Paulada e pelo sr. Álvaro Valente; «Dragão», poesia pelo sr. Alfredo Valente; «Ser Pontual», monólogo pelo sr. António Marques Contramestre; «Esfinge», valsa cantada pela Ex.ma srª D. Francisca Cândido e pelo sr. Horácio Valente; «Rataplan», monólogo pelo menino Francisco d'Oliveira Neto; «A Morte Galante», poesia pelo sr. Adriano Mora; «Excerto da Morte de D. João», pelo sr. J. Gouveia; «Com o meu Chapéu», cançoneta pelo sr. Álvaro Valente; Rapsódia de Cantos Populares, coordenada e instrumentada pelo sr. Baltasar Manuel Valente, com coros e solos pelo sr. Manuel T. Paulada; «Hino», pelo Grupo.»
Registou-se, então que «Esta bela festa, que terminou era já uma hora da noite, foi uma das melhores que até hoje se tem visto no teatro Aldegalense.»
Pelo Carnaval, o Novo Club organizava bailes de máscaras e oferecia aos sócios e às suas famílias «um opíparo copo de água».


4

Era no Largo da Caldeira, Praça Gomes Freire de Andrade, ou em algum armazém arrendado ou cedido graciosamente para o efeito, que as companhias de teatro, o circo e as trupes instalavam as suas barracas ou as tendas, alegrando, em curtas temporadas, as horas de ócio da «elite da nossa sociedade».
Num domingo frio do mês de Dezembro de 1901, realizou-se em Aldegalega, «uma surpreendente sessão de ilusionismo pelo artista Augusto Fortuna, no extenso armazém pertencente aos senhores Ventura, que generosamente lho cederam». O espectáculo contou com a colaboração do «actor Correia, do teatro d’Avenida, que num dos intervalos desempenhou uma cena cómica», e do actor Ródão, que «mimoseou a plateia com um belo fadinho».
No mês seguinte, foi a Troupe Bertini, «que se tem feito ouvir nos principais teatros e clubes do nosso país e assim como em Espanha numa série de concertos em diversos casinos», que, pelas vinte e trinta, se apresentou no salão do senhor José Maria Mendes, na Rua do Forno, num espectáculo constituído por trechos de opereta, monólogos, fados e, no final, baile.
No Natal de 1902, o “Teatro Electro-Mágico”, que manteve a sua «bem construída elegante barraca de fantoches articulados, únicos que têm os movimentos iguais aos do corpo humano», no Largo da Caldeira, obteve boa adesão popular.
No mesmo local e data, instalou-se também o “Teatro Oriental”, que levou à cena os dramas “Os Dois Vadios”, em 6 actos, e “A Louca do Moinho”, em 5 actos, concluindo o espectáculo com «alguns quadros de animatógrafo».
Reconhecia, no final de 1902, o jornal “O Domingo”, que «São uma das distracções mais úteis e de mais enlevo para o espírito os espectáculos teatrais. Passam-se ali horas agradáveis, esquecendo-se até, por vezes, a vida amargurada dos que mourejam noite e dia para alcançarem o pão quotidiano. E esta vila não possui ainda, para vergonha sua, uma casa de espectáculos. Mas a todo o tempo se pode remediar esse mal.»
O comportamento dos espectadores não era, por vezes, o mais desejado, tanto assim que, na sua edição de 28 de Dezembro de 1902, o mesmo jornal chamava a atenção das autoridades administrativas para o facto de o teatro ser «frequentado pela «elite» da nossa sociedade» e reclamava «para bem da decência, (que) sejam castigados com o rigor da lei uns imoralões que ali são certos, incomodando os espectadores com as suas babosices e acções repugnantes.»
Em 18 de Janeiro de 1903, a companhia do Teatro Electro-Mágico regressou a Aldegalega e estreou uma “comédia de animatógrafo” e, no dia 25 do mesmo mês, “doze quadros de animatógrafo sobre a Vida de Cristo”.
É provável que, em data anterior, tenham sido apresentados em Aldegalega espectáculos com “fotografia animada” e “quadros de animatógrafo”, visto que o primeiro espectáculo cinematográfico foi realizado no nosso País, em 18 de Junho de 1896, em Lisboa, no Real Coliseu, à Rua da Palma, no qual participou o actor aldeano Joaquim de Almeida, representando alguns monólogos. Atendendo à proximidade de Lisboa, aliada ao facto de Aldegalega ser um lugar de passagem obrigatório, é de presumir que as primeiras projecções tenham acontecido em anos anteriores.
O “Correio da Noite”, de 15 de Junho de 1896, relatou, assim, o acontecimento: «Chegou hoje de Madrid Mr. Rosuby, que vem apresentar em cinco espectáculos, no Real Coliseu, o Animatógrafo e o Cinematógrafo de Edison, que, por meio de projecções com luz eléctrica, apresenta os mais perfeitos quadros da vida real em tamanho natural e sem omissão do mais insignificante movimento e do menor detalhe. O Animatógrafo só está conhecido em Londres, Paris e Madrid, sendo Lisboa a quarta cidade que vai admirar o último prodígio de Edison.» (As duas vidas de Joaquim de Almeida”, de António Cabrita, in Expresso, de 15.06.1996.)
No dia 22 de Março de 1903, Aldegalega assistiu à abertura da «excelsa barraca de maravilhas, atractivos, ilusões e fantasmagorias fim de século.» Era uma exposição composta por figuras em tamanho natural, luxuosamente vestidas, tendo presente os mais notáveis quadros representando cenas históricas, batalhas e quadros da vida religiosa. «Enquanto se examina o salão far-se-á ouvir o célebre órgão-concerto, que executará óperas».
Os espectáculos e as exposições continuaram a realizar, mas passou-se um ano sem notícias do animatógrafo, até que, em 28 de Fevereiro de 1904, João Luciano Postes solicitou uma licença na Secretaria da Câmara Municipal de Aldegalega para «armar uma barraca de animatógrafo», no Largo da Caldeira, que se veio a denominar “Animatógrafo Lumiére”.
O animatógrafo foi inaugurado em 14 de Abril de 1904, e «unicamente e com grande satisfação podemos acrescentar que é o mais claro e de movimentos mais naturais que temos visto, quer nas personagens quer nos objectos, que se apresentam em tamanho natural.
São de um efeito deslumbrante as transformações, prestidigitação, fantasmagoria e cenas de alta magia apresentadas em cores.
Há funções todas as noites e sempre variadas.”
Os últimos espectáculos na barraca do “Animatógrafo Lumiére” realizaram-se no dia 24 de Abril de 1904, com «o excelente espectáculo, “A Pesca do Bacalhau”, película com 300m e tempo de exibição de 20 minutos», que alcançaram duas enchentes.
Veio a revelar-se de significativa importância a instalação, no Largo da Caldeira, do “elegante teatro-barraca” do Teatro Popular, companhia de Lisboa, que se estreou, no dia 17 de Novembro de 1904, quarta-feira, com o drama em quatro actos «A Filha do Saltimbanco» e, no domingo seguinte, levou à cena o drama “As duas Órfãs”.
Devido ao êxito alcançado, o Teatro Popular passou a apresentar os seus espectáculos no armazém do sr. José Maria Vasconcelos, na Rua da Fábrica, onde as enchentes se sucederam às quintas-feiras e aos domingos.
Aquele armazém transformou-se na primeira sala privada de espectáculos de Aldegalega, quando, em 1904, a Troupe do Teatro Popular, que apresentava os seus espectáculos num elegante teatro-barraca montado no Largo da Caldeira (Praça Gomes Freire de Andrade), ali se refugiou para fugir das intempéries de um Inverno excessivamente rigoroso. Contudo, devido ao êxito alcançado, a companhia prolongou a sua estada em Aldegalega e o armazém passou a ser conhecido como “Salão Teatro Recreio Popular”. Por iniciativa de António Máximo Ventura foi remodelado e adaptado definitivamente a Salão Teatro e inaugurado no dia 8 de Outubro de 1905. Passou a ser referenciado como o «elegante teatro da vila». Aqui seria instalado o primeiro animatógrafo.

5

Apesar do movimento de companhias de teatro itinerante ser significativo, Aldegalega continuava sem ter uma casa de espectáculos. Os grupos de teatro alcançavam Aldegalega, por barco, e instalavam as suas barracas, usualmente, no Largo da Caldeira ou no Largo da Calçada, locais com espaço para estacionamento e boa movimentação das viaturas, como se realçou na época.
A inexistência de uma sala de espectáculos fora já criticada na edição do jornal “O Domingo”, de 28 de Dezembro de 1902, cujo articulista perorava que «esta vila não possui ainda, para vergonha sua, uma casa de espectáculos», e apontava que «o armazém do sr. António Pedro da Silva poderia preencher as condições exigidas para um teatro, se quisessem reunir-se alguns indivíduos de ânimo resoluto para levar a cabo esse empreendimento.» O articulista lembrava que «por meio de subscrições se construíram nesta vila a praça de touros e o coreto, e concorreu-se para essas construções com a maior boa vontade» e concluía que «o teatro é de muito maior utilidade que a praça de touros e por isso merecia protecção de todos que procuram empenhar-se pelo desenvolvimento e progresso desta terra que, estando a pouca distância da capital, tão atrasada se encontra ainda com respeito aos melhoramentos necessários.» O apelo do jornal “O Domingo” não ecoou em Aldegalega.
Embora o cinema começasse a disputar os espaços que até então eram exclusivos do teatro e a ocupar armazéns, salas de conferências ou qualquer outro estabelecimento com as condições mínimas para a projecção de filmes, em Aldegalega do Ribatejo o teatro, as operetas, as récitas populares e os espectáculos de variedades continuavam como fonte primeira de diversão e cultura populares. As barracas de animatógrafo instalavam-se por brevíssimas temporadas no Largo da Caldeira e logo partiam em busca de novos horizontes.
No princípio de 1907, correu a notícia que «o sr. Artur Carlos Costa, proprietário da Eléctrica, brevemente apresentará no teatro desta vila, em diversas sessões, quadros de fotografia animada e, por isso, com ansiedade esperamos a sua realização para passarmos algum tempo esquecidos da monótona vida que levamos.»
O sonho de Artur Costa não se realizou, mas, no final do ano, anunciava-se que «no dia 16 de Novembro, Aldegalega tem ocasião de admirar o mais perfeito animatógrafo até hoje conhecido no País.»
Na realidade, uma sociedade constituída por aldeanos resolvera «comprar, em Paris, uns aparelhos para o animatógrafo, que será montado no teatro desta vila», à Rua da Fábrica (Rua José Joaquim Marques).
Porém, o contrato não se efectuou e o empresário João Inácio da Silva arrendou o Salão Teatro Recreio Popular a António Máximo Ventura para instalar “The Wonderful”, o animatógrafo que fizera a estação de Verão, com enorme sucesso, no Jardim de Inverno do Teatro Dª Amélia, em Lisboa.
Apesar de ter sido anunciado que «É no dia 16 do corrente (16.11.1907) que em Aldegalega se tem ocasião de admirar o mais perfeito animatógrafo até hoje conhecido no país», as sessões só se inauguraram no dia 11 de Dezembro de 1907, «em consequência de não terem chegado uns aparelhos que o sr. João Inácio da Silva ali havia ido comprar para o animatógrafo que está montado no teatro da vila». João Inácio da Silva comprara também, na ocasião, «um magnífico piano eléctrico».
Instalado o animatógrafo, todas as noites ali se apresentavam «quadros grandiosos, o que tem dado lugar a que o vasto salão se torne pequeno para acomodar tão grande número de espectadores.»
Na edição de 15 de Dezembro de 1907, noticiava “O Domingo”:
«Com extraordinário sucesso começou a exibir-se na passada quarta-feira no teatro desta vila, o animatógrafo que no Jardim de Inverno do Teatro D. Amélia em Lisboa, fez a estação de Verão com o geral aplauso do público daquela cidade.
Todas as noites se dão duas sessões variadas em que são apresentados quadros de grande sensação, a que tem dado lugar a que o vasto salão do teatro se torne pequeno para acomodar tão grande número de espectadores.
É realmente, o animatógrafo mais perfeito até hoje conhecido, não há dúvida, e isso nos dá motivo a felicitarmos o seu proprietário, nosso amigo João Inácio da Silva, que bem merece o favor deste bom povo afluindo de futuro como até aqui a todas as sessões do maravilhoso animatógrafo.
O programa das sessões de hoje é com os seguintes quadros:
Primeira sessão: - A Caixa de Charutos, quadro colorido de deslumbrante efeito. – Um drama em Sevilha, quadro estreado em Portugal. – Percalços de um amante. – As cataratas da vitória. – O interior da vida. – A parteira.
Segunda sessão: - Um drama em Niza. – Dois cocheiros para um freguês. – Greve das amas-de-leite. – Uma viagem ao País do gelo. – Diversos assuntos cómicos. A pulga.
Na próxima terça-feira exibir-se-á o sensacional quadro colorido, intitulado O Polichinelo, que demora 27 minutos.»
Com enchentes e espectáculos de grande sensação, o animatógrafo “The Wonderful” cumpriu a sua curta temporada em Aldegalega.
No início de 1908, já o jornal local informava que viria muito brevemente para a vila um novo animatógrafo, «cujos quadros são de efeito surpreendente.»
O novo animatógrafo foi inaugurado, no dia 23 de Fevereiro de 1908, e instalado no teatro da vila, «que além de muito melhorado para este fim, tem algumas comodidades que há muito se faziam sentir», e era propriedade «de uma empresa composta por indivíduos desta vila, que resolveu dar espectáculos para assim termos um bom passatempo. A Empresa do Salão Animatógrafo adquiriu o último modelo em aparelho animatógrafo, sendo o seu autor o célebre engenheiro francês Gaumon, e também o grande fonógrafo “Pathé”, que está reconhecido como o melhor do género.»
O Salão Animatógrafo passou a denominar-se Salão Teatro Recreio Popular e situava-se num armazém na Rua da Fábrica, com entrada também pela Rua das Taipas.
Ao referir-se ao animatógrafo, o jornal “O Domingo”, em 1908, realçava que «é uma boa distracção ao alcance de todas as bolsas e que é de boa justiça que o público concorra para assim evitar que até isso deixe de existir, (visto que) é o único recreio que esta terra possui.»
Não havia, afinal, razões, para qualquer receio porque o mesmo jornal reconhecia, algum tempo depois, que «o animatógrafo continua a ser muito concorrido» e que «para comodidade do público acha-se convenientemente montada no pátio do teatro uma cervejaria.»
Os espectáculos, e o animatógrafo não fugiu à regra, preenchiam duas épocas – a do Outono, que se iniciava em Outubro e terminava em Abril, momento em que se iniciava a época de Verão. As funções de animatógrafo, realizadas no teatro, eram suspensas durante a época de Verão, mas passavam a ter lugar numa esplanada preparada para o efeito, fosse na praça de touros ou no logradouro ou ainda no campo desportivo de alguma colectividade.
Paulatinamente, o cinema ganhava o interesse e tornava-se no principal recreio dos aldeanos. Havia duas funções, uma às 19H00 e a outra às 21H00, à quinta-feira e ao domingo. Quem assistisse à primeira podia ficar para a segunda, sem que para isso tivesse de pagar mais. A crítica afiançava: «Temos assistido a este género de espectáculos e com franqueza o dizemos, ainda não vimos melhor. É o que há de mais perfeito em fotografia animada.»
Apesar de o teatro da vila já contar com o animatógrafo, nem por isso outras companhias de cinema deixaram de visitar Aldegalega, aproveitando, sobretudo, a época de Verão.
A “Companhia do Chiado Terrace” estreou-se, em Março de 1909, no Salão Teatro Recreio Popular, apresentando magníficas fitas, entre as quais se destacava a “Questão Dreyfus”, falada, que tinha para cima de 500 metros.»
A Companhia do Chiado Terrace proporcionava também, à quinta-feira e ao domingo, duas sessões, uma às 19H30 e outra às 21H00. Por 150 réis a cadeira, ou 80 réis a superior, podia assistir-se «aos quadros que são de efeito surpreendente.» Esclareça-se que «as crianças até aos 8 anos, acompanhadas de suas famílias, não pagam nada.»
«As enchentes sucedem-se», rezavam as crónicas, para ver o Noivado Voluntário, Viagem de Um Casaco, Ovos de Páscoa, Gaita Misteriosa, Drama em Veneza e tantas outras fitas.
Eram «de grande sensação todas as sessões de animatógrafo falante realizadas pela Companhia do Chiado Terrasse de Lisboa.»
O animatógrafo ia ganhando crescente importância e autonomia passando de atracção a espectáculo principal. Por volta de 1909, quer já impor-se como espectáculo único, prescindindo da companhia do teatro, das cançonetas ou das variedades musicais ou circenses, mas não do piano, que acompanhava as projecções das fitas. O interesse do público justificou que houvesse função à quinta-feira e ao domingo.
O hábito de ir ao animatógrafo começava a enraizar-se fortemente e, quando se avariou o motor da máquina de projecção, o jornal logo alertou que «já se estranha por não haver sessões animatográficas.»
Mas o espectáculo continuava no Salão Teatro Recreio Popular com a apresentação da revista «Gramofone» protagonizada pelo actor amador Júlio Fernandes, ou com a apresentação das comédias “O Assassino de Macário” e “Casem-se Rapazes”, que garantiam «enchentes.»
Recuperada a máquina de projecção, logo a empresa anunciou o retomar os «espectáculos de fotografia animada, com a sensacional fita O Direito Feudal, quadro este que representa o martírio do povo ante o caciquismo de outros tempos.» Nesta sessão o programa cumpriu-se com a projecção das fitas Combate do Tigre com o Touro, Salchicha Recalcitrante, Direito feudal (falada), Pó Epilatório, Rapto no Reinado de Luís XVI, Legado Difícil (falada), Pata de cabra e Cada Doido (comédia).
O Salão Teatro Recreio Popular, «sempre chique e distintamente frequentado», oferecia, por essa altura, à quinta-feira e ao domingo, «magníficas fitas animadas e desempenhos, nos intervalos, por artistas de reconhecida competência». «Boa Música! Excelente Desempenho! Fitas Animatográficas de Sucesso Certo!» garantiam lotações esgotadas.
A ordem do espectáculo respeitava, então, o seguinte programa:
1º - Música, piano.
2º - Fita Animatográfica.
3º - Fita Animatográfica Principal (Drama ou comédia, fita com mais de 400 metros).
4.º - Actuação do Artista de cartaz.
5.º - Intervalo de 10 minutos.
6 º - Música, piano.
7º - Fita Animatográfica.
8º - Fita Animatográfica.
9º - Música, piano.
10º Actuação do Artista de cartaz.
11º Intervalo.
12º - Música, piano.
13º - Fita Animatográfica.
14.º -Fita Animatográfica.
15º - Fita Animatográfica.
16º - Música, piano.
17º -Actuação do Artista de cartaz.

As fitas eram promovidas pelo tempo de projecção ou número de metros. Havia duas sessões, «Uma para Alegres e Outra para Pacatos», e os cartazes davam relevo à companhia de teatro, ao artista ou ao cançonetista convidado, que participariam na “sessão mista”. 
Na sessão de 29 de Janeiro de 1911, apresentou-se Callita Marques, que fez as delícias do público com as suas interessantes cançonetas, e «representou-se cinematograficamente o belo drama de sensação com 265 metros, «Filha minha», de que damos uma ligeira ideia:
Uma manhã Ninetta vai passear com a sua preceptora, despede-se de sua mãe à porta do jardim. Tom, o cão fiel, acompanha Ninetta na sua excursão; a preceptora e a menina chegam à margem do lago e sentam-se sobre uma prancha; Nineta brinca com Tom. Neste momento chega uma amiga da preceptora e entre as duas trava-se animada discussão sobre frivolidades, e é tal o calor da discussão, que não se apercebem de que a menina se vai distanciando. A pequena caminha costeando a orla do lago, aparecendo-lhe de repente um cigano que de perto a vigiava. Rouba-a, deitando o chapéu no lago para fazer perder a pista.
Ao despedir-se da sua amiga, a preceptora dá pela falta de Ninetta, corre desesperada a casa a dar a triste nova à sua ama, a qual como doida corre em direcção ao lago, seguida da criada e de António, seu fiel criado. Encontram o chapéu da menina flutuando à tona da água, e a mãe como louca tenta atirar-se ao lago, sendo detida por seus criados. A mãe enlouquece, dando gritos e gargalhadas, e é transportada a sua casa.
O cigano chega com Ninetta ao acampamento e deita-a sobre um monte de palha. Tom, seguindo sempre a sua pequena ama, fica com ela entre os ciganos. O raptor tira a Ninetta um medalhão de ouro, pondo-o ao peito.
Uma noite, a pequena foge do acampamento acompanhada do fiel Tom, encontrando-se com um guarda-bosque que a toma em seus braços.
Pela manhã, o cigano dá pela falta de Ninetta, corre em sua perseguição, mas é demasiado tarde, pois vê-a nos braços do guarda-bosque. Fazendo um gesto irado, retira-se do lugar impelido por um companheiro que o havia seguido. Os dois, uma noite, escalam o muro do jardim da casa de Ninetta, caindo na boca do lobo (como vulgarmente se diz).
O cigano entra no palácio para roubar.
No palácio todos estão ainda levantados; ao lado da pobre louca encontra-se o doutor.
O ruído produzido pelo ladrão adverte-os do perigo e correm ao salão onde encontram o cigano que é amarrado fortemente (,) e, revistando-o, encontram-lhe o medalhão de Ninetta. Vendo-se descoberto, confessa o roubo da menina e promete conduzi-los aonde está Ninetta, com a condição de o deixarem em liberdade.
 Leva-os até à casa do guarda-bosque, Ninetta é conduzida a casa de sua mãe, a qual reconhece a filha e, abraçando-a com alegria, recupera a razão.»
Este «film» terá sido, certamente, uma sessão para pacatos.

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No dia 1 de Maio de 1911, foi inaugurada a luz eléctrica em Aldegalega do Ribatejo, que substituiu os gasómetros de acetileno instalados na vila em Fevereiro de 1907. O melhoramento não trouxe grandes benefícios à projecção cinematográfica, pelo contrário, «o espectáculo seria óptimo, se não fosse a infelicidade da luz estar a faltar continuamente.» A irregularidade no fornecimento de energia eléctrica obrigou a que, ao longo de, pelo menos, três décadas, as empresas informassem nos seus programas e cartazes que «se depois do espectáculo principiar faltar a luz a empresa não é obrigada a indemnizar os espectadores.»
A reabertura do animatógrafo, na época de Inverno, era sempre vivamente saudada, porque, assim, os aldeanos já tinham onde passar «algumas horas das enfadonhas noites de Inverno».
O animatógrafo passava a concorrer com o teatro e a opereta, a prestidigitação e a cançoneta, conquistando dia a dia mais adeptos, ao ponto de, em Aldegalega, em 1912, vila com cerca de 11 mil habitantes, existirem dois “animatógrafos”: O Salão Teatro Recreio Popular, que abria as suas portas no Inverno, e o Circo Recreativo Animatográfico, propriedade do cidadão espanhol Gregório Gil, que foi inaugurado em 19 de Maio de 1912, e preenchia a época de Verão.
O Circo Recreativo Animatográfico instalava-se na Praça de Touros, «para esse fim decentemente preparada.» Garantia o jornal “O Domingo”, na edição de 2 de Junho de 1912, que «O melhor, o mais aperfeiçoado dos animatógrafos de Portugal, está em Aldegalega, na Praça de Touros.»
 No ano seguinte, o empresário do Salão Teatro Recreio Popular, António Dâmaso Nunes de Carvalho, e a Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro associaram-se e passaram a gerir aquele animatógrafo, passando a banda da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro a abrilhantar os espectáculos.
Nunes de Carvalho, que exerceu uma profícua acção em prol do teatro e da divulgação do cinema, mereceu a seguinte notícia do jornal “O Domingo”, de 21 de Setembro de 1913:
«Parece ser certo que o nosso amigo Nunes de Carvalho, empresário deste elegante teatro (Salão Teatro Recreio Popular) está trabalhando activamente para dar-nos uma época teatral como nunca, pois que tenciona dar nova orientação aos futuros espectáculos, não só no que diz respeito aos números de variedades como também na escolha de belas peças que sejam mais do agrado do nosso público, ou seja boas revistas sem pornografia, pequenas operetas, comédias, etc.
Conta abrir essa época a 11 do próximo mês de Outubro, tencionando em toda ela dar-nos belos espectáculos aos sábados e domingos.
Também a parte musical vai ser melhorada; um magnífico terceto composto de piano, violino e violoncelo que em todas as noites se fará ouvir em magníficos números de concerto, para o que conta ter um excelente piano de grande sonoridade.
Por tudo isto só temos que render justos elogios a tão bom empreendedor como trabalhador empresário que, graças à sua força de vontade, possuímos esse belo passatempo, o único com que podemos contar nesta terra bem digna de muito mais.»

7

Apesar da concorrência do animatógrafo, o teatro mantinha uma saudável vitalidade e continuava a cativar o público, de tal modo que, pela abertura da época de Inverno, era sempre anunciada a companhia de teatro que se apresentaria. Por outro lado, alternando com as mais belas fitas que eram visionadas todas as noites no Salão Teatro Recreio Popular, exibiam-se trupes e artistas de reconhecida competência, ou mesmo companhias de teatro ou de opereta.
Por esta altura, as sessões do animatógrafo passaram a ser mistas, mas sempre que a companhia de teatro ou os actores anunciados fossem de elevado gabarito, como aconteceu com a presença de Joaquim de Almeida, de Ângela Pinto ou de Chaby Pinheiro, entre tantos outros actores e actrizes de primeira água que se apresentaram em Aldegalega, as peças de teatro preenchiam toda a sessão. O espectáculo com Joaquim de Almeida e Ângela Pinto foi considerado «soberbo».
Iam desaparecendo as trupes de modestos artistas que, em barracas improvisadas, se sediavam no Largo da Caldeira (Praça Gomes Freire de Andrade), quando, no princípio do século XX, demandavam a vila de Aldegalega.
O “Teatro Hermínia”, que a preços módicos de 200 réis as cadeiras, 120 réis a superior e 80 réis a geral, fazia a plateia chorar com o drama em três actos “O Perdão d’El-Rei”, para logo a consolar com uma cançoneta apresentada por uma novel actriz ou a fazer rir a bandeiras despregadas com a comédia em um acto “A Protectora dos Animais”, ou, noutro espectáculo mais atrevido de travesti, apresentar o «Sr. António Pylonas, que exibirá umas cenas femininas”, era já uma saudade. Também o era a trupe Bertini, que «encheu à cunha o salão do Sr. José Maria Mendes, à rua do Forno”, corria então o ano de 1901.
O animatógrafo ia construindo o seu caminho e, em 1916, embora tivesse alcançado significativa autonomia face aos outros espectáculos, sempre que as circunstâncias o exigissem, não deixava de partilhar a mesma sessão com espectáculos ao vivo. A separação das sessões de animatógrafo das do teatro procedeu-se de forma gradual e em são convívio, de tal modo que se popularizou a expressão «fim-de-festa» para significar que a seguir à sessão de cinema haveria outra, mais curta, com um espectáculo ao vivo
A evolução do cinema projectou-se também no vocabulário, nos hábitos. Surgiu um novo vocábulo, “filme”, escrito entre aspas, que substituiu a palavra “fita”. As sessões passaram a ser preenchidas com a projecção de um só “filme” não de um conjunto de quadros. Os jornais passaram a dedicar mais atenção ao cinema levando aos seus leitores informação sobre os filmes em exibição.
«A Sombra de Kismet, exibido no Salão teatro Recreio Popular é um “film” género policial, que está divido em quatro partes e tem 2400 metros (...)»
«Tem causado extraordinária sensação o “film”, que no Teatro Recreio Popular está sendo corrido e cujas peripécias têm levado o espectador a manifestar-se entusiasticamente e que se chama “O Três de Copas”. O “film” está dividido em quinze séries de duas partes, sendo corridas três por noite. Hoje cabe a vez às 7ª, 8ª e 9ª séries que, a calcular pelas noites de domingo e de quinta-feira, devem dar nova enchente. É enternecedor e deixa uma bela impressão no espírito dos assistentes.» Podia ler-se no jornal da vila, que, para cativar os seus leitores e entusiasmá-los, publicava o resumo dos filmes, como aconteceu com o «Três de Copas»:
«O nosso amigo Nunes de Carvalho que tanto se tem esforçado por dar momentos felizes ao povo desta terra, conseguiu agora alugar, com enorme sacrifício, o grandioso «film» corrido ultimamente nos melhores salões animatográficos de Lisboa, que se intitula «O três de copas».
Este «film», que está dividido em quinze séries de duas partes, é uma obra de alto pensamento que deixa os espectadores surpreendidos pelo imprevisto dos seus quadros e que começará hoje a ser projectado no «écran» do amplo salão do Recreio Popular.
O enredo da peça é o seguinte:
Trine adquiriu a certeza de que a sua esposa ainda ama o jovem Alow, como antes de casar, e jura vingar-se deste. Alow, depois de arruinado por Trine, dá um passeio de automóvel para respirar um pouco de ar puro e tem a infelicidade de atropelar Trine que, conquanto se salve, fica paralítico para toda a vida. Este concebe o plano de matar Alow e avisa-o de que será um três de copas o prelúdio da sua morte. Alow, abatido pelos desgostos, morre ao receber esta notícia, deixando um filho que faz na Europa, mais tarde, negócios com muita felicidade. Trine que se encontra na América e se quer vingar no filho do seu extinto rival procura atrair este aos seus palácios. Para isso manda sua filha Rosa, que não suspeita das intenções de seu pai, à Europa, a fim de se encontrar com Alan que é filho de Alow. Os dois jovens encontram-se e enamoram-se.
Judite, irmã gémea de Rosa, quer matar Alan mas também se apaixona pelo jovem. Rosa, sendo uma menina de bom coração, é menos estimada pelo pai que sua irmã que possui um carácter perverso e um instinto grande de vingança.
É aqui que começa a perseguição feita pelos acólitos de Trine a Alan que se aliou a Rosa. Esta parte do «film» é a principal, a mais longa e a mais interessante. Por vezes Judite, o verdadeiro génio do mal, serve-se da sua semelhança com a irmã para frustrar os planos de Alan. Barcus é um amigo que algumas vezes tem ocasião de salvar da morte os dois enamorados, aquém se aliou.        
Judite, apesar da perseguição que faz a Alan é salva por este da morte.
Este «film», que tem pedaços de deixar o público num anseio extremo, termina por Judite desistir da perseguição e deixar à sua irmã o direito de descanso e felicidade de que era merecedora.
Com fitas como «O três de copas», que só podem vir a Aldegalega com grande sacrifício do nosso amigo Carvalho, é de esperar que o povo aflua ao teatro Recreio Popular.»

