quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Dito e (não) Feito

Parece ser de elementar bom senso exigir-se que a deslocalização de uma infra-estrutura tão importante como um cais de passageiros seja acompanhada de rigorosos estudos que prevejam os impactos positivos e negativos que a medida possa causar e, se for caso disso, apontem também as medidas que os deverão compensar.
Sabe-se, hoje, que a decisão de deslocalização do cais para o Seixalinho foi tomada empiricamente, e, pela qualidade gelatinosa dos argumentos então aduzidos pelos principais “agentes da mudança”, alguns dos quais entraram no anedotário concelhio, alcança-se a presunção de que nem sequer a ideia da mudança estava maturada.

Surpreendidos pela força da erupção do debate popular, os políticos e autarcas socialistas fundamentaram assim, num primeiro momento, as razões da deslocalização:

O presidente da comissão política concelhia do       Partido Socialista, José Bastos, aliou à deslocalização do cais para o Seixalinho as seguintes vantagens:

1.      A transferência do Cais dos Vapores para o extremo poente da cidade, zona do Seixalinho, com um interface de qualidade, resolverá o grave problema do estacionamento com as seguintes vantagens: alarga-se o perímetro da cidade, que continua a ter aspecto de vila.

2.      O parque de estacionamento do Cais dos Vapores ficará livre para quem nos vier visitar. No casco velho não estacionarão mais carros cujos proprietários vão apanhar o barco para Lisboa.

3.      O interface do Seixalinho ligado à circular externa contribuirá para o desenvolvimento de uma zona de qualidade a Poente da cidade.

4.      O facto de se tratar de um interface de interesse regional para servir vários concelhos poderá ser argumento para pedir ao governo que construa a circular externa.

5.      Se os barcos ficarem no Cais do Seixalinho evita-se que os barcos com a forte ondulação que provocam continuem a destruir as salinas e provoquem o desaparecimento das mesmas.

6.      Melhora a vida dos poucos pescadores profissionais que ainda existem, pois a forte ondulação prejudica a faina da pesca.

7.      Um interface de qualidade a 20 minutos da baixa da capital poderá ser aproveitado para desenvolver o turismo do Concelho, porque «as pessoas que utilizam os barcos já têm tempo para tudo, até para fazerem compras, o que vem beneficiar o comércio local. É neste sentido que penso que a transferência dos barcos para o Seixalinho poderá, se bem aproveitada, trazer para o nosso concelho e para a nossa cidade um novo tipo de comércio baseado no turismo.»

8.       A Câmara poderá publicitar os barcos noutras regiões em colaboração com a indústria hoteleira e com o comércio em geral e assim tornar o Concelho um ponto a ser visitado por turistas do País e do estrangeiro.

9.      As despesas com o transporte de ida e volta para o Seixalinho têm de ser negociadas com a Transtejo entrando-se em conta os benefícios que esta empresa tem com a transferência do Cais.

10.  Construção de um pontão para se constituir uma reserva de água na zona da Lançada e pôr caldeiras a funcionar e nunca mais haverá assoreamento do rio.

Por sua vez, o vereador Nuno Canta alegou:

1.      É uma solução para resolver uma série de problemas de acessibilidades à cidade.

2.       Aumenta a comodidade dos passageiros.

3.      Incrementa melhorias nos transportes colectivos e diminui a utilização abusiva do automóvel particular.

4.      O Laboratório Nacional de Engenharia Civil deverá avançar com um estudo para apurar dados sobre o assoreamento da cala junto ao Cais dos Vapores.

5.      Vai permitir fortificar as margens do rio e construir uma grande avenida marginal, com um largo passeio pedestre, ao longo da cidade.

6.      Evita a extinção dos barcos, como já aconteceu com Alcochete.

7.      O movimento das ondas do catamarã é responsável pela derrocada dos muretes de sustentação das salinas.

Quando participou no debate, a presidente da Câmara Municipal de Montijo, Maria Amélia Antunes, propugnou:

1.      A transferência do Cais dos Vapores para o Cais do Seixalinho é uma medida estruturante.

2.      Resolve os problemas do estacionamento, do tratamento da zona ribeirinha e suas edificações, dos acessos mais qualitativos para Lisboa e o problema do trânsito no interior da Cidade.

3.      Possibilita a deslocação da actual estação de camionagem junto do Mercado Central para uma zona terminal que dê melhores vantagens aos passageiros dos transportes colectivos.

4.      O Cais dos Vapores será destinado a zona de lazer, com uma escola de aprendizagem de vela e desportos náuticos.

5.      Trará melhor qualidade de vida para os montijenses.

6.      Há muita gente das freguesias do concelho e de locais como o Pinhal Novo, Moita, Alcochete e até Vendas Novas que se desloca ao Montijo para apanhar o barco para Lisboa. Para essas pessoas é mais fácil seguirem para o Cais do Seixalinho, já que não entram no centro da cidade onde há mais trânsito.

Bem avisado andava o aldeano de boa têmpera, o senhor César Ventura, quando escreveu que:
«(Deslocalizar o cais para o Seixalinho) será destroçar o povo do Montijo, tirando-lhe a comodidade que tem há mais de 100 anos: possuir carreiras, pode dizer-se, dentro de casa. Seria destroçar o resto do pouco comércio que ainda existe na Rua da Ponte, na Praça da República e todas as ruas em volta; seria pôr o rio inavegável junto à Ponte, com os lodos a aumentarem arrasando a cala. Não nos tirem os catamarãs a poucos minutos das nossas casas. Hoje vêm centenas de turistas visitar-nos devido à localização da gare; se fosse no Seixalinho não vinha um. Poucas cidades do mundo têm tal privilégio de ter o cais “dentro de casa”. Ir seria o último golpe para o descalabro e para a ruína da cidade de Montijo.»

 Ruki Luki

O Imenso Adeus ao Cais dos Vapores - “Montijenses, alerta!”

    Cais dos Vapores

1998

31.01 – César Ventura - «Montijenses, alerta! Consta que a TT – Transtejo e outras entidades nos querem tirar o único privilégio que temos como Montijenses: as carreiras fluviais dentro do Montijo. Em proveito de quem? De pessoas completamente alheias aos interesses do Montijo e da sua população. Querem obrigar-nos a utilizar transportes colectivos, ou carros próprios – com notável acréscimo de despesas – em bichas e safanões e toda uma gama inteira de incomodidades numa viagem até ao Seixalinho.»

