sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A Velha Cadeia de Montijo

Fontes Pereira de Melo em Montijo

O tribunal e a cadeia de Aldegalega do Ribatejo. Segundo notícia da época, era ususal «a aglomeração de caramelos às portas e janelas da cadeia.» Montijo ainda se lembra de ver os presos atrás das grades e de lhes fazer pequenos recados, nomeadamente, comprar cigarros. Foto 1906
No século XVI, já Aldeia Galega do Ribatejo [primitivo nome da actual cidade e concelho de Montijo] tinha juiz ordinário.

No século XVII, recebeu a Ouvidoria, que tinha sido transferida para Alhos Vedros, e, apesar das reformas judiciais realizadas a partir de 1832, a vila manteve sempre a sua comarca, salvo pelo curto espaço de tempo em que, por razões políticas, foi transferida para a Moita.

A primeira notícia da existência de uma cadeia em Aldegalega do Ribatejo encontramo-la numa Visitação dos Freires da Ordem de Santiago que, em 1609, «visitando nesta villa as cousas pertencentes ha comenda della, achamos a cadeia della sendo villa onde haa juiz de fora não aver cadeia mais que uma casa sem repartimento para prizão de molheres e estar sem ferros somente com umas grades de pau e pouco segura.»

Segundo o Dr. Avelino Rocha Barbosa, esta cadeia situar-se-ia na Rua Direita [R. de Almirante Cândido dos Reis], no edifício onde, hoje, se encontra um estabelecimento de restauração e bebidas. É informação que não conseguimos confirmar.

Atendendo ao estado da cadeia e à insegurança que oferecia, foi deslocalizada, em data que se ignora, para uma propriedade de Miguel Varela de Mascarenhas, que ocupava uma área compreendida entre a actual R. de Guerra Junqueiro e a Praça da República, onde Cândido Ventura construiu o seu chalet.

Pelas razões que fundamentaram a mudança das anteriores instalações, degradação do edifício e falta de condições de segurança, a partir de 1844, o Governador Civil de Lisboa passou a exigir também à Câmara Municipal «as obras e reparos que forem mais necessários para a segurança da cadeia», uma vez que os telhados ameaçavam ruir e os soalhos e os vigamentos encontravam-se bastante danificados.

Face às insistências do Governador Civil, a edilidade, em 1851, informou-o de que «o seu ruinoso estado exige de necessidades um concerto radical (e que) a obra foi orçada pelos peritos em 1.000$00 (…). A Câmara se não achava habilitada com os meios precisos para proceder aquela obra, cuja importância é muito superior às forças dos Rendimento Municipais, dos quaes subtraindo-se o indispensável para pagar os empregados pouco resta para acudir a outras obras de mais necessidade no Concelho».

Para solucionar o problema, em 1857, a câmara municipal acabou por instalar a cadeia, provisoriamente, no pátio do Quartel Militar [actual posto da Polícia de Segurança Pública], e mandou avaliar a antiga cadeia «para ser vendida em praça».

Apesar da reconhecida falta de segurança e de higiene da cadeia, só em 1872, na reunião de 2 de Maio, o presidente da edilidade propôs a construção de uma cadeia e tribunal judicial «e que não podendo a Câmara com os seus meios ordinários ocorrer a avultada despesa de tão importante melhoramento, propunha por isso para esse fim que se levantasse por meio de empréstimo a quantia de 9.824$000 réis, que em tanto foi orçada a despesa daquele edifício.» 

Cândido Ventura adquiriu a cadeia e os terrenos anexos e ali construiu o seu chalet. Praça da República/ R. Guerra Junqueiro. Foto 1920
A autarquia contraiu, então, dois empréstimos bancários, um de 9.862$070 réis e outro de 8.460$000 réis. Além do serviço da dívida bancária, a Câmara suportou também todas as despesas com o aterro da caldeira, ali existente.