O Salão Teatro Recreio Popular abria as suas portas à quinta-feira e ao domingo, porque «Aldegalega não prescinde divertir-se pelo menos duas vezes por semana. É o alimento do espírito. O programa é interessante como se mostra: “Casos do Dia”, bela peça num acto; fados, canções e os duetos “Amor Sem Dinheiro” e “Ui…Ui…” e o engraçadíssimo terceto “Varina, Conde e Varino.” A fechar sobe à cena a interessante opereta de um acto “O Absoletado”, recheada de bela música. O espectáculo é da trupe artística de comédia e opereta constituída pelas actrizes Berta Miranda e Felizmina Silva e os apreciáveis actores Eduardo Raposo e Alberto Miranda.»
Na segunda sessão de 11 de Fevereiro de 1915, às vinte e três horas e trinta minutos, uma das fitas incendiou-se pegando fogo a outras, pondo em sobressalto os espectadores, e originando, sem mais consequências, o único incidente registado no Salão Teatro Recreio Popular.
A eclosão da Primeira Guerra Mundial não se reflectiu no desenvolvimento do cinema em Aldegalega. As funções continuaram habitualmente. No dia 18 de Outubro de 1914, depois de ter informado os seus leitores que havia duas sessões com os artistas Isabel Costa e Alfredo Silva, que apresentariam novos números e duetos e que a pedido se repetiria «o fado do “31” que, diga-se a verdade, ninguém se cansa de ouvir», e de esclarecer que «completará o espectáculo o número de oito belas fitas de assuntos palpitantes», o jornal o Domingo concluía a notícia deste modo: «Consta-nos que a empresa pôde obter para breve a fita da guerra, a 1ª série, e está na disposição de nos apresentar todas as séries respeitantes a esse grande acontecimento mundial, que é a guerra europeia.»
Apesar do entusiasmo que rodeava cada sessão cinematográfica, em 1917, o jornal «A Razão», órgão do Partido Republicano Português, publicado em Montijo, lançava um alerta sobre os malefícios do cinema sobre as crianças, interrogando se haveria algo mais imoral para as crianças, porque «a criança ofuscada pelas diabólicas fitas não deseja outro passatempo que não sejam os crimes que viu praticar. Eis porque elas preferem nos seus folguedos estas imoralidades.» A articulista aconselhava, então, aos pais a não levarem os seus filhos a semelhantes espectáculos, mas defendia que o cinema devia ser a base de instrução e moral pública, principalmente para as crianças.
O acesso às salas de espectáculo não estava regulamentado. Havia uma só regra: crianças até aos oito anos acompanhadas pelos pais ou familiares não pagam a entrada.

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No dealbar de 1920, o cinema popularizava-se e o proprietário do elegante Salão Recreio Popular continuava a deliciar as plateias com a apresentação de belas fitas cinematográficas. No entanto, lamentava-se que «se não ponha cobro ao constante estalar das rolhas das gasosas que incomodam os espectadores e não seja proibido o uso de vinho durante o espectáculo, dando assim aquele conjunto o aspecto duma taberna ao salão que não se fez decerto para isso.»
Na sessão ordinária realizada no dia 4 de Fevereiro de 1920,a Câmara Municipal de Aldegalega deliberou «deferir o requerimento de J.A. Pires para a instalação de uma barraca desmontável para animatógrafo e teatro, no espaço compreendido entre o edifício do Tribunal e o Cais das Faluas, ficando entre a barraca e o referido edifício do Tribunal uma rua de seis metros de largura e pagando o proprietário da barraca a taxa mensal de cinco escudos pela ocupação do terreno.»
A edilidade acedia, assim, à pretensão de João Antunes Pires que requerera autorização para construir uma nova sala de espectáculos, no Largo Gomes Freire de Andrade, e um cinema ao ar livre, o Cinema Central, na Rua Bolhão Pato, (ex-Rua Teófilo Braga).
Um ano volvido sobre o deferimento camarário, em Março de 1921, João Antunes da Silva vendeu as duas salas de espectáculo à Empresa Relógio & Ribeiro, constituída pelos aldeanos Avelino de Jesus Relógio e Frederico Guilherme da Costa.
A nova empresa iniciou sua actividade, no dia 2 de Outubro de 1921, tendo obtido grande assistência em todos os espectáculos, «devido aos escolhidos programas cinematográficos que capricha apresentar ao público frequentador.»
Ao terminar a época de Inverno, a empresa exploradora requereu autorização à Câmara Municipal de Aldegalega para proceder à ampliação da barraca até à esquina do tribunal, bem como em ocasião oportuna a construção de uma marquise, porque o espaço ocupado pelo cinema era insuficiente para as exigências e comodidades do público.
O pedido foi deferido e depois de concluídas as obras de ampliação, à barraca foi dado o nome de “Grande Cinema Independente”, que se inaugurou no dia 2 de Outubro de 1922, com a projecção da «película Por Amor, onde a eminente actriz Pérola Branca tem um trabalho violentíssimo que faz emocionar todas as plateias onde tem sido exibida.»
O “Grande Cinema Independente”, cuja autorização de cedência terminaria em 1925, apresentava «um record de brilhantes espectáculos, tanto cinematográficos, como de opereta, embora o nosso público não tenha correspondido à boa vontade da empresa». Porém, «depois de tão belos espectáculos até hoje apresentados, e ainda no último domingo com o Pobre Miudinho, já para o próximo dia 1º de Maio, feriado Municipal, a Empresa contratou um dos melhores filmes em séries que ultimamente no Salão Central se exibiu, O Atleta Invencível, que grandes enchentes àquele Salão levou, o qual fechará a época de Inverno. O Atleta Invisível, pelo artista mais popular do mundo, Eddie Pólo, que se divide em 18 séries e 36 partes, exibindo-se naquele dia as três primeiras séries intituladas: 1ª «Dinheiro Ensanguentado», 2ª «O Desconhecido», 3ª «Arma Acusadora.» Por noite exibiam-se três séries e durante seis sessões apresentava-se o filme.
Os espectáculos cinematográficos tinham recebido, desde Fevereiro de 1925, regulamentação específica. As empresas ficavam obrigadas a comunicar, com a antecedência de 24 horas, os títulos e os assuntos das películas novas e o dia em que seriam apresentadas ao público, a fim de se poder verificar se as explicações dessas fitas estavam escritas em corrente linguagem portuguesa, ou se, pelo assunto nelas tratado, constituíam motivo para serem retiradas por atentarem contra a moral social, incitarem ao crime ou serem perniciosas para a educação do povo. Nos espectáculos cinematográficos era proibida a entrada de menores de 12 anos, quando desacompanhados dos pais, tutores, professores ou pessoa responsável pela sua guarda, salvo em sessões diurnas exclusivamente dedicadas a crianças, com a exibição de películas instrutivas.
O Grande Cinema Independente continuava a receber no seu palco companhias de teatro e de opereta.
Na noite de 14 de Setembro de 1924, a Companhia Dramática de José Clímaco apresentou, naquela noite, uma opereta, que agradou vivamente ao público, ficando agendada nova representação para o dia seguinte.
Nessa noite, porém, a população de Aldegalega foi acordada pelo repicar incessante do sino da Igreja Matriz, que redobrava de alarme. Ardia com violência a barraca do “Grande Cinema Independente”. 
«De toda a parte corre gente, meia dormida ainda, ouvem-se gritos aflitivos, há choros e labaredas altas e ofegantes, lambendo as madeiras, atiram para o espaço grandes faúlhas que o vento impele. Apercebemos imediatamente que ardia com violência o edifício do Grande Cinema Independente. No edifício do Tribunal e Cadeia – o mais próximo do cinema – as janelas do pavimento superior começavam a ser beijadas pela ardência das bocas vermelhas que o incêndio, como uma hidra, lhe envia. Os presos da cadeia estão aflitos. No Cais das Faluas vai uma grande azáfama: as embarcações largam todas para longe, receando serem atingidas. Socorros nenhuns! O espectáculo é horroroso. Um pavoroso incêndio, um dos maiores – senão o maior – de todos a que temos assistido nesta vila. O edifício está todo derruído; a cabine por terra e em fogo; o piano irreconhecível; as bancadas reduzidas a cinzas; o palco, os bastidores, tudo, tudo está ardendo e sob os escombros em ignição as malas da Companhia. E ninguém se mexe, nem perante as lágrimas, nem perante o delíquo director do grupo, nem perante a forte comoção que lançou por terra inanimado, quase alucinado, o empresário cinematográfico sr. Frederico Guilherme Ribeiro da Costa.» Assim testemunhou o incêndio o director do jornal “A Liberdade”, Dr. Paulino Gomes, que vivia a dois passos do animatógrafo.
A tragédia abalou Aldegalega, mas não colheu o espírito de solidariedade dos aldeanos, que se mobilizaram para ajudarem a companhia de teatro, que perdera todos os seus bens.
Extintas as labaredas, a Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro logo organizou um bando precatório que rendeu 1.866$00.
A Banda Democrática 2 de Janeiro promoveu um espectáculo, no Circo ideal, enchendo-se a casa por completo.
O Musical Clube Alfredo Keil organizou um espectáculo no seu teatro.
Em Setembro, a Companhia regressou a Aldegalega para manifestar o seu perene agradecimento ao seu povo. No cunhal da fachada principal do edifício do Tribunal e Cadeia, actual Paço do Concelho, a Companhia afixou uma lápide, que perdura, e onde se pode ler: «HOMENAGEM DA COMPANHIA DRAMÁTICA JOSÉ CLÍMACO AO POVO DE ALDEGALEGA – 15-9-1924».
A acção da população de Aldegalega foi também reconhecida pela Associação da Classe dos Trabalhadores de Teatro, que «tendo tido conhecimento da forma carinhosa como foram tratados os seus consócios que faziam parte da companhia dramática José Clímaco, depois do incêndio, em que perderam todos os seus haveres pessoais e material artístico consignou um voto de enternecido agradecimento ao povo de Aldegalega».

9

Aldegalega ficou sem o salão e sem sessões de cinema e a notícia do pavoroso incêndio repercutiu-se na capital, onde João de Paiva, proprietário de uma barraca de animatógrafo, armada no Parque Eduardo VII, em Lisboa, ao saber do infaust acontecimento, requereu ao presidente da Câmara Municipal de Aldegalega, em 3 de Novembro de 1924, autorização «para armar a barraca com 9 metros de largura por 22 metros de comprimento, para fazer exploração do animatógrafo nos meses de Novembro e Dezembro de 1924, e de Janeiro a Abril de 1925, desmanchando-a depois desta data». O pedido foi deferido e o novo animatógrafo, que passou a denominar-se Cine Parque, foi mais tarde adquirido pela Empresa Gomes & Cª., constituída por Gabriel Mimoso, José Gomes e António Gomes. Houve notícias do Cine Parque até 1937.
A concorrência entre o Cine Parque e o Cinema Teatro Joaquim de Almeida não deixaria de ser notada na revista «Só d’Óculos».

Cine Parque e Cine Teatro Joaquim de Almeida

       Cine Parque
Todo feito de madeira
Pareces mesmo um caixote!

     Cinema Teatro
Ora a barraca de feira!
Que palerma de pexote!

      Cine Parque
Tuas fitas de outra era
Já não se podem gramar.

     Cinema teatro
E a tua máquina bera
Quando se põe a guinchar?

        Cine Parque
Tenho artistas colossais:
- O Chevalier, o Al Johnson

      Cinema Teatro
Pois eu cá tenho o Punhais
E os muros de Fred Thomson.


A Empresa Relógio & Ribeiro Gil, Lda., apesar de fortemente abalada pela tragédia, requereu, em 25 de Novembro de 1924, autorização para «armar uma barraca desmontável e provisoriamente no largo conhecido por Cais Pequeno, prolongamento da R. da Ponte, pelo tempo que ainda falta usufruir pelo antigo Grande Cinema Independente.» O pedido foi deferido na reunião da Câmara Municipal de Aldegalega realizada no dia seguinte.
A construção da nova barraca de cinema originou a contestação dos vizinhos, que tinham bem presente o pavoroso incêndio que consumira o Grande Cinema Independente e danificara bastante o edifício da cadeia e tribunal e os armazéns situados em redor. A população reclamava, porque a barraca a construir se situava perto das suas habitações e não tinha a mais leve segurança contra o risco de incêndio. A petição era assinada, entre outros, por Manuel Paulino Gomes, Avelino Salgado Oliveira, Eufémia Amélia da Silva Gouveia e Raul Marques Carapinha.
Apesar da contestação, o cinema foi construído e inaugurado em 17 de Julho de 1925 e recebeu o nome de “Cinema Joaquim de Almeida”. Tinha uma lotação de 596 espectadores, que se distribuíam por frisas (16), balcão (124), cadeiras (180), superior (110), geral (86) e camarotes (80).
Localizado junto ao rio, construído em madeira e com cobertura de zinco, que produzia um enorme ruído em dias de chuva; sem comodidades, as cadeiras eram todas em madeira; sala fria no Inverno – no Verão encerrava; sem mictórios, na noite escura os homens aliviavam-se na rua, mas mulheres teriam de aguardar pela chegada a casa. O Cinema Joaquim de Almeida, que em dias de maré cheia sentia o rio a beijar-lhe o soalho e ouvia frenesim das ratazanas na caixa-de-ar construída entre o solo e o soalho, tornou-se na sala de espectáculos preferida dos montijenses, e, na senda da tradição, continuava a proporcionar aos seus espectadores sessões de bom teatro e cinema, por 2$50, a geral, e 4$00, a plateia.
«É um grande barracão de madeira, mandado construir pela Empresa Relógio, Ribeiro & C.ª, constituído interiormente por uma ampla plateia com «fauteuils», cadeiras, geral, superior, frisas, um vasto balcão e camarotes. Junto à porta principal que dá para a Travessa do Cais possui um amplo átrio de acesso para a plateia, tendo também no pavimento superior, junto aos balcões, uma «cabine» para instalação de uma máquina cinematográfica. O palco é vasto e apropriado para a reapresentação de qualquer peça, estando por debaixo construídos oito camarins.
É finalmente uma casa montada em condições suficientes para exibições cinematográficas e ao mesmo tempo para apresentação das melhores companhias de teatro da capital. O seu interior contém comodidades para os seus frequentadores. Pena é ser de madeira.» Assim descreveu o cinema, o jornal «A Liberdade», quando da inauguração da nova casa de espectáculos.
O Cinema-Teatro Joaquim de Almeida foi inaugurado pela Companhia de Teatro Joaquim de Almeida, que representou duas peças: «O Papá Lebonnard», no domingo, e «Duas Causas», no dia seguinte.
Alguns anos após a inauguração, já o cinema-teatro era alvo de críticas e reclamava-se por uma nova construção.
No Verão de 1933, defendia o jornal «Montijo»:
Se se mostrasse o inestético barracão de madeira da Rua da Ponte, a todos os visitantes que viessem à nossa terra pela primeira vez, nenhum diria tratar-se dum «Cine-Teatro».
No que toca à sua estética não nos alongamos em considerações, visto ser absolutamente condenável aos olhos de todos.
O segundo ponto imensamente importante é o que periga a vida dos espectadores que despreocupadamente assistem ao desenrolar do espectáculo sem preverem o perigo catastrófico que os ameaça inexoravelmente. Por muito vigilante e cuidadoso que seja o seu serviço de bombeiros não pode obstar a uma catástrofe prevista.
O «Cine Parque» está igualmente condenado por que as suas minguadas dimensões não permitem o arejamento necessário de casas com as condições higiénicas para este fim, nem afastar suficientemente o ecrã a fim de não ferir a vista dos seus espectadores.
Em casas tão acanhadas não se devia pensar em fazer espectáculos públicos.
Urge, pois, construir uma casa própria para espectáculos fazendo desaparecer tudo quanto denote atraso para a nossa terra.
Montijo é uma das maiores vilas de Portugal com justas aspirações a cidade, portanto exige o seu embelezamento em proporção com a sua grandeza.»
As companhias teatrais de Ilda Stichini (convidada para comemorar o 5º aniversário do cinema e que pela primeira vez se estreou em Montijo), Lucinda Trindade, Adelina Aura Abranches, Lina Demoel e de Amélia Rey Colaço/Robles Monteiro, entre outras, honraram com a sua presença o palco do Cinema Joaquim de Almeida. Na tela os cinéfilos descobriam, entre tantos outros afamados actores e realizadores, Tym Mac Coy, Charlie Chaplin (Charlot), Pamplinas, Al Johnson, Fritz Lang e Pudovkine – “o primeiro animador mundial do claro-escuro” – «e muitos outros das acreditadas marcas Metro-Goldwin-Mayer, U.F.A., Paramount e das demais marcas que tanto sucesso têm obtido.» Duas placas, colocadas actualmente no Cinema Teatro Joaquim de Almeida, recordam e homenageiam as Companhias de Adelina Aura Abranches e de Amélia Rey Colaço/Robles Monteiro, que actuaram em Montijo, esta em 11 de Abril de 1938, e aquela em 19 de Maio de 1938.
Em Novembro de 1930, o jornal “Montijo”, sob o título “Films Sonoros”, publicava a seguinte notícia: «Ainda esta semana deve ser estreado no Cinema Teatro Joaquim de Almeida a última revelação da ciência deste género de cinema, devendo ser projectados dois dos melhores filmes falados e cantados. Como para esta vila é uma verdadeira novidade, estamos certos que o teatro vai ser pequeno para conter a ansiedade do público ávido de ver e ouvir tão belos espectáculos.» As sessões de cinema passaram então a ser mistas, com a projecção de filmes sonoros e mudos.
Após a estreia dos filmes sonoros, o jornal registava que «Hoje já temos a realização que aspirava o cinema: o filme sonoro. Exibindo-se aqui, obteve um êxito fora de comum.»
O cinema sonoro português chegou ao Montijo por iniciativa dos empresários do Cine-Parque que, nos dias 7 e 8 de Fevereiro de 1932, proporcionaram «quatro espectáculos com o discutido fono-filme, falado e cantado em português, A Severa, que é realizado e musicado por portugueses e interpretado, também, por artistas portugueses.» No mês de Julho, a actriz Dina Teresa, intérprete de A Severa, acompanhada de um grupo de artistas, apresentou no Cinema Joaquim de Almeida «alguns quadros ao vivo do fono-filme «A Severa», cantando magistralmente e mais agradavelmente do que na fita.»
O cinema sonoro não arredou de cena o cinema mudo ou falado, tanto assim que, na abertura da época de 1936, o Cine Parque salientava que a inaugurava «com filmes sonoros bem escolhidos».
No princípio do ano seguinte, o semanário Gazeta do Sul informava que o Cine Parque deveria encerrar definitivamente, porque a Empresa do Cine Parque tinha adquirido o Cinema-Teatro Joaquim de Almeida, e que lhe introduziria modificações «tais como: novas máquinas, nova instalação eléctrica (e) até segundo dizem na própria casa será alterada a ruim estética que oferece.»
De facto, em meados de Março de 1937, celebrou-se a escritura de compra do Cinema-Teatro Joaquim de Almeida à Empresa Relógio, Ribeiro & Gil, e a nova proprietária procedeu à realização de benfeitorias.
Quando o cinema reabriu, cerca de um mês depois, reconhecia-se que «O cinema teatro Joaquim de Almeida está ainda muito longe daquilo que o Montijo tem direito a possuir. Mas está incontestavelmente melhor do que estava. Se exteriormente o seu aspecto é o mesmo de barracão inestético e em ruínas, interiormente já muito foi realizado, no forro lateral que escondeu o cavername, na pintura do tecto e da frente do palco e na iluminação da sala. Quanto à projecção da nova máquina e do sonoro devemos dizer que ela nos deixou surpreendidos, pois tanto não havíamos ousado esperar, em nitidez e perfeição.»
O Cine Parque encerrou, então, definitivamente e a sua «instalação completa de cinema sonoro pronta a funcionar, e mais utensílios» foram postos à venda por «preços baratíssimos.»
Passou a ser proibido fumar na sala, mas, apesar das reclamações, a inovação foi tomada como «própria e demonstrativa de estarmos em terra civilizada.» Por outro lado, e por determinação legal também, enquanto durasse a projecção de filmes as senhoras eram obrigadas a conservar a cabeça descoberta, sob pena de lhes ser aplicada uma multa de 135$00, em caso de infracção.
No Inverno de 1941, a vila de Montijo foi assolada por um violento ciclone que danificou o Cinema-Teatro Joaquim de Almeida. Recuperada a barraca as funções continuaram.

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Em 1943, grassava a II Guerra Mundial, a Aliança Filme, Lda. – Empresa de Distribuição de Filmes Cinematográficos, com sede na cidade do Porto, apresentou uma proposta para adquirir o Cinema Joaquim de Almeida e, em seu lugar, construir uma nova sala. O projecto seria executado após o fim da guerra, «por virtude das dificuldades actuais da construção civil, enorme carestia de alguns materiais e carência absoluta de outros necessários a uma obra de tal envergadura», como esclareceu então a empresa.
A proposta não vingou e, no ano seguinte, a Empresa Gil, Gomes & Santos, Lda., localizada em Montijo, apresentou um projecto à Inspecção-Geral de Espectáculos solicitando-lhe autorização para construir um cine-teatro, na Avenida D. João IV, junto ao Parque Municipal, com lotação de 1072 lugares, distribuídos por plateia, 1º e 2º balcão e camarotes. O projecto foi reprovado pela Câmara Municipal de Montijo, porque a sua localização não se enquadrava no Plano Geral de Urbanização.
A construção do novo cinema veio a encontrar um caminho pejado de escolhos.
O jornal República, publicado em Lisboa, em 24 de Janeiro de 1945, com o título MONTIJO VAI TER UM TEATRO CINEMA COM CAPACIDADE PARA 1.500 ESPECTADORES, informava que «Montijo, a florescente vila ribatejana, cujo valor comercial e industrial é importantíssimo, vai ter em breve um grande teatro-cinema.
A empresa do Teatro-Cinema Joaquim de Almeida submeteu já à apreciação da Inspecção-Geral dos Espectáculos o admirável projecto para a construção da nova casa de espectáculos.
Infelizmente o terreno escolhido não pôde ser aprovado pela Câmara devido ao plano de urbanização da vila (…).
A nova casa de espectáculos, que muito valorizará a florescente vila do Ribatejo, será construída com todos os requisitos modernos e ficará sendo uma das melhores da província, com capacidade para 1.500 espectadores.»
O semanário “Gazeta do Sul”, de Montijo, que, desde 1941, vinha a pugnar pela construção de um novo cinema, interrogava, na sua edição de 23 de Dezembro de 1945, PORQUE SE NÃO CONSTRÓI, AFINAL, O CINEMA? E concluía que: «a construção dum Cinema-Teatro no Montijo começa a pertencer ao número daquelas coisas em que se deixa de acreditar.»
Um ano depois, o mesmo jornal informava que se tinha constituído definitivamente uma empresa cujo objecto era a construção do cinema, a qual era constituída por Isidoro Sampaio de Oliveira, José Salgado de Oliveira, Luís Salgado de Oliveira e Gabriel da Fonseca Mimoso. O jornal mais informava que se estava a proceder a todas as consultas para que, no mais curto espaço de tempo, fosse construída a casa de espectáculos com a lotação de 1500 lugares e capacidade para o excedente de mais de 500.
A história do cinema e da praça de touros vão cruzar-se mais uma vez, visto que a praça de touros já tinha albergado o animatógrafo, na época de Verão.
Apresentando a Praça de Touros de Montijo sinais evidentes de degradação, foi constituída em 1949 uma comissão para restaurá-la. Porém, atendendo ao estado a que chegara, em 1950 a Inspecção-Geral dos Espectáculos ordenou a sua demolição.
No entanto, fora excluída a construção do novo cinema na Praça Gomes Freire de Andrade, assim como não teve merecimento o pedido anterior da empresa para construir o novo edifício junto do Parque Municipal, optando então a sociedade proprietária do Cinema Teatro Joaquim de Almeida por adquirir a Praça de Touros por 320.100$00, com o intuito de a demolir e, no mesmo local, edificar então o cinema.
Montijo atravessava um momento ímpar da sua história marcado por obras monumentais e o cinema tinha de corresponder aos novos tempos.
Face ao impasse na construção do novo edifício, a Câmara Municipal de Montijo, presida por José da Silva Leite, determinou à empresa proprietária do Cinema Joaquim de Almeida que o demolisse, fixando o mês de Dezembro de 1952 como prazo improrrogável. Assim veio a acontecer, o velho Cinema-Teatro Joaquim de Almeida foi desmanchado, mas, três anos depois, devido ao atraso verificado na construção da nova sala e à falta de alternativa, o velho barracão de madeira e zinco voltou a ser montado, desta feita, no Largo das Palmeiras. A sala continuava sem condições, ainda assim, permitia ao cinéfilos satisfazerem o prazer de ver cinema. Os mais jovens e atrevidos esperavam a distracção do polícia para espreitarem por entre as frinchas das paredes de madeira, vendo assim o filme “a saldo”. Nos intervalos, os homens corriam para fora sala para se aliviarem, mas as senhoras tinham de aguardar pela chegada ao lar para poderem utilizar a casa de banho. Nada mudara.
Durante o encerramento do Joaquim de Almeida, a Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro oferecera o seu salão de festas para a instalação provisória do cinema, por considerar que “o cinema é uma distracção para o maior número de habitantes desta vila”. Ignoram-se as razões da recusa desta oferta.

11

       
          Gazetilha

Acabada a temporada
Do cinema na esplanada
Com pesar de muita gente…
O vetusto barracão,
Em vez da demolição,
Reabriu heroicamente.

Já havia quem cuidasse
E no caso acreditasse,
Que o pobre não mais abria;
E eis que altiva e altaneira
A barraca de madeira
Os “maus ventos” desafia!

Seja embora um barracão
Dá trabalho a ir ao chão,
Resiste mais uma vez.
E depois, tinha que ser,
Que alguém pudesse fazer
O que o ciclone não fez!...

Indiferente aos “maus-olhados”
E a rir-se dos tristes fados,
Num gesto deveras grácil,
Exclamando – aqui estou!
A barraca apresentou
No “écran”: “Sonhar é fácil”!...