7.03 – O presidente da comissão política concelhia do Partido Socialista, José Bastos, em coordenação com o Executivo Municipal liderado por Maria Amélia Antunes apresenta publicamente o interface de passageiros no Seixalinho, justificando que «só a transferência do Cais dos Vapores para o extremo poente da cidade, zona do Seixalinho, com um interface de qualidade, resolverá este grave problema (o do estacionamento) com as seguintes vantagens: alarga-se o perímetro da cidade, que continua a ter aspecto de vila. O parque de estacionamento do Cais dos Vapores ficará livre para quem aqui vier ou nos visita. No casco velho não estacionarão mais carros cujos proprietários vão apanhar o barco para Lisboa. O interface do Seixalinho ligado à circular externa contribuirá para o desenvolvimento de uma zona de qualidade a Poente da cidade. O facto de se tratar de um interface de interesse regional para servir vários concelhos, poderá ser argumento para pedir ao governo que construa a circular externa, pois a sua construção por parte do município, pelo menos a curto prazo é de impossível concretização por falta de meios financeiros. Se os barcos ficarem no Cais do Seixalinho evita que os barcos com a forte ondulação que provocam, continuem a destruir as salinas e provoquem o desaparecimento das mesmas. Melhora a vida dos poucos pescadores profissionais que ainda existem, pois a forte ondulação prejudica a faina da pesca. A existência de um cais a 20 minutos da Baixa de Lisboa, num transporte cómodo e agradável, contribui para que milhares de pessoas da região que utilizam este meio de transporte aumentem o turismo de restauração no Montijo.»

21.03 - Jaime M.P.Crato – «O Cais dos Vapores, pelo que representa para os Montijenses e para sua história, é uma peça fundamental da alma da cidade e o seu (possível) encerramento chocará com o que há de mais profundo na memória do Montijo. Sendo uma decisão polémica não deixará de abrir, certamente, chagas no tecido social e, por isso, se recomenda prudência e cautela e se aconselha que se afastem dos actos de puro voluntarismo, quiçá caprichosos, desfasados no tempo. Há, desde logo uma primeira razão para recebermos com cepticismo a mudança do cais. De facto, tratar-se-á de uma decisão de vulto, que não poderá basear-se em juízos apriorísticos e empíricos e, até hoje, não se conhece qualquer estudo técnico-científico sobre a recuperação da zona ribeirinha, influência das marés e do depósito dos lodos. Por outro lado, esconde-se que haja alternativas ao projecto de mudança. A proposta de construção de um interface no Seixalinho ignora qualquer estudo sobre a articulação dos transportes fluviais e rodoviários e o serviço que se tornará imperioso prestar aos bairros e freguesias do concelho, nem se debruçou sobre os potenciais impactos que a abertura da Ponte Vasco da Gama poderá ter sobre a utilização da travessia fluvial. A proposta do interface do Seixalinho nem se preocupa sequer com a ferrovia e com a possibilidade do Metro chegar ao Montijo. O que não é de admirar porque, como se disse, não se conhecem estudos sobre o complexo sistema de transportes nas sociedades modernas, mormente no Montijo.»

28.03 – Cipriano Pisco – «A decisão de transferir os barcos para o Seixalinho também levanta outros problemas, entre os quais o assoreamento cada vez maior do rio. Muitos montijenses da minha geração, e mais antigos, foram ao banho ao Moinho Velho, às escadinhas, à doca do peixe, ou ao cais onde atracavam o «Flecha», o «Zagaia» ou o «Montijense». Víamos passar as fragatas com os fardos de cortiça para Lisboa, as fragatas que descarregavam o lixo no Porto da Lama, ou o petroleiro da Mobil. O rio era navegável quase até ao Moinho da Lançada, mas actualmente chega ao cais dos barcos e não se pode ir mais além. Sabe-se que a draga vem abrir mais a cala quase todos os anos. Depois como será, ficará o rio inavegável do Cais do Seixalinho para cima?»

29.03 – Inauguração da Ponte Vasco da Gama

4.04 – Carlos Fradique – «O PS, na oposição, era contra os barcos no Seixalinho, agora no governo da Câmara já quer mudá-los para lá. Não nos parece haver necessidade nem justificação para deslocar os barcos para o Seixalinho, o que a concretizar-se seria um retrocesso na implementação de um novo, eficiente e moderno esquema de transportes a criar na nossa terra.»

11.04 – Filipe Carrera – «A mudança da estação fluvial de Montijo para o Cais do Seixalinho é uma opção que poderá ter mais custos que proveitos. Para além do custo acrescido da construção das novas infra-estruturas, os mentores deste projecto revelam uma perfeita insensibilidade em política de transportes, partem do seu caso pessoal e daí generalizando. Nem todos os montijenses têm possibilidades monetárias de sustentar esta mudança, dado esta implicar um aumento de despesas nos orçamentos familiares, quer para aqueles que tenham que ir de carro para o Seixalinho, quer para aqueles que tenham de utilizar os transportes públicos, dado o futuro cais se localizar numa zona em que quase ninguém irá a pé do Cais dos Vapores para o Seixalinho.»

Rui Jorge Aleixo – «Para quem não usa o barco como meio de transporte é fácil pedir que este seja mudado para o Seixalinho, para a ponta da Base Aérea nº 6, ou para outro local qualquer. A mudança do barco para o Seixalinho parece só interessar à Transtejo, que deixará de financiar a dragagem deste braço do rio, que gastará menos combustível nas carreiras. É pois importante não deixar que outros, aqueles que não andam de barco, decidam por aqueles que dele necessitam diariamente.»


                                           Acesso ao Cais dos Vapores - 1993.

