quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O Moço de Forcado


Aos de ontem e aos de hoje. Aos de Aldegalega e aos de Montijo. Aos de Alcochete. Homenagem singela a quem proporciona o espectáculo «mais nobremente sugestivo, mais virilmente belo, mais legitimamente português.»

O texto é da autoria e de um dos mais consagrados escritores portugueses – Ramalho Ortigão, ao qual apelo para prestar, aqui, uma pequena homenagem aos forcados de Montijo e Alcochete.

A tourada é muito mais do que um touro farpeado. Urbano Tavares Rodrigues escreveu que «A corrida de toiros pode e deve ser encarada (…) como síntese de violência e de cultura, capaz de drenar forças obscuras da sociedade. Apresenta os rituais do sacrifício e da conjura. A partir do momento em que o «inteligente» dá início à corrida, principia esse baptismo de sangue que periodicamente se renova: uma súbita fraternidade, ansiosa e niveladora aproxima a gente dos tendidos altos e das barreiras, enquanto na arena tudo se processa segundo uma ordem rigorosa, desde as cortesias ao arrasto.»

Mas prestemos, agora, a nossa atenção ao texto de Ramalho Ortigão:

«Depois o toiro. Picado pelo cavaleiro e pelo capinha, bandarilhado e passado à capa, o momento solene chega. Um frémito, desconhecido de qualquer outro povo que não sejamos nós, percorre toda a trincheira da sombra e do sol, e retumba este grito: - À unha!

Então, o forcado. Ele desagrega-se do grupo dos valentes, que nessa manhã chegaram de Alcochete ou de Aldeia Galega, e só, no campo desafogado, adianta-se para o bicho em costume de gala: jaleca de ramagens, calção de anta, cinta encarnada, meias bordadas e sapatos de prateleira. O seu aspecto cheira ao sol da lezíria, ao rosmaninho da charneca e à terra revolvida pelas charruas. Palpita-lhe a força em cada músculo, e canta-lhe a saúde, vermelha e salgada em cada poro da pele. O toiro investe com ele pela barriga. Ele empolga o touro de frente por entre os cornos, escarrancha-se-lhe na cara e afocinha-o no chão.


Não havia no mundo espectáculo mais nobremente sugestivo, mais virilmente belo, mais legitimamente português. Os que governam Lisboa, proibindo as pegas, suprimiram o moço de forcado. Depois demoliram a praça. Acabaram por fim com as tardes de toiros em Lisboa.

De sorte que é por esse Ribatejo fora que eu terei de ir, de jaleca ao ombro, faca no bolso e uma melancia debaixo do braço, refazer-me de nacionalidade, de força, de literatura e de poesia na sagrada tradição da minha terra.

Às razões de brandura de costumes, de humanidade, de filosofia, de civilização, invocados pelos que dirigem esta jigajoga, eu, humilde intérprete do povo, só uma coisa oponho: é que má raios partam o zelo tísico de tanto maricas, de tanto chochinha, de tanto lambisgóia!»

(Ramalho Ortigão – 24.10.1836/27.09.1915)
















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