Zé Afonso
(Gazeta do Sul, 14.10.1951)


Foi em 1952, que a empresa proprietária do Cinema Joaquim de Almeida requereu autorização à câmara municipal para construir uma sala de espectáculos no local onde se situava a Praça de Toiros, propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Montijo.
Após demoradas conversações e encontrado um terreno para se erguer a nova praça de toiros, a antiga foi vendida e, em seu lugar, ergueu-se, passados cinco anos, o actual Cinema-Teatro Joaquim de Almeida.
O jornal “A Província”, editado, à época, em Montijo, apresentava, assim, aos seus leitores, a nova casa de espectáculos:
«Ficará sendo a melhor do distrito de Setúbal e uma das melhores do País.
O Cinema-Teatro Joaquim de Almeida, que será o mais completo, é dotado da aparelhagem de projecção mais moderna e eficiente, à data da sua inauguração, com um écran panorâmico, em condições de ali serem exibidos todos os filmes, pelos mais recentes sistemas de projecção e som (…).
A nova casa de espectáculos deve comportar uma lotação para cerca de 1300 espectadores e tem, além de uma espaçosa plateia, três categorias de balcões.
Possui dois amplos salões para festas, baseados nos átrios da plateia e balcões.
Como anexo tem um atraente café (…).»
A Memória Descritiva, assinada pelo Arquitecto Sérgio Botelho de Andrade, apresentava, deste modo, a nova sala de espectáculos de Montijo:
«O edifício do novo Cinema-Teatro “Joaquim de Almeida” terá duas fachadas principais, uma para a Rua Joaquim de Almeida e outra para o novo Largo.
Imposta a sua implantação com uma frente principal para a Rua Joaquim de Almeida, o partido arquitectónico adoptado é natural consequência dessa sujeição.
O acesso geral para a plateia e balcão far-se-á pelo Largo, através de um átrio onde se localizam bilheteiras de plateia e balcão.
O acesso ao 3º balcão, Geral, faz-se pela Rua Joaquim de Almeida, garantindo-se assim desde o exterior a independência desta zona de público.
As saídas poderão fazer-se pela entrada geral, plateia e balcão, bem como pelas portas da fachada sobre a Rua Joaquim de Almeida (balcão e plateia) e ainda pelo recanto da fachada sobre o Largo (3º balcão), mantendo esta ainda independente.
Com frente para a Rua Calado Nunes, situa-se a zona do palco, com entrada privativa para artistas, e acesso independente para a orquestra e camarins, e ainda uma saída de recurso directa do palco para o exterior.
No lógico arrumo das instalações do Cinema-Teatro, foram respeitadas a normas superiormente estabelecidas para casa de espectáculos, muito principalmente na total independência das zonas de palco e destinada ao público, no número e dimensões de portas, escadas, acessos, instalações sanitárias, distribuição de lugares e coxias.
A zona destinada ao público compreende um amplo átrio onde se situam as bilheteiras, localizadas por forma a que a eventual aglomeração de pessoas que junto delas se faça não dificulte o franco acesso ao interior.
Deste átrio passa-se ao grande vestíbulo onde se situam os bengaleiros, os acesos à Plateia, a escadaria que conduz ao Balcão (1º e 2º Balcão), o Bufete, destinado, de preferência, aos espectadores da Plateia, e instalações sanitárias para ambos os sexos.
A sala de espectáculos foi projectada de forma a conseguir o maior aproveitamento de espaço para um maior número de lugares o que se conseguiu pela construção de uma Plateia e de um amplo Balcão (1º, 2º, e, independente, 3º, Geral).
Todos os espectadores desfrutam da maior comodidade: acessos fáceis, lugares cómodos com desafogo, confortáveis e nas melhores condições de visibilidade e audibilidade.
A forma da sala foi estudada de forma a garantir, tanto quanto possível, as melhores condições acústicas, pelo que as suas paredes e o tecto se dispõem não paralelamente e terão forma e revestimentos adequados.
O Balcão (1º e 2º) é antecedido de um vasto “foyer” tendo num dos topos um Bufete e no outro um grande vão defendido com grilhagem de betão armado que conduz a uma ampla varanda sobranceira à entrada geral de que constitui alpendre.
Neste “foyer” situam-se ainda instalações sanitárias para ambos os sexos bem como vestiários para pessoal masculino e feminino e ainda um pequeno escritório para a Gerência.
O 3º Balcão, Geral, é independente e como tal possui uma escada de acesso privativa antecedida de um pequeno átrio com bilheteira. No seu pavimento de acesso aos lugares situam-se instalações sanitárias para ambos os sexos e ainda um pequeno Bufete privativo.
Em qualquer dos pavimentos de Plateia, Balcão e Geral estão previstas amplas e variadas vitrines para publicidade cinematográfica e comercial, o que constituirá motivo decorativo e de recreio, ao mesmo tempo que será fonte de receita para a Empresa.
Num último pavimento instala-se a Cabine de projecção com as dependências anexas de electricidade e enroladora, prevendo-se um recanto para serviço de bombeiro, situado por forma a controlar simultaneamente a cabine e a sala de espectáculos.
Ainda neste pavimento se situa uma arrecadação para mobiliário, cartazes, etc.
Os serviços de palco completamente isolados da zona do público compreendem:
- Um Sub-Palco com arrecadações e acesso à fossa da Orquestra e à Caixa do ponto;
- O Palco, com recantos para electricista e bombeiro; e ainda
- 2 Galerias que permitem a melhor movimentação de cenários e cortinas.
Os camarins em número de seis estão devidamente diferenciados por sexos e em posição independente mas de fácil acesso em relação ao Palco.
Uma escada privativa dos serviços de palco e camarins estabelece comunicação vertical independente do sub-palco, palco e galerias, conduzindo finalmente à cobertura e ao depósito da água.
Dois pequenos lanços de escada situados aos lados da fossa da Orquestra podem conduzir os espectadores ao palco e os artistas à plateia quando a natureza do espectáculo assim o imponha.
Refere-se ainda que o Bufete da Plateia poderá vir a ligar-se, com absoluta independência, a um anexo do Cinema-Teatro, formando corpo exterior, e que se destina a um pequeno Café-esplanada, a projectar posteriormente.
As fachadas traduzem com simplicidade a natural disposição das plantas, dispensando-se todo o ornamento ocioso e valorizando-se apenas pelo contraste de volume e de planos dentro da natureza expressão funcional que lhe dará o adequado carácter de casa de espectáculos do nosso tempo para Cinema e Teatro.
As fachadas são ainda natural consequência dos materiais e da estrutura de betão armado de que, onde possível, se tirou partido plástico.»
A evolução da arte cinematográfica obrigou a que o Arquitecto Sérgio Botelho de Andrade tivesse apresentado, dois anos mais tarde, algumas alterações ao projecto inicial, assim fundamentadas:
«Já com a obra iniciada, a introdução do “cinemascópio” impôs a ampliação da boca de cena de cerca de 3 m. ficando com uma abertura total de 13 metros.
Em consequência, houve um alargamento geral do edifício de cerca de 1,50m e a eliminação das cabines existentes aos lados do proscénio e que se destinavam ao electricista e ao bombeiro.
Estas cabines passaram a localizar-se do mesmo lado ficando a do electricista exterior ao palco, embora com perfeito controle do mesmo.
Esta localização foi prevista tendo em atenção as indicações fornecidas a título oficioso pela Inspecção-Geral dos Espectáculos.
Para arranjo do recanto existente junto da Rua Joaquim de Almeida, criou-se uma pequena edificação que forma conjunto com o edifício do Cinema-Teatro, e que se destina a um pequeno Café-Esplanada e que se liga interiormente ao bar da Plateia.
Um sistema de controle permitirá o funcionamento, que é permanente, mesmo durante as sessões de cinema ou de teatro.»
Executadas as alterações a obra atingiu o seu término.

12

No dia 20 de Outubro de 1957, o Cinema-Teatro Joaquim de Almeida foi inaugurado pelo Ministro do Interior, Dr. Joaquim Trigo de Negreiros, que, recebido pelos sócios da empresa, presidiu a luzidia cerimónia a que se associaram as bandas da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, da Banda Democrática 2 de Janeiro e da Academia Musical União e Trabalho, de Sarilhos Grandes, e «uma multidão entusiástica que não se cansava de saudar e festejar, com salvas de palmas, aquele acontecimento.»
Realizada a cerimónia oficial da inauguração, no dia 6 de Novembro de 1957, quarta-feira, pelas 21H45, a Companhia do Teatro Nacional D. Maria II – Amélia Rey-Colaço/Robles Monteiro levou à cena a peça “Prémio Nobel”, original de Fernando Santos, Almeida Amaral e Leitão de Barros. No dia seguinte, a mesma companhia presenteou os montijenses com a peça “Ferida Luminosa”, do dramaturgo catalão José Maria Segarra.
Numa e outra noite, o público, que esgotou a lotação, apesar de os preços dos bilhetes oscilarem entre os 10$00, nas últimas filas do 3º Balcão e 35$00, nas primeiras filas do Plateia, aplaudiu entusiasticamente Amélia Rey-Colaço, Helena Félix de Carvalho, Robles Monteiro, Rogério Paulo, Varela Silva, José de Castro e Lourdes Norberto.
As projecções cinematográficas iniciaram-se, no dia 9 de Novembro, com o filme “Anastasia”, realizado por Anatole Litvak e protagonizado por Yull Bryner e Ingrid Bergman. O espectáculo teve a seguinte ordem: Férias nos Trópicos, documentário desportivo; Orgulho de Polícia, desenho animado; Nasce um Puro-sangue, documentário e Anastasia. No dia seguinte, os espectadores puderam ver «a bela e adorável Sophia Loren no seu primeiro filme americano em cor de luxe e cinemascope» em A Lenda da Estátua Nua, do realizador Jean Negulesco.
O Cinema-Teatro Joaquim de Almeida abria, assim, definitivamente as suas portas aos mais variados espectáculos. A empresa manteve o nome do edifício anterior porque quis, deste modo, “manter uma justa homenagem que se presta ao mais representativo vulto da cena portuguesa nascido na nossa terra.»
O edifício, localizado no remate do quarteirão formado pelas ruas Joaquim de Almeida e Luís Calado Nunes, e construído segundo o projecto do arquitecto Sérgio de Andrade, com trabalhos escultóricos de José Farinha e Martins Correia, na fachada principal voltada para o Largo, é um dos exemplares mais marcantes da arquitectura civil da década de cinquenta do século XX.
O jornal A PROVÍNCIA, na sua edição de 14 de Novembro de 1957, depois de mencionar a data da inauguração da nova casa de espectáculos, escrevia:
«Noite de festa, noite inolvidável, em que a majestosa e vasta sala resplandecia de luzes, toilettes, jóias, numa assistência selecta e impressionante.
No 1º Balcão destinado aos convidados, o sr. Dr. Miguel Rodrigues Bastos, ilustre Governador civil do nosso Distrito, o sr. José da Silva Leite, presidente do nosso Município, o sr. António João da Serra Júnior, vice-presidente, vereadores, o Dr. Octávio Dias Garcia, meritíssimo Juiz da Comarca, Dr. António Arlindo Payan F. Martins, digníssimo Delegado do Procurador da República, autoridades civis e militares, imprensa, representantes das colectividades, etc…». Seguia-se a descrição da cerimónia inaugural e a crítica ao espectáculo.
Por sua vez, a Gazeta do Sul, de 9 de Novembro de 1957, dá também relevo à notícia da inauguração do cinema, e conclui-a do seguinte modo:
«Como se diz no preâmbulo do programa das cerimónias, até se chegar a esta jornada que encheu de júbilo empresários e a população montijense, foi necessário percorrer longa e laboriosa caminhada, solucionar problemas, eliminar falhas, etc. Mas valeu a pena, pois só assim se tornou viável dotar Montijo com um melhoramento que proporciona aos seus habitantes a faculdade de assistirem, sem se deslocarem a Lisboa, a espectáculos de teatro e cinema com aquele mínimo de comodidades a que o espectador tem todo o direito, e sem esquecer um pormenor importantíssimo: apresentar uma obra que se enquadra admiravelmente no espírito da nossa época de progresso vertiginoso.
A empresa num gesto louvável, conservou o nome da anterior casa, em homenagem justa ao mais representativo vulto da cena portuguesa nascido em Montijo.»
Na cerimónia da inauguração, os sócios da empresa, José Salgado d’Oliveira, Izidoro Sampaio d’Oliveira, Luís da Silva Salgado d’Oliveira e Gabriel Mimoso divulgaram a seguinte mensagem:
«Gostosamente apresentamos a todo o público montijense as nossas melhores saudações e é com inteira satisfação que vimos colocar à disposição do povo da nossa terra uma Casa de Espectáculos da qual se poderá orgulhar.
Foi longa e laboriosa a caminhada, mas estamos certos de que valeu a pena, pois só assim se tornou viável dotar Montijo com um bom edifício do seu género, que nos proporciona a possibilidade de assistir a espectáculos de teatro e de cinema com aquele mínimo de comodidades a que o espectador tem todo o direito, apresentando-nos, simultaneamente, a distinção própria das obras da nossa época.
Conservamos o nome da anterior casa “Cinema-Teatro Joaquim de Almeida”. Quisemos, este modo, manter uma justa homenagem que se presta ao mais alto representativo vulto da cena portuguesa nascido na nossa terra.
Esperando continuar a merecer do Público as atenções com que sempre nos distinguiu, exprimimos-lhe a nossa gratidão.»

13

A construção do cinema permitiu que os montijenses passassem a usufruir de uma qualidade de projecção, luz e imagem, como só encontravam nos cinemas da capital, e de condições de conforto que rivalizavam com as melhores salas de Lisboa.
A gestão do cinema não se tornou tarefa fácil, visto que a empresa proprietária estava dependente das empresas distribuidoras e das suas exigências, assim como do regime de impostos.
Em 1965, a Empresa do Cinema Teatro Joaquim de Almeida suprimiu a 3ª Plateia, «em virtude dos enormes encargos que determinam o pagamento de imposto sobre os bilhetes que se não vendem». A empresa aproveitou a oportunidade para fazer entrar uma nova tabela de preços, variável consoante os dias.
A partir do ano seguinte, a empresa viu-se obrigada a aumentar os preços dos bilhetes, sempre que fossem projectados filmes extra-contrato com as empresas de distribuição, de modo a não frustrar os espectadores dos melhores filmes.
Em 1967, a Empresa reconhecia que, atendendo aos preços dos bilhetes do cinema, a receita arrecadada mal dava para as despesas, isto em caso de lotação esgotada, pois que com meia casa dava largo prejuízo. Ainda assim, considerava a Empresa que «tem sempre tentado servir o seu público sem pensar muito em maus resultados financeiros». Todavia, densificavam-se as exigências das firmas distribuidoras de filmes. Para procurar uma solução e poder continuar a servir os cinéfilos montijenses, a Empresa do Cinema Teatro Joaquim de Almeida lançou o seguinte comunicado, pedindo a colaboração da população:

A TODO O PÚBLICO

«Com vista à possível exibição de alguns filmes como DR. JIVAGO, MÚSICA NO CORAÇÃO e outros de semelhante categoria, desejamos informar que, por imposição dos respectivos produtores e firmas distribuidoras, estas fitas só podem ser apresentadas em regime de percentagem de 70% para o filme e 30% para os exibidores.
Considerando os preços dos bilhetes do nosso cinema, a receita arrecadada por esta Empresa mal dá para as despesas, isto em caso de lotação esgotada, pois que com meia casa dá sempre prejuízo.
Isto ainda seria objecto a considerar, pois esta Empresa tem sempre tentado servir o seu público sem pensar muito nos maus resultados financeiros.
Porém o mais importante é que para diversos filmes como os citados e outros mais, os produtores exigem pelo menos 3 dias de exibição e um aumento de preço dos bilhetes da ordem dos 30%, 50% e, como para as fitas já referidas, 100% isto é, o dobro dos preços normais, tal como acontece em Lisboa, no Porto e noutros grandes centros.
Esta Empresa sempre tem contrariado esta forma de actuar, pois entende que se o público não paga menos quando vê filmes de baixa categoria, também não deve pagar mais quando lhe apresentam fitas que se consideram boas obras.
Temos mantido sempre este critério, mas com ele resulta a não exibição de vários filmes, ou a sua apresentação já bastante atrasada e portanto sem a devida oportunidade.
Como é o nosso público o grande interessado neste assunto, resolveu esta Empresa pedir a colaboração de todos para que indiquem como devemos resolver o “problema”.
Assim, pedimos que nos diga se deveremos manter a nossa forma de actuar ou ceder à pressão dos produtores e distribuidores dos filmes e contratar as fitas com a obrigatoriedade de vários dias de exibição e de aumento até ao dobro, do valor dos bilhetes.
Para isso, assinale o que entenda por mais conveniente e corte o talão junto pelo respectivo picotado, entregando-o nas bilheteiras ou a qualquer funcionário desta Empresa até ao dia 11 de Junho corrente.»

O comunicado terminava com um questionário, onde se perguntava aos interessados se estavam de acordo ou não com o aumento de dias de exibição e do preço dos bilhetes, em caso dos filmes considerados especiais.
Ignora-se o resultado do inquérito, mas sabe-se que o filme Música no Coração foi apresentado no Montijo após 11 meses de exibição no Tivoli, em Lisboa, e com os preços substancialmente aumentados.
A Empresa do Cinema Teatro Joaquim de Almeida enfrentava agora o desafio de manter uma gestão equilibrada sem deixar de corresponder aos interesses dos espectadores e contando com a concorrência da televisão, cuja emissão experimental fora para o ar e captada no Café Portugal, localizado na Praça da República, no dia 4 de Setembro de 1956, pelas 21H30. A tarefa foi difícil, pois dia a dia surgiram novos escolhos. A queda da censura, em 1974, foi uma lufada de ar fresco, que permitiu a exibição de filmes até então proibidos e a descoberta de novas filmografias. O Cinema Teatro Joaquim de Almeida esgotava a lotação com as sessões de cinema indiano e animava-se com a projecção de filmes mais ousados.
Após 25 de Abril de 1974, terminaram as sessões duplas, em que eram projectados dois filmes, assim como a projecção de desenhos animados e documentários, antes da projecção dos filmes. A empresa, em comunicado, de Novembro de 1974, invocou as seguintes razões para a alteração das sessões:

«Senhor Espectador
Com o fim de colaborar com o novo país que todos pensamos edificar e considerando o indispensável alargamento das horas de descanso dos que serão os obreiros do Portugal renovado, o Sector da Distribuição da “Associação Livre dos Distribuidores e Exibidores de Filmes” determinou as seguintes medidas que entraram em vigor em princípios de Outubro:
1º - Os Distribuidores deixam de fornecer dois filmes, pelo que foram abolidos os programas duplos.
2.º Para complemento do filme a exibir, só enviarão um documentário, desenho animado ou cultural, podendo no entanto alargar este número para dois, desde que considerem que o filme é de curta-metragem.
 Por isso informamos os nossos estimados espectadores do motivo por que as sessões têm uma menor duração, o que aliás sucede nos “Cinemas” de outros países, pois se entende que o público se deve recrear vendo o espectáculo, mas que nunca perca o tempo essencial ao seu repouso, que o irá prejudicar no seu importante labor quotidiano.
Esta empresa exibidora cumpre uma determinação que lhe é imposta pelo que está certa da compreensão do seu “público”.»

A exibição de filmes de géneros que eram proibidos pela censura, até à Revolução de 25 de Abril, originou uma nova classificação etária e, da parte do Cinema-Teatro Joaquim de Almeida, o cuidado de esclarecer o seu público.

«SENHOR ESPECTADOR
Uma vez mais vamos tentar esclarecer as dúvidas que possam existir quanto à CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA de alguns filmes.
Assim o vocábulo INTERDITO, tanto pode definir o filme de SEXO ou ERÓTICO, como de VIOLÊNCIA ou de TERROR.
A indicação de que o filme CONTÉM CENAS EVENTUALMENTE CHOCANTES, também se pode aplicar a qualquer dos géneros indicados.
A palavra INTERDITO, por vezes não esclarece suficientemente o espectador do real género de filme que vai ser exibido e que poderá chocar algumas pessoas mais sensíveis cuja índole moral possa ser afectada.
Assim e para melhor elucidação de todos os nossos espectadores, vão ser assinalados nos cartazes por um X todos os filmes de SEXO, ERÓTICOS ou PORNOGRÁFICOS.
No próximo mês de Junho vão ser exibidos: DOROTHEA, COLCHÃO EM DELÍRIO, A INICIAÇÃO, O BEIJO e muito brevemente o êxito mundial EMAMNUELLE.
Todos estes filmes serão devidamente assinalados com o respectivo X como outros do género a apresentar futuramente, de modo que o espectador de antemão fique elucidado do género do filme que vai ver e assim se pode com respeito e civismo e SEM OS COMENTÁRIOS que por vezes são mais chocantes que o próprio filme.
MUITO OBRIGADO.»

Cuidados tomados, em 1975, mas cedo os espectadores esgotaram a curiosidade pelo fruto até então proibido e a projecção de filmes pornográficos caiu em desuso.
No final de 1986, devido à fraca afluência de espectadores, adensou-se o rumor que o Cinema-Teatro Joaquim de Almeida poderia ser encerrado. Congeminava-se, então, que o edifício poderia ser demolido ou adquirido pela Câmara Municipal de Montijo ou, acompanhando o exemplo de outras salas congéneres da capital, ser transformado numa mega discoteca.
No princípio daquele ano, a empresa reduziu o número de sessões e encerrou a plateia para fazer face à grave situação económica do cinema resultante dos encargos com o pessoal, aluguer de filmes e quebra de afluência de espectadores.
A concorrência da televisão, a popularização do vídeo e, consequentemente, do cinema em casa, que originou a proliferação de empresas de aluguer de filmes, a eleição das salas estúdio como novo modelo de apresentação do cinema, que permitiam uma acentuada redução de custos com o pessoal, foram algumas das causas que explicam o ocaso das grandes salas de cinema durante a década de oitenta do século XX, mormente, o do Cinema-Teatro Joaquim de Almeida. No caso desta sala de espectáculos, registe-se, ainda, a fraca qualidade da programação, que passou a incluir sessões de filmes pornográficos, como mais uma das causas da sua decadência. Mas a questão também pode ser vista por outro prisma, isto é, a gerência da empresa tudo fez para que não fosse encerrado o cinema. Se, em período de agonia, a empresa recorreu aos filmes pornográficos para conseguir equilibrar as magras receitas originadas pela restante programação, em 1967, visando satisfazer um público mais exigente, o Cinema-Teatro Joaquim de Almeida organizou, inicialmente aos sábados, às 18H00, e, depois, à terça-feira, às 21H00, na esteira dos cineclubes, as Sessões Clássicas, que permitiram aos espectadores mais atentos apreciarem, por 10$00 a sessão, as obras de Anatole Litvak, Ingmar Bergman, Fellini, Joseph Losey, Polanski, Paulo Rocha e Cunha Teles, entre outros. Fellini 81/2, com Marcello Mastroiani, Claudia Cardinale e Anouk Aimée, Os Chapéus de Chuva de Cherburgo, com Catherine Deneuve, Por Favor Não me Mordas O Pescoço, de Polanski, Domingo à Tarde, com Rui de Carvalho e Isabel de Castro, Os Lírios do Campo, com Sidney Poitier, O Sétimo Selo ou O Rosto, ambos de Bergman, entre tantos outros filmes, preencheram as Sessões Clássicas durante duas épocas. Eram «os melhores filmes clássicos da temporada, escolhidos para um público esclarecido…»
A Câmara Municipal de Montijo, pretendendo cooperar para debelar a crise, interveio e assinou, em 1987, um protocolo, pelo período de um ano, com a empresa proprietária, nos termos do qual a autarquia passaria a pagar uma renda mensal pela utilização do cinema, em dias determinados da semana, e a empresa continuaria a garantir as sessões cinematográficas.
A Edilidade pôde, assim, elaborar um vasto programa de animação, que abrangeu diversas áreas de expressão artística e contribuiu para a criação de novos hábitos culturais e o enraizamento de outros. Ao longo de um ano, realizaram-se mais de cinquenta sessões de espectáculos pluridisciplinares sob a égide da autarquia, ao mesmo tempo que as escolas, as associações e outros parceiros sociais tiravam também partido da utilização gratuita da sala, realizando as mais variadas actividades.
O protocolo celebrado entre a Câmara Municipal de Montijo e os proprietários do cinema permitiu que o edifício se mantivesse a funcionar por mais uns anos e, sobretudo, impediu que se tivesse transformado numa mega discoteca, que teria desvirtuado o seu interior e inviabilizaria a sua utilização futura como sala de espectáculos, mormente de cinema ou teatro.
Em 1987, acentuaram-se fortemente os sintomas de crise do Cinema-Teatro Joaquim de Almeida.
A nova vereação, eleita no final de 1989, relegou para um plano secundário a aquisição ou qualquer tipo de intervenção para salvaguardar o cinema.
O Cinema-Teatro Joaquim de Almeida, orgulho dos montijenses, sala de espectáculos por excelência, não resistiu às mudanças socioeconómicas e encerrou as suas portas no dia 31 de Maio de 1991.

 Epílogo

Sete meses passados sobre o encerramento do Cinema Teatro Joaquim de Almeida, o munícipe A.D. publicou, na Nova Gazeta, de 11 de Janeiro de 1992, um vigoroso artigo onde lançou a interrogação: «Será que se vai assistir à demolição de um imóvel de inestimável valia?»
No seu artigo, A.D. questionava também se não seria possível construir uma ponte entre os proprietários do edifício e a Câmara no sentido de se negociar e converter em municipal aquele precioso património e sugeria que «O Cinema-Teatro Joaquim de Almeida pode ser para a Câmara, mais do que um cinema, um teatro ou uma sala de concertos. Pode ser um edifício de imensas valências, um fórum para conferências, exposições e múltiplas actividades culturais, que eventualmente poderão vir a constituir fontes de receitas camarárias.
O artigo de Acácio Dores, que fora presidente da Câmara Municipal de Montijo, veio ao encontro das preocupações da população montijense e transformou-se no embrião do debate público, nas páginas da Nova Gazeta, que, a par de outras realizações, contribuiu para a formação de uma opinião pública favorável à municipalização daquela sala.
Em Maio de 1992, o Ateneu Popular de Montijo promoveu o primeiro debate sobre o futuro do cinema, que concluiu pela necessidade de ser criada uma comissão de defesa do cinema, e, posteriormente, aquela associação organizou uma visita guiada ao edifício.
Por seu turno, o Grupo de Reflexão e Intervenção por Montijo (GRIM) realizou um jantar debate em que participou o director do Teatro Animação de Setúbal.
A Junta de Freguesia de Montijo, nas páginas do seu boletim, “O Citadino”, defendeu também a salvaguarda «de tão importante património cultural».
Corporizando a vontade popular de defesa do cinema, o Ateneu Popular de Montijo, o Grupo de Reflexão e Intervenção por Montijo (GRIM), a Associação Montijo e Alcochete para a Qualidade de Vida, e a título individual Manuel Barrona e Maria Amélia Antunes constituíram, em 1993, uma comissão para salvaguarda do Cine-Teatro Joaquim de Almeida, que se denominou Amigos do Cinema-Teatro Joaquim de Almeida – ACITEJA.
A comissão, ACITEJA, solicitou, em 1993, à presidente da câmara uma audiência «para a apresentação dos Amigos do Cine-Teatro Joaquim de Almeida e uma troca franca e aberta de impressões» sobre a salvaguarda do cinema. A audiência foi concedida em 1996.
Nas eleições autárquicas, que se realizaram em 1993, os partidos políticos inscreveram a aquisição do cinema nos seus programas eleitorais.
Em 1995, a presidente da Câmara distribuiu um comunicado onde lançava à população o seguinte repto: «Se todos os montijenses quiserem, o Cine-Teatro Joaquim de Almeida voltará a funcionar sob posse ou propriedade municipal».
Em Outubro daquele ano, a Câmara Municipal organizou um debate sobre o futuro do cinema, que foi muito participado.
Nas eleições autárquicas de 1997, o destino do cinema voltou a merecer destaque.
Na reunião de 28 de Outubro de 1998, a Câmara Municipal decidiu por unanimidade adquirir o Cinema Teatro Joaquim de Almeida.
Um ano mais tarde, no dia 1 de Fevereiro de 1999, a Câmara Municipal de Montijo celebrou escritura pública de compra e venda do edifício, que custou um milhão de euros, e, no dia 28 de Julho, celebrou um Protocolo com os Ministérios da Cultura e do Equipamento garantindo o financiamento necessário para a sua aquisição/recuperação.
Depois das benfeitorias necessárias, o Cinema-Teatro Joaquim de Almeida reabriu as suas portas, no dia 14 de Agosto de 2005.

HOMENAGEM

Rosildo

Há homens capazes de transformar em sereno amor a mais ardente paixão, confundindo-se com a coisa amada.
Rosildo Rodrigues Oleiro começou a trabalhar no Cinema-Teatro Joaquim de Almeida, em Janeiro de 1959, e, no dia 31 de Maio de 1991, encerrou-lhe as portas. Continuou, no entanto, a ser o leal servidor do cinema, conservando-o intacto até ao momento em que foi adquirido pela Câmara Municipal de Montijo.
Tendo começado a trabalhar com a categoria de fiel, passou a fazer as projecções nas esplanadas, durante o Verão e, quando vagou o lugar de projeccionista, passou a desempenhá-lo com elevada competência e brio.
Ao longo dos 40 anos que serviu o Cinema, o sr. Rosildo, como simpática e carinhosamente é tratado pela população de Montijo e, muito especialmente, pelos cinéfilos, aprendeu, um a um, os cantos da casa, descortinou as manhas dos engenhos, identificou-se com a sua “arte”, a de se manter fiel ao cinema, entusiasmando-se, como se a casa fosse sua, com os grandes sucessos que o cinema alcançou, mas penando de igual modo com os fracassos.
Foi mais do que um projeccionista. As companhias de teatro, que utilizaram o cinema, não deixaram de distinguir o fino trato e a disponibilidade total deste trabalhador, que nunca olhou para o relógio, mesmo quando o trabalho de montagem se prolongava pela noite dentro, para logo recomeçar às primeiras horas da manhã.
É a memória do Cinema-Teatro Joaquim de Almeida. Acompanhou a evolução da 7ª Arte, entre uma bobine e outra, que substituía de vinte em vinte minutos. Viveu a crise do cinema e acalentou sempre a esperança de o ver renascer, mas surpreendeu também os primeiros namoricos; viu gerações crescerem entre o 3º Balcão e a Plateia, e tornou-se figura incontornável da História do Cinema-Teatro Joaquim de Almeida.
Pessoa humilde, nunca foi figura de cartaz, mas será sempre, por excelência, o cartaz maior do Cinema-Teatro Joaquim de Almeida, de tal sorte que, se se não quiser violar a fronteira da Justiça, não se poderá evocar a História deste cinema sem uma referência ao papel do senhor Rosildo.
São homens da dimensão de Rosildo Rodrigues Oleiro, capazes de levar a Carta a Garcia, que garantirão sempre o brilho intenso das Luzes da Ribalta. São estes homens, que vivem a poesia da vida no encantamento da sua profissão, que elevam o espectáculo à dimensão de Arte.
O senhor Rosildo e sua esposa, Senhora Dª Lourença Maria Anjos Ferreira, que continuaram a cuidar do cinema, após o encerramento, quando a Câmara Municipal de Montijo adquiriu o edifício, em 1999, entregaram as chaves e retiraram-se com a profunda satisfação do papel cumprido. Sabiam que, se naquele momento, se quisesse retomar as sessões cinematográficas, bastaria bobinar o filme e ligar o interruptor da máquina. O Cinema-Teatro Joaquim de Almeida tinha ficado confiado a boas e honestas mãos.