18.04 – José António Gaspar – «Conheço as zonas ribeirinhas com alguma saudade, como os moinhos, as docas, o cais, a quebrada, a ponte do muro, as zonas onde íamos ao banho, etc. É sabido que esta terrinha à beira rio plantada foi aos poucos perdendo vida. Por força do progresso acabaram-se as fragatas que transportavam as mercadorias (refira-se que é uma pena não termos recuperado uma para aproveitamento turístico do nosso rio), a faina piscatória diminuiu (já são poucos os que resistem com algum estoicismo, estando ainda sujeitos a serem deslocados para o Cais do Seixalinho).Quem conhece o rio sabe que este por ter pouca corrente, ao não ser navegado, o lodo vai-se acumulando no fundo do leito, enquanto que a movimentação das águas originadas pela passagem dos barcos contraria esse assoreamento natural. Na margem norte, os barcos iam à Mobil, Robinson, Mundet e ao cais do Queimado e Tertejo com os cereais, mas o assoreamento destas zonas foi-se acentuando quando os barcos deixaram de utilizar aquela cala, e hoje são a prova (do que poderá acontecer à cala do Cais dos Vapores). Fazendo uma alusão à margem sul do rio, gostava de lembrar que antigamente os barcos navegavam na cala velha (em frente ao Cais dos Vapores), a sul do murraçal e pela cala de Sarilhos, depois foi feita a cala nova que é a actual, e, de então para cá, se compararmos com o antigo percurso temos a imagem como poderá ficar o nosso rio se os barcos passarem para o Seixalinho, como alguém que se julga dono da verdade absoluta sugeriu. Uma coisa é certa, os verdadeiros amigos desta terra que me viu nascer podem contar comigo para enfrentar esta batalha para que não deixem morrer o rio.»

Manuel Carreira (M.C.) – «Um projecto desta envergadura terá forçosamente várias componentes e diversas frentes de estudo, e não só. Eu sinceramente penso que nada será feito sem não haver antes um estudo profundo e aturado sobre tão sério como necessário empreendimento. Também muito sinceramente acredito no interface do Seixalinho como a resolução para alguns problemas, tão graves na nossa cidade, nomeadamente como a grande falta de estacionamentos e o aumento de trânsito, quase já insuportável no núcleo central/litoral da nossa cidade. Quanto ao assoreamento que alguns dizem inevitável (também penso que sim) entre o Seixalinho e o recente Cais dos Vapores (concretamente) tal obrigará necessariamente a um estudo (esquema) de limpeza que quem de direito, decerto, não descurará em todo e em complementação ao estudo que todo o projecto obrigatoriamente envolve.»

24.04 – A Comissão Política Concelhia do Montijo do PSD debate a transferência do cais para o Seixalinho concluindo que «a solução actualmente existente não está de todo esgotada e que a solução apresentada pelo PS é uma solução cara, tanto para o município como para os utilizadores do barco, que não irá melhorar em nada a qualidade de vida dos montijenses, pois ver-se-ão privados de um transporte de grande qualidade, localizado no centro da cidade.»

25.04 –M.C. Moreira da Costa – «Considero uma medida de grande alcance para o futuro a construção de um terminal fluvial no Seixalinho, com qualidade e a 20 minutos de Lisboa. Pessoalmente trabalho em Lisboa e utilizo o barco. Resido numa urbanização junto ao «Modelo». Quando se der a transferência para o Seixalinho não necessito mais do que cinco minutos (para estacionar e alcançar o barco) antes de chegar a Lisboa  20 minutos depois.»

Norberto Gaspar – «Se o Interface do Seixalinho é bom para o Montijo, justifique-se. Se ao contrário, não traz vantagens, então denuncie-se. E só então ponderados todos os prós e contras se opine então. Estando já como certo ser a Câmara a iniciar todo o processo prático, seria útil começar-se já a pensar em organizarem-se debates públicos, previamente agendados, para se falar sobre tão controverso assunto. Aqui não basta querer, é preciso, antes de tudo mais, saber.»

2.05 – Constituição da Comissão de Utentes do Barco.

 Fernando de Oliveira Caçador – «A mudança de embarque dos passageiros para o Seixalinho traria muitos graves problemas para a população do Montijo e neste caso a única entidade beneficiada seria a Transtejo, pois que para além de não gastar uns milhares de contos todos os anos com a dragagem da cala, ainda pouparia metade do combustível para os barcos. E mais, pergunto eu, teriam os utentes transportes suficientes a tempo e horas? Assunto tão melindroso a Câmara (não devia) resolver sozinha, terão que ser ouvidas as populações em geral. Se a Câmara não é a principal responsável, então que se imponha junto de quem de direito para que se não continuem a fazer asneiras, mais do que aquelas que se têm feito nesta terra.»

9.05 – A Comissão Política Concelhia do Montijo do Partido Comunista Português, em debate no auditório da Biblioteca Municipal, «junta a sua voz aos que exigem justificadamente à Câmara Municipal que abandone o projecto de transferência para o Seixalinho do actual cais de passageiros” e defende o alargamento do parque de estacionamento do Cais dos Vapores e que se inicie a construção da circular de saída do Montijo, numa primeira fase do Cais dos Vapores à Mundet e na fase seguinte até ao Apeadeiro de Sarilhos.»

22.05 – Vereador Nuno Canta (PS) - (a transferência do Cais dos Vapores) «é uma solução para resolver uma série de problemas de acessibilidades à cidade, para aumentar a comodidade dos passageiros, incrementar melhorias nos transportes colectivos e diminuir a utilização abusiva do automóvel particular. (...) o Laboratório Nacional de Engenharia Civil deverá avançar com um estudo para apurar dados sobre o assoreamento da cala junto ao Cais dos Vapores». (Não há uma ligação sentimental da cidade ao Cais dos Vapores porque este é) «relativamente recente.» (Promete que a deslocalização do cais vai permitir fortificar as margens do rio e construir uma grande avenida marginal, com um largo passeio pedestre, ao longo da cidade).

30.05 – César Ventura – “ (Deslocalizar o cais para o Seixalinho) será destroçar o povo do Montijo, tirando-lhe a comodidade que tem há mais de 100 anos: possuir carreiras, pode dizer-se, dentro de casa. Seria destroçar o resto do pouco comércio que ainda existe na Rua da Ponte, na Praça da República e todas as ruas em volta; seria pôr o rio inavegável junto à Ponte, com os lodos a aumentarem arrasando a cala. Não nos tirem os catamarãs a poucos minutos das nossas casas. Hoje vêm centenas de turistas visitar-nos devido à localização da gare; se fosse no Seixalinho não vinha um. Poucas cidades do mundo têm tal privilégio (de ter o cais “dentro de casa”). Alerto os montijenses: formem uma Comissão em defesa dos seus interesses, principalmente quanto à Ponte dos Vapores e à sua permanência. Estarei sempre presente”.