Em 9 de Abril de 1874, realizou-se a cerimónia de lançamento da primeira pedra. A obra iniciou-se em 1 de Julho de 1878 e ficou concluída em 1879.

No dia 25 de Maio de 1879, o edifício da cadeia e tribunal foi inaugurado pelo Presidente do Conselho de Ministros, Fontes Pereira de Melo, na presença do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrade Corvo, do Ministro da Justiça, Couto Monteiro, do Procurador Régio, Faria d’Azevedo e demais entidades locais.

No dia 1 de Julho de 1879, a cadeia recebeu os primeiros presos.

Arco da porta principal do edifício. 1 de Julho de 1878, início da obra. 1 de Julho de 1879, recepção dos primeiros presos. 1 de Julho de 1967, inauguração das instalações dos Paços de Concelho.
O edifício é de planta rectangular, com um pátio interior a céu aberto, com um poço, já aterrado, e arco com sineta no telhado. A fachada principal é rematada por um frontão triangular, onde foi colocado um brasão, que se presume ter pertencido a Miguel Varela de Mascarenhas e que terá sido retirado da antiga cadeia, instalada numa propriedade daquele nobre. Na fachada destacam-se cinco varandas. O imóvel é uma construção em dois pisos, em que as linhas verticais da empena apareciam solenizadas, ao nível do telhado, por quatro remates piramidais, já desaparecidos. Aterrado foi o poço que existia no pátio interior.  

No rés-do-chão estavam instalados o cartório do escrivão, a casa do carcereiro, a casa de arrecadação, a repartição de finanças e dez celas para presos (homens). No 1.º andar estavam instalados o tribunal judicial e mais dez celas para presos (mulheres).

Em 1957, foi inaugurada a nova cadeia de Montijo.

O tribunal ali funcionou durante oitenta anos, até ser inaugurado o Palácio de Justiça, no dia 20 de Dezembro de 1959, pelo Ministro da Justiça Artur Varela.

Desocupado o edifício das suas funções originais, foi adaptado para receber a Escola Comercial e Industrial.

Construída a escola, o edifício passou então a albergar, a partir de 12 de Fevereiro de 1965 e em condições precárias, a Câmara Municipal, que ali se instalou definitivamente em 1967.

No dia 1 de Julho daquele ano, o Ministro do Interior inaugurou os novos Paços do Concelho e a Praça Gomes Freire de Andrade.
Ruky Luky 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A Caridade


A Santa Casa da Misericórdia
 
Igreja da Misericórdia, sede da Santa Casa da Misericórida.
A história do concelho de Aldeia Galega dá-nos a conhecer a existência de um rico movimento associativo de natureza religiosa, que se desenvolveu a partir do século XVI.
A importância da função e dos interesses religiosos originou a criação de confrarias, instituições de carácter fraternal, cuja acção assentava no culto divino, no sufrágio das almas e no auxílio mútuo, mas também em manifestações de carácter profano-religiosas. De tal sorte eram os excessos que pela Visitação dos Freires da Ordem de Santiago, 16 de Janeiro de 1571, se determinou que «nos dias de festa pellos grandes excessos qe se fazem no gasto do Comer A custa das Confrarias Mando que Da Qui endiante se não possa gastar mais a Conta da Confraria em festa alguma De dous mil rs».
 No final do século XV estava já constituída a Albergaria e, no século XVI, as Confrarias do Santíssimo Sacramento, de Nossa Senhora da Atalaia dos Barqueiros, do Hospital do Espírito Santo, de Nossa Senhora do Rosário, de S. João, de S. Pedro, dos Fiéis de Deus, da Misericórdia e da Purificação.
No início do século XVII, foi instituída a Irmandade do Bem-aventurado Mártir São Sebastião pelos mancebos solteiros de Aldegalega.
Eram estas confrarias que prestavam assistência à população e aos peregrinos.
A Confraria dos Pescadores, por exemplo, além da ajuda e assistência que prestava aos pescadores, quase todos sócios da Irmandade, organizava a festa anual de S. Pedro e outra promovida pelo seu círio na Ermida de Nossa Senhora da Atalaia.
Por sua vez, a Irmandade de Nossa Senhora da Purificação tinha por fim render cultos de veneração a Nossa Senhora da Purificação e prestar socorros espirituais e temporais aos indigentes.