TEATRO

A

A história do concelho de Montijo dá-nos a conhecer a existência de um rico movimento associativo de carácter religioso ou corporativo cujo desenvolvimento se intensifica a partir do século XV. A importância da função e dos interesses religiosos origina a criação de confrarias, instituições de carácter fraternal, cuja acção assentava no auxílio mútuo, mas também em manifestações lúdicas como as festas em honra do padroeiro. São exemplo disso as confrarias dos Pescadores e dos Barqueiros da Atalaia, ambas já fundadas no reinado de D. Manuel, e as Irmandades da Santa Casa da Misericórdia, de Nossa Senhora da Conceição (Mareantes) e de Nossa Senhora da Purificação, instituídas no século XVI e a do Santíssimo Sacramento, fundada em 1720.
O esforço progressivo de laicização e secularização da cultura provocou o aparecimento, em meados do século XIX, de outro tipo de associações. Confrarias e corporações, instituições associativas tradicionais, precedentes históricos das associações, no dizer de Albert Meister, cedem lugar a processos associativos mais complexos e especializados.
No século XIX, o País foi sacudido pelos novos ideais do liberalismo e pelo despertar de um novo tipo de sociedade, assente na associação voluntária interclassista, que visava concorrer para o esclarecimento dos cidadãos e o incentivo à participação social na definição dos destinos da Nação.
O aparecimento de associações mutualistas, culturais e recreativas e outras de cariz político proporcionará o debate de ideias e a difusão dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, fermentados pela Revolução Francesa, operando uma assinalável mudança de valores e de mentalidades.
Assim se passou também em Aldegalega do Ribatejo, que constituiu a primeira Sociedade Patriótica, em 1837, e a primeira Associação Mutualista, em 1872.
As Sociedades Patrióticas representaram um espaço privilegiado para a discussão dos cruciais problemas políticos da época e ajudaram a formar uma opinião pública favorável ao regime constitucional. Os estatutos delimitavam a composição e os fins destas associações: cidadãos portugueses constitucionais, defesa do Sistema Constitucional e formação do bem da Pátria.
No dia 29 de Março de 1839, no Palácio das Necessidades, a Rainha autorizou e aprovou os estatutos da Sociedade Patriótica de Aldegalega do Ribatejo, «que alguns cidadãos pretendem estabelecer, com o fim de sustentar por todos os meios legítimos o Sistema Representativo».
A partir de 1834 multiplicaram-se as sociedades de recreio e instrução, que responderão à necessidade de ocupação dos tempos livres da pequena e média burguesia, e assistiu-se à proliferação de saraus e academias e à afirmação do teatro «como meio de civilização e de divulgação de novos valores», como escreveu António Reis. Na esteira deste autor, «o cidadão urbano adquire um perfil e um estilo próprios» e vive «dividido entre a ópera e o teatro declamado, o drama histórico ou a comédia, os vários periódicos, o café e o sarau, a leitura do folhetim».
Em Aldeia Galega do Ribatejo foi instituída, em 1854, a Sociedade Recreativa, pólo pioneiro de animação cultural, cívica e recreativa, que teve vida efémera, e, em 1 de Dezembro de 1868, foi fundada a Sociedade Filarmónica 1.º de Dezembro, que se reclamou herdeira da Sociedade Recreativa. Nos termos dos seus estatutos, aprovados em 9 de Julho de 1906, a sociedade tinha por fim proporcionar aulas gratuitas nocturnas de música, aulas diurnas ou nocturnas de instrução primária, de dança de ginástica ou de esgrima, prestar socorros nos incêndios ou em outros quaisquer sinistros e promover tudo quanto fosse necessário ao bem-estar, moralidade e instrução dos sócios, além de se propor criar uma biblioteca e gabinete de leitura e organizar um grupo dramático.
Ate à constituição da Sociedade Filarmónica 1.º de Dezembro, Aldegalega não dispunha nem de um teatro público nem duma sala para fins recreativos, conforme se alcança da informação prestada pelo Administrador do Concelho à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, em Fevereiro de 1862, e confirmada em 1870.
Em 1873, a Sociedade Filarmónica 1.º de Dezembro edificou um pequeno teatro, que resultou da adaptação do salão da sua sede.
Naquele ano, nos dias 23 e 24 de Fevereiro, foram levadas à cena duas récitas por uma companhia de teatro espanhola.
Ainda daquele ano, há uma notícia do diferendo entre o dono de uma estalagem de Aldegalega, «um tal Machado», e um espanhol, José Maria Serrano, queixando-se este que o estalajadeiro lhe tinha apreendido a bagagem, porque, alegava, a tinha empenhado o director de uma companhia dramática a que pertencia o cidadão espanhol.
 No final do século XIX, a população de Aldegalega divertia-se nos bailes e nas festas religiosas e populares, assistindo às touradas e às entradas, correndo ao teatro e à opereta e, regularmente, recebia o circo de cavalinhos e barracas de arlequins e de panoramas. O Teatro Amador surge como um movimento cultural de um núcleo de famílias burguesas, que o promoveu como modo de ocupação dos tempos livres dos estudantes e jovens, em geral, e, por outro lado, como forma de convívio social, devendo ser destacado o papel de primordial relevo na dinamização e divulgação do teatro amador, em Aldegalega do Ribatejo, desempenhado pela família Ventura, cujo patriarca era Manuel Soares Ventura.
O teatro afirmou-se como a actividade cultural fulcral até à primeira década do século XX, período em que regularmente subiram à cena peças teatrais ou récitas populares, e resistiu, com alguns espectáculos plenos de fulgor, até à década de cinquenta do mesmo século, apesar das transformações políticas, sociais e das crises económicas.
Teatro representado no masculino, porque, à excepção das jovens aldeanas Maria das Neves e Maria Lopes, que, em 1906, integraram o grupo de teatro amador, em bom rigor, só no final dos anos vinte as mulheres se aventuraram a subir ao palco. Até então, os papéis femininos eram entregues a actrizes profissionais contratadas para o efeito, ou representados por actores travestidos de mulher. Outras vezes, optava-se por levar à cena só personagens masculinas. A instalação do animatógrafo, inicialmente, concorrencial, acabou por relegar o teatro para um plano secundário, embora, num primeiro momento teatro, opereta e cinema tivessem partilhado os mesmos espaços.
Ao atingir a segunda metade do século XX, o teatro amador encontrava-se extenuado. O canto do cisne veio a ser entoado, em 1950, pelo Grupo Cénico Montijense, cujas brilhantes actuações ainda hoje são recordadas por quem teve o prazer de assistir aos seus espectáculos.
«A mocidade actual pouco ou nada se interessa por esse assunto (teatro). Dêem-lhe cinema e futebol e vai tudo bem. A fora isto, dêem-lhe também bailes todos os dias e até de madrugada», registava já o articulista da Gazeta do Sul, em 1945.
Durante a “Primavera Marcelista”, o Ateneu Popular de Montijo constituiu o seu grupo de teatro amador. Mas devido a contradições internas e à acção dos serviços de censura o grupo acabou por perecer sem representar qualquer peça.
Depois de 25 de Abril de 1974,estimulados pelos ventos da Liberdade, a juventude de Montijo, Afonsoeiro, Alto do Estanqueiro e Atalaia constituem grupos de teatro no seio das colectividades, que soçobrarão cerca de dez anos depois.
No dealbar da segunda década do século XXI, poder-se-á repescar um trecho da Gazeta do Sul, publicado a propósito da estreia da revista «Arruma-lhe!»:
«Há, de há muito, necessidade de varrer, com rajadas de ar fresco, o ambiente abafado e rotineiro do Montijo. Repetimos: com boa vontade e entusiasmo poder-se-á fazer algo de valor que imponha e levante o nome de Montijo.»

B

A Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, que foi fundada em 1 de Dezembro de 1868, reclama-se legítima herdeira da Sociedade Recreativa, que fora constituída em 1854. Transformou-se no principal esteio da animação cultural, instrução e recreio de Aldegalega. Além da Filarmónica, que pelo seu rico historial merece referência singular, a Sociedade Filarmónica I.º de Dezembro possuía um gabinete de leitura, um salão de festas e um pequeno teatro, e organizava excursões e bailes para a ocupação dos tempos livres dos seus sócios e familiares.
«A actividade da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro contemplava para além da prática musical, o Teatro, os Bailes, os Bazares, as Kermesses, a leitura dos jornais, o Bilhar, o Loto e os jogos de mesa nomeadamente o voltarete (jogo de cartas com três parceiros), o dominó e o gamão, bem ao gosto da época», explica Isabel Maria Mendes Oleiro Lucas, in Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, Montijo – APONTAMENTOS PARA A SUA HISTÓRIA.
As notícias sobre a existência dum grupo de teatro e dum teatro na Sociedade Filarmónica 1.º de Dezembro remontam a 1869, quando o senhor António Caetano recebeu $900 réis «por ajudar o pintor no teatro». Seguem-se notícias de récitas realizadas nos dias 23 e 24 de Fevereiro de 1872 e 23 e 27 de Fevereiro de 1873.
 A par do grupo amador, o palco era também utilizado por actores e companhias itinerantes, tendo ali representado, em 1873, uma companhia espanhola. A associação recebia de renda do palco por cada espectáculo, e naquele tempo, 2$000 e, por sua vez, pagava ao proprietário do edifício uma renda mensal de 19$200 réis.
Os membros do grupo de teatro dispersaram-se por outras associações, mas, enquanto actuaram na Sociedade, foram os impulsionadores de outras actividades de ocupação de tempos livres como foram os muito afamados e elitistas bailes e as excursões.
Em 1935, foi constituído um novo grupo de teatro, com vida efémera, que promoveu, em Janeiro daquele ano, uma récita no Cine-Teatro Joaquim de Almeida, contando com a participação de Mariano Sanchez Bermejo, Augusto Santos, Judite Silva e Vera Silva entre outros.
O palco da 1º de Dezembro recebeu, em Março de 1938, a Companhia de Amélia Rey Colaço – Robles Monteiro, que ali representou “A Recompensa”, original de Ramada Curto.
O animatógrafo suscitou também o interesse desta associação. Em 1913, a Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro celebrou uma parceria com o empresário Nunes de Carvalho para a exploração do animatógrafo de Verão, instalado na Praça de Touros e, outras vezes, recorreu à realização de sessões cinematográficas para arrecadar receitas para os seus cofres.
Nos dias 2 e 3 de Dezembro de 1923, a Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro realizou dois espectáculos cinematográficos , arrecadando um lucro líquido de 1.125$00. Os preços de ingresso eram: Fauteils – 4$00; Balcão – 4$00; Superior – 2$50; e Geral – 2$00. Pelo “Aluguer da barraca” para os dois espectáculos a associação pagou 1750$00.
Mais tarde, em 1954, a associação instalou uma esplanada para espectáculos cinematográficos, no logradouro da sua sede, mas que foi encerrada pela Câmara Municipal de Montijo, por não se conformar com a legislação em vigor. Em 1971, a Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, a Empresa do Cinema-Teatro Joaquim de Almeida e a Banda Democrática 2 de Janeiro constituíram uma sociedade cinematográfica, visando, sobretudo, as sessões estivais, que acabou por ser dissolvida em 1975, devido aos fracos resultados que apresentou.


C

A «Sociedade Dramática», constituída em 1878 e dirigida pelos irmãos António Máximo Ventura e Cândido José Ventura, respondeu à necessidade sentida pelas «principais famílias da vila» de preencherem a ocupação dos tempos livres dos seus filhos, na sua maioria estudantes, e, por outro lado, de promoverem o convívio social.
A ida ao teatro, que usualmente se concluía com animado baile, passou a ser um acontecimento social relevante que só encontrava paralelo na assistência às touradas.
António Máximo Ventura e Cândido José Ventura, filhos de Manuel Soares Ventura, rico comerciante e proprietário, que «adiantou o dinheiro necessário» para a construção do teatro da Sociedade Dramática, foram os fundadores da mesma Sociedade Dramática.
Devido ao estatuto e ao papel que a mulher tinha então na sociedade aldegalense, o grupo de teatro da Sociedade Dramática, carecendo de intérpretes femininas, contou com a participação da actriz profissional Peres e, após a sua morte, de Adelina Abranches (1866 – 1945), que se viria a tornar num dos grandes vultos do teatro português.
Cândido José Ventura registou nas suas memórias:
«Um grupo de rapazes de que eu fazia parte e que nunca podia ir além dos 25 que formaram esse grupo, organizaram uma Sociedade Dramática, cuja sede era na Travessa do Cais, que depois mudou o seu nome para Rua Tenente Valadim, num armazém, dentro do qual fizemos construir um pequeno teatro em 1878. Para a sua construção, adiantou meu Pai o dinheiro necessário, sem auferir qualquer interesse.
Este armazém ainda conserva um pequeno frontão, quando da construção do referido teatro. Elegeu-se no seu início, uma Direcção, sendo Presidente António Máximo Ventura, Secretário Carlos Canede, Tesoureiro o autor desta descrição, e Vogais António Tavares da Silva e Artur Canede. Quando se inaugurou este teatrinho, veio a Aldegalega assistir a esse acto, o insigne Actor António Pedro, que autorizou que ao referido teatro se desse o seu nome. Terminado o espectáculo da inauguração, houve uma ceia oferecida pela Direcção ao ilustre Actor António Pedro, onde se fizeram diversos brindes de saudação ao iminente Actor.
Esta ceia foi uma boa festa que durou até de manhã, terminando à hora da partida do vapor para Lisboa, onde este senhor embarcou (cerca das 8H30)».
Justiniano Gouveia, Cândido José Ventura, Domingos Saloio, António Ventura Júnior, Miguel Rama, José Anino, João Quaresma, Raul Nepomuceno da Silva e Adriano Tavares Mora foram alguns dos artistas amadores que continuaram a manter um grupo de teatro amador, em Aldegalega, já depois de extinta a Sociedade Dramática. António Máximo Ventura e Manuel Ferreira Giraldes destacaram-se como ensaiadores e este último, que foi o primeiro presidente da Câmara Municipal de Aldegalega eleito, em 1908, pelo Partido Republicano Português, como autor de algumas peças e poemas levados à cena por vários grupos de teatro amador.
Extinta a "Sociedade Dramática", Cândido José Ventura, José Luís Gouveia e António Máximo Ventura fundaram um novo grupo cénico, os "Amadores Dramáticos”, que fez a sua estreia, no dia 5 de Março de 1903, no Teatro Electro-Mágico, barraca de espectáculos, que fora instalada no Largo da Caldeira.
Foi levada à cena a comédia em dois actos "Os Espectros", interpretada por Justiniano Gouveia, Domingos Saloio, António Ventura Júnior, José Anino, Miguel Rama, João Quaresma e Filomena Jacobeth, actriz profissional, e a opereta em um acto "Os Mortos de Margarida", com Justiniano Gouveia, António Ventura Júnior, Domingos Saloio, José Anino e Filomena Jacobeth. No final, "foram delirante e freneticamente aplaudidos". O espectáculo terminou "com um animadíssimo baile abrilhantado pelo pianista, Sr. Case", que se encerrou às cinco horas da manhã.
Na noite seguinte, repetiu-se o programa, a que se acrescentou a comédia em um acto "Cada Doido" e o entreacto "Os Manos Sousas". A encenação das comédias foi de António Máximo Ventura e Manuel Ferreira Giraldes e a da opereta do maestro Baltazar Manuel Valente, que foi distinguido pelos espectadores com uma chamada especial «pela mimosa música», que escreveu para os intervalos. António Augusto dos Santos foi o caracterizador, Francisco Maria de Jesus Relógio, contra-regra, e Joaquim dos Santos Oliveira, o ponto. A orquestra era composta por António Tavares da Silva e José Narciso Godinho, rabeca; José Cipriano Salgado Jr., piano; José Sampaio de Oliveira e Edmundo José Rodrigues, flauta; José Vito da Silva, rabecão.
Os "Amadores Dramáticos" mantiveram-se activos até 1909, apresentando, entre outros, os seguintes espectáculos:
22.03.1903 – Récita em favor dos pobres da vila, no Teatro Electro-Mágico.
12.06.1904 - Récita de Caridade – "O Pária", poesia recitada por António Mendes Freire Moreira. "Os Sobrinhos do Papa", comédia em três actos. "O Zabumba", cena cómica apresentada por Justiniano António Gouveia. "Os Três Maestros", terceto desempenhado por Justiniano António Gouveia, José Augusto Simões da Cunha e Domingos António Saloio. Francisco Maria de Jesus Relógio foi o contra-regra e Alberto Valentim, o ponto.
«Foi uma noite muito bem passada. Pena é que em Aldegalega não haja flores para acompanhar os aplausos».
02.10.1904 - "OS Dois Surdos», comédia em um acto, por Raul Nepomuceno da Silva, Guilhermino Pires, Adriano Tavares Mora, Abel Justiniano Ventura, António Nepomuceno da Silva e Filomena Jacobeth. «A Judia», por Guilhermino Pires e Raul N. da Silva. "O Álbum», por Filomena Jacobeth. «Hamlet», paródia, por Adriano Tavares Mora e Guilhermino Pires. «Os Caetanos», por Guilhermino Pires, António da Silva, Abel Ventura, Raul da Silva e Filomena Jacobeth.
A apresentação das peças foi intervalada com a declamação de vários poemas. António Máximo Ventura foi o encenador.
«Repetiram-se os aplausos, as chamadas e foram-lhes deitadas muitas flores. Deus queira que não fiquemos por aqui».
10.12.1904 - «Expiação» drama em três actos, da autoria de Manuel Ferreira Giraldes (estreia) e «Amor Constipado». «Houve diferentes chamadas aos amadores, ao ensaiador, António Máximo Ventura, ao autor do drama, e ao ponto, Joaquim dos santos Oliveira, sendo por essas ocasiões atiradas para o palco muitos ramos de flores».
06.01.1905 - «Fidalgos e Campónios», comédia em um acto.
15.1.1905 - «0 Arlequim», poesia dramática de Manuel Ferreira Giraldes e «Expiação», do mesmo autor. Subiu ainda à cena a comédia em um acto «Preciosidades de Família».
09.07.1905 - «Moços Velhos», comédia em três actos, «Casa da Avó» e «Ceia de faculdades», comédias em um acto, com Justiniano António Gouveia, Alberto Vieira da Motta e Amadeu Ventura. José Luís Pereira Nepomuceno, António Máximo Ventura e Filomena Jacobeth.
03.09.1905 - «Moços Velhos», comédia em três actos, e «Casa da Avó» e «Ceia de Faculdades», comédias em um acto, com Justiniano António Gouveia, Alberto Vieira da Motta e Amadeu Ventura.
08.10.1905 - Inauguração do novo Teatro. Programa variado, no qual participaram as actrizes profissionais Adelaide Coutinho, Doroteia Coutinho e Filomena Jacobeth. (Espectáculo repetido em 15-10-1905). Destacaram-se do programa as comédias em um acto «Patos Bravos», «Uma Lição de Moral» e «Um Capricho Feminino. A sessão terminou com um escolhido «acto de folies-bergers».
«Com numerosa e distinta assistência, realizou-se, no pretérito domingo, com um excelente e em organizado programa, a inauguração do novo teatro. Os amadores a cujo cargo estava confiado o desempenho, foram alvos das mais justas e entusiastas ovações.
Por delicada gentileza tomou parte neste espectáculo a distinta actriz D. Adelaide Coutinho, sendo a sua entrada no palco saudada com verdadeiro entusiasmo pela plateia, que mostrou assim o alto apreço em que tem as suas qualidades de genial artista. Mimoseou-nos com versos de Machado Correia, dizendo-os com a reconhecida correcção e graça que lhe são peculiares, pelo que recebeu muitos e merecidos aplausos. Tomou parte também na récita a Ex.ma Sr.ª D. Doroteia Coutinho. Actriz de reconhecido merecimento, tendo de há muito firmados os seus créditos, manteve a plateia em constante gargalhada no papel que lhe foi confiado na comédia «Moços e Velhos». Pela manifestação de agrado que lhe foi feita deve ter prova de quanto foi apreciado o seu trabalho. A actriz D. Filomena que muitas vezes nos tem mostrado o seu valor e os recursos de que dispõe, muito contribuiu para que a récita deixasse em todos as melhores impressões. Possui segredos de verdadeira artista, e o seu trabalho é sempre justa e freneticamente aplaudido pela nossa plateia. Cantou no acto «Folies- Begérs» a valsa Frou-Frou, que teve de bisar, recebendo muitas palmas.»
15.10.1905 - «Um Capricho Feminino», «Patos Bravos» e «Uma Lição de Moral». Acto de folies-bergérs. Direcção: António Máximo Ventura e Manuel Ferreira Giraldes.
30.10.1905 - «O Abstracto» e «Um Noivo de Alcanhões», comédias em um acto, além de diferentes monólogos, cançonetas e poesias.
15.01.1906 -0s Noivos de Margarida» e «O Canto Celestial», operetas em um acto. «Deus Os Fez, Deus os Juntou», comédia em um acto. Contracenaram: Filomena Jacobeth, Justiniano Gouveia, Domingos Saloio, António Máximo Ventura, António Saloio Júnior, José Anino, Miguel Rama e João Quaresma.
06.05.1906 - «0 Paralítico», drama, no qual se destacou o desempenho de Miguel Rama, no papel de Casca Grossa, e de Sousa Lima, no papel de paralítico.
05.06.1906 - «A Mentira», drama, e «Genro do Caetano», comédia.
09.09.1906 - «A Morgadinha de Valflor», original de Pinheiro Chagas, e «Uma Carta a Santo António». Estreia de Maria das Neves Gouveia «desta vila, que é dotada de extraordinária habilidade para a cena».
14.10.1906 _ «Carta a Santo António», comédia em um acto, com «a novel amadora desta vila Maria das Neve».
06.01.1907 - "Expiação», drama em três actos, original de Manuel Ferreira Giraldes (última apresentação). «Os Sustos», comédia em um acto de Rangel de Lima. «Por causa de um Relógio», no qual «debutou a simpática menina Maria Lopes».
O espectáculo terminou com um baile, em cujos intervalos foram apresentados monólogos, cançonetas e poesias, e que terminou às 4 horas da manhã.
09.02.1907 – Inauguração do gasómetro de acetileno do teatro, «sendo magnífico o efeito da iluminação».
10.02.1907 – Récita carnavalesca. «Um Julgamento no Samouco» e «Na Boca do Lobo», comédias.
11.02.1907 - – Récita carnavalesca. «Um Julgamento no Samouco», comédia, e «Os Noivos de Margarida», opereta. Foram ainda representados «monólogos, e cançonetas próprios desta ocasião.»
21.04.1907 - «Doidos com Juízo», «A Porta Falsa», «A Casa de Babel», «O Testamento» e «Duas Bengalas». Justiniano Gouveia, Carlos Dimas, António Saloio Júnior e Filomena Jacobeth.
09.06.1907 - «Um Hotel em Sarilhos», comédia em três actos, e «Os Doidos», comédia em um acto, espectáculo em benefício das distintas amadoras Maria das Neves e Maria Lopes.
18.08.1907 - «O Testamento», comédia em três actos. «As Duas Bengalas», comédia em um acto. Neste espectáculo participaram o actor Joaquim de Almeida, «uma das figuras mais proeminentes da cena portuguesa e uma das mais legítimas glórias desta terra, que se orgulha de lhe ter sido berço», e a actriz Júlia Moniz.
 «O concurso do grande actor para uma festa, cujo fim é tão generoso e humanitário, prova bem como ele reúne à robustez do seu imenso talento os primores de um coração cheio de dedicação e bondade. Joaquim de Almeida é, com justiça, venerado por todos os seus conterrâneos, que vêem nele o artista brilhante, talentoso e fecundo, que os honra e engrandece. Há muito que não víamos uma enchente naquela casa de espectáculos como no domingo».
16.05.1909 – Récita de beneficência para as vítimas da catástrofe do Ribatejo. Poema «História Antiga», de Manuel Ferreira Giraldes; «Expiação», drama em três actos do mesmo autor; «A Roca de Hércules», original de Pinheiro Chagas, desempenhado pelos actores profissionais Augusto Cordeiro e Lucinda Cordeiro. «O teatro estava, como se costuma dizer, à cunha. Venderam-se 374 bilhetes a 400 réis, ou seja 149$600 réis. O espectáculo terminou era uma hora e um quarto da madrugada.»
17.IO.I909 «Amores Serôdios», comédia em dois actos. «As Eleições», comédia em um acto.

D

O «Aldegalense Sport Club», primeira agremiação desportiva de Aldegalega, fundada em 14 de Julho de 1909, foi, na sua origem, uma colectividade de cultura e recreio.
O Grupo de Teatro Amador estreou-se em 22 de Agosto de 1909, perdendo-se depois as notícias sobre a sua actividade. Em Outubro de 1940, constituiu-se um novo grupo, que levou à cena a revista «Festa Rija». O Grupo de Teatro Amador do Aldegalense apresentou-se, pela última vez, em 6 de Abril de 1947. Um ano mais tarde, o «Aldegalense», «Onze Unidos Futebol Clube» e o «Avenida Futebol Clube» fundiram-se dando origem ao Clube Desportivo do Montijo.
 
 Malmequeres
              I
Malmequeres
Bem me queres
São flores de louco encanto
Malmequeres
Bem me queres
Desfolham riso e pranto!
As moças apaixonadas
Perguntam baixinho à flor
Se são queridas desejadas – bis
E felizes no amor!

           REFRAIN

Se os malmequeres
Gentis e formosos,
Dizem bem me queres
Aos rostos ansiosos,
Das lindas mulheres,
Constroem castelos,
Nos seus corações,
Loucas ilusões
Loucas ilusões
E sonhos tão belos!

               II

Dois jovens enamorados
Um malmequer desfolharam
Mas ficaram enganados
Com a resposta que apanharam;
O malmequer respondeu
Com o seu eterno sorrir
Isso não respondo eu – bis
Pois não gosto de mentir.

Mais de meio século passado sobre a estreia da revista «Festa Rija», em Montijo continua a entoar-se o refrão da música «Malmequeres», sempre que a Filarmónica 1º de Dezembro a incluiu no seu reportório. Usualmente é obrigada a repetir o número.
O sucesso de "Malmequeres» foi o sucesso da revista do Aldegalense Sport Club, que se estreou no dia 6 de Fevereiro de 1941, depois de cinco meses de ensaios, no Cinema Teatro Joaquim de Almeida.
São conhecidas trinta representações da peça, sempre com êxito, três delas, em Lisboa, no Teatro Trindade, nos dias 19, 20 e 21 de Julho. O jornal «República», que se publicou em de Lisboa, referiu-se à estreia dos amadores de Montijo, no Teatro da Trindade, no dia 19 de Julho de 1941, nos seguintes termos: «A peça está urdida com um belo sentido de espectáculo, recheada de números de fantasia, rábulas, canções e dois quadros de comédia, um deles graciosíssimo por constituir uma típica caricatura da boa gente do Montijo. A partitura tem direito a destaque pela sua rara felicidade. Toda a música é lindíssima, merecendo relevo os números dos «Malmequeres», «Figos de Caparota», «Pecados da Vida», «Raparigas da Rua», a «Dança do Fado», a romaria da «Senhora da Atalaia», dos «Cozinheiros» e muitos outros (...)
É justo colocar em primeiro lugar a figura de Maria José Maia, que tem muita vocação para representar e um fiozinho de voz muito agradável. Clarinda Casas, Maria Leonor, Mário Miguel impuseram-se também de molde a receber entusiásticos aplausos do público, assim como todos os intérpretes».
Ao ler-se, hoje, as coplas da revista, não se pode deixar de reparar na canção Mulheres de Hoje, que reflecte o momento histórico em que a revista foi escrita, marcado a nível mundial pela II Guerra Mundial, e, a nível interno, pela afirmação do Estado Novo, e, por outro lado, pela perspectiva ideológica do autor:

     Mulheres de hoje
                  I
Toda a mulher que se preza
Deve amar a liberdade,
Defender-se com braveza
E gozar a mocidade.
Hoje em dia uma mulher
Pr’ó destino enfrentar,
Tem que de tudo saber,
Estar sempre pronta a lutar.

        Refrain

A mulher de agora
Já sabe viver
Mas sabe sofrer
Como as de outrora.
Nada a impedirá
De ser boa mãe
Mas exigirá
Ser livre também!
E assim nós teremos
Uma vida de verdade
P’la Pátria lutemos
Pela sua liberdade
Porque hoje a mulher
Mesmo esposa e mãe
Se a Pátria morrer
Quer morrer também!
               II
A mulher já não suporta
Viver na escravidão.
E a todo o mundo exorta
Numa grande Revolução!
Por isso agora lutamos,
Gastamos energia a rodos,
P’ra que o mundo que habitamos
Seja pertença de todos!