Rui Aleixo – «A proposta de mudança do Cais dos Vapores, pelo seu alcance e impacto no quotidiano montijense, bem merece ser referendada. Deve ser o Povo a decidir. Os interesses que estão em jogo ultrapassam os interesses partidários e poderão colidir com o futuro do Montijo. Espera-se assim que os partidos políticos e os cidadãos independentes que nos representam nas Assembleias das Autarquias, se despojem das bandeiras partidárias e ergam a bandeira do Montijo, e, sem tibiezas ou má-fé, implementem a realização de um Referendo. Deixem que os Montijenses digam o que querem. Vamos a votos!»

6.06 – José Bastos – «Um interface de qualidade a 20 minutos da baixa da capital poderá ser aproveitado para desenvolver o turismo do Concelho. A Câmara poderá publicitar os barcos noutras regiões em colaboração com a indústria hoteleira e com o comércio em geral e assim tornar o Concelho um ponto a ser visitado por turistas do País e do estrangeiro. Para chegar ao Seixalinho em transporte rodoviário é necessário estudar carreiras de autocarro de preferência a electricidade. As despesas com o transporte de ida e volta para o Seixalinho têm de ser negociadas com a Transtejo entrando-se em conta os benefícios que esta empresa tem com a transferência do Cais. Vamos construir um pontão para conseguirmos uma reserva de água na zona da Lançada e pôr caldeiras a funcionar e nunca mais haverá assoreamento do rio.»

13.06 – M.Guerreiro -«Da leitura comparativa das vantagens e inconvenientes para os utentes das carreiras fluviais e para a cidade do Montijo, referentes aos dois cais fluviais resulta como mais adequada ao desempenho da função a localização do actual Cais dos Vapores , devido por um lado, ao maior número de vantagens que usufruem os utentes, como sejam: a menor utilização dos meios de transportes terrestres, o menor número de transbordos, a boa acessibilidade a pé e fundamentalmente pela sua centralidade na área de influência do Montijo, por outro lado, no proveito que proporciona à própria cidade do Montijo, a permanente manutenção da navegabilidade do rio que lhe garante a sua  acessibilidade em um maior ritmo de vida e animação no centro da cidade aquando das chegadas e das partidas.»

Pinto Carreira - «A mudança para o Seixalinho acarreta mais custos ao preço das deslocações. Dificulta o acesso a velhos e crianças e a todos, num futuro próximo, vai provocar insegurança. Por sua vez quer o comércio citadino quer o fluxo turístico se iria ressentir de forma excepcionalmente vincada.»

Rui Jorge Aleixo - «Ser contra o Cais do Seixalinho não é ser contra o progresso, é antes do mais ser contra a ideia única do Seixalinho. O Futuro e o Progresso não são exclusivamente o Seixalinho. A mudança do Cais dos Vapores para o Cais do Seixalinho, a ter lugar, só deverá ser efectuada se se demonstrar, através de estudos técnicos, que é necessária e é a única alternativa e, neste caso, após estarem realizadas um conjunto de infra-estruturas, nunca antes, pois corremos o risco de ficarmos sem barco, sem circulares externas, sem pontões e sem Montijo.»

19.06 – Rui Aleixo propõe a realização de uma Assembleia de Freguesia para debater a questão «Cais dos Vapores ou Cais do Seixalinho? Que razões para a mudança?» por considerar que se estava a desenrolar uma discussão pública e que não era curial que os órgãos autárquicos se demitissem da mesma não esclarecendo cabalmente as populações.

20.06 – A Transtejo realiza um inquérito para saber a opinião dos passageiros sobre a mudança do cais para o Seixalinho, oferecendo uma caneta “Parker” a todos os que responderam ao inquérito. A empresa recusou-se posteriormente a divulgar os resultados remetendo as responsabilidades para a Direcção-Geral dos Transportes Terrestres.

Rui Aleixo - «Está por demonstrar que a opção Seixalinho é a única e a mais válida, que se não trata de um projecto pessoal, que, por ora, a maioria da população rejeita e não percebe nem os contornos nem as finalidades. Todos gostaríamos que, num passe de mágica, o rio fosse despoluído, a zona ribeirinha recuperada e a alegria voltasse àquelas paragens. Mas todos nós sabemos que os sonhos políticos só se convertem em realidade quando há capacidade financeira para os realizar e, em democracia, têm a concordância do povo. Por ignorância só temos dúvidas em relação ao projecto verbal de mudança do Cais do Seixalinho. E tornamo-nos cépticos quando não encontramos uma única resposta a todas as dúvidas que se levantam e dia a dia deparamos com as promessas fáceis da construção de um mundo novo a bordejar o Montijo.»

27.06 – Acácio Dores - «Seixalinho – Sim ou Não? Talvez, mas a seu tempo (...) Receamos muito seriamente que à problemática do interface do Seixalinho, dada a dinâmica que o poder autárquico socialista lhe está a imprimir, se venha a aplicar o conhecido ditado popular o qual cadelas apressadas dão à luz cachorros cegos. Não somos velhos do Restelo, nem impermeáveis às inovações. Bem pelo contrário. Não excluímos que a hipótese do interface do Seixalinho poder vir a justificar-se com uma evolução demográfica e urbanística que o torne necessário. Mas não já, nem a qualquer custo. Que o problema seja ponderado e, insistimos, honestamente estudado.»

César Ribeiro Ventura – «Chegou-se a uma conclusão onde o bom senso predominou numa maioria do povo montijense: NÃO DEVEM D’IR (para o Seixalinho). Ir seria o último golpe para o descalabro e para a ruína da cidade de Montijo. Pois, Senhora Presidente, está na hora H, chegou o momento, depois de estar provado o grande disparate que seria deslocar uma população de 40 mil pessoas todos os dias e todos os horários 8 quilómetros para ir a Lisboa, tendo a população do Montijo, há mais de cem anos, pode-se dizer, o barco dentro de casa. Para pôr termo a tal caso, que certo senhor levantou, o povo do Montijo espera de V.Ex.a. um não categórico à ida dos catamarãs para o Seixalinho. A bem do Montijo.»

Ruki Luki


terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Cultura, A Culpa é da Crise?


A Câmara Municipal de Montijo reconheceu, já em 2002, que a Biblioteca Municipal Manuel Giraldes da Silva é uma «biblioteca tradicional que necessita de ser repensada de forma a torná-la mais activa, dinâmica e apelativa».  