Entre as invocações das confrarias de caridade, é de realçar a do Espírito Santo, que administrava o hospital.
O “Tombo do Hospital, Albergaria e Capelas de Aldeia Galega do Ribatejo, 1489 a 1501 anos” contém referências ao “provedor do hospital, capela e albergaria” e aos “confrades da albergaria”, que, preocupados em salvar as suas almas, praticavam o bem ao próximo.
Esta confraria, que não tinha estatutos, vivia das esmolas, doações e legados e destinava-se a auxiliar os peregrinos, embora acumulasse as funções de abrigo e hospital.
Porém, não existindo então outra associação em Aldeia Galega, a Albergaria teria por obrigação, na esteira da confraria instituída, em Lisboa, pelo Almirante Nunes Fernandes Cogominho e a sua mulher, D. Margarida Albernaz, no reinado de D. Dinis, «enterrar os mortos, visitar e socorrer os enfermos e os encarcerados e acompanhar os que iam padecer pelos crimes».
Estes princípios que se irão confundir com o ideário da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, apoiam a tese, segundo a qual, a Albergaria teria evoluído naturalmente passando a corporizar, no século XVI, a nova associação, que se tornou herdeira do seu rico património espiritual e material.

As Ruas da Misericórdia e do Hospital, no casco velho da cidade, lembram o nome e a importância da Santa Casa da Misericórdia. A fotografia captada, no séc. XXI, por altura das obras na via, remete-nos para o aspecto primitivo daquela artéria.
 
Não é possível precisar a data da fundação da Santa Casa da Misericórdia.
O Padre António Carvalho da Costa diz na sua “Corografia Portuguesa”, de 1709, que a “Igreja da Misericórdia se fundou no ano de 1533”, o que deixa supor que a Irmandade seria anterior.
O Padre Luís Cardoso, no “Dicionário Geográfico”, de 1745, toma aquela data como a da fundação da Irmandade, sendo seguido por Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, na obra “Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico”, de 1904.
A Provedoria da Santa Casa da Misericórdia de Aldeia Galega do Ribatejo, na resposta ao questionário formulado pela Administração do Concelho de Aldegalega, em 22 de Maio de 1885, indica o ano de 1520 e a “Relação das Irmandades e Confrarias Existentes no Concelho de Aldegalega do Ribatejo”, de 1841, refere-se ao ano de 1512, como tendo sido a data da fundação da Santa Casa da Misericórdia de Aldeia Galega do Ribatejo.
É natural que a Irmandade, que terá resultado da Albergaria, seja contemporânea da Misericórdia de Lisboa, embora só viesse a «guardar compromisso tirado pela Confraria da Misericórdia de Lisboa, cabeça que emanavam todas as demais casas de Confrarias de Misericórdia deste Reino de Portugal», a partir de 1589 e obtido confirmação real em 1625.

 Em 17 de Julho de 1571, a Irmandade recebeu a carta régia de D. Sebastião, que a autorizou a construir a sua Igreja e, em 1591, tinha concluído a construção do seu novo hospital.
Cabia à Santa Casa da Misericórdia prestar assistência aos desvalidos e peregrinos, quer recolhendo-os no seu Hospital quer dando-lhes esmola.
Em 1588, por exemplo, entre os meses de Agosto a Dezembro, o Tesoureiro deu de esmola cinquenta reis a um cativo, dois vinténs a um pobre francês, dois vinténs a um pobre castelhano e igual quantia a um peregrino e a um pobre italiano. Um estudante pobre recebeu meio tostão, “cinco cativos que vinham da terra dos mouros” receberam cento e cinquenta reis e um clérigo castelhano pobre teve de esmola cinquenta reis. Melhor sorte teve “uma mulher castelhana que o Provedor mandou agasalhar no hospital”, que recebeu de esmola cento e sessenta reis, uma vez que um cativo fora contemplado com trinta reis de esmola e um pobre italiano com dois vinténs.
 