A ficha técnica do espectáculo regista os seguintes dados: «Festa Rija, revista em 2 actos e 24 quadros. Original do Dr. Manuel Paulino Gomes Jr., que a musicou de colaboração com Humberto de Sousa. Charles ensaiou os bailados e as marcações; Justiniano Gouveia ensaiou o poema; José Simões Quaresma pintou os cenários; Gabriel Mimoso (filho) realizou os efeitos de luz; Alberto Anahory fez o guarda-roupa e duas apoteoses; Adriano Leiria é o contra-regra; José António de Oliveira é o ponto; Amadeu da Costa Júnior tratou dos adereços; Dâmaso de Carvalho e José Quaresma são os caracterizadores e as cabeleiras de Vítor Manuel.» Acompanhava musicalmente o grupo cénico a «Festa Rija Jazz», sob a direcção de Manuel Paulino Gomes, com Humberto de Sousa, ao piano, e os acompanhamentos à guitarra e viola por Emídio Tobias e José Horta Dias. Colaboraram nas orquestrações António Fortunato de Sousa, que escreveram, respectivamente, as músicas dos números «Vira», «Fandango», Jardim da Felicidade», e «Cozinheiros e Criadinhas».
 Embora tivesse, posteriormente, sofrido alterações, no dia da estreia, o elenco feminino, era constituído por Clarinda Casas Más, Custódia Ferreira, Dulcinda Gouveia, Elvira Pereira, Esmeralda Freire, Fernanda de Jesus, Georgina Ferreira Henriques, Júlia Gouveia Caria, Julieta Gaspar, Laura Faustino, Maria Amélia da Costa Silva, Maria Antónia dos Santos, Maria Edite Vicente, Maria Helena Martins de Sousa, Maria Fernanda Baldrico Ferreira, Maria Guilhermina da Costa, Maria José Gouveia Caria, Maria José Gouveia, Maria José Maia, Maria Juvenália Peixinho, Maria Leonor Sousa Coelho, Maria Leonor Marques, Maria Luísa Cardoso Gouveia, Maria Luísa Pereira da Silva, Maria Manuela Gervásio, Maria Rita Gouveia de Oliveira, Odete Caldeireiro, Cidalisa Alves do Carmo, Silvina da Conceição e Vladimira de Jesus, e o elenco masculino integrava Alberto Araújo, António Araújo, Bento de Jesus Ferreira, Carlos Calvelas; Dr. Edmundo Martins, Ilídio Futre, Joaquim José Lucas, José Estêvão Silva Carvalho, José Júlio Rodrigues, José Justiniano Gouveia, José Lázaro Vintém, Luis Areia, Luis Onofre, Mário Manuel Soares e Mário Miguel Rama. Zé Penosa, o compère, foi interpretado por António Leonardo da Silva.
A orquestra Festa Rija Jazz, privativa da revista, era composta pelo Dr, José Rosário, António Severo, Francisco Ladislau de Sousa, Francisco Soares Canastreiro, Jorge Batista, João de Almeida Ribeiro, José Ladislau de Sousa, José de Oliveira Gouveia, Adriano Silva e Humberto de Sousa.
Ao semanário montijense «Gazeta do Sul», em Janeiro de 1941, o Dr. Paulino Gomes Júnior, declarava que «como realização artística a revista não tem pretensões. Se quiser, posso resumir-lhe em três palavras o que mais procuraria dar-lhe: modernismo, dinamismo, oportunismo. Dentro destes aspectos suponho que alguma coisa se conseguiu».
De facto, Festa Rija ultrapassou todas as expectativas. A guerra assolava a Europa, mas no Montijo a Festa (era) Rija, porque «Esta vida é um prazer/Duma graça estonteante/ Lembra uns lábios de mulher/ a sorrir a cada instante».
Escreveu o crítico do jornal “República”: «É justo colocar em primeiro lugar a figura de Maria José Maia, que tem muita vocação para representar e um fiozinho de voz muito agradável.»
Maria José Maia e vários elementos do grupo cénico, em número significativo, eram analfabetos. As peças e as letras das músicas eram-lhes lidas por familiares ou parceiros do grupo para que eles as memorizassem. Nem por isso lhes faltou entusiasmo para que aquela fosse notada pela crítica dos jornais da capital e todos se tivessem irmanado de modo a construírem o maior êxito teatral de que há memória no Montijo.
Manuel Paulino Gomes Jr. e Humberto de Sousa, que foram, os responsáveis pelos êxitos alcançados pelo grupo cénico, após o retumbante êxito da revista «Festa Rija» mantiveram a parceria e organizaram o “Serão de Variedades», espectáculos que preenchiam as noites de Verão do Aldegalense.
No dia 4 de Outubro de 1946, pelas 21H30, na sede do Aldegalense, realizou-se o último “Serão de Variedades” dirigido pelo Dr. Paulino Gomes Júnior e pelo maestro Humberto de Sousa. O espectáculo serviu «para despedida da actividade artística dos seus organizadores, srs. Dr. Paulino Gomes Júnior e Humberto de Sousa. Participaram Isabel Pulquério, Gina Ferreira, Alda de Carvalho, Maria Manuela Mora Paulino Gomes, José Luís Caria, Mário Miguel Rama, José Ribeiro Vintém, Luís Onofre, José Canarim Nepomuceno, Francisco Ladislau de Sousa, José Ladislau de Sousa, Mário dos Santos Gouveia, José António dos Santos Gouveia, João de Almeida Ribeiro e António dos Santos.
Em 1947, em 29 de Março e 6 de Abril, o grupo de teatro amador do Aldegalense Sport Club apresenta-se, de novo, em cena, com mais um espectáculo de variedades.
 Após a dissolução do Aldegalense, o Grupo Cénico do Aldegalense passou a denominar-se Grupo Cénico do Montijo, e passou a contar com a colaboração do poeta José Joaquim Caria.
Apesar do racionamento de alimentos e das agruras dum tempo marcado pela Guerra e pela repressão, Festa Rija continuava a registar enchentes porque

Vivemos sempre na festa
Em constante reinação
Nesta terra bem modesta
Nunca falta animação.

Seja baile ou romaria
O futebol ou toirada
Seja de noite ou de dia
Lá está sempre a rapaziada


Estribilho

Cá no Montijo
Toda a gente quer gozar
Folgar
Brincar
Ter regozijo
É Festa Rija
Haja alegria
Viva a folia

Se na Moita há arraial
Se há festa na Conceição
Nunca falta pessoal
Nem boa disposição

Pode chover ou nevar
Nada nos vem impedir
Pode a festa não prestar
Que a gente o que quer é ir.

D.1

«FESTA RIJA» NA IMPRENSA

«Festa Rija»

(Entrevista com Charles, Justiniano Gouveia, Clarinda Casas e Custódia Baldrico Ferreira)

Está nos seus últimos ensaios e nos últimos preparativos a revista local «Festa Rija» que o Dr. Paulino Gomes escreveu e que subirá à cena no corrente mês sob o patrocínio do Aldegalense S.C.
Porque muito nos apraz registar iniciativas deste género, interessantes a todos os títulos, não quisemos deixar de, agora que vai sendo momento oportuno, auscultar um pouco este empreendimento que nos merece todo o carinho e apoio, e dele dizer alguma coisa a todos que nos lêem.
Prefaciando o que podemos ainda dizer sobre a revista achámos interessante arquivar nas nossas colunas algumas impressões das principais figuras da Festa Rija e assim, numa das últimas noites de Janeiro muito pluvial e frigidíssimo, nos dirigimos ao cinema-teatro Joaquim de Almeida, onde decorrem os ensaios e onde as impressões que pretendíamos colher nos foram muito gentilmente facultadas.
Falámos, primeiramente, com Charles, conhecido artista bailarino. Às primeiras perguntas que lhe dirigimos não ocultou a sua satisfação pelo que há feito não obstante o material humano ser ingrato pois se trata de rapazes e raparigas sem experiência alguma de tablados.
 Salientou a maneira carinhosa e incansável como o autor Dr. Paulino Gomes Júnior tem colaborado no decorrer dos ensaios e, a finalizar, numa convicção alegre e optimista, Charles produz esta afirmação que é um mundo de consoladoras esperanças para quantos aguardam a premiére: «Tenho a certeza absoluta de que a revista vai marcar!».
Estava indicado, naturalmente, que a seguir procurássemos Justiniano Gouveia, o ensaiador e assim fizemos.
Justiniano Gouveia apareceu-nos como toda a gente o conhece. Afável, acolhedor, um dito de espírito sempre à flor dos lábios e o charuto, o eterno charuto que, cremos, faz já parte integrante da personalidade de Justiniano Gouveia. Não nos custa até acreditar que o «charuto do ensaiador» daria motivo para uma pequena rábula…
À primeira pergunta já engatilhada, que pensa da revista? – Justiniano Gouveia respondeu-nos com aquele à vontade e ar de franqueza que lhe são característicos:
- Meu caro amigo, isto, quanto a mim, não é mais do que uma brincalhotice que o povo generoso e bom da nossa terra acarinhará, não esquecendo que a maior parte dos componentes nunca representou.
Todavia, dir-lhe-ei que a revista que o Dr. Paulino Gomes Júnior escreveu, certamente sem pretensões, constitui um espectáculo interessante pela série de quadros de fantasia, proficientemente ensaiados por Charles. Tem alguns números de música interessantes, da autoria do autor da letra e outros ainda de Humberto de Sousa e António de Sousa a par de outros adaptados e todos de agrado certo. Não pudemos deixar de exprimir a nossa satisfação pelas promessas de bom êxito das suas palavras.
A quase-entrevista tinha de finalizar. De cima do palco, reclamavam o ensaiador, as jovens estrelas preparavam-se para a cena com entusiasmo e alegria.
Entre bastidores percebiam-se ruídos característicos de aprestos teatrais de mistura com canções e até, em baixo, nos camarins, a dois passos de nós, mestre Guilhermino assobiava alegre e fazia espírito pregando pregos a compasso.
Justiniano Gouveia despede-se finalizando:
- Enfim, meu amigo, isto de teatro é sempre uma incógnita, mas desta vez, ou me engano muito ou a Festa Rija vai marcar e levar ao teatro Joaquim de Almeida toda a gente de bom gosto a passar uns momentos agradáveis.
Estava terminada a entrevista mas não a nossa pecha de bisbilhotice jornalística. E assim procurámos António Leonardo da Silva, o compére e desfechámos-lhe:
- Que pensa da revista?
António Leonardo hesita um momento, ensaia inconscientemente um dos meneios do seu papel e diz-nos:
- Que penso? Nova hesitação e depois – Que isto há-de ir e há-de agradar.
- Está contente com o seu papel?
- Preferia rábulas por fora, mas deram-me este e garanto que faço o possível para bem o desempenhar.
- Que lhe parece a Festa Rija em relação às outras revistas onde já tomou parte?
- Superior nos bailados e no resto, pelo menos, tão boa como as outras.
O Dr. Paulino Gomes Júnior apresenta-nos, nesta altura, duas jovens «estrelas», dois sorrisos de primavera perfumada a desabrocharem em flor.
Não resistimos à tentação de as interrogar também e de lhe pedirmos algumas palavras para o nosso jornal a que gentilmente se prestaram.
Clarinda Casas, clara e linda na verdade, começa por nos dizer que é a primeira vez que fala à luz da ribalta e à pergunta, que pensa da revista?, responde-nos:
- Que foi uma bonita iniciativa para Montijo e que a revista é realmente bonita, não só pela sua música como pelo talento do seu autor o Dr. Paulino Gomes Júnior.
Entre impressão e convicção de que a revista agrade acaba por se decidir pela convicção; está convencida de que a revista agrada. Confessa-se muito contente com os papéis que desempenha e garante-nos que todos os seus colegas o estão também.
Custódia Baldrico Ferreira, insinuante e simpática, diz-nos fazer suas as palavras da sua colega Clarinda Casas. Diz-nos mais, que representa pela segunda vez pois já tomou parte numa récita escolar e termina com a mesma convicção de que a revista agrada.
Não quisemos seringar mais ninguém e fomo-nos placidamente sentar numa cadeira assistindo ao decorrer dos ensaios que nos deixaram muito boa impressão.
Gazeta do Sul, 19.01.1941

A Revista Festa Rija

(Entrevista com o Dr. Paulino Gomes Júnior)

Solicitámos numa das últimas noites, do Dr. Paulino Gomes Júnior, autor da revista «Festa Rija», que o Aldegalense Sport Club levará à cena em breve, algumas palavras sobre este empreendimento artístico, palavras que muito gentilmente nos foram dispensadas e abaixo transcrevemos. A entrevista foi, por assim dizer, semi-rígida, visto que as nossas perguntas foram formuladas quase como quesitos. Os nossos leitores encontrarão por ordem as nossas perguntas e as respostas correspondentes que amavelmente nos foram ditadas pelo Dr. Paulino Gomes Júnior.
- Que pensa da revista como realização artística de Montijo?
- Antes de tudo devo declarar-lhe que a revista «Festa Rija» tem, para mim, uma preocupação: a de corresponder à confiança que o meu amigo de infância, o José Estêvão da Silva Carvalho, em mim depositou. Na verdade, foi ele que, em nome do Aldegalense Sport Club, conseguiu que eu me resolvesse a trabalhar num assunto para o qual não passo de um modestíssimo amador. Como realização artística a revista não tem pretensões. Se quiser, posso resumir-lhe em três palavras o que mais procurei dar-lhe: modernismo, dinamismo, oportunismo. Dentro destes aspectos suponho que alguma coisa se conseguiu, tanto mais que foi bastante cuidada a questão dos colaboradores. Charles, o famoso realizador, teve atitudes que jamais esquecerei. Trabalhou com uma dedicação que chegou a comover-me. Justiniano Gouveia, ensaiador do poema, é por nós sobejamente conhecido. Para avaliar a sua boa vontade, vou dar-lhe uma frase sua: «Oh Manuel, basta a revista ser tua!». Mas para responder concretamente à sua pergunta, tenho de lhe citar mais nomes. José Quaresma pintou cenários. Já conhecia o gosto artístico deste meu grande amigo. Mas para mim, tornou-se uma grande revelação; tem cenários admiráveis! Gabriel Mimoso (filho), há pouco saído do Instituto Industrial de Lisboa, é o encarregado dos efeitos de luz. Vai ser posta à prova a sua competência e desde já lhe profetizo vinte valores no exame. Em aparte, quero dizer-lhe que mal conhecia este rapaz; tenho hoje mais um bom amigo e com ele tenho vivido as maiores emoções desta luta em que nos empenhámos. É um grande companheiro! Propositadamente deixei para o fim a parte musical. A revista não tem só números originais; alguns há que são adaptados. Dos primeiros um de António de Sousa, admirável, uma linda valsa de Francisco Ladislau, a quem presto publicamente homenagem pela sua dedicação e pelas suas qualidades artísticas, outros meus e de Humberto de Sousa. Humberto de Sousa! Tudo quanto lhe possa dizer deste grande amigo não traduz o que sinto por ele, a quem me refiro em último lugar porque os últimos…É que eu pus o caso à Direcção do Aldegalense: faço a revista com a condição de ter como colaborador, na parte musical, o Humberto! E não preciso dizer-lhe mais nada. Ele trabalhou com uma vontade fenomenal e ainda por cima fez três fados e um fox que são simplesmente formidáveis! A orquestra, composta na sua maioria por rapazes de cá, está desejosa de se revelar! Com todos estes elementos penso que, se por meu lado a revista não tem pretensões como realização artística, pode tê-las pelo trabalho dos que acima cito.
- Em que proporção se harmonizam nela a crítica local e o folclore regional?
- A crítica local é leve. Brinco, ironizo, mas não (a)profundo. Quanto ao folclore, confesso que, dentro do espírito despretensioso de que já lhe falei, não me preocupei com ele.
- Parece-lhe que a revista tem possibilidades de exibição em qualquer parte que não seja Montijo?
- Desde que lhe sejam dados uns retoques, tirados os números locais, que só a nós interessam, suponho que não envergonharia. Enfim, não sei…
- Duma maneira geral, como lhe parecem os rapazes e raparigas da revista?
- Os rapazes e raparigas da revista são, na sua grande maioria, inexperientes. Mas têm feito o possível por acertar e é justo que se saliente a forma dedicada como se têm conduzido. Em noites e noites de frio intensíssimo, os ensaios eram concorridos como se nada houvesse. E vai ver que há autênticas revelações tanto na parte coreográfica como na declamada.
- Tem a revista algum objectivo de exaltação do que de belo tem Montijo?
- Já lhe afirmei que os assuntos locais são tratados levemente. Mas, sempre que há oportunidade, não se deixa de exaltar Montijo e a apoteose final o demonstrará.
- Que considerações de ordem geral ou particular acha interessante explanar?
- Estas coisas são trabalhosas. Você deve calcular os dissabores, as contrariedades que é preciso vencer para levar a cabo um empreendimento assim… Parece-me que vencemos sob este aspecto, pois brevemente a revista deve ir à cena. A terminar, quero declarar-lhe que, tanto por parte da direcção do Sport, como da Comissão Administrativa da revista, como de todos que me rodearam, só tive facilidades. Até a Empresa do Cinema Teatro Joaquim de Almeida é digna de grande elogio e o Club fica, decerto, a dever-lhe um grande favor. E não esqueço também o interesse que ao seu jornal, com nítida compreensão destes assuntos, tem merecido a nossa obra. E, agora, o público dirá de sua justiça. O que ele pode estar certo é que vai ver um espectáculo preparado com toda a boa vontade de agradar. E eu confio neste bom povo de Montijo que decerto compreenderá o nosso esforço e o do Aldegalense Sport Club e não deixará de lhe prestar todo o seu auxílio
Gazeta do Sul, 26 de Janeiro de 1941


A Revista Festa Rija

(A Estreia)

Finalmente, ante a ansiosa expectativa do povo de Montijo, subiu à cena no pretérito dia 6, a revista local «Festa Rija» patrocinada pelo Aldegalense S. C. e de autoria do Dr. Paulino Gomes Júnior.
A revista agradou e com isso nos congratulamos. O público viu e julgou; como se esperava acarinhou esta iniciativa e não regateou os seus aplausos ao autor e a quantos pela sua actividade contribuíram para que este empreendimento fosse possível.
Os que nos lêem têm, ainda, certamente, na memória as afirmações dos elementos que no decorrer das últimas semanas ouvimos sobre a revista. O Dr. Paulino Gomes Júnior havia-nos dito que procurara dar à sua revista, em primeiro lugar, modernismo, dinamismo e oportunismo. Charles dissera-nos ter a certeza absoluta de que a revista marcaria e Justiniano Gouveia prometera-nos também um espectáculo de franco agrado; do elenco artístico nos tinham vindo as mesmas palavras.
O objectivo do Dr. Paulino Gomes Júnior foi conseguido; Charles acertou; Justiniano Gouveia profetizou e os amadores que ouvimos nada exageraram nas suas palavras.
Da peça, pois, pouco haveremos de dizer. Se não perdermos de memória que a revista foi escrita sem pretensões, como nos afirmou o autor, podemos afirmar que ela constituiu um espectáculo interessante, leve, prenhe de alegria e a que não falta também um certo tic de espírito. Com ausência total de folclore regional e com crítica local apenas epidérmica, a revista apresenta-nos, porém, uns laivos de crítica sociológica que, não obstante não ser aconselhada em teatro ligeiro, agrada pela leveza e equilíbrio com que nos é apresentada.
Os quadros têm sequência lógica, apenas com ligeiras deficiências que pouco se notam.
O primeiro acto, superior ao segundo, apresenta-nos, logo de início, dinamismo, cor e vida, factor importante para uma boa pré-disposição da plateia.
A sinfonia azul e a sinfonia vermelha são dois quadros de grande beleza cénica e artística e no último dos quais, o tenor da revista, Mário M. Rama, canta admiravelmente. No primeiro, simplesmente encantadoras, as pequenas miosótis.
Interessantíssimos também os números: «Hawai», Malmequeres, Vida Alegre e Maria Luísa e eles. No quadro da Joaquina e do Joaquim salienta-se, sobretudo, o trabalho de Dulcinda Gouveia, que vai muito bem, com graça e realidade da figura. A Apoteose, magnífica de simbolismo.
O segundo acto, como dissemos, é inferior ao primeiro.
Salientam-se, porém, os quadros: Mário Miguel e Elas, Corridinho que, – diga-se de passagem, - podia ser mais genuinamente algarvio, e o quadro espanhol.
Pleno de graciosidade o quadro das criadinhas e dos cozinheiros, onde se salienta Luís Onofre. A apoteose do segundo acto, inferior à do primeiro, é, no entanto, um quadro interessantíssimo de vida, cor e exaltação bairrista.
Eis a traços largos, sem aprofundar, o que nos cabe dizer da revista em si.
Do elenco de rapazes e raparigas devemos dizer que todos, de uma maneira geral, patenteiam a sua boa vontade de bem cumprir e desempenhar, o melhor possível, os papéis que lhes foram confiados. A possibilidade de tal depende, não só do grau de intensidade a que os ensaios se elevem como também das qualidades artísticas natas de cada um.
Quando o Dr. Paulino Gomes Júnior nos afirmou que a revista traria revelações, acreditas mas, confessamos, que não as esperávamos em número tão elevado.
Os rapazes e as raparigas da revista constituem um agrupamento artístico de valor nada inferior a outros mais experimentados que já temos visto; aproveitadas criteriosamente as suas qualidades, muito mais nos podem apresentar de bom.
Das raparigas cumpre-nos salientar, primeiramente, Maria José Maia, a estrela que a revista revelou. Na parte coreográfica destacam-se Maria Leonor Sousa Coelho e Maria Luísa Gouveia, a primeira mais do que a segunda. Maria Leonor vive o que dança, denota qualidades pouco comuns de artista a par de uma graciosidade de movimentos e de atitudes que ofuscam todas as pequenas deficiências que possa apresentar. Entre Maria Leonor e Maria Luísa fazemos a mesma distinção, salvas as devidas proporções, que faríamos entre a graça da lírica camoniana e o sex-apeal dos tempos modernos.
Na parte declamada, Clarinda Casas, muito bem na poesia da mãe, e Maria Leonor Coelho, muito e muito bem na vendedeira.  
Dos rapazes devemos salientar as duas autênticas revelações, que são José Vintém e José Luís Rodrigues. Senhores do seu papel, com naturalidade de gestos e muito à vontade, estes dois rapazes, como amadores, constituem dois valores artísticos cujas qualidades, bem aproveitadas, não nos custa a crer que deles fariam dois belos artistas.
Joaquim Lucas e José Estêvão são amadores já habituados ao tablado; agradam e muito bem.
Luís Areias sofrível e o Dr. Edmundo Martins melhor no «intrujão» que no «polícia».
Do Zé Penosa que, propositadamente deixámos para o final, cumpre-nos dizer que António Leonardo tem qualidades admiráveis que podem ainda ser aproveitadas com maior rendimento. A naturalidade, o à-vontade, a maneira de dizer de António Leonardo são qualidades a aproveitar para o elevar ao nível de valor que merece.
A orquestra excelente com número de grande agrado; na verdade, como nos disse o Dr. Paulino Gomes Júnior, os rapazes de Montijo, na orquestra, revelaram-se.
Dos grandes obreiros, porém, do êxito de Festa Rija, aquele que à revista emprestou a mais valiosa contribuição para a beleza artística que ela representa e seu dinamismo foi, sem dúvida ou contestação, Charles, o artista bailarino. Charles trabalhou e não podemos furtar-nos a endereçar-lhe os nossos maiores louvores pela forma inteligente, hábil e criteriosa como este artista conseguiu fazer de raparigas e rapazes que nunca haviam pisado palcos, intérpretes admiráveis, salvas a s devidas proporções como amadores, de bailados e marcações lindíssimas.
O trabalho de ensaiador foi o melhor, estamos certos, que a Justiniano Gouveia foi dado fazer. Para quem conhece as dificuldades que a matéria a moldar apresenta, Justiniano Gouveia merece louvores, não obstante a matéria ter qualidades para apresentar melhor desempenho.
Em conclusão, diremos que a revista constitui um espectáculo interessantíssimo a todos os títulos, digno absolutamente de ser acarinhado e a que todos os montijenses não devem faltar. O colorido, a vida, a alegria, as deslumbrantes feèries de luz devidas à proficiência de luz e valor de Gabriel Mimoso (filho) e os magníficos cenários devidos ao inegável talento e arte de José Quaresma, fazem deste espectáculo um autêntico êxito.
Gazeta do Sul, 9.02.1941

«A Festa Rija»
Que se representa nos dias 19, 20 e 21, no Trindade, tem linda música

Uma das coisas que mais apreciaram os que têm assistido às representações de «Festa rija», que o grupo cénico do Aldegalense Sport Club vem apresentar ao Trindade, nas noites de 19, 20 e 21 do corrente é a sua parte musical, que, em todas as opiniões, constitui um dos grandes «clous» da revista.

 Tanto o sr. Dr. Paulino Gomes Júnior como o sr. Humberto de Sousa são dois músicos dos pés à cabeça. Dificilmente se encontrariam dois colaboradores que se entendessem tão bem e arranjassem uma partitura com tanto sabor, tanta vida, tanto colorido como tem a «Festa rija». É preciso não esquecer que ambos são amadores, que se apresentam pela primeira vez num assunto de responsabilidade. Saíram-se bem, é a opinião unânime dos que já viram, e será também a do público da capital. «Dança do fado», «Cartas de amor», «Com certeza você», Figuinhos de capa rota» e «Malmequeres» – canção que o público celebrizou – e outras ficarão, por muito tempo, nos ouvidos dos lisboetas.
A pouco e pouco, vamos desvendando os segredos de «Festa rija». Outros há, porém, que só vendo poderão ser apreciados. O Asilo de S. José do Montijo vai com certeza obter farta receita nas récitas a efectuar. E o nosso público vai, de certo, dar o seu tempo bem empregado.
O Século, 13.07.1941

«FESTA RIJA», no Trindade

O grupo cénico do Aldedegalense Sport Club (Montijo), punhado de raparigas e rapazes em flor, apresentou ontem em Lisboa, no Trindade, uma revista em 2 actos e 24 quadros, indiscutivelmente com mérito, constituindo um esforço que se nos afigura justo assinalar. Não vem mal ao mundo, antes pelo contrário, que a mocidade do Montijo se dê à arte do teatro, num movimento educativo, visando fins morais alevantados.
O Dr. Manuel Paulino Gomes Júnior, que bem se pode dizer uma vocação teatral, afirmada exuberantemente na sua revista do 5º ano de Direito – já lá vão uns anos – autor da «Festa Rija», fugiu aos motivos locais e regionais. E aqui está – quer-nos parecer – o erro fundamental da iniciativa, que resulta sem personalidade. Tanto pode ser no Montijo como de outro sítio qualquer.
O conjunto, porém, surge verdadeiramente delicioso. Há cor, frescura e movimento. Caras formosas de raparigas, e rapazes desenvoltos, e certas características de ingenuidade que dão a estas representações sabor especial.
Todos os que tomaram parte em «Festa Rija», falando ou cantando, ou bailando – representando, em suma – procuraram acertar o melhor possível. Mas é justo uma referência destacada aos bailados, quer femininos quer masculinos, que Charles ensaiou primorosamente, encontrando material dócil e de intuição. Assim, em todo o espectáculo, quase se não deu por deslizes ou desacertos, nas várias marcações – algumas difíceis.
Há vozes frescas e suaves. Mário Miguel Rama distingue-se em brandas canções. Maria José Maia tem igualmente um fio encantador.
A música é agradável e bem seleccionada. Os cenários de Alberto Anahory e José Quaresma são de belo efeito.
«Festa Rija» vê-se com simpatia. Não há, em toda a representação, que decorreu em ambiente entusiástico, como é natural, um dito equívoco ou grosseiro, pormenor que cumpre assinalar. Esta iniciativa de gente moça, que muita canseira representa, respira, portanto, seriedade e saúde moral. Óptimo. – T.S.
Diário de Lisboa, 20/07/1941


Trindade: «Festa Rija», pelos amadores de Montijo

Já quando, no Montijo, assistimos à representação, se disse neste jornal do valor da revista Festa Rija, 2 actos e 24 quadros do Dr. Paulino Gomes Júnior, que é também autor da música, com Humberto de Sousa, desempenhados pelo simpático grupo cénico do Aldegalense Sport Club.
Montijo, essa tão linda vila, está a uns escassos quilómetros de Lisboa. A peça acusa, por isso mesmo, a influência e o processo técnico das revistas da capital, constituindo um espectáculo movimentado e alegre, que empolgou a assistência do Trindade, a qual aplaudiu autores, intérpretes e ensaiadores, fazendo-o de pé. E se dissermos que eram poucas as pessoas do Montijo que assistiram à representação, as quais, ao que parece, se reservam para hoje, tendo, para tal, fretado um vapor, teremos visto como o público de Lisboa recebeu, em justificada apoteose, o interessante grupo teatral montijense.
A peça está urdida com um belo sentido de espectáculo, recheada de números de fantasia, rábulas, canções e dois quadros de comédia, um deles graciosíssimo por constituir uma típica caricatura da boa gente de Montijo.
A partitura tem direito a destaque especial, pela sua rara felicidade. Toda a música é lindíssima, merecendo relevo os números dos «Malmequeres», «Figos de capa rota», «Pecados da vida», «Rapazes da rua», a «Dança do Fado», a romaria da «Senhora da Atalaia», dos «Cozinheiros» e muitos outros.
O desempenho, que é muito harmónico, revela as qualidades de encenadores de Charles, que se encarregou da parte coreográfica, e de Justiniano Gouveia, na parte declamada.
Impossível se nos torna mencionar todos. Mas é justo colocar em primeiro lugar a figura gentil de Maria José Maia, que tem muita vocação para representar e um fiozinho de voz muito agradável. Clarinda Casas, Maria Leonor, Mário Miguel impuseram-se também de molde a receber entusiásticos aplausos do público, assim como todos os intérpretes.
Espectáculo muito agradável e que redundou num êxito completo, Festa Rija repete-se hoje e amanhã, em benefício do Asilo de S. José, benemérita obra do Montijo.
A REPÚBLICA, 20.07.1941