«As questões relacionadas com as actividades culturais e de fruição de tempos livres são questões incontornáveis em qualquer processo de mudança social de uma dada comunidade, fazendo parte dos processos de desenvolvimento a ela associados», lê-se no capítulo dedicado à “Cultura, Desporto e Ocupação de Tempos Livres”, in “Diagnóstico Social do Concelho de Montijo, 2002”.

O documento alertava para que «Deve, ainda, ter-se em conta a proximidade geográfica de Lisboa que, em termos de oferta cultural, apresenta um forte poder polarizador no contexto da AML e do próprio país, não facilitando um desenvolvimento diversificado da cultura no concelho de Montijo. A arte dos dirigentes locais em produzir processos de planeamento das actividades culturais e de fruição de tempos livres reside, muito especificamente, na forma como tornar este condicionamento exógeno provocado pela centralidade de Lisboa, numa potencialidade para o desenvolvimento cultural do município. Neste contexto, deverá ser traçado um plano concelhio que incorpore uma visão metropolitana, articulada com os diferentes eixos estratégicos das políticas culturais dos concelhos limítrofes. Se existe área problemática onde produzir um plano local sem uma visão global é uma acção condenada, à priori, essa área é, sem dúvida, a cultura.

Ao referir-se aos equipamentos culturais o Diagnóstico refere-se à recuperação do Cinema Teatro Joaquim de Almeida, e às potencialidades de dinamização cultural que então se abriam, e acrescentava que «Esta recuperação é acompanhada da projecção de um outro espaço cultural, este construído de raiz – Casa da Música – que tem como objectivo principal promover a área específica da música em consonância com uma já longa tradição concelhia, gerada pela figura emblemática do maestro Jorge Peixinho.»

«O que o concelho possui, actualmente (2002), em termos de equipamentos culturais restringe-se a uma Biblioteca Municipal, cuja capacidade de expansão física é nula, o que a torna bastante limitada, e cuja diversidade de obras disponibilizadas para consulta está muito aquém daquilo que um concelho como o do Montijo exige, como muitos jovens no ensino secundário e superior. É uma biblioteca tradicional que necessita de ser repensada de forma a torná-la mais activa, dinâmica e apelativa. Importa, igualmente, criar pólos da biblioteca municipal disseminados pelas freguesias do concelho, criando, desta forma, uma rede de leitura pública. No momento em que o DS do concelho é ultimado, apenas existe um pólo da Biblioteca Municipal localizado na freguesia de Afonsoeiro, estando todas as outras (6 freguesias) a descoberto.»
                                                       Sala de leitura da Biblioteca Manuel Giraldes da Silva

«Em termos de museus a situação é semelhante, ou seja, muito deficitária existindo apenas o Museu Municipal, e os Museus Agrícola e de Arte Sacra situados na freguesia de Atalaia. Neste ponto, a necessidade de tornar os museus mais dinâmicos, interactivos, repensar os horários de funcionamento, criar espaços de convívio no interior dos museus, é em tudo semelhante às necessidades sentidas para a Biblioteca Municipal.»

Dez anos passados, o que foi realizado?

A Biblioteca Municipal Manuel Giraldes da Silva, «cuja diversidade de obras disponibilizadas para consulta está muito aquém daquilo que um concelho como o do Montijo exige (e) é uma «biblioteca tradicional que necessita de ser repensada de forma a torná-la mais activa, dinâmica e apelativa» reduziu por completo a oferta de novos livros, suspendeu a leitura de diários e periódicos, transformou-se numa mera sala de estudo para os alunos do secundário e é, hoje, um equipamento cultural anacrónico.
É certo que foram criados novos pólos da Biblioteca em várias freguesias, mas A Biblioteca Municipal Manuel Giraldes da Silva, está « muito aquém daquilo que um concelho como o do Montijo exige» (e) é uma «biblioteca tradicional que necessita de ser repensada de forma a torná-la mais activa, dinâmica e apelativa».

Dez anos depois, nada se modificou, pelo contrário, apesar de a Câmara Municipal de Montijo defender que «Uma biblioteca pública contribui de forma importante para o desenvolvimento e prossecução de uma sociedade democrática na sua qualidade de fornecedora de acesso a um vasto e diversificado conjunto de conhecimentos disponíveis para todos em igualdade sem qualquer tipo de discriminação. Por isso é importante que a Biblioteca Pública proporcione o acesso aos novos suportes de informação disponíveis reflectindo as tendências actuais e a evolução da sociedade desenvolvendo os serviços audiovisuais, permitindo o acesso remoto à informação e procurando integra-la num sistema que permita ao utilizador seleccionar e localizar a documentação do seu interesse para que, posteriormente, a possa solicitar, se assim o pretender.
Assim quando falamos de biblioteca pública estamo-nos a referir a um espaço aberto à comunidade em que se insere e à qual disponibiliza serviços, nomeadamente:
- Serviços de leitura: que se prendem com a leitura presencial, a consulta de jornais, revistas e documentos audiovisuais, acesso à internet e o empréstimo domiciliário (…)»

É caso para se dizer, bem prega Frei Tomás!


                                                          Interior do Museu Agrícola de Atalaia

A oferta cultural, que sempre primou por um “elitismo provinciano», que ignorou o público real a que se destinava, a interligação com os vários agentes concelhios e os actores locais, está marcada por espectáculos cancelados, por falta de público, e, no caso do funcionamento dos museus e da Galeria Municipal, por horários semelhantes aos dos serviços públicos, durante a semana, estando encerrados aos fins-de-semana e nos feriados.

Não há, realce-se, um verdadeiro museu municipal. Há, no bom sentido do termo, algumas exposições permanentes a que a propaganda apelida de museu. Basta dar um salto à denominada Casa Mora para nos apercebermos do conceito de museu de que se fala.

A Casa da Música Jorge Peixinho é uma promessa para ser cumprida nas calendas gregas.

Quanto ao cinema Teatro Joaquim de Almeida, um verdadeiro “elefante branco, no modo como é gerido, mantém as suas portas “emperradas”  aos actores montijenses, a tal ponto que só alguns anos após a sua inauguração, e quando já se verificava que não conseguia atrair público, se permitiu que as escolas passassem a utilizar aquele espaço. Basta olhar para as alcatifas do teatro, bem cuidadas, é certo, para nos apercebermos do uso que o cinema (não) tem tido.