Mais de cinco séculos contemplam a história da Santa Casa da Misericórdia de Montijo
 
  O Hospital da Misericórdia, que se situava na actual Rua do Hospital, era constituído por «huua casa diamteira e camara e na casa diamteira estão três leitos com três camas a saber em cada cama huu Almadraque e huu chumaço e huua manta e mais cinquo cubertas que se repartem por estas três camas. A casa he de pedra e caal e madeirada de castanho e cuberta de telha vaã (...) e na dita casa estaa huua chamine onde se aquentam os pobres. (Na camara) se recolhe o espritaleiro».
O primitivo hospital, que servia também de Albergaria acabou por ser vendido por setenta e cinco mil reis, em 1591, tendo a Misericórdia construído, de seguida, uma nova «albergaria e esprital em que se acolhem os pobres junto a Casa da Misericórdia». Segundo a Visitação dos Freires da Ordem de Sant’Iago, de 1614, «tem a ditta albergaria tres leytos e hu altar».
Mas, o apoio que concedia a indigentes e a pobres doentes era de tal modo considerável que, em 1643, pedia ao Arcebispo de Lisboa que «lhes faça esmola de conceder licença para que o páteo se benza e sejão sepultados os pobres que falecerem no dito hospital», porque «a Santa Casa tem seu hospital em que falecem muitos pobres e que a dita Santa Casa tem grande detrimento em os sepultar por não ter simitério separado para esse efeito (...)».
Era este pequeno hospital, com três camas e um altar, que servia de albergaria e amparo aos doentes, pobres e peregrinos, o único local de assistência pública à população aldeana.
Em 1860, a Santa Casa de Misericórdia, arrematou pela quantia de 188$000 reis duas casas adjacentes ao hospital, «para a construção de uma nova enfermaria para os doentes pobres».
Apesar dos esforços da Irmandade para bem servir a população, o hospital mostrava-se dia a dia desajustado às novas exigências da medicina, recorrendo-se então aos hospitais de Lisboa.
Em 1915, o General Madureira Chaves lançou um movimento de opinião para a construção dum hospital em Aldegalega, que, de imediato, recebeu o apoio da Câmara Municipal, que se dispôs a concorrer com a importância de mil escudos.
Acreditava o General que «quando Aldegalega altruísta, filantrópica e unida se convencer que, contando em si uma população de 10.000 habitantes, não possui ainda um hospital, embora modesto, (...) então o hospital, como outros melhoramentos, depressa começarão e se concluirão com aquele aprazimento de quem tem a consciência de que eziste n’este mundo para si e ... para os outros».
A ideia acabou por fenecer e as enfermarias da Santa Casa da Misericórdia registaram o seu último paciente em 12 de Janeiro de 1931.
 

Hospital da Santa Casa da Misericórdia, hoje, denominado Hospital de Montijo, à data da sua inauguração - 1954.
 
Em 1943, a Santa Casa da Misericórdia lançou a primeira pedra para a construção dum Pavilhão Hospital. O Provedor, Reverendo Padre Gomes Pólvora, dirigindo-se à população afirmou:
«Não há vaidades a pôr em foco, não há retaliações a fazer; há um amplexo forte e sadio a unir esta Mesa com todos os habitantes de Montijo, na mesma ideia de proteger a execução de tão útil melhoramento.
Precisa de tudo: - crítica ampla mas sincera aos seus actos, esmolas de todos, para que dessa união resulte alguma coisa de bom para Montijo».
Em Julho de 1954, foi inaugurado o novo hospital.
Volvamos agora à história da instituição.

O Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Aldegalega foi, até ao século XVIII, o verdadeiro mecenas da Irmandade, que, embora recebesse doações várias e pequenas esmolas, se sustentava da riqueza das famílias nobres e, nos séculos XVII e XVIII, também da taxa «dos barcos dos cais desta villa que são obrigados a pagarem a esta Santa Casa cada semana seis tostões, que soma em todo o ano 31.200 reis».
A decadência da nobreza em Aldegalega e, posteriormente, as Invasões Francesas provocaram uma grave crise na instituição, que não voltou a reencontrar a estabilidade financeira e administrativa, embora tenha prosseguido com as suas obras de misericórdia.
Em 1799, achava-se «a Igreja da mesma Misericórdia precisando de reforma por estar ameaçando ruína» e por isso, o Provedor enviou à Rainha D. Maria I uma petição requerendo a abolição dos vínculos da associação para «ocorrer às urgentes precisões da mesma».
O “Relatório das Contas 1807/1808” revela que a administração fora descuidada: as vinhas estavam abandonadas, os foros eram baixos e as propriedades estavam de tal modo degradadas «que se não forem logo reparadas se tornariam inabitáveis».
A situação financeira continuou a agravar-se e, em 1818, a Irmandade deixou de comemorar «o dia da Visitação de S. Isabel, orago da Santa Casa, cuja penúria ou antes falta de economia tem chegado a este ponto (...)».
Em 1836, declinou o convite feito pelo Governo Civil de Lisboa e pela Câmara Municipal para apoiar os presos, porque «não podia satisfazer o exigido por não ter meios para tal fazer (...)».
Quatro anos mais tarde, a Mesa propôs ao Capelão «em consequência da falta de meios (...) se ele podia fazer algum abatimento ao seu ordenado o que ele respondeu que nada abatia em consequência das suas circunstâncias por não ter outros meios de subsistência e ser o ordenado pequeno (...)», passando então os Irmãos Mesários a responsabilizarem-se pelo ordenado do capelão, «porque os rendimentos desta Confraria não são suficientes para esta sustentação, a Mesa se fintou propriamente, e a si mesmo (...)».
Numa derradeira tentativa para suster a crise e «tomando-se neste acto em consideração a falta de meios em que se acha a mesma Misericórdia para satisfazer as despesas essenciais e ainda mesmo as indispensáveis por falta de proventos e rendas da mesma Irmandade visto que nenhum outro rendimento possue do que uns pequenos e limitados foros (...) querendo a Irmandade reunida em volta da mesa que a representa conseguir os fins da sua instituição (...) resolveu por unanimidade dos votos dos irmãos presentes maioria absoluta da Corporação que cada um dos irmãos fica obrigado a contribuir de hoje para sempre quanto vivo com a quotização anual de duzentos e quarenta reis».
Apesar de terem participado sessenta e sete irmãos, dois anos mais tarde, em quatro de Julho de 1843, só o Provedor, o Escrivão e o Tesoureiro compareceram ao acto eleitoral, «para o que se tinha mandado avisar os Mesários actuais e toda a Irmandade».
Na impossibilidade de se constituir a Mesa, o Governador Civil nomeou, em 1844, uma Comissão Administrativa. Segundo o Administrador do Concelho a Santa Casa da Misericórdia estava ao abandono.
No entanto, por abnegação de alguns parcos Irmãos a Santa Casa foi subsistindo.
Em 1882, devido ao reduzido número de associados, foi enviada uma circular aos habitantes de Aldegalega solicitando-lhes que se inscrevessem como irmãos da «nobre e piadoza corporação».
Esvaía-se a Misericórdia, mais sofriam os deserdados da sorte.
Em 1841, mantinham-se erectas, em Aldeia Galega, as Irmandades do Santíssimo Sacramento, de Nossa Senhora da Purificação e do Senhor Jesus da Misericórdia.
No final daquele século, em ofício enviado ao Governador Civil de Lisboa, o Administrador dava conta da existência da Irmandade do Santíssimo Sacramento e da Santa Casa da Misericórdia, e retratava assim a situação das restantes:
«Na Igreja Matriz do Divino Espírito Santo existe uma capela da invocação de N.ª Sr.ª da Conceição, dos mareantes ou marítimos, com Irmandade, com compromissos aprovados em diferentes reinados, sendo o último no da Senhora D. Maria I, em 27 de Outubro de 1784. Hoje, pode considerar-se extinta, limitando-se há muitos anos os marítimos a fazerem no dia 8 de Dezembro de cada ano uma simples eleição do Juiz, Tesoureiro e Escrivão e mais festeiros que no ano seguinte festejam a dita Senhora.
Outra capela de Nossa Senhora da Purificação, dos terreanos, vulgo trabalhadores, instituída em 1607, que se regulava por um compromisso aprovado como acima, sendo o último no do Príncipe Regente, em 30 de Abril de 1807. Pode considerar-se extinta, limitando-se a uma eleição como os marítimos, no dia 2 de Fevereiro de cada ano e fazem a festa. [A instituição findou-se «por falta de irmãos», em 1911].
Existe outra capela dedicada a S. Pedro, privativa dos Pescadores, os quais imitam os marítimos e os trabalhadores e no dia 29 de Junho, fazem a eleição do Juiz, Tesoureiro, Escrivão e demais festeiros, que no ano seguinte hão-de festejar o Santo com o produto das quotas, que espontaneamente destinam em cada custo dos lucros de cada bote de pesca e das demais esmolas obtidas exclusivamente dos da sua classe. Nunca teve aparência alguma de Irmandade nem compromisso porque se regesse».
 Quebravam-se os laços de solidariedade cerzidos ao longo dos séculos pelas confrarias e o concelho debatia-se, em meados do século XIX, com uma grave crise económica e social.
Ruky Luky