“FESTA RIJA”
A REVISTA REGIONAL POR AMADORES DE MONTIJO QUE SE REPRESENTOU NO TRINDADE

Mais uma récita de amadores no Teatro da Trindade. Coube, agora, a vez ao grupo cénico do Aldegalense Sport Club, que veio a Lisboa repetir a representação de “Festa rija”, libreto e partitura originais do sr. Dr. Paulino Gomes Júnior, sendo a última em colaboração com o sr. Humberto de Sousa, revista que, no Montijo, obteve o mais assinalado e justo êxito, animados da ideia de sujeitar ao juízo do público da capital. Trata-se de uma peça absolutamente moldada ao feitio das nossas revistas habituais.
Posta em cena pelo bailarino Charles e ensaiada pelo antigo actor Justiniano Gouveia, ficou com uma cor de profissionalismo nos seus números coreografados, de resto muito animados e brilhantes, e no feitio dos seus quadros de comédia e das suas cenas dialogadas.
À excepção dos três últimos quadros que se passam, de facto, no Montijo e que contêm crítica alegre aos acontecimentos e às pessoas da vila, o autor, no resto do poema, divaga pelos domínios da abstracta fantasia, propícios ao enquadramento de várias composições musicais, tais como valsas, tangos, «slows» e sambas brasileiros, numa sequência irregular do «music-hall». Como a música, original e coordenada, é inspirada e bonita e o grupo de gentilíssimas senhoras que constituem os coros e corpo de baile se apresenta com invulgar elegância e desembaraço, o espectáculo resulta muito animado.
Para o bom efeito do conjunto geral muito contribuem, também, um profuso e vistoso guarda-roupa e uma série de belos cenários da autoria de Alberto Anahory, que mais uma vez documenta o seu bom gosto para este género de trabalho.
O elenco dispõe de algumas vozes muito agradáveis, tais como as de Maria José Maia, Clarinda Casas, que também declama com segurança; Maria Leonor Coelho, que cantou em bom estilo um fado; Mário Miguel Rama que se encarregou de vários números de destaque; e de muitos outros, que gostaríamos de citar, se não fosse tão adiantada a hora a que terminou o espectáculo.
Dirigiu com batuta firme uma orquestra muito regular o autor, sr. Dr. Gomes Júnior, que teve larga partilha dos calorosos aplausos com que, nos finais do acto, foram aclamados os organizadores e intérpretes. “Festa rija”, que se repete hoje e amanhã, bem merece o lisonjeiro acolhimento que lhe dispensou o público lisboeta. - C.A.
Diário de Notícias (?). 07.1941

A última exibição de «Festa Rija»

Segunda-feira passada, fomos mais uma vez ver a «Festa Rija», então na sua 28ª representação.
Com a inclusão constante de números novos e mudanças de amadores nos principais papéis, a revista consegue manter, além do entusiasmo, novidade e atracção.
No espectáculo de segunda-feira demo-nos a anotar tudo o que nos chamava mais a atenção. Vamos tentar transmiti-lo aos nossos leitores, tanto mais que desde o princípio da revista não se voltou a fazer uma apreciação completa, e uma grande transformação se operou durante este ano e meio decorrido, tanto nos números como no desempenho.
A 28ª representação inicia-se com notória falta daquele entusiasmo e daquela vida que tem sido característica principal da revista. E os primeiros números decorrem nesse ambiente, que aliás tinha explicação.
«Miosótis», aquele número que se mantém desde o início da revista, e que as miudinhas fazem ainda tal qual Charles as ensinou, é o primeiro que quebra a monotonia e que se impõe à plateia, em aplausos merecidos. Daí por diante a cena começa a reconquistar o seu prestígio, gradualmente. «Malmequeres», outro número do início, já traz vida ao palco e todo o resto do espectáculo retoma a sua habitual feição, se é que não a excedeu mesmo para o fim.
Isabel Pulquério continua admirável de graça natural no «garoto da rua». Dâmaso de Carvalho, que é um amador de excepcionais qualidades, estava um pouco abaixo das suas possibilidades no «polícia».
O «saloio», feito por Manuela de Carvalho e Caria, continua a ser número de agrado. Manuela faz uma «Joaquina» à altura, com muita graça e naturalidade e Caria é o amador a que já nos temos referido com justiça.
Em «Tricaninhas», Aninhas Ervedoso tem uma actuação que agrada. A sua voz é bonita e a sua figura graciosa.
A rábula do «Pinguinhas», desempenhada por Caria, é um número novo bastante feliz e que desperta hilaridade completa.
Mário Rama continua a ser a figura do primeiro dia, não tendo decaído absolutamente nada. Todos os números em que entra são vistos com agrado.
Na «Pobrezinha», Isabel Pulquério continua a arrebatar a plateia. Vive o papel e desempenha-o com alma.
«Doidos do cinema» fazem rir a valer. Julieta Gaspar foi um achado para o número e Isabel Pulquério em «travesti», substituiu com vantagem José Vintém. Cambita, o «Penosa» da revista, está muito bem aproveitado em «Doidos do cinema».
Luiz Areia vai muito bem no «pai do soldado». É na revista a primeira vez que gostámos verdadeiramente de o ver.
No riso «Isabel Pulquério» mantém o desempenho, que é deveras trabalhoso e exaustivo. Esta pequena é de facto muito hábil. (Lá estava na frisa papá Pulquério babado pelo triunfo do seu rebento…).
«Luar Tropical é um novo número de efeito que Miguel Rama canta como os restantes.
António Leonardo da Silva, o «Penosa», substituindo José Vintém, deu novo aspecto à «Marcha do Montijo». O pior é que não só «desmancha» o público como os seus comparsas e desta vez então em que por fatalidade metade da pêra lhe ficou nas mãos do «doutor», foi um sarilho para recompor a cena…
Já tivemos ocasião de nos referir a Caria no «Louco». É um bom desempenho.
Maria José, no «Fado», tem uma actuação muito boa agradando por completo.
Custódia, que continua a ser a figura principal, agradou-nos plenamente na declamação da «Romaria da Atalaia», número dos melhores da revista.
O «Corridinho Algarvio», com Júlia Caria (uma boa figura no palco, cuja falta se fez sentir desta vez nos restantes números), Maria Leonor Marques, Maria Luísa Gouveia e Maria Leonor Sousa é um número de conjunto muito agradável.
«Casamento de Aldeia» é novo e de efeito. Maria Luísa Gouveia tem um a interpretação completa, Carlos Calvelos vai bem e agrada. Pode contudo melhorar ainda o seu desempenho, emprestando-lhe mais alegria.
«Cravos de Papel», com Aninhas Ervedoso, é também um bonito número, bem marcado.
E parece-nos que dissemos tudo. José Estêvão é amador de recursos. Substituindo à última da hora Lucas, numa substituição difícil e ingrata, conseguiu-o regularmente, sobretudo em «Bombeiros». Ilídio é uma boa figura em palco, sendo pena que a voz não o ajude mais. Aguenta-se porém muito razoavelmente.
Do autor, da música, do pianista, não é preciso falar… Já tudo foi dito e nada há que alterar.
Gazeta do Sul, 19.04.1942

“Festa Rija”

Hoje, no Cinema-Teatro Joaquim d’Almeida, vai mais uma vez à cena, na 29ª representação, a aplaudida revista local «Festa Rija», que apresenta, ao que nos consta, mais alguns números novos.
Na quinta-feira próxima, novamente se exibe «Festa Rija» em espectáculo dedicado ao Asilo de S. José, útil instituição de caridade da nossa terra.
Está nas suas últimas representações a «Festa Rija» segundo nos informam, após quase ano e meio de representações, sempre com lotações esgotadas.
O espectáculo de hoje conta já com mais uma enchente. É de contar que o facto mais uma vez se verifique na quinta-feira, não só pelo interesse do público para com a revista, como ainda em consideração ao Asilo S. José, que de todos os montijenses é credor de justa simpatia e do auxílio de que não pode prescindir para que possa prosseguir na sua missão de bem-fazer.
Gazeta do Sul, 19.04.1942


Coisas da Nossa Terra

No dia 6 de Fevereiro de 1941, foi posta em cena a revista «Festa Rija», por organização do Aldegalense Sport Club.
Foi autor do tema e poema de toda a revista o Sr. Dr. Manuel Paulino Gomes Júnior, que a musicou em colaboração com o maestro Humberto de Sousa, coadjuvados que foram pelos Srs. Francisco Ladislau de Sousa e pelo maestro-compositor António Fortunato de Sousa.
A revista passou por um grave revés, pois a 15 de Fevereiro de 1941, foi atingida pelo ciclone que não poupou parte dos cenários, guarda-roupa, adereços e até um violino pertença de um elemento da orquestra.
Para se conseguir recuperar o atingido e com finalidade de angariar fundos para o efeito, já que naquele tempo não existiam subsídios nem outras comparticipações monetárias por parte das entidades oficiais ou auxílio particular, os promotores de tão categorizada revista levaram-na a realizar três espectáculos, na época de Verão de 1941, no palco do Teatro da Trindade, em Lisboa, onde obteve um estrondoso sucesso, com enchentes de um público entusiasta e apreciadores do teatro de revista, entre eles muitas famílias «aldeanas» residentes na capital, grandes «parangonas» nos jornais diários da capital, com as suas críticas de apreciação bastantes animadoras e de elogio, e ainda com a presença de alguns profissionais da cena portuguesa, que deram a sua «nota alta» a todo o espectáculo, organização e interpretação de todo o elenco amador. Também, por presenças dos Delegados da Inspecção dos Espectáculos e Sociedade de Autores, por regras rigorosas da «Censura», que existia nesse tempo, foi imposto que a nossa revista fizesse as suas exibições com um outro título, o que sucedeu, tendo-se dado o «rebatismo» e passou-se a chamar, só naqueles três dias, «NA…FESTA RIJA».
Nova Gazeta, 13.01.1996 (Excertos do artigo)

E

O Grupo Cénico Montijense tem as suas raízes no Grupo Cénico do Aldegalense Sport Club e, sem se cair no pecado do exagero, bem se poderá dizer que só mudou o nome devido às circunstâncias, isto é, o Aldegalense unira-se a outros dois clubes e fundaram, em 1948, o Clube Desportivo de Montijo.
Porém, há que reconhecer a mudança que se registou no grupo. O Dr. Manuel Paulino Gomes Jr. deixou de ser um dos aríetes e foi substituído pelo poeta José Joaquim Caria. O outro pilar, quer dum grupo quer doutro, o Maestro Humberto de Sousa, manteve-se. Segundo José Joaquim Caria, Humberto de Sousa foi a principal mola impulsionadora da fértil actividade cultural do Montijo, em toda a década de 50, «graças ao seu incansável altruísmo».
O poeta recorda: «Era preciso haver dois carolas, que, pelo gosto pela arte, conseguissem congregar, para uma ocupação de tempos livres verdadeiramente construtiva, os elementos necessários à sua construção. Depois de um trabalho intenso de actividade cénica realizado pelo Sr. Humberto de Sousa e pelo Dr. Manuel Paulino Gomes Jr., os quais realizaram conjuntamente «Festa Rija» (1941), revista que punha a descoberto os amadores do Montijo, surge o Grupo Cénico, da autoria do Sr. Humberto de Sousa, que compunha a música, e minha, que escrevia tudo o que não era música. O Sr. Humberto de Sousa veio a falecer em 1962 e, o que é um facto, é que não havia ninguém à altura de o substituir.»
O Grupo Cénico Montijense teve ainda outro suporte: A Marcha dos Pescadores, então dirigida por uma comissão onde participavam Humberto de Sousa, José Joaquim Caria, Luís Onofre, José Ribeiro Vintém e Henrique Rodrigues, estes dois ensaiadores, e Francisco Neto dos Santos, que se congregou para a consecução de um espectáculo que reunisse as capacidades de fazer música, textos e interpretar, tudo de uma forma capaz de agradar a um público aberto a este tipo de iniciativas.
Foi este núcleo que se desenhou o novo figurino das Festas de S. Pedro.
A «Marcha Popular do Bairro dos Pescadores», com letra de José Joaquim Caria e música de Francisco Ladislau, evocava, assim, o Bairro:

Canta a mocidade alegremente
Rebentam foguetes no céu
Para assim mostrar a toda a gente
O amor ao bairro em que nasceu.
E quando o nosso bairro vai marchar
Todo o pescador com alegria
Pega a sua rede e vai pescar
Sorrisos de amor e simpatia.

Refrain
O nosso bairro velhinho
Junto ao rio plantado
É certo que é pobrezinho
Mas por nós é adorado
O seu nome puro e santo
Saltitando nas cantigas
Tem talvez maior encanto
Na boca das raparigas.

Temos em S. Pedro a nossa fé
É o nosso Santinho Popular
Anda pelo rio, ali ao pé,
Quando a nossa gente vai pescar
Por isso a nossa marcha tem valor
E exprime uma paixão tradicional
De quem é português e pescador
De quem ama Montijo e Portugal.

A primeira referência, que nos chega do Grupo Cénico Montijense, - melhor, talvez ainda se deva apelidá-lo de Grupo Cénico Aldegalense, data de 28 de Setembro de 1946, quando se apresentou num “Serão de Variedades” integrado nas “Festas de Verão” do Aldegalense Sport Club. Por razões que se olvidam, embora a direcção do grupo continuasse confiada ao Dr. Manuel Paulino Gomes, certo é que o grupo é baptizado com novo nome.
No ano seguinte, no dia 1 de Novembro, o Grupo Cénico deslocou-se a Vila Franca de Xira.
A reportagem do jornal “Vila Ribatejana” é, a um tempo, elucidativa do tipo de espectáculo apresentado e da forma calorosa como era recebido.
«O programa belamente organizado, foi constituído por três partes: a primeira, tendo como locutor o sr. Luiz Onofre, foi preenchida com canções e recitativos, com a colaboração da «Festa Rija Jazz», tendo os distintos amadores Sob a direcção do Dr. Paulino Gomes Júnior e do Maestro Humberto de Sousa, apresentaram-se «as meninas Isabel Pulquério, Gina Ferreira, Alda de Carvalho, Maria Celeste Beatriz e Maria Manuela Mora Paulino Gomes e os senhores José Luís Caria, Mário Miguel Rama, José Ribeiro Vintém, Luís Onofre e José Canarim Nepomuceno, que contaram com a colaboração musical do “Festa Rija Jazz», obsequiosamente formado por Paulino Gomes Jr., Humberto de Sousa, Francisco Ladislau, José António de Oliveira Gouveia, António dos santos, João de Almeida Ribeiro, José Neto e Mário Manuel Soares.
A segunda parte, tendo por locutor o sr. José Luiz Caria, foi uma sessão de fados, cujos intérpretes receberam merecidas ovações, e a terceira, da qual faziam de locutores a sr.ª Dª Gina Ferreira e o sr. José Vintém, foi também constituída por canções e recitativos, recebendo os seus intérpretes quentes ovações, especialmente o distinto amador sr. José Vintém, que recitou, de maneira notável, a poesia «Morreu Manolete», da autoria do Dr. Paulino Gomes Júnior, que a assistência premiou com uma estrondosa ovação, sendo o sr. José Vintém obrigado a bisar.
A orquestra, de que faz parte, como pianista, Humberto de Sousa, tem como director o sr. Dr. Paulino Gomes Júnior, que, com a colaboração daquele, é o autor dos versos exibidos pelo grupo.
O espectáculo, sob todos os pontos notável, terminou com a execução do hino do Aldegalense, que a assistência, de pé, aplaudiu calorosamente, vitoriando todos os distintos amadores montijenses, que tão bem souberam proporcionar algumas horas de prazer espiritual aos nossos conterrâneos.»
A conjugação dos esforços destes jovens e a compreensão das suas famílias, num tempo marcado por um forte conservadorismo, lançaram uma lufada de ar fresco sobre o Montijo e os seus espectáculos transformaram-se em autênticos “terramotos” culturais, com o epicentro no riso demolidor que provocava o saudável e bom humor do Grupo.
O programa apresentado, em 25 de Abril de 1947, no Salão de Festas da Banda Democrática 2 de Janeiro em Homenagem ao Club Desportivo de Montijo revela a estrutura usual dos espectáculos do Grupo Cénico Montijense:

1ª Parte

1º Apresentação da Orquestra ……Luís Onofre
2º António Carlos ………………………. Fado do Montijo……. J.J. Caria – Humberto de Sousa
3º Maria Virgínia ………………………. Romaria do Amor… N. Menezes…H. de Sousa
4º António Tavares ……………………. Recordar é Viver….J.J.Caria . H. de Sousa
5º Maria Aurélia ……………………….. Recitativos
6º Mariana Pereira …………………… Princesa do Sado….J.J. Caria – H. de Sousa
7º António Carlos ……………………… Fado de Setúbal…… Laureano Rocha – H. de Sousa
8º Maria Teresa ………………………... Vira Singular… H. de Sousa
9º Francisco Caixeirinha …………..   Recitativo………..J.J. Caria
10º Orquestra….selecção de fados … H. de Sousa
12º Moisés Soares ……………………. Um Sonho de Amor…. J.J. Caria – Humberto de Sousa

2ª Parte

13º Maria Virgínia… …………………..Tenho Saudade…Humberto de Sousa
14º António Tavares ………………….. Dois Beijos … J.J. Caria – Humberto de Sousa
15º Mariana Pereira …………………. Recitativos … J.J. Caria
16º António Carlos ……………………. O que é o fado … J.J. Caria – Humberto de Sousa
17º Maria Teresa ………………………. Alegria da Rua …. Humberto de Sousa.
                                                        Teresa, Teresinha …. L. Rocha – Humberto de Sousa
18º Arlindo Silva ………………………… História do Pará … J.J. Caria – H. de Sousa
                                                         Era o Simão … J.J. Caria e H. de Sousa
  Uma Coisa Mente … António Tavares – A. Onofre
19º …Francisco Caixeirinha ………… Recitativos … J.J. Caria
20º … Orquestra …………………………
21º Maria de Lurdes ………………….. Nostalgia
22º Moisés Soares ……………………… Sem Ti … J.J. Caria
Anedotas, Sketches, Rábulas, Diálogos. Locução de: Maria Helena Sampaio, Luís Onofre e Nuno de Menezes.
Programas havia que alertavam: « Os intervais podem ser preenchidos com “Gaitadas” que não faz mal nenhum, até engorda!»

«Senhores e Senhoras, muito boa-noite.
Tenho o grande prazer de anunciar a V.Exas. que, dentro de momentos, fará a sua primeira exibição, em público, o Grupo Cénico Montijense, que como todos sabem é constituído por amadores já conhecidos do público de Montijo».
Foram precisamente estas palavras que tiveram a oportunidade de ouvir todos os que na noite de 28 de Dezembro de 1949, presenciaram a apresentação do primeiro espectáculo do Grupo Cénico Montijense, agora já autonomizado da influência de «Festa Rija» e com José Joaquim Caria e Humberto de Sousa a pontuarem o ritmo e o sentido dos espectáculos.
O «Grupo Cénico Montijense» apresentou-se ao público do Montijo e deliciou uma sala cheia com «um simples Serão de Variedades, sem pretensões, escrito, elaborado e representado com um fim altruísta». Tal foi o êxito alcançado que o grupo fez uma pequena digressão representando nas sedes das principais colectividades da vila, somando dez êxitos consecutivos.
No dia 14 de Abril de 1950, o Grupo Cénico Montijense voltou a Vila Franca de Xira onde repetiu o retumbante sucesso da sua primeira exibição.
Registou José Joaquim Caria, nas páginas do jornal montijense “A Província”:
«Só aqueles que um dia já pisaram um palco para fazer uma locução de improviso durante três a quatro horas, em ambiente completamente desconhecido, podem avaliar devidamente as minhas apreensões. No entanto, alguns dos meus companheiros já haviam actuado em Vila Franca e conheciam de sobejo o estímulo e o carinho que o público local dispensava aos amadores de Montijo. Eram eles José Vintém, Luís Onofre e o próprio Humberto de Sousa, que acabaram por me contagiar com o seu optimismo, aliás, como depois verifiquei, plenamente justificado.
Enfim chegou a hora. Tudo a postos. O nervosismo era tão intenso que quase se podia ver a olho nu. Estava previsto que quando se abrissem as cortinas exteriores, ficando por fundo o pano de boca, Isabel Pulquério Futre recitaria à guisa de homenagem um poema que dedicara a Vila Franca. Pois meus amigos, o caso ia dando que falar. Quando o contra-regra se preparava para abrir as implacáveis cortinas a Isabel pediu um copo de água. Trouxeram-no e ela bebeu-o precipitadamente. Estava nervosa. E eu, a seu lado, principiava também a estar nervoso. Novamente o contra-regra avisou que ia abrir as cortinas e… novamente a Isabel pediu outro copo de água. Era demais! Eu estava pasmado. Ela um modelo de calma e de à-vontade… Mas enfim, não havia outra solução e a Isabel bebeu outro copo de água. Finalmente, quando o pobre contra-regra se dispunha a abrir as cortinas, fui eu que mandei suspender, e ante o pasmo dos que assistiam à cena perguntei: «Vê lá Isabel se queres mais água?
- «Não, não quero.»
- «Então agora sou eu que quero um copo de água!»
E foi assim que começou o nosso espectáculo em Vila Franca.»
O estrondoso sucesso obtido pelo Grupo vai prolongar-se durante uma década, numa acção continuada de espectáculos onde imperam o bom gosto, o bom humor e o bem representar.
Em 24 de Dezembro de 1951, no Salão de Festas do Clube Desportivo de Montijo, o GCM apresentou o primeiro espectáculo da série «Parada da Alegria», que mantinha a estrutura dos espectáculos anteriores apresentados, à qual foi acrescentada a organização de concursos que faziam interagir aos espectadores com o Grupo Cénico.

Minhas Senhoras! Senhores!
…E crianças!
                   As flores
Que perfumam esta sala,
Toda vestida de gala
Pr’assistir, com bizarria,
À nossa festa singela,
Qu’ides ver por simpatia,
Com a popular chancela
Da “Parada da Alegria”!
         (pausa)
Este nome, esta “Parada”,
Parece que foi criada
Para alegrar os sisudos,
Os crescidos e os miúdos,
Todos os que precisam rir
E gostam de se exprimir
Em risadas estridentes
Desabridas gargalhadas
          (pausa)
Deixando ver alvos dentes
Em bocas escancaradas!...
          (pausa)
Se o Sarau (aqui p’rá gente…)
Entrar no total agrado,
Há risos, palmas infindas!
Riam cautelosamente,
Que o riso, desbaratado,
Faz sulcos nas caras lindas!
           (pausa)
Os “artistas” consumados,
Em “Parada” perfilados
Como “tropa” em formatura,
Anseiam pela chamada,
Por sua ordem de entrada,
P’ra virem meter figura!
            (pausa)
Expectativa! Emoção!
Está a cena iluminada,
Há luz que parece dia!
          (peq. Pausa)
Maestro! Muita atenção!
Vai começar a “Parada”:
- Um furacão d’alegria!!!
            Oliveira Santos

A receita era simples: bom humor, apresentado entre poesia, concursos e canções.
Recordava Joaquim Caria que havia dois tipos de poemas, que marcavam o espectáculo: os «lacrimogéneos» e os «hilariantes». Era esta tensão entre o riso e o choro, entre a alegria e a nostalgia transmitida pelas canções, que criava a empatia dos espectadores, que eram servidos por um belo naipe de jovens artistas e melhores músicos.
A orquestra privativa do Grupo Cénico Montijense era formada por excelentes executantes, músicos virtuosos, cada um exímio no seu instrumento, que se cotou como uma das melhores do País.
A Orquestra Eldorado, assim se denominava, era dirigida por Humberto de Sousa, compositor e pianista, José Ribeiro Vintém, bateria, António Onofre, contrabaixo, Mário Gouveia, clarinete, António dos Santos, trompete, e José Gouveia, sax–tenor.
A fama alcançada pelo Grupo Cénico Montijense levou-o, em Junho de 1952, a apresentar-se em Benavente e, no Outono de 1956 e, posteriormente, no Verão de 1959, em Palmela. Neste espectáculo, o GCM contou com a colaboração do Casal Tobias, que apresentou os principais modelos premiados na Festa das Costureiras e bem assim «alguns modelos de penteados do distinto cabeleireiro montijense, Emídio Tobias».
No dia 2 de Abril de 1957, o Grupo Artístico Montijense fez a sua estreia no Grande Salão Recreio do Povo, em Setúbal, levando à cena, na primeira parte, a comédia «Duas Gatas», comédia em um acto, original de Celestino Rosa, e em que contracenaram Nuno de Menezes, Luís Onofre, Alfredo Ferreira, Francisco Caixeirinha, Maria Helena Sampaio e Maria Virgínia. A segunda parte foi preenchida por um Acto de Variedades desempenhado por Maria Virgínia, Moisés Soares, Maria Aurélia, Alfredo Ferreira, Mariana Pereira, António Carlos, Maria Tereza, Arlindo Silva, Maria de Lourdes Sampaio, António Bento, António Tavares, Maria Agostinha, Francisco Caixeirinha e António Carrega. A locução esteve sob a responsabilidade de Nuno Menezes, Maria H. Sampaio e Luís Onofre, e prontificou a Orquestra ELDORADO, sob a direcção de Humberto de Sousa e constituída por Ribeiro Vintém, António Onofre, António dos Santos, José Gouveia, Mário Gouveia. O espectáculo, que obteve assinalável sucesso, destinou-se a colaborara na campanha de angariação de fundos para a Luta Contra a Tuberculose.
Os jornais vão destacando as actuações do «Trio Montijense», constituído por Francisco Esperança, José Pisco e Custódio Carrusca, que, segundo a crítica, «se continuar trabalhando e estudando para futuros êxitos, pode constituir uma embaixada que represente Montijo na faceta artística com magnificência, em qualquer parte».
Referem-se a Maria Teresa «pela intuição superior e belas qualidades de interpretação».
Aos declamadores Maria Aurélia, Mariana Pereira e Francisco Caixeirinha porque «nas suas actuações marcavam os seus lugares e as suas personalidades, dando ao espectáculo aquele relevo que o tornou notável.»
 De José Luís Caria a crítica assinalou que estava «sempre feliz nas suas intervenções magníficas, ricas de colorido e de apropriado espírito».
Afinal o que se poderia escrever acerca de cada um dos elementos do grupo senão reconhecer o seu real mérito?
Contudo, o que mais se salientava no G.A.M. – Grupo Artístico Montijense, como se passou a denominar -, era a «homogeneidade e a beleza de todo o conjunto». Era unanimemente reconhecido que «a orquestra os locutores, os rapazes e as raparigas, o programa, os números exibidos extra programa a pedido do público entusiasmado, formavam um conjunto que nos deixaram profundamente sensibilizados e nos convenceram de que o Grupo Artístico Montijense «está em forma» para novas jornadas de incontestável merecimento».
O espírito do Grupo ficou bem patenteado no projecto de estatutos, que visava a sua formalização, que destacava:
«O Clube Artístico Montijense, formado por um grupo de indivíduos, propõe-se organizar espectáculos, reuniões, festas, conferências, etc., com o fim de dar maior desenvolvimento à arte e cultura na nossa terra.
Este Clube será criado a fim de os seus sócios reunir e ao mesmo tempo manter os seus elementos sempre aptos a realizarem espectáculos.»
O Clube nunca se institucionalizou, nem foi necessário, porque ganhara o seu estatuto por mérito próprio e, enquanto as circunstâncias foram favoráveis o Grupo Artístico Montijense foi uma chama viva a iluminar a cultura no Montijo.
 A morte e o tempo, que mudam sempre as vontades, levaram-no quando o vento ainda soprava tão forte que fez chegar até aos nossos dias as façanhas deste punhado de jovens, que revolucionou culturalmente o Montijo nos anos 50.
Se «os Malmequeres» foi a canção que perpetuou a memória de «Festa Rija», José Joaquim Caria e Humberto de Sousa, num rasgo de intensa inspiração, criaram «O Fado de Montijo», que se transformou no autêntico “hino” da terra. Entoado, em estreia, por José Vintém, no mês de Março de 1955, no Café Portugal, em Montijo, ganhou projecção nacional pela voz de Moniz Trindade.


                                                       Fado do Montijo

D’uma aldeia portuguesa
De gente alegre e sem mágoa
Nasceu a vila Princesa
Das vilas da borda-d’água.
Cresceu e fez-se mulher
Essa aldeia ribeirinha
Princesa deixou de ser
Mas passou a ser Rainha.

Aldeia Galega d’outrora
Das esperas e das touradas
Dos fados e guitarradas
És o Montijo d’agora
Vila Princesa
O trabalho é teu brasão
E a gente é bem portuguesa
Como manda a tradição

Foi berço de bons forcados
De campinos e toureiros
Teve também afamados
E briosos cavaleiros
Que em muitas tardes de glória
O sol brilhando na Praça
Davam mais uma vitória
À gente da sua raça.

Montijo vila sem par
De progresso e de labor
O seu lema é trabalhar
Para ser sempre maior
Terra alegre e sempre rica
De feiras e arraiais
E que a S. Pedro dedica
As festas tradicionais.

     Letra: José Joaquim Caria
     Música: Humberto de Sousa

Fundado num tempo em que ainda não se tinham esfumado os horrores da guerra, o grupo de jovens do Grupo Cénico Montijense soube entoar um hino à vida, e, tão bem o interpretou, que sensibilizou com a sua graça e talento todos quantos enchiam as salas para se encantarem com os espectáculos repletos de inteligência, alegria e cor.
«Sem sombras de lisonja o dizemos: o Grupo Artístico Montijense realizou uma obra notável.»
           