No que respeita a traçar-se «um plano concelhio que incorpore uma visão metropolitana, articulada com os diferentes eixos estratégicos das políticas culturais dos concelhos limítrofes» as iniciativas quedaram-se pela adesão à Artemrede e ao apoio à Orquestra Metropolitana de Lisboa.

A descentralização cultural para as freguesias é residual, praticamente inexistente.

Quanto ao apoio aos actores locais, o episódio, que passamos a transcrever, dá a verdadeira dimensão do respeito que há por quem, sem usufruir de apoios municipais, continua a investigar e a editar com recurso ao parco património pessoal:

«O Dr. Mário Balseiro questionou sobre uns livros que vendeu para a Biblioteca e até à presente data ainda não recebeu, são três exemplares da Tese, três exemplares das Visitações da Ordem de Santiago e três exemplares da Monografia de Alcochete.
A Senhora Presidente disse que desconhecia em absoluto a situação exposta, e que os livros iriam ser devolvidos e iria ser aberto um processo de inquérito para averiguar e apurar responsabilidades.» (in Acta da Reunião da CMM, de 2.09.2009).

A crise da cultura, em Montijo é, também, o corolário do défice democrático e de liberdade vivido no município.

 Ruki Luki

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Escravos, Negros e Índios, em Aldeia Galega do Ribatejo

Vista actual da cidade de Lagos, onde Gomes Eanes de Zurara
                                descreveu, em 8.08.1443, o desembarque  de 235 escravos.

«Qual o coração, por duro que fosse, que não ficasse pungido, vendo aquele acontecimento?», Interroga (-se) Gomes Eanes de Zuarara ao testemunhar o desembarque de duzentos e trinta e cinco escravos, levado a cabo no dia 8 de Agosto de 1443.

Confessa o cronista, que chorou perante o quadro que se desenrolava na praia de Lagos, que, à medida que os escravos iam desembarcando, via-se que «uns estavam cabisbaixos e com os rostos lavados em lágrimas; outros murmuravam muito dolorosamente contemplando o céu, fixando os olhos nele como se pedissem socorro a Deus; outros feriam os seus rostos lançando-se estendidos no meio do chão; outros faziam as suas lamentações à maneira de canto correspondendo ao grau da sua tristeza.»

Mas o momento mais lancinante aconteceu quando, para se formarem quinhões iguais para serem repartidos pelos vários intervenientes no negócio, se apartaram os filhos dos pais, as mulheres dos maridos, os irmãos uns dos outros. Como retratou Zurara:

 «A amigos nem a parentes não se guardava nenhuma lei, somente cada um caía onde a sorte o levava. Os filhos que eram separados dos pais levantavam-se decididamente e iam ter com eles. As mães apertavam os filhos nos braços e lançavam-se com eles de bruços, recebendo feridas com pouca piedade de suas carnes, por não lhes serem tirados. O pai ficava em Lagos, a mãe era levada para Lisboa e os filhos para outra parte. A dor era maior naqueles que eram apartados dos familiares do que naqueles que, porventura, se mantinham juntos, porque “é consolo para os tristes ter companheiros na sua dor”.»


A História preencheu vários dos seus capítulos com as páginas ignominiosas da escravatura…

Aldeia Galega do Ribatejo, primitivo nome de Montijo, tornou-se, a partir do século XVI, num importante local de acesso a Lisboa e de passagem para os viajantes que demandavam o sul de Portugal ou os países da Europa.

O porto da velha Aldeia Galega do Ribatejo viu passar gente rica e gente pobre, gente ilustre e gente plebeia, gente livre e escravos. Escravos negros e índios, que por aqui transitaram muitos e se fixaram alguns.

Se não temos ainda uma apurada investigação que nos permita traçar as relações raciais em Aldeia Galega do Ribatejo, entre os séculos XVI e XIX, obtivemos já alguma informação que nos permite concluir da existência de escravos no Montijo, que trabalhariam sobretudo nas quintas, e que alguns deles, à medida que foram alcançando o estatuto de homem livre, se integraram na comunidade aldeana.

As primeiras referências que alcançamos são de ordem obituária. E logo aqui a surpresa de constatar que alguns desses escravos tiveram um funeral religioso semelhante aos demais habitantes livres, sobretudo aqueles que eram propriedade de irmãos da Santa Casa da Misericórdia ou de pessoas amantes e tementes de Deus, que cumprindo uma das obras de misericórdia lhes davam na morte o conforto espiritual que não terão talvez alcançado durante a vida.

Por exemplo, ao lado de Isabel Silva, mulher livre natural de Aldeia Galega, enterrada no átrio da Igreja Matriz, na actual Praça da República, jaz “Salvador escravo índio de Fernão Gama”, que ali foi sepultado em 2 de Fevereiro de 1638 e cujo funeral cumpriu o mesmo ritual do que o daquela mulher.

Mas, o “Livro de acentos que se fazem dos mortos que as tumbas desta Santa Casa levão a sepultar”, da Santa Casa da Misericórdia do Montijo, regista que Maria, escrava de António Sebastião, foi sepultada em S. Sebastião, a primitiva igreja de Aldeia Galega, em 1625.

Igreja do Divino Espírito Santo, 1906.
No seu adro foram enterrados escravos.

No dia 30 de Dezembro de 1631 foi enterrada uma filha de “Manuel preto” e nesse mesmo ano ainda se registou o óbito de “Jerónimo, escravo de Francisco Alvarez. Francisco Gomes, o preto, barqueiro, faleceu em 23 de Agosto de 1636, e, dois anos depois, António, escravo de António Francisco foi sepultado no adro da igreja matriz.

Por deferência e amabilidade da Dr.ª Isabel Oleiro Lucas, ficámos a saber que “Isabel escrava preta do Padre Roiz da Atalaia está aterrada a Santo António”, conforme regista o Livro de Óbitos de 1570.

Terão sido casos excepcionais? Negros e índios descansam para sempre nos adros das igrejas do Divino Espírito Santo, de S. Sebastião e de Santo António, sepultados pela tumba ordinária da Santa Casa da Misericórdia, que despendia “com a mortalha e cova para um preto – 820 réis.”