 

domingo, 11 de novembro de 2012

Atalaia

O Cruzeiro-Mor de Atalaia
 
 
O Cruzeiro-Mor de Atalaia é uma construção do século XVI, com posteriores remodelações. De cunho quinhentista foi edificado em 1551 pela Confraria de Lisboa.[Foto actualidade]



No capitel do cruzeiro, do lado nascente, encontra-se esculpida uma imagem do Redentor crucificado, e, no lado poente, uma Nossa Senhora da Piedade, actualmente decapitada em virtude dos exageros políticos que se seguiram à implantação da República.[Foto déc. 80]

No cruzeiro podemos observar uma inscrição na base da cruz e outra na base de uma das colunas do lado poente, ambas alusivas à edificação do mesmo. [Foto déc. 60]

Texto de: Isabel Oleiro Lucas

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O Nome da Nossa Terra

Quantos nomes tem Montijo?


Aldeia Galega  terra dos gálios ou aldeia galega povoação com terrenos áridos e pouco produtivos? [Arredores de Montijo]
Em 1186, Aldeia Galega do Ribatejo era uma povoação ribeirinha constituída por coutos e herdades, quando D. Sancho I a doou aos cavaleiros da Ordem de Santiago de Espada.

Vários documentos referem-se ao nome de Aldeia Galega do Ribatejo, como o contrato celebrado por Johã martinz dormyas, em 22 de Dezembro de 1370.

Sobre a origem do nome dividem-se as opiniões. Há autores que sustentam, na esteira do Professor Rodrigues Lapa, que se denominava Galega por ter sido povoada por gálios (franceses), devido ao tipo de povoamento que ocorreu após a conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques, outros, porém, como o Professor José Landeiro defendem que o nome entrona nos vocábulos “galega”, que significa terreno áspero, charneca, campo bravio, e “aldeia”, pequena povoação. Aldeia galega seria, nesta acepção, uma povoação com terrenos áridos e pouco produtivos.