«- O que é isso?!
- Isso o quê?
- Estás aos gritos!
- Se te parece: - FOI O ÚLTIMO!!!  Foi o F…I…M!
- Olha lá, porque é que no final de todas as ordens de espectáculo nós temos sempre diálogos sem pés nem cabeça?
- Mas este tem pés!
- Não vejo…
- Pois tu és ceguinho!
- É verdade, esqueceu-me.
- «Esqueceu-te» não, esqueci-me!
- Pareces a Beatriz. Bom, gritemos os dois em coro…
- Não posso, sou mudo…
- Então grito eu:
- ACABOU-SE! ACABOU-SE! ACABOU-SE!
- Olha lá, isso não é da Rosália?
- Isto?
- Não é isso, é aquilo?
- «Acabou-se! Acabou-se! etc.»
- É verdade, é da tal poesia em que o filho da mãe cheirava a azebre… a luto… a ratos…
- Mas agora acabou-se!
- Tu afinal estavas a dizer que eras mudo, mas afinal estás a falar!
- Só sou mudo quando quero – sou voluntário.
- Mas eu não percebo porque é que o Zé Jaquim escreve estas barbaridades no final da ordem dos espectáculos?!
- Quem é o Zé Jaquim?
- É o fulano que escreve tudo isto.
- É doido?
- Não, é maluco!
- É pá, olha que ele pode ouvir…
- Deixa lá ouvir, ele já sabe…
- E os outros?
- Que outros?
- Os que andam com ele, é claro.
- Esses são tão bons como ele… mas … cala-te, vem aí gente…
- Vamos disfarçar…
- Como?
- Gritando: FIM! FIM! FIM! FIM! FIM! FIM!
-!
-?
- Percebeste alguma coisa?
- Não!
- Nem eu!».

(Final do espectáculo no Ateneu Popular de Montijo, em 20 de Maio de 1950)

F

A Banda Democrática 2 de Janeiro foi fundada em 1914 e resultou de uma cisão política no seio da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, originada para corresponder aos anseios do Partido Republicano Português, a quem a Sociedade Filarmónica recusara colaboração.
A intensa vida política e cultural que ali se desfrutava, visto que era um centro de debate ideológico e de propaganda dos ideais republicanos, reflectiu-se também na divulgação do teatro.
A par da banda de música, organizaram-se, amiúde, récitas compostas por pequenas peças em um acto e actos de variedades.
A récita levada a efeito, no passado domingo, pelo Grupo Dramático Popular, no salão de festas da Banda Democrática resultou brilhante, noticiou o jornal” A LIBERDADE” publicado em Montijo, em 5 de Abril de 1925. Relatava o semanário:
«Com uma casa cheia o espectáculo começou pela apresentação do grupo feita pelo ensaiador, Dr. Manuel Paulino Gomes, que, fazendo sentir a inexperiência de muitos dos amadores que se apresentavam, a sua falta de preparação intelectual e a inexperiência de quem os dirigia, pediu para todos a maior benevolência. Todo o palco se encontrava no palco, sendo as palavras do apresentante sublinhadas com quentes aplausos.
Depois da distinta Banda Democrática ter executado dois números de música começou a representação pelo lindo drama de Marcelino Mesquita «Fim de Penitência», cujos principais estavam a cargo das meninas Lucinda da Silva Pio, Maria de Assunção Marques Calçada e Sr. João Fernandes Salinas, que se portaram com muita correcção, tendo Lucinda excedido toda a expectativa, pelo que foi muito felicitada, assim como os outros comparticipantes que receberam fortes aplausos dos espectadores.
Seguiu-se a engraçada comédia de Ernesto Rodrigues «Pouca Vergonha», cuja representação manteve sempre em hilaridade os assistentes, tendo-se salientado os amadores Srs. António Domingos Gouveia Saloio, no papel de Vicente, que fez com muita graça, João Salinas e Manuel de Oliveira Cola, no papel de garotos, José Porfírio Ezequiel, no doutor e a menina Guilhermina Lucas Ferraz, no de criada. Os espectadores vitoriaram os comparsas desta comédia com muitas palmas.
Segue-se o belo episódio dramático «Tio Pedro», também de Marcelino Mesquita, em que José Luís Cardeira, no papel de tio Pedro teve um trabalho consciencioso e muito bom, sendo secundado com valor por Manuel de Oliveira Cola, no papel de Carlos. A assistência dispensou aos amadores que tomaram parte nesta peça uma prolongada e forte ovação.
Terminou a récita com a exibição de um bonito e variado acto de variedades em que tomaram parte todos os amadores do grupo.
Em sinal de regozijo pela forma como tudo decorreu, realizaram alguns elementos do grupo um pic-nic à Conceição, entre Samouco e Alcochete, tendo á noite havido uma ceia íntima no Hotel República desta vila, a que assistiram todos os amadores, a direcção da Banda Democrática e alguns componentes do grupo musical que tomou parte no acto de variedades. Este grupo foi constituído pelos Srs. Rogério de Matos e Sousa, violino; Porfírio Ezequiel Tavares, flauta; Francisco dos Santos, viola; Ernesto dos Santos, viola e António Luís Gouveia Júnior, guitarra.
A encenação foi feita com certo rigor.»
Nos dias 14 e 15 de Fevereiro do mesmo ano, a Banda Democrática realizou duas «Deslumbrantes Récitas», em que, na primeira, se representou: na 1ª Parte, “Que Embrulhada!!!”, comédia em um acto, com Jesuína Aquino, M. Eufrásia Coelho, António Flor, Manuel Prata, Palmiro Pinto e J. Marinho Arraia; na 2ª Parte, “Quem Morre…Morre!”, comédia em um acto, com M. Eufrásia Coelho, Antónia Ferreira, M. Prata e João Almeida; e na 3ª Parte, cantou-se “Canção de Portugal, de Amadeu de Moura Stoffel, o coro Ah! Eh! Ihj! Oh! Uh! de A. Stoffel, por M. Prata, J. Segurado, J. Marinho, F. Franco e P. Pinto; “Novo Coreto”, de Amadeu de Moura Stoffel, dueto por Maria Eufrásia e M. Prata; “Monólogo”, por J. Segurado; “Malva-rosa”, de Amadeu Stoffel, dueto por M.Eufrásia e M. Prata; “Nina”, de Filipe Duarte, canção por M. Eufrásia; Morgadinho, de Amadeu de MStoffel, dueto por D. Augusta e M. Prata e “O Luar do Sertão”, de A. Oliveira, canção por P. Pinto e coro.
Na segunda, subiram à cena: na 1ª parte, “UNS COMEM OS FIGOS…”, comédia em um acto, com Antonina Ferreira, Izilda d’Almeida, Augusta Bonifácio, Manuel Prata, José segurado e João Marinho; na 2ª Parte, “O Jogador”, entreacto dramático, por Palmiro Pinto e João Almeida; e na 3ª Parte, as canções: “Fado Serenata”, de Alves Coelho, por M-Eufrásia e coro; “Mestre Escola”, de Amadeu de Moura Stoffel, cançoneta por P. Pinto; “As Mulheres”, de J. Martins, dueto por J. segurado e M. Prata; “O que os Homens São”, de Amadeu de Moura Stoffel, dueto por Augusta e M. Eufrásia; “O Teu Olhar”, de S. Júnior, dueto por M. Eufrásia e P. Pinto; “Monólogo” por J. Segurado; “Mascote”, de J.H., dueto da opereta por M. Eufrásia e M. Prta; “A Linda Josefina”, de Amadeu de Moura Stoffel, cançoneta por P. Pinto; e “Bate, Bate Ligeirinho”, de Amadeu Stoffel, canção com coro.
Porém, foi em 1927, que se constituiu um grupo de teatro amador, que viria a marcar o panorama cultural de Montijo, com o êxito «Coisas da Nossa Terra», e que, em 1933, alcançou novo êxito com a revista «Só d'Óculos» e, em 1944, apresentou duas récitas populares da autoria de Porfírio Tavares e cenografia de Custódio Viegas. A última apresentação do grupo de teatro amador data de 1947.
Joaquim Xavier Serra, Amadeu de Moura Stoffel e Justiniano Gouveia foram responsáveis pelo grande êxito obtido pela revista «Coisas da Nossa Terra», que foi levada à cena em 1927 e, um ano mais tarde, representada, em reposição, com o título «Coisas e Loisas da Nossa Terra».
O Grupo de Teatro da Banda Democrática 2 de Janeiro, inicialmente constituído por Maria Gonçalves da Silva, Hermínia Cardoso, Virgínia Carvalho, Eugénia da Silva, Luciana Cardeira, Ana Maria Freire Caria, Emília Gervásio, Maria de Jesus Pereira, Celeste Relógio, Beatriz Carvalho, Ermelinda Gonçalves da Silva, Maria Elvira Gervásio, Jacinta Marques Cepinha, Laura Palpita, Manuela Gouveia e Matilde Marques e por António Saloio, José Luís Cardeira, João Salinas, Manuel Cola, Carlos Urbano de Carvalho, António Pascoal, Joaquim Futre, José Tavares, Francisco Teodoro, Manuel Feliciano Constantino, Jacob Castiço, Eduardo dos Santos Galo, Álvaro da Silva, Ernesto Gouveia, Fernando Rodrigues, João Carvalho e António Silva, subiu à cena, no dia 9 de Novembro de 1927, para apresentar a revista «Coisas da Nossa Terra», original de Joaquim Serra e música de Amadeu Moura Stoffel. A peça foi ensaiada por Justiniano Gouveia, Beatriz Gervásio Cardeira foi a responsável pelo guarda-roupa e Lúcio Lopes Júnior, o ponto.
No dia 7 de Abril de 1928, o grupo voltou à cena, desta feita para apresentar «Coisas e Loisas da Nossa Terra – Cenas da Vila, do Campo e da Cidade», que outra coisa não era que a 13ª representação da revista anterior, agora reformulada. No palco movimentaram-se quarenta figuras de ambos os sexos, que entusiasmaram o público com «40 soberbos números de música».
O texto deixa transparecer o talento e a sensibilidade de Joaquim Serra, que mistura um fino traço lírico à sátira mordaz, conseguindo, nalguns quadros, a descrição de aspectos de Aldegalega, tornando-se leitura imprescindível para o estudo da vila, na década de vinte.
O lirismo brota logo no «Coro de Abertura» –“Os lábios dizem/falas amigas/Coisas infindas/Que o peito encerra./Não há decerto /Moças mais lindas/Que as raparigas/Da nossa terra.”
A sátira vai salpicando toda a obra, emergindo, designadamente, no fado «Coisas da Nossa Terra» “De Inverno/Quando há chuveiros/Temos rios e ribeiros/Para banhos. /Breve temos três “estatas”,/Às pescadas, às batatas/E “ós choriços./Já existem os projectos/De mais mil e tal coretos/Nos toutiços.”
Os aspectos laborais aparecem estampados no fado «O Homem da Pipa» e em «A Malta do Mundé.»
O estrondoso êxito alcançado pela revista ficou a dever-se, segundo Joaquim Serra, «não ao esforço de um, mas sim de muitos elementos que conseguiram transformar-se num núcleo homogéneo de tenacidade e boa vontade. A um desses elementos se deve o principal êxito: ao maestro Amadeu de Moura Stoffel, que tão bem soube compreender a minha obra, transplantando o sabor e a essência dos meus versos para as deliciosas músicas que compôs.».
Apesar de ter sido representada um ano após a Revolução de 28 de Maio de 1926, Joaquim Serra não deixou de compor um dueto intitulado «Encarnada e Amarela», que colocava em confronto duas posições antagónicas face ao direito à greve – a encarnada e a amarela.
O êxito alcançado pela revista «Coisas da Nossa Terra» levou-a ao Cinema Teatro Joaquim de Almeida, onde foi representada, nos dias 9, 10 e 13 de Novembro de 1927, com enorme sucesso, «a ponto de fazer cair estrondosamente todas as companhias de artistas que têm vindo a Aldegalega e todos os outros espectáculos de arte que aqui se têm realizado.»
No dia 11 de Março de 1933, «Só d’Óculos», revista de costumes regionais em um prólogo, três actos e onze quadros subiu à cena no Cinema-Teatro Joaquim de Almeida.
O texto da peça é da autoria de António Rosado, Manuel Marques Peixinho Jr. e  Dr. Manuel Paulino Gomes Jr., enquanto o  Maestro Amadeu de Moura Stoffel compôs a música, e foi ensaiada por Justiniano Gouveia. Subiu à cena, pelo menos, dez vezes.
Os autores socorreram-se de opostas e prováveis rivalidades para manterem e dinamizarem grande parte do espectáculo, perpassando por todo ele a crítica de costumes; a sátira aos transportes fluviais; a situação dos hotéis; e, como seria de esperar, a famosa rivalidade futebolística entre o Aldegalense e o 11 Unidos, e entre a Banda Democrática 2 de Janeiro e a Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro. Os autores recordaram, nesta peça, o passado teatral da Banda Democrática evocando a revista «Coisas e Loisas da Nossa Terra», porque «Somos Irmãs na mesma grandeza, /um pensamento igual nos gerou/».
No dia 11 de Março de 1933 subiram ao palco os seguintes amadores: Amélia Fernandes Pinhão, Angelina Guedes, Baselisa Rosado, Beatriz da Conceição Paiva, Beatriz da Piedade, Brígida Dias Sacoto, Celeste Guedes, Celeste Rosado, Eduarda Guedes, Isaura Pereira, Júlia Fernandes, Margarida Tavares da Silva, Maria Joaquina Lopes, Maria Renée d'Almeida e Silva, Maria Rita de Oliveira, Maria Sabina Dantas, Orlanda Carmelo, Rosalina Correia e António Correia, António Leandro da Silva, António Luiz Vieira, António Maria Carreira, Bernardino Domiciano, Carlos Urbano de Carvalho, Emídio Tobias dos Santos, Jacob Castiço, João Bastos, Joaquim Lucas, Joaquim Rocha, José Estêvão da Silva Carvalho, José Machado, José Ramos Dias, Luís de Sousa, Manuel Cipriano Futre e Manuel Quaresma. José Luiz Cardeira foi o compére e Lúcio Lopes Jr., o ponto. A orquestra era dirigida pelo maestro Amadeu de Moura Stoffel, que, além de a dirigir, tocava violino; João Carlos de Mendonça, piano; António Dantas Júnior e Rogério de Sousa, violinos; Porfírio Tavares, flauta e soprano; José Porfírio, saxofone alto; José António de Sousa, saxofone tenor; António Onofre, saxofone barítono; Armando Iça, 1º clarinete; Severino da Silva, 2º clarinete; Francisco Amaral e José Neto Feliciano Júnior, trompetes; Félix Martins, trombone; e António da Rocha, contra-baixo de corda.
O teatro era então um modo popularizado de ocupação de tempos livres porque se entendia que «a mocidade precisa que alguém a ajude e a incite e guie no caminho à procura de novos motivos e prazeres para a vida», Quanto ao trabalho apresentado «era o melhor que pode ser, se quiserem atender a que os rapazes e raparigas, com raras excepções, é a primeira vez que pisam o palco e que alguns nem sabem ler.»
A par da revista «Coisas e Loisas da Nossa Terra», «Só d'Óculos» constituiu outro êxito retumbante da Banda Democrática 2 de Janeiro, peças que, ainda hoje, são recordadas com saudade em Montijo.
Em 1944, grassava a II Guerra Mundial e, em Portugal, onde os alimentos eram racionados, a Banda Democrática apresentou as récitas «Sem Mulher... E Sem Dinheiro» e «Abençoado Progresso».
O grupo dramático perdera o fulgor que demonstrara na revista «Só d'Oculos». No entanto, graças «à vontade indomável de Álvaro Mota, inteligente nos seus interessantes e inéditos monólogos e canções», subiu à cena, no Salão da Banda Democrática, no dia 13 de Fevereiro de 1944, a Comédia «Sem mulher... e sem dinheiro», que redundou em fracasso, «embora bastante trabalhosa e bem ensaiada».
Na segunda parte do espectáculo «imperou a música, a beleza e a alegria, que uma série de números seleccionados, emprestou». Destacaram-se as actuações de Álvaro Mota; António Leonardo da Silva, Carlos Urbano de Carvalho, Maria de Lurdes de Sousa, Cidalisa do Carmo, João Madeira e Maria Angélica dos Santos. Dâmaso de Carvalho foi o ensaiador e António Machado, contra-regra.
Em Maio do mesmo ano, o grupo apresentou a comédia em um acto «Abençoado Progresso» e «Pão, Pão. Queijo, Queijo» e, a finalizar o espectáculo, um acto de variedades.
Desta feita, a crítica rendeu-se à «graça às carradas e à interpretação perfeita», na segunda peça, e «graças à experiência e saber de Álvaro Mota – o homem a quem Montijo deve ter um grupo cénico - e ao encanto de Domicília de Sousa, se evitou que o público se saturasse, ainda que a peça tenha por vezes um cunho de sentido humano e verdadeiro». Carlos Urbano de Carvalho, Maria de Lurdes, Fernanda do Carmo, Raul Madrago, Rosália Benito Resina, Cidalisa do Carmo, «a pequerruchinha Maria Celeste Beatriz, que revolucionou tudo», Maria Elvira Fernandes, Maria das Dores Correia, Maria Isaura Tavares, Aura do Carmo Beatriz, Natália dos Santos, Clotilde Iça, Emília Baeta, Marcelina Lopes e Maria Lurdes de Sousa constituíram o grupo de amadores da Banda Democrática 2 de Janeiro. A cenografia esteve a cargo de Custódio Viegas; Porfírio Tavares foi autor de alguns números de música; Lúcio Lopes, o ponto; António Machado, o contra-regra e Dâmaso de Carvalho, o ensaiador.
Embora este grupo dramático não tenha alcançado o êxito dos anteriores, desempenhou um papel importante uma vez que manteve a tradição do teatro amador em Montijo e, por outro lado, porque estabeleceu a ponte entre a tradição do espectáculo de revista «à montijense», que alcançara sucesso exponencial com o espectáculo «Festa Rija» (1941) e um novo grupo que haveria de surgir no final da década, o Grupo Cénico do Montijo (1949).
Os tempos eram difíceis. A guerra abalava o mundo. No país, o novo regime tinha já construído os seus alicerces . A liberdade começava a sufocar e o racionamento de bens era prática corrente. Nestas condições, seria de reconhecer como o fez a «Gazeta do Sul» que, «nas restritas condições de salutares exercícios espirituais em que vivemos, qualquer manifestação, ainda que sem carácter efectivo, é sempre nascido dum caudal de dificuldades, que o espectador por regra comodista, ignorante exigente, não se esforça sequer em compreender (…). Devemos, portanto, neste alvorecer risonho, saudar com simpatia a persistência ampola milagrosa de muitos triunfo - com que este grupo cénico soube na sua segunda apresentação brindar-nos com um espectáculo dinâmico e colorido, oferecendo-nos, despidos de perniciosas pretensões, números em que a aliar à graciosidade das intérpretes, havia o desejo forte de agradar...»
Em Agosto de 1962, a Banda Democrática requereu ao Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo autorização para construir uma cine-esplanada.
«A Vingança dos Bárbaros» inaugurou as sessões cinematográficas.
Posteriormente, em 1971, a Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, a Empresa do Cinema-Teatro Joaquim de Almeida e a Banda Democrática 2 de Janeiro constituíram uma sociedade cinematográfica, visando, sobretudo, as sessões estivais, que acabou por ser dissolvida em 1975, devido aos fracos resultados que apresentou.

G

No dia 1 de Dezembro de 1909, cento e vinte pessoas reuniram-se num opíparo jantar para assinalarem a fundação do Grupo Musical Manuel Baltazar Valente, associação que resultou de uma cisão no seio do Aldegalense Sport Club, e teve como sócios fundadores José Leonardo da Silva, José Augusto Simões da Cunha, Domingos Moreira Júnior, Frederico Guilherme Ribeiro da Costa, Amadeu Augusto dos Santos, Manuel Tavares Paulada, Alfredo Valente, Horácio Valente, João dos Santos Aleixo, José Ribeiro Corda, Avelino Marques Contramestre, António Joaquim Marques, António Gouveia Dimas, Luciano Mendes Moreira, José Jorge Gomes, Augusto José Rodrigues, Carlos Saraiva Ferreira de Sousa, António Luís Dantas e José Sequeira Júnior.
 A associação tomou o nome do patrono, Manuel Baltazar Valente, maestro, «eminente e artística figura» da época.
O jantar assinalava não só a constituição do Grupo Musical, mas também a inauguração da sede, localizada na Rua Joaquim de Almeida, num edifício cedido por Álvaro Tavares Mora.
No dia 14 de Novembro de 1912, por proposta do sócio José Leonardo da Silva, o Grupo Musical Manuel Baltazar Valente passou a denominar-se «Musical Club Alfredo Keil», por ser «da mais alta justiça que se prestasse culto ao nome do grande artista português» e, por outro lado, devido à forte influência que os republicanos detinham na generalidade das instituições culturais em Aldegalega.
Os estatutos aprovados mais tarde, em 1914, definiam-na como uma sociedade de recreio e instrução cujos fins se preenchiam com aulas gratuitas de música, com biblioteca e gabinete de leitura, promoção de prelecções sobre qualquer tese de instrução ou educação sobre direitos e deveres dos cidadãos. A associação propunha-se também, a criar uma tuna que se apresentara no dia da inauguração do Grupo Musical, ou orquestra, um grupo de teatro, e a promover festas, bailes e jogos desportivos.
Inscreveram-se também nos objectivos do Clube a realização de pic-nics, festas populares, bailes, récitas e garraiadas
Para prosseguir os seus objectivos musicais, o Musical, como se popularizou, adquiriu, em 1910, um violoncelo e um rabecão e, no mesmo ano, um grupo de sócios quotizou-se para comprar um piano, que custou 180$675 réis.
Os bailes do Musical, sobretudo os realizados por ocasião do Natal, Ano Novo, Micareme e Carnaval, passaram a reunir «as famílias mais em evidência no meio local» e o que há «demais selecto e distinto em assistência feminina», além de se transformarem também em acontecimentos sociais a que ocorriam «as damas que não tinham cavalheiros na família.»      
Embora tivesse ganho fama de associação elitista foi, na sua génese, uma colectividade onde «brincava a blusa do operário com a casaca do doutor sempre na melhor convivência».
O «Musical» transformou-se numa das mais importantes colectividades de Aldegalega, onde se sucediam os bailes, os concertos musicais, as conferências, as aulas de dança e o teatro.
O «Grupo de Teatro Amador do Musical» foi responsável pela apresentação de vários espectáculos, récitas populares, constituídos, usualmente, por peças em um acto, cançonetas, poesias, operetas e actos de “folies-bergères”.
A primeira récita, apresentada pelo grupo de teatro amador, em 1910, foi preenchida com a comédia em dois actos “Ninguém Diga” e por «uma peça num acto de grande valor».
Porém, a estrutura dos espectáculos apresentados pelo grupo de amadores aproximava-se mais do que foi levado à cena, no dia 28 de Julho de 1910, e que o jornal “O Domingo” registou do seguinte modo:
Realizou-se na noite de 28 neste elegante teatrinho um belo sarau dedicado às gentis damas de Aldegalega pelo Grupo Musical Baltazar Manuel Valente, como reconhecimento pela oferta do estandarte, cujo programa foi o seguinte:
«Prólogo» pelo senhor José Augusto Simões da Cunha e leitura, pelo mesmo senhor, duma bela poesia do nosso correligionário e amigo Álvaro Valente dedicada às gentis damas de Aldegalega, como reconhecimento pela oferta, ao Grupo, do estandarte; Hino do Grupo Baltazar Manuel pelo Grupo; «Os teus encantos», sinfonia do sr. B. Manuel Valente pelo Grupo; «A prova», monólogo pelo sr. António Gouveia Dimas; «Palácio da Ventura», soneto pelo sr. Augusto José Rodrigues; «Sempre feijões», cançoneta pelo sr. José Ribeiro dos Santos; «A vida", poesia pelo sr. Carlos Saraiva; «Fado» (,) pelo grupo e cantado com coros; «Adélia», valsa pelo grupo; «Carta Última», poesia pelo sr. Gabriel do Carmo; «O meu gatinho" , monólogo pela exma. Sr.ª D. Carlota Tavares Garcia; «Lord Port Wine», cançoneta pelo sr. José Jorge Gomes; «Os pergaminhos», poesia pelo sr. Álvaro Valente; «Drama», monólogo pelo sr. Carlos Tormenta; «O Ciclista», monólogo pelo menino Joaquim Moreira; «Aninhas e Zé da Horta», dueto pela exma. Sr.ª. D. Irene Rodrigues Paulada e sr. Amadeu dos Santos; «Poesia musical», pelas exmas. Sr.ªs D. Idalina M. Paulada, Dª. Irene R. Paulada e sr. Álvaro Valente; «Dragão», poesia pelo sr. Alfredo Valente; «Ser pontual», monólogo pelo sr. António Marques Contramestre; «Esfinge», valsa cantada pela exma. Sr.ª Dª. Francisca Cândido e pelo sr. Horácio Valente; «Rataplan» (,) monólogo pelo menino Francisco d'Oliveira Neto; «A morte galante», poesia pelo sr. Adriano Móra; «Excerto da morte de D. João», pelo sr. J. Gouveia; «Com o meu chapéu», cançoneta pelo sr. Álvaro Valente; «Rapsódia de cantos populares», coordenada e instrumentada pelo sr. B. Manuel Valente, com coros e solos pelo sr. Manuel T. Paulada; «Hino», pelo Grupo.
Esta bela festa, que terminou era já uma hora da noite, foi uma das melhores que até hoje se tem visto no teatro Aldegalense.»
Para levar à cena uma récita, no dia 1 de Dezembro de 1910, no teatro da vila, o Grupo Musical B.M. Valente realizou as seguintes despesas: aluguer do teatro – 10$000 réis; Imposto de selo – 2$000; Actriz e hotel – 6$600; Caracterizador, cabeleiras e hotel – 4$900; Comédias – 1$340; Guarda-roupa – 1$000; Bilhetes e programas – 1$600; Declaração n’«O Domingo» - 1$290; carretos de cadeira e mais mobília 0$860; Estante nova – 1$700; despregar e pregar bancos – 1$425; Fitas de seda para oferecer – 2$240; Carbureto para os ensaios e récita – 3$950; Total 38$96.
«Uma Lição de Florete» e a opereta de costumes populares «Amores de Rosa» foram levadas à cena, em 31 de Maio de 1911, e de novo apresentadas em 8 de Junho, sob a direcção de Adriano Tavares Mora e do maestro Baltazar Manuel Valente.
Para dotar o grupo de teatro com melhores condições cénicas, o Musical decidiu, em 1911, construir um teatro, na sua sede, edificando então um palco, e deliberou atribuir-lhe o nome do famoso actor aldeano Joaquim de Almeida. Todos os trabalhos de carpintaria bem como de pintura e instalação eléctrica foram executados pelos sócios da colectividade.
O teatro foi inaugurado no dia 25 de Dezembro de 1911 e «na primeira fila encontrava-se o insigne actor e glorioso filho de Aldegalega, Joaquim de Almeida, acompanhado de algumas pessoas da sua família.»
«Dois estudantes no prego», comédia em um acto, subiu à cena no dia 6 de Abril de 1913, representada por Joaquim Leite Júnior, Carlos Saraiva, Manuel Moura, Lázaro Gil, José Moura e José Gama, mas é a revista em dois actos e três quadros, «Arruma-lhe!», que vai provocar «Uma extraordinária enchente.»
A forte ligação da associação ao teatro, principal entretenimento da vila, inspirou, em 1913, «um grupo de dedicados rapazes amigos do Musical Clube Alfredo Keil a levantar um teatro com salas para clube por meio de acções de 5 escudos cada uma.»
Em Julho de 1913, constituiu-se então uma comissão para a construção do novo teatro, composta por Dr. Joaquim Navarro de Paiva, António Gouveia Dimas Júnior, José Augusto Simões da Cunha, Diogo Rodrigues de Mendonça Júnior, Manuel Tavares Paulada, Rodrigo da Silva Costa Júnior João Quaresma da Silva, Graciano Quaresma Ferra e João Mira dos Reis, que adquiriu a Manuel António Moreira uma porção de terreno na Rua Santos Oliveira e aforou outra a Luciano Fortunato da Costa, totalizando cerca de doze metros quadrados.
Para concretizar o projecto, a Comissão decidiu contrair um empréstimo por subscrição para o qual muitos sócios do Musical Clube subscreveram, ficando a cargo do Musical toda e qualquer despesa emergente do empréstimo. Porém, apesar da boa vontade e dos esforços desenvolvidos pela Comissão, os anos foram-se volvendo e o sonho de construir um teatro acabou por se esfumar.
«O Comissário é uma Jóia» foi a opereta representada, em Fevereiro de 1914, pelos amadores Acácio Rodrigues, José Onofre e J.Portela.
No dia 24 de Fevereiro de 1940, o Musical apresentou a revista em dois actos «Afinfa-lhe!», da autoria do Dr. Manuel Paulino Gomes, destacando-se Armando Pessoa, Joaquim Lucas e Mário Miguel Rama.
«Os Independentes» foi um grupo de teatro amador que levou à cena, no Salão de Festas do Musical, em 5 de Outubro de 1941, o drama em três actos «Leonardo, o Pescador». Belmira Claro, António Cambita, Álvaro Mota e Francisco Marques não obtiveram os favores da crítica.
Em 1942, o palco do teatro foi desmanchado e, em seu lugar, construído um estrado para orquestra, extinguindo-se o teatro inaugurado em 25 de Dezembro de 1911.
«Arruma-lhe!», estreada em 1913, e «Afinfa-lhe», levada à cena em 1940, revistas de costumes, foram dois dos espectáculos, que maior êxito obtiveram.
«Arruma-lhe!», um original do Dr. Manuel Paulino Gomes e José Augusto Simões da Cunha e música de José Cipriano Salgado Júnior, foi representada, pela primeira vez, em 4 de Maio de 1913, e, como confessaram os seus autores, «a peça foi escrita de afogadilho para os sócios e suas excelentíssimas famílias».
Trata-se de uma ligeira revista de costumes, que retrata a satisfação da sociedade pelo progresso, estampada na “luz em barda” e “no comboio mui ligeiro”, duas recentes inovações, e, através do diálogo entre algumas instituições existentes, hotéis e taberna, aproxima-se de um retrato social e físico de Aldeia Galega de outrora. A crítica política encerra a revista com o Zé Povinho e o coro a entoarem: «Arruma-lhe! Ó intrujão! / Arruma-lhe! Anda a valer! / Arruma-lhe ó manganão! Arruma-lhe até poder.»
O espectáculo mereceu o seguinte comentário do jornal “O Domingo”:
«Efectuou-se a estreia da interessante revista em dois actos e três quadros no elegante teatrinho «Joaquim de Almeida», no florescente «Musical Club Alfredo Keil», com uma extraordinária assistência, correndo o espectáculo admiravelmente e sendo muitas das suas cenas repetidas com entusiásticos aplausos. A revista não precisa de reclamo, basta dizer que se trata de assuntos desta terra».
Participaram na revista Acácio E. Tavares Rodrigues, Amadeu dos Santos, António Dimas Jr., António Luis Pilar Nepomuceno, Dr. Paulino Gomes, Manuel Tavares Paulada, José Quaresma, Camilo M. Chaves, Carlos Dimas, Carlos Saraiva, José Pereira Duarte, Manuel Moura, Vicente Lavata, Manuel Teodoro da Câmara, Aniceto Gil, José Carvalho d'Oliveira, Luís Oliveira, José Onofre Jr., José Paulo Rato, José Moura, Miguel Duarte, José Teodósio da Silva, José António da Silva Jr.. José Mira e Graciano Quaresma.
O grupo de teatro organizou também, nos primórdios da sua existência, pic-nics, que ganharam fama entre as gentes de Montijo.
Às cinco horas da manhã, subiam ao ar os primeiros foguetes, tocando a reunir. Então, todos montados em cavalos, mulas, burros ou carroças partiam, seguindo um percurso junto ao rio, até à Praia do Montijo. Ali chegados, e depois do banho, «disputavam à porfia a excelência dos acepipes de que os seus farnéis regurgitavam.» Cumprida a sesta, seguia-se o espectáculo e demais divertimentos: audição musical, actos de «folies-bergèrs», corridas de sacos, de fitas, etc., além da série de brindes, cafés, licores e fotografias para a posteridade. No regresso, ao fim do dia, e ao chegar à vila, o grupo organizava «uma vistosa e fascinadora marcha “aux-flambeaux”, que percorria as principais artérias.