Não deixavam, porém de ser escravos, pois só a morte os libertava do jugo dos seus senhores, que, temendo o castigo celestial, lhes concediam a dignidade de um funeral. Esses mesmos proprietários que, para serem admitidos como Irmãos da Santa Casa da Misericórdia tinham de declarar – e provar – que “não tinham sangue de mouro, nem de judeu, nem de outra infecta nação.”

Os escravos, negros, mulatos, índios e mouros, ocupavam-se dos trabalhos agrícolas e domésticos, mas os que alcançavam a alforria – quantos? – podiam buscar outras ocupações.

No século XVIII, os fogaréus das procissões eram transportados por negros, que recebiam 70 réis pelo desempenho e, um pouco mais tarde, os africanos participariam activamente nos espectáculos taurinos.

Embora se tenha tornado usual e aceite pela ideologia da época o comércio de escravos, tendo a Igreja concordado com a utilidade da conversão dos pagãos, o Padre Fernando de Oliveira não deixou de criticar, em 1555, o tráfico de escravos, usando palavras acutilantes:

«não se acha, nem razão humana consente, que houvesse no mundo contratos públicos de comprar e vender homens livres e pacíficos, como quem compra e vende alimárias/bois ou cavalos e semelhantes. Assim os tangem, assim os constrangem, trazem e levam e provam, e escolhem com tanto desprezo e ímpeto, como faz o magarefe ao gado no curral.”

Ruki Luki






sábado, 25 de fevereiro de 2012

O Imenso Adeus ao Cais dos Vapores


O ferry-boat foi um dos barcos utilizados pela Transtejo para ligar o Montijo a Lisboa. Além dos passageiros, o ferry-boat transportava automóveis. Em 1982, a Transtejo cessou o transporte de veículos.

1993

(?).09 – Câmara Municipal candidata ao Plano de Desenvolvimento Regional o «Projecto de Ligação do Cais dos Vapores à Estrada Nacional 11, tendo em vista melhorar as condições da parte da área ribeirinha da cidade e ao mesmo tempo escoar o trânsito que se desloca para os concelhos de  Moita e Barreiro».

12.11 – Inauguração do arranjo paisagístico do Cais dos Vapores (obra iniciada em 1985)

1994

A Transtejo inaugura a nova estação fluvial.

(-).10/11 – O “Citadino”, Órgão Informativo da Junta de Freguesia do Montijo – «A menos que o toque da varinha mágica de qualquer fada-madrinha ainda possa transformar aquele horrendo sapo (a nova gare fluvial) num príncipe minimamente são e escorreito, a Transtejo ficará nos anais da nossa freguesia como o génio do mal que pôs às porta da cidade um monstro de ficção científica para aterrorizar quem entra e sai de Montijo.»

1995

Arquitecto Raúl Ceregeiro – «A arquitectura e configuração do edifício, que já constavam do Estudo Prévio apresentado à Câmara em Janeiro de 1988, fundamentaram-se na minha própria interpretação da paisagem que é dominada pela forte horizontalidade dos terrenos do Montijo que exigiam para o local uma forte marcação volumétrica dominada por um material forte e nobre como o betão à vista. Naturalmente que lamento que a mensagem do imaginário deste edifício, que assumo totalmente não tenha chegado a todos os montijenses, mas ficaria mais preocupado se o edifício que projectei não suscitasse controvérsia ou se por ele se passasse sem se notar que existe. Porque nas questões estéticas e particularmente na estética urbana, o belo e o feio andam normalmente de mãos dadas. Por último confio que, com o andar do tempo, os montijenses porventura passem simplesmente a ver a Porta por onde entram e saem da sua cidade.»

1.08 – O Citadino, Boletim Informativo da Junta de Freguesia do Montijo – «No dia 1 de Agosto, o catamaran «ALGÉS» efectuou a viagem inaugural, que foi precedida de baptismo em pleno rio.»

26.09 – Inauguração das carreiras fluviais com catamarans

30.10 – A Câmara Municipal do Montijo celebra um protocolo com a Administração do Porto de Lisboa para a Valorização e Requalificação da Zona Ribeirinha com o fim de execução de obras para uso público, sobretudo, entre outras, as destinadas a actividades de recreio e lazer, à limpeza do leito do rio e plano de água, no esteiro do Montijo, com a remoção dos destroços das embarcações, à melhoria das condições para o tráfego fluvial de passageiros e mercadorias, bem como da pesca desportiva e artesanal e criação de equipamentos em áreas de circulação pedonal junto ao rio.

1996

(?) – Boletim Municipal (Dezembro) – «A Engª Natércia Cabral, Presidente da Administração do Porto de Lisboa, aceitou o convite da Autarquia e fez uma visita de trabalho ao Montijo. A Frente Ribeirinha comportará uma vertente de interface de transportes. As primeiras fases do projecto são apontadas em direcção à recuperação do Moínho de Maré e à remoção das carcaças para limpeza do Rio.»

1997

01.08 - Boletim Municipal  - A Transtejo garante à Câmara Municipal do Montijo que vai construir um novo parque de estacionamento a poente do Cais do Vapores. Devido à rapidez dos catamarãs este transporte fluvial tem mais procura.

(?).11 – Boletim Municipal «Está em fase de execução o estudo do Plano de Ordenamento da Zona Ribeirinha com base no protocolo de colaboração com a Administração do Porto de Lisboa. O Plano prevê a recuperação dos espaços degradados junto ao rio (antigas fábricas), uma doca de apoio a embarcações, áreas de estacionamento de apoio ao cais e recuperação paisagística da zona. No arranjo da zona ribeirinha estima-se um valor de obra de 1.365.514 contos estando já garantidos 86.000 contos do II Quadro Comunitário de Apoio,»

16.12 – O Programa Eleitoral Municipal do Partido Socialista propõe a “construção de um interface de transportes na zona do Seixalinho ,(complementando o existente e evitando continuados aterros junto ao rio), com novo cais de passageiros, estacionamento automóvel e ligações rodoviárias à cidade e freguesias limítrofes. Terminal Rodoviário”. Mas, o Programa Eleitoral para a Junta de Freguesia do Montijo promete, contraditoriamente, a “remodelação” da Gare Fluvial” e a “exigência de um novo parque de estacionamento”.
O PS vence as eleições autárquicas com a maioria absoluta de mandatos.