Conta o Padre António Carvalho da Costa, na sua Corografia Portuguesa (1709) que «a vila de Aldeia galega tomou o nome de uma mulher chamada Alda, a galega, por ser oriunda das partes da Galiza, a qual tinha uma venda junto ao porto. E como os passageiros apelidavam o termo da sua jornada, impunham por esta parte (ir) até Alda a galega; donde unido o vocábulo ficou Aldagalega».

O registo do Pe. António Carvalho da Costa é tido, hoje, como uma referência à lenda do nome da terra.

Entre a lenda e a história se embalou o nome de Aldea Galega ortografado, ao longo do tempo, ao sabor da inspiração: Alda Gallega, Aldea Gallega, Aldegalega, Aldaguallega do Ribatejo, Aldegalega, Dalda Gualega ou Aldeia Gallega do Ribatejo, como registou o Foral dado por D. Manuel I, em 15 de Setembro de 1514.

E tal era a confusão que, em 2 de Fevereiro de 1879, a Câmara Municipal deliberou que, doravante, se passasse a denominar Aldegalega.

Em 19 de Junho de 1881, duzentos e cinco ilustres cidadãos bramaram: “Basta de sarcasmos! Chamar Galega a uma povoação de sete mil verdadeiros portugueses, parece-nos um verdadeiro absurdo”, e requereram a El-Rei D. Luís que a terra se passasse a chamar Alda.

Alde'a Gallega, segundo o pintor Pier Baldi [ Séc. XVII]
Alda? Bem, nem todos estavam de acordo com este nome e, por isso, a história registou outras propostas: Linda Aurora do Ribatejo, Vila Flor, Vila Maior do Ribatejo, Aldegalega Lusitânia, Nova Lusitânia, Lusitânia e Vila Lusa. Mas, como ninguém se entendia, a terra continuou a chamar-se Aldegalega.

Em 1930, já não se tratava de uma aldeia, mas sim de uma pujante vila e correspondendo aos anseios dos seus moradores, Carlos Hydalgo Gomes de Loureiro, Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Aldeia Galega do Ribatejo, requereu, no dia 5 de Fevereiro, a mudança de nome para Montijo, nome ancestral da península e do antigo porto.

Em 28 de Maio do mesmo ano, Carlos Hydalgo Loureiro justificava-se aos seus pares:
«Consegui, excelentíssimos colegas, friso-o com orgulho, que o livro “Coisas da Nossa Terra” fosse lido por vários ministros e devido a essa leitura, os mortos também mandam, satisfez, em parte, o Governo os ardentes desejos dos nossos maiores. Não mais, legalmente, se chamará a esta terra Aldeia Galega do Ribatejo.»

A proposta foi sancionada pelo Decreto nº. 18434, e a partir do dia 6 de Junho de 1930, a vila e o concelho de Aldeia Galega do Ribatejo passaram a denominar-se Montijo.

Escadaria dos Paços do Concelho

A mudança do nome não foi acompanhada com o mesmo entusiasmo por todos os sectores da população.
José Quaresma, no seu livro “Albergaria, Hospital, Misericórdia, protestou:
«Minha velha Aldeia- Galega!... Afeito a sempre te ouvir chamar, a minha ternura de filho buliu quando de estranhável nome te alcunharam.
Porque é que os corifeus da ideia, os porta-novas desembarcados por acaso, os absolutistas conchos e trapolas e os que planearam o atropelo, não perguntaram a quem de direito, ao povo, aos filhos desta terra, - como mandava o mais comezinho decoro – se estava de acordo com a mudança?
Se assim tivessem precedido, talvez que o intruso paspalho tivesse sido relegado para o seu lugar, para as funduras das inutilidades perenes.
Mas não foi assim.»

Ruky Luky