Actividades do Grupo de Teatro do Musical Clube Alfredo Keil:

1910 –
09.01 - Soirée em homenagem a Manuel Tavares Paulada, que terminou às quatro horas da madrugada.
24.02 - Palestra subordinada ao tema «Camilo e a sua obra». Palestrante: Álvaro Valente.
13.03 - «Ninguém diga», comédia em dois actos, récita em benefício do cofre do Grupo.
01.05 - «Centenário de Alexandre Herculano», festa composta pela leitura de poemas e textos do historiador.
12.05 - «O Tio Pedro», drama em um acto e «Ninguém Diga...», Comédia em dois actos. Participou no espectáculo a Tuna do Musical.
31.07 - Sarau dedicado às gentis damas de Aldegalega, preenchido com música, poesia e monólogos, que terminou cerca da uma hora da noite.
 1911 –
 01.01 - Sessão solene comemorativa do aniversário. Um quinteto composto por Irene Pimentel, Irene Rodrigues, Idalina Paulada, Laura de Sousa e Álvaro Valente, sob a regência de Baltazar Manuel Valente, executou um trecho da ópera Otelo, de Verdi. Depois realizou-se um animadíssimo baile, que terminou já de madrugada.
08.06 - «Uma Lição de Florete», tragicomédia; e «Amores de Rosa», opereta de costumes populares.
13.07 - Récita cujo produto reverterá a favor de uma família necessitada.
25.12 – Espectáculo de inauguração do Teatro Joaquim de Almeida.
1913
30.03 - «A Magia Duma Porta», comédia em três actos, e «Rilhafoles Num Hotel»,
comédia em um acto. Participaram Laura Pedroso e Ester Pedroso, actrizes
profissionais, de Lisboa.
04.05 - «Arruma-lhe!» Revista em 2 actos e três quadros.
1940
31.1 - Revista Popular, com Mário Rosado, Edmundo Martins, Mariano Sanchez, entre outros.
24.02- «Afinfa-lhe!», revista em dois actos, original do Dr. Manuel Paulino Gomes. Escreveu a crítica: «Com prazer registamos tentativas deste género, visto que há, de há muito, necessidade de varrer, com rajadas de ar fresco, o ambiente abafado e rotineiro de Montijo.»
1941
05.10 - «Leonardo, o Pecador», drama em três actos, e «Ciúmes», comédia em um acto, pelo Grupo Dramático «Os Independentes», formado com o apoio do Musical.

1950
O Grupo Cénico Montijense conta com o apoio do Musical. Porém, nesta época, as noites tornaram-se famosas graças aos animados bailes que tanta gente ainda guarda agradavelmente na memória.

Destacaram-se no Grupo de Teatro Amador as figuras de Adriano Tavares Mora, Dr. Manuel Paulino Gomes, Álvaro Valente, José Augusto Simões da Cunha, José Cipriano Salgado Jr., António Gouveia Dimas, Gabriel do Carmo, Carlota Tavares Garcia, Carlos Tormenta, Joaquim Moreira, Irene Rodrigues Paulada, Amadeu dos Santos, Manuel Paulada, José Quaresma, Carlos Dimas e, na década de 40, Mário Miguel Rama, Joaquim Lucas, Armando Pessoa, Humberto de Sousa e José Joaquim Caria.

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«Aro da Montijanoj Esperantamikoj» (Ateneu Popular de Montijo) foi o nome do Grupo Esperantista fundado por Cosme Benito Resina, Joaquim Lavado, Manuel Luciano Lucas Alegria e António André Lopes Barreto, em Montijo, quando corria o ano de 1939.
Os fins do Grupo sintetizavam-se no estudo e divulgação do Esperanto e na promoção da instrução, tendo, para este efeito, iniciado um curso de alfabetização e instituído biblioteca.
Dentro desses objectivos prosseguidos pelo Grupo foram também criados os cursos de História, Língua Pátria, Escrituração, Oratória e Dactilografia, que visavam não só a divulgação da cultura, mas também a ajudar todos aqueles que se queriam preparar para o emprego. O curso de dactilografia, iniciado em 1947, só se extinguiu quando os computadores tornaram as máquinas de escrever obsoletas, e o Curso da Instrução Primária, que funcionou até à década de setenta do século XX, restrito a alunos com mais de treze anos, conferiu a 4ª classe a jovens e adultos, que de outra maneira não teriam acesso à instrução. A enorme afluência de alunos, inicialmente, ao curso, que na década de cinquenta contou com a colaboração da Campanha Nacional de Educação de Adultos, levou a que se organizassem duas aulas: uma para a 1ª e 2ª classes e outra para a 3ª e 4ª classes.
Em 23 de Maio de 1946, com a aprovação dos estatutos, o grupo passou a intitular-se de «Ateneu Popular de Montijo», e adoptou a divisa «Cultura e Progresso».
As actividades do APM reflectiam sempre os interesses dos seus sócios, em cada momento, e a disponibilidade dos mesmos para os concretizar.
O Grupo de Teatro Amador foi organizado em 1972, sob a direcção de Sérgio Pinto. A primeira peça que escolheu para o seu repertório foi «O Dia Seguinte», de Francisco Rebelo, que acabou por não ser representada devido à dissolução do grupo.
No ano seguinte, o grupo de teatro reorganizou-se e ensaiou «O Retábulo do Flautista», de Jordi Teixidor, que não foi levada à cena por ter sido censurada.
Em Maio de 1998, um grupo de sócios do APM, em que se destacaram Virgílio da Luz Gança e Carlos Lopes, decidiu reorganizar o grupo de teatro e, depois de muito porfiar, apresentou em antestreia, em Dezembro, no Salão Nobre da Pluricoop, em Montijo, a peça «O Farruncha», cuja estreia se veio a realizar, em Janeiro do ano seguinte, no Salão de Festas da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro.
O grupo de teatro foi também responsável pela apresentação de uma peça infantil e de uma trupe de palhaços.
Foi em 1983, que um grupo de sócios fundou o «Núcleo de Cinema do Ateneu Popular de Montijo», verdadeiro cine-clube montijense, uma vez que as suas sessões e demais actividades eram abertas à população.
O Núcleo de Cinema passou então a organizar ciclos de cinema e a divulgar o cinema em pequeno formato, o cinema documental e os desenhos animados, tendo contado, neste caso concreto, com o apoio da Embaixada do Canadá, que cedeu por empréstimo alguns filmes.
O cinema não profissional produzido e realizado no País, mereceu também a atenção do APM, como aconteceu com a sessão de 26 de Outubro de 1985, preenchida com dois filmes de Vítor Silva: «Remember New York» e «Memórias de Cinza», que não mereceram a melhor atenção dos cinéfilos.
As sessões realizavam-se no sótão da sede, à R. Almirante Cândido dos Reis, n….., usualmente aos fins de semana. Para manter a regularidade das sessões, o APM adquiriu uma robusta máquina de projectar de 16m/m, fabricada na URSS. Depois da projecção do filme, usualmente, seguia-se o debate.
No campo da realização, o Núcleo de Cinema concebeu, produziu e realizou o filme «A Olaria», em formato super 8m/m, registo da última olaria e dos últimos oleiros em actividade, no Montijo.
A divulgação e a utilização do cinema como meio de cultura e entretenimento, aos primórdios do Ateneu. Em Maio de 1947, o APM promoveu duas sessões cinematográficas no Cinema-Teatro Joaquim de Almeida, em que foram exibidos os filmas «Lucrécia» e «O Julgamento de Lagardère», este de capa e espada, que contou com a colaboração da Embaixada de França.

I

A associação «Águias Negras Futebol Clube», localizada no Alto Estanqueiro, embora o nome a remeta para a prática de um desporto muito específico, foi, na sua génese, uma colectividade de desporto, e, posteriormente, de cultura e de recreio. Os bailes e as festas, inicialmente, o teatro e o folclore, mais tarde marcaram-lhe a feição cultural.
Em 1979, sob a direcção de Adriano da Conceição Borges e Mercês Gomes Borges, foi fundado o Grupo de Teatro Amador Águias Negras, que, depois de profícua actividade, representou, em 1983, ano em que findou a sua actividade, «O Crime da Aldeia Velha», de Bernardo Santareno.
A Sociedade Recreativa Progresso Afonsoeirense           , extinta em 2005, foi fundada em 24 de Setembro de 1975, e constituiu o Grupo de Teatro Sangue Novo, em 1977, que, até 1984, data extinção do grupo, levou à cena as seguintes peças: «Farsa de Mestre Pathelin», «Auto do Ti Joaquim», «Auto da Vida e da Morte», «A Mulher é um Diabo ou a Tentação de Santo António» e «As Botas do Patrão».

Tiveram vida efémera o Grupo de Teatro Amador da Associação Democrática do Povo de Atalaia e o Grupo de Teatro Amador da Atalaia, este instituído pela Sociedade Recreativa Atalaiense, em 1977.
«O Auto do Curandeiro», de António Aleixo foi a primeira peça representada pelo grupo de teatro, em Fevereiro daquele ano. A actividade teatral da Sociedade Recreativa Atalaiense findou-se em 1986, com a representação de um espectáculo de revista à portuguesa, em que participou a actriz Ivone Silva.
«Frei Luís de Sousa» foi uma iniciativa do senhor Padre Manuel Gonçalves, pároco do Montijo, que, em 21 de Abril de 1961, organizou um grupo cénico, o qual levou à cena a peça de Almeida Garret. Além de uma boa interpretação de todo o elenco, que integrou Manuel Giraldes da Silva e Ana Maria Salazar Leite, salientou-se como principal intérprete, no papel de «Maria», Maria Joaquim Serra.
Foi ensaiador, Virgílio Macieira, do Teatro Nacional D. Maria, que interpretou, também, o papel de «Romeiro».
Ainda no âmbito da Igreja Católica, entre 1924 e 1927 esteve activo o Grupo de Teatro do Pé Descalço, dirigido pelo Pe. António Gomes Pólvora que, entre outras peças, representou «Intrigas no Prédio» e «Rebate Falso», originais do director do grupo.
O Grupo de Teatro «O Recado», do Centro Cultural e Desportivo do Montijo, levou à cena, em 21 de Outubro de 1995, a peça «O Fim do Princípio do Fim das Relações», numa encenação de António “Treplev” Igrejas.
No dia 20 de Abril de 1996, o grupo representou no Salão da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, a peça «Dies Non Ens», baseada em textos de Gil Vicente, David Mourão Ferreira, Paulo Teles, Ana Paula D.P. Moreira, Sophia de Mello Breyner Andresen, Luís Pignatetelli e António Igrejas.
Pouco tempo depois, o grupo dissolveu-se, e o Centro Cultural e Desportivo de Montijo passou a ostentar um pendor essencialmente desportivo.


J

Acordemos, que é tempo e mais que tempo

Antigamente…
É a lamentação habitual de certas idades, quando se vê a indiferença de hoje perante as coisas proveitosas para o espírito e para a cultura das gerações.
O certo é, porém, que antigamente havia em Montijo, ou por outra, em Aldegalega, grupos de amadores que se dedicavam ao teatro e que demonstraram sempre qualidades aproveitáveis.
Além do mais, esses grupos cultivavam a arte cénica e empregavam o tempo disponível em manifestações de cultura espiritual que muito beneficiavam os seus componentes.
Havia elementos excelentes, verdadeiras vocações, e realizavam-se espectáculos que ficaram memoráveis por muito tempo.
Boas peças, belas comédias, operetas, revistas, tudo se apresentou em Aldegalega, e esses grupos actuaram muitas vezes fora da terra com acentuado êxito.
A mocidade actual pouco ou nada se interessa por estes assuntos.
Antigamente…
Recordo-me de dois belos grupos, que se sujeitaram aos maiores sacrifícios, para que «se fizesse sempre boa figura.»
E não só a mocidade tinha uma vida mais alegre, mais movimentada, mais humana (eram quase sempre os fins beneficentes que a impulsionavam), como ainda a população se divertia, se cultivava, e concorria para a mesma obra altruísta.
Montijo permanece apático. Uma onda de inércia e comodismo enervante tudo atrofiou e perverteu.
A vida de espírito quase não existe, e assiste-se a esta ausência de vontades que só prejudica o prestígio da terra e a inferioriza.
A nossa terra não pode continuar assim, vivendo somente a vida material que vive.
A época é de dinamismo e não podemos dormir eternamente sob os louros passados.
Acordemos, que é tempo e mais que tempo.
António Cristiano – Gazeta do Sul, 1945.07.22 (Excertos)

Fénix

A história do teatro amador de Montijo, de que se retrataram alguns episódios, atravessou um cenário marcado pela implantação da República, pela I Guerra Mundial, em que Portugal participou e alguns filhos de Montijo combateram em França, pela Revolução de Maio e a institucionalização do Estado Novo, pela Guerra Civil de Espanha, pela II Guerra Mundial e pelo racionamento de alimentos, pela Guerra Colonial e pela Revolução de 25 Abril de 1974, e assistiu ao triunfo do cinema e da televisão.
A vida parecia correr plácida em Montijo, chegando como vago e distante o rumor das notícias dos grandes acontecimentos.
A Vila, que tinha recuperado de uma grave crise económica que a assolara no final século XIX, transformara-se numa das mais pujantes do País, animada pelo som periódico das sirenes das fábricas e pelo movimento dos turnos laborais, que animavam as artérias da cidade e tornaram a Praça da República e a Praça do 1º de Maio em pontos de encontro permanentes.
A economia exigia mais braços e as mulheres passaram a partilhar a fábrica e o escritório, libertando-se de espartilhos.
A comunidade era interclassista. No centro da vila, ao lado do rico “chalet” ergueu-se o pátio habitado por operários pobres. Mas uns e outros encontrar-se-ão lado a lado nas associações culturais usufruindo o gosto pela cultura, fosse ela a participação na banda filarmónica ou na banda musical, no grupo cénico, na récita popular. Nem importava que uns fossem letrados e outros fossem analfabetos. Havia uma tarefa a cumprir, uma Carta a levar a Garcia. Conjugaram-se esforços, ultrapassaram-se escolhos, e ela foi entregue.
O tempo foi rolando e a comunidade viu o seu tecido social ser rasgado pela partida dos seus filhos. Longe, nas colónias, eclodira a guerra. Com a Guerra Colonial a vila ficou mais triste.
Foi um outro tempo em que as colectividades projectavam em si o engenho e a arte dos seus sócios. Em que o esforço do braço trabalhador erguia as paredes das sedes, organizava os bailes, imaginava formas de financiamento, e abria a porta a todos quantos viessem por bem. Cada um dava com alegria o que tinha e podia, mas todos se orgulhavam da obra feita, património de que Montijo se ufana.
Apesar das Revoluções, das Guerras, da Ditadura, as colectividades souberam criar o seu próprio espaço de autonomia e liberdade, lição que não deve ser olvidada.
A pujante vila de Montijo é, hoje, um dormitório, que não deixava antever a promissora cidade.
O teatro amador estiolou na cidade. As experiências registadas após a Revolução de Abril soaram como o canto do cisne de uma Arte que os montijenses tanto acarinharam.
Estejam estas palavras erradas e a perspectiva do autor desfocada, sinal de que onde tinha divisado um cisne outra coisa não era, afinal, que a muda Fénix, que renascerá das cinzas e voará liberta e feliz, quando a comunidade voltar a acreditar que é na sua inteligência, no seu braço e na sua indómita vontade que reside o húmus da cultura de Montijo.


José Vintém e as Fabulosas Gerações

A vida não se detém no ontem, mas deixa-nos a saudade para trazermos ao presente o ontem que perdemos e amamos.
À medida que se vão apagando as luzes na mansão da vida – e na ribalta dos espectáculos – sente-se o desejo irresistível de mantê-las eternamente acesas, «libertando da lei da morte» quem, com o seu exemplo, ajudou a escrever este nome – MONTIJO!
José Vintém pertenceu a uma geração de talentosos montijenses, que deu um contributo ímpar à cultura da sua terra.
Sem vedetismos nem falsas modéstias, com tenacidade e são amadorismo, com a entrega plena à arte que abraçaram, um punhado de jovens escreveu uma das páginas mais belas da História de Montijo, caminhando pelas alamedas do sonho vivido nesta simples terra que tanto amaram. Foram jovens que ressuscitaram no milagre da vida tomando novos nomes, novas figuras, mas o mesmo amor pela arte de representar, como se vários episódios de uma única história fossem representados por diversos actores, em tempos diferentes, embora sempre no mesmo palco, ao longo de mais de sessenta anos, em Aldeia Galega do Ribatejo, vila que depois se apelidou de Montijo. Muitas histórias numa única História. Tantos jovens no jovem que aqui se evoca.
José Ribeiro Vintém, ou Ribeiro Vintém, ou José Vintém, enquanto jovem artista, além de ter sido considerado um dos melhores bateristas portugueses, foi músico de múltiplos recursos e talentos, apresentador, actor amador e vocalista, o primeiro intérprete do «Fado do Montijo».
Homem simples, retrato do derradeiro e genuíno cavalheiro, a ele devo um aceno de saudade e de gratidão por ter partilhado comigo parte da História que também escreveu.
Dele, além de garboso músico da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, guardo a imagem de delicadeza e gentileza, assim como a simpatia e dedicação da esposa, senhora Dª Gertrudes Vintém.
Já combalido pela doença, José Ribeiro Vintém recebeu-me, pela última vez, no seu quarto. Sentou-se na cama e ali ficou a contar-me episódios do teatro em Montijo. O entusiasmo estampado no rosto escondia a dor do mal que o minava. Mas naquele quarto estava um cavalheiro e, por isso, a conversa correu sempre amável e sorridente.
O Grupo Cénico de Montijo, em que pontuava José Ribeiro Vintém, foi o último capítulo de uma história, que se começou a escrever no final do século XIX.
Os artistas partiram. Rufem mil tamborestrinem mil guitarras o espectáculo deve continuar.

Manuel Soares Ventura - António Máximo Ventura - Cândido Ventura - Carlos Canede - António Tavares da Silva - Artur Canede - Actor António Pedro - Maria das Neves - Maria Lopes - António Caetano – Actriz Peres – Adelina Abranches - Justiniano Gouveia - Domingos Saloio - António Ventura Júnior - Miguel Rama - José Anino - João Quaresma - Raul Nepomuceno da Silva - Adriano Tavares Mora - Manuel Ferreira Giraldes - José Anino - Filomena Jacobeth – Case - Baltazar Manuel Valente - António Augusto dos Santos - Francisco Maria de Jesus Relógio - Joaquim dos Santos Oliveira - Guilhermino Pires - António Tavares da Silva - José Narciso Godinho - José Cipriano Salgado Jr. - José Sampaio de Oliveira - Edmundo José Rodrigues - José Vito da Silva. Abel Justiniano Ventura António Nepomuceno da Silva Guilhermino Pires - António da Silva - Abel Ventura - Raul da Silva - Alberto Vieira da Motta - Amadeu Ventura - José Luís Pereira Nepomuceno - Adelaide Coutinho, Doroteia Coutinho e Filomena – A. D. Nunes de Carvalho – Álvaro Valente – Pedro Roque – Amadeu dos Santos – António Saloio Júnior – Armando Marques – A.V. Júnior – José Quaresma – José Reis - Joaquim de Almeida – Júlia Moniz - António Rosado – Manuel Marques – Paulino Gomes Júnior – Amélia Fernandes Pinhão – Angelina Guedes – Baselisa Rosado – Beatriz da Conceição Paiva – Beatriz da Piedade - Brízida Dias Sacoto – Celeste Guedes – Celeste Rosado – Eduarda Guedes – Isaura Pereira – Júlia Fernandes – Margarida Tavares da Silva – Maria Joaquina Lopa – Maria Renée de Almeida e Silva – Maria Rita de Oliveira – Maria Salinas Dantas – Orlanda Carmelo – Rosalina Correia – António Correia – António Leonardo da Silva – António Luís Vieira – António Maria Carreira – Bernardino Domiciano – Carlos Urbano de Carvalho – Emídio Tobias dos Santos – Jacob Castiço – João António Pereira – João Bastos – Joaquim Lucas – Joaquim Rocha – José Estêvão da Silva Carvalho – José Luís Cardeira – José Machado – José Ramos Dias – Luís de Sousa – Manuel Cipriano Futre – Manuel Quaresma – Rogério Machado – Beatriz Gervásio Cardeira Rogério Machado – João Carlos de Mendonça – António Dantas Júnior – Rogério de Sousa – Porfírio Tavares - José Porfírio – José António de Sousa – António Onofre – Armando Iça – Severino da Silva – Francisco Amaral – José Neto Feliciano Júnior – Félix Martins - António da Rocha – Amadeu de Moura Stoffel – Manuel Paulino Gomes Júnior – Humberto de Sousa – António Fortunato de Sousa – Francisco Ladislau – Emídio Tobias – José Horta Dias - Charles – Gabriel Mimoso (Filho) Alberto Anahory – Adriano Leiria – José António de Oliveira – Amadeu da Costa Júnior – Victor Manuel – Alberto Araújo, António Araújo – Bento de Jesus Ferreira – Carlos Calvelas – Edmundo Martins – Ilídio Futre – Joaquim José Lucas – José Estêvão Silva Carvalho – José Júlio Rodrigues – José Justiniano Gouveia – José Lázaro Vintém – Luís Areia – Luís Onofre – Mário Manuel Soares Mário Miguel Ramos – José Rosário – António Severo – Francisco Ladislau de Sousa – Francisco Soares Canastreiro – Jorge Baptista – João de Almeida Ribeiro – José Ladislau de Sousa – José de Oliveira Gouveia - Adriano Silva Humberto de Sousa – Clarinda Casas Más – Custódia Ferreira – Dulcinda Gouveia – Elvira Pereira – Esmeralda Freire – Fernanda de Jesus – Georgina Ferreira Henriques – Júlia Gouveia Caria – Julieta Gaspar – Laura Faustino – Maria Amália da Costa Silva – Maria Antónia dos Santos – Maria Edite Vicente – Maria Helena Martins de Sousa – Maria Fernanda Baldrico Ferreira - Maria Guilhermina da Costa – Maria José Gouveia - Maria José Maia – Maria Juvenália Peixinho – Maria Leonor Sousa Coelho – Maria Leonor Marques – Maria Luísa Cardoso Gouveia - Maria Luísa Pereira da Silva – Maria Manuela Gervásio – Maria Rita Gouveia de Oliveira – Odete Caldeireiro – Cidalisa Alves do Carmo - Silvina da Conceição – Vladimira de Jesus - Joaquim Serra - Amadeu de Moura Stoffel - Justiniano Gouveia - Maria Gonçalves da Silva - Hermínia Cardoso - Virgínia Carvalho - Eugénia da Silva - Luciana Cardeira - Ana Maria Freire Caria - Emília Gervásio - Maria de Jesus Pereira - Celeste Relógio - Beatriz Carvalho - Ermelinda Gonçalves da Silva - Maria Elvira Gervásio - Jacinta Marques Cepinha - Laura Palpita - Manuela Gouveia - Matilde Marques - António Saloio - José Luís Cardeira - João Salinas - Manuel Cola - Carlos Urbano de Carvalho - António Pascoal - Joaquim Futre - José Tavares - Francisco Teodoro - Manuel Feliciano Canastreiro - Jacob Castiço - Eduardo dos Santos Galo - Álvaro da Silva - Ernesto Gouveia - Fernando Rodrigues - João Carvalho - António Silva - Lúcio Lopes Júnior - Beatriz Gervásio Cardeira - Rita Futre – Amélia Futre – Maria Angélica Marques – Maria Vintém – Amélia Bastos – Maria Bastos – Emília Bastos Ferra – Maria Isabel dos Santos Fernandes – João Fernandes Salinas – José Simões Quaresma – Dâmaso de Carvalho – António Gonçalves da Silva – Jacob Castiço – Joaquim Futre – Artur Futre – Ernesto Gouveia – João Carvalho – António Marques Peixinho – Manuel Marques Peixinho -Mariano Sanchez Bermejo -Augusto Santos - Judite Silva - Vera Silva - Humberto de Sousa - José Joaquim Caria -Luís Onofre - José Ribeiro Vintém - Henrique Rodrigues - Francisco Neto dos Santos – Maria Teresa – Maria Aurélia Marcelino – Francisco Caixeirinha – Isabel Pulquério – José Luís Caria – Lucinda da Silva Pio – Maria da Assunção Marques – João Fernandes Salinas – António Domingos Gouveia Saloio – José Porfírio Ezequiel – Guilermina Lucas Ferra – José Luís Cardeira – Rogério de Matos e Sousa – Francisco dos Santos – Ernesto dos Santos – António Luís Gouveia Jr. – Jesuína Aquino – Maria Eufrásia Coelho – António Flor – Manuel Prata – Palmiro Pinto – J. Marinho Arraia – José Almeida – António Ferreira – Isilda de Almeida – Augusta Bonifácio – Mariana Pereira – Isabel Pulquério – Gina Ferreira – Alda de Carvalho – Maria Manuela Paulino Gomes – Maria Virgínia de Mendonça – Mário Miguel Rama – Luís Plácido Lucas Onofre – José Canarim Nepomuceno – José Ladislau de Sousa – Francisco Ladislau de Sousa – José Oliveira Gouveia – Mário Oliveira Gouveia – António dos Santos - João Ribeiro – Sérgio Pinto -Adriano da Conceição Borges – Mercês Borges – Perpétua Abelhinha – Virgílio Gança – Carlos Lopes – Alice Costa – Francisco Bernardo Costa – Pe. A. Pólvora – Pe. Manuel Gonçalves – Maria Joaquim Serra – Manuel Giraldes da Silva – Ana Maria Salazar Leite – Amarilis Martins – Ana Rita Gervásio - Vaz de Carvalho - Maria Helena Sampaio – Maria de Lourdes d’Almeida – António Fanico – Adelaide Moreira – Alberto Marques – Carina – Carlos Morgado – Francisca Zambito – Helga Cavelas – José Manuel Marques – José Pedro – Kati Zambio – Miguel Caldeira – Nuno Contramestre – Paula Cruz – Paulo Teles – Pedro Branco – Sandra Ferrão – Sérgio Ricardo – Sílvia Borralho – Vanda Lisa – Carlos Lopes – Carla Alexandra Oliveira Silva Samuel Santos – Miguel Caldeira – António Igrejas -Et alia.



 Ruky Luky