                                                     

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O Moço de Forcado


Aos de ontem e aos de hoje. Aos de Aldegalega e aos de Montijo. Aos de Alcochete. Homenagem singela a quem proporciona o espectáculo «mais nobremente sugestivo, mais virilmente belo, mais legitimamente português.»

O texto é da autoria e de um dos mais consagrados escritores portugueses – Ramalho Ortigão, ao qual apelo para prestar, aqui, uma pequena homenagem aos forcados de Montijo e Alcochete.

A tourada é muito mais do que um touro farpeado. Urbano Tavares Rodrigues escreveu que «A corrida de toiros pode e deve ser encarada (…) como síntese de violência e de cultura, capaz de drenar forças obscuras da sociedade. Apresenta os rituais do sacrifício e da conjura. A partir do momento em que o «inteligente» dá início à corrida, principia esse baptismo de sangue que periodicamente se renova: uma súbita fraternidade, ansiosa e niveladora aproxima a gente dos tendidos altos e das barreiras, enquanto na arena tudo se processa segundo uma ordem rigorosa, desde as cortesias ao arrasto.»

Mas prestemos, agora, a nossa atenção ao texto de Ramalho Ortigão:

«Depois o toiro. Picado pelo cavaleiro e pelo capinha, bandarilhado e passado à capa, o momento solene chega. Um frémito, desconhecido de qualquer outro povo que não sejamos nós, percorre toda a trincheira da sombra e do sol, e retumba este grito: - À unha!

Então, o forcado. Ele desagrega-se do grupo dos valentes, que nessa manhã chegaram de Alcochete ou de Aldeia Galega, e só, no campo desafogado, adianta-se para o bicho em costume de gala: jaleca de ramagens, calção de anta, cinta encarnada, meias bordadas e sapatos de prateleira. O seu aspecto cheira ao sol da lezíria, ao rosmaninho da charneca e à terra revolvida pelas charruas. Palpita-lhe a força em cada músculo, e canta-lhe a saúde, vermelha e salgada em cada poro da pele. O toiro investe com ele pela barriga. Ele empolga o touro de frente por entre os cornos, escarrancha-se-lhe na cara e afocinha-o no chão.


Não havia no mundo espectáculo mais nobremente sugestivo, mais virilmente belo, mais legitimamente português. Os que governam Lisboa, proibindo as pegas, suprimiram o moço de forcado. Depois demoliram a praça. Acabaram por fim com as tardes de toiros em Lisboa.

De sorte que é por esse Ribatejo fora que eu terei de ir, de jaleca ao ombro, faca no bolso e uma melancia debaixo do braço, refazer-me de nacionalidade, de força, de literatura e de poesia na sagrada tradição da minha terra.

Às razões de brandura de costumes, de humanidade, de filosofia, de civilização, invocados pelos que dirigem esta jigajoga, eu, humilde intérprete do povo, só uma coisa oponho: é que má raios partam o zelo tísico de tanto maricas, de tanto chochinha, de tanto lambisgóia!»

(Ramalho Ortigão – 24.10.1836/27.09.1915)
















E não é que querem Acabar com as Touradas?


O Homem e o Touro, uma relação ao longo da História. Largadas, no início da década de 50, no Largo 1.º de Maio, em Montijo. 


Podia ter começado a escrever este texto no século XVI, mas resisto ao meu tempo. Podia, também, desembainhar a minha espada esgrimindo alguns argumentos muito actuais, que, afinal, estão na lide desde o século XIX.

Afinal, o que há de novo?

No dia 2 de Abril de 1791, o poderoso Diogo Inácio de Pina Manique, através de Carta Precatória Circular enviada ao Provedor da Comarca de Setúbal, determinava a «a proibição de se correrem touros seja de qualquer modo ou pretexto.»

A ordem não foi acatada e as touradas prosseguiram o seu caminho.

O povo, que não ouvira o Intendente, fez orelhas moucas ao Rei D. João VI que, por Decreto de 7 de Julho de 1809, proibiu a realização de touradas sem a sua especial licença.

Por sua vez, Dona Maria II, pretendendo remover todas as causas que pudessem impedir ou retardar o aperfeiçoamento moral da Nação e porque considerava, também, que as touradas eram um divertimento bárbaro e impróprio das nações civilizadas, que serviam para habituar os homens ao crime e à ferocidade, proibiu a realização de touradas, em 19 de Setembro de 1836.

Porém a reacção da fidalguia a e o clamor do povo determinaram que as Cortes viessem a revogar o decreto da Soberana, em 30 de Junho de 1837.

A partir de Agosto daquele ano, as touradas que não fossem gratuitas, só poderiam ser organizadas pela Casa Pia e, em qualquer outra parte do País, à excepção de Lisboa, o rendimento líquido do espectáculo tinha de reverter em favor da Santa Casa da Misericórdia ou de qualquer outro estabelecimento de assistência do respectivo município.

Ainda hoje, as praças de touros são propriedade da Santa Casa da Misericórdia da respectiva localidade, cuja exploração é efectuada por privados, após a adjudicação por concurso público.

As disposições tendentes a proibir a tourada remontam ao século XVI, quando o Papa Pio V determinou, em 1 de Novembro de 1567, que se extinguisse a realização de touradas em virtude das vítimas que causava. A bula papal não foi acatada pelo devoto D. Sebastião, embora ainda não governasse efectivamente o reino, e, por isso, em Portugal, as touradas continuaram a alegrar o clero, a nobreza e o povo.


Largadas na Praça 1.º de Maio - Montijo

As pegas de touros estiveram também sob a mira dos nossos governantes. O Governador Civil de Lisboa proibiu-as pelo Edital de 1880, mas a partir de 1885, passaram a ser permitidas mediante licença passada pelo Governo Civil. Apesar da proibição, as pegas sempre se realizaram. Ao permitir, de novo, a realização de pegas o Governo Civil seguiu a máxima: «se não os pode vencer junta-te a eles.»

Hoje, a associação Animal tem levado a cabo uma série de iniciativas para que seja proibida a realização de touradas em Portugal. Não se lhes pode levar a mal, porque vivemos em democracia e todos têm direito a expressar livremente a sua opinião. Porém, olhemos para a História e fiquemos com a certeza de que enquanto a seiva popular alimentar o espectáculo não há lei que o extermine.

A História a alimentou, a História a fenecerá. Interroguemo-nos, no entanto, se a seiva popular que sustenta a tourada tem sido alimentada convenientemente.

Ruki Luki