Salvaguardar
o mais Frágil
sexta-feira, 26 de abril de 2013
segunda-feira, 22 de abril de 2013
A Suinicultura em Montijo
Notas Soltas (1)
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A antiga Fábrica BERTOM, na R. de Serpa Pinto, que foi local de abate e de transformação de carne de porco. |
A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia,
em 1985, e a consequente exigência de que o nosso Pais passasse a respeitar a
legislação comunitária contribuíram para que, em Montijo, se quebrasse a ligação
existente entre a comunidade e o porco.
Até então, as unidades de transformação de carnes estavam
instaladas no centro da cidade — Praça da República, R. Comandante Francisco
da Silva Júnior e, um pouco mais afastada, na R. Serpa Pinto, entre outras.
Para atestar a importância económica da criação de
porcos dizia-se jocosamente que cada montijense criava um porco e, por outro
lado, enfatizando-se o número de porcos abatidos nas várias chacinarias, se
proclamava que Montijo era a terra mais limpa de Portugal porque era abatido todo
o porco que entrasse no concelho.
De facto, numerosas famílias eram proprietárias de
varas de porcos, que, em alguns casos, constituíam um apoio suplementar aos
rendimentos familiares.
Na década de 80 do século XX, ainda circulavam pelas
ruas da cidade, a céu aberto, camionetas carregadas com as vísceras dos animais
abatidos, os magarefes exerciam intensa actividade, as moscas infestavam as
residências e, em dia de matança, o rio corria vermelho.
Os apoios da Comunidade Europeia vieram revolucionar o
tecido empresarial montijense. Algumas pequenas e médias empresas fundiram-se
num projecto de grandes dimensões (v.g. Carmonti), e outras, por falta de
condições e de capacidade de adaptação, acabaram por se extinguir.
No início do século XX, a indústria transformadora de
carne de porco perdera o lugar de relevo que tinha ocupado na economia
montijense. A venda da Fábrica Izidoro simbolizou a queda da suinicultura em
Montijo.
Contudo, para se alcançar o patamar a que se
tinha alcandado a suinicultura em Montijo, foi necessário percorrer um longo e árduo
caminho.
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Cais dos Vapores - Em dia de abate de porcos, o rio corria vermelho de sangue. |
Não estão definidas as raízes da criação e transformação de carne
de porco em Aldeia Galega/ Montijo.
As fontes são escassas e algumas duvidosas.
O Anuário de Estatística de Portugal não regista qualquer
abate do porco, em Aldegalega, nos anos de 1888 e 1889, o que não parece
verosímil, porque, já no início do século passado, é assinalado um forte
comércio de carne de porco e transacções de porcos vivos.
No dia 4 de Abril de 1838, o Administrador do Concelho
de Estremoz informava ao seu homólogo de Aldeia Galega que «Antônio Cordeiro
da freguesia d'Aldea do Cortiço conduzia 40 porcos gordos de montado para esse concelho!»
Dois anos mais tarde, o substituto do Regedor da
Paróquia do Divino Espírito Santo (Aldegalega), informava o Administrador do
Concelho, em 26 de Fevereiro, que não podia fiscalizar as contas das
Irmandades da Igreja Matriz porque desde o princípio de Dezembro até ao
Carnaval quase todos moradores desta Vila são incertos em suas casas, pelo
giro de negócio das carnes de porco, que os obriga a transitarem de contínuo,
ora para a Província, ora para Lisboa (…)».
No contrato celebrado pelo «marchante contratador do
fornecimento das carnes verdes para consumo desta vila» este obrigava-se (entre
Dezembro e até ao Entrudo) a dar carne de «porco pelo preço de cinquenta e
cinco reis cada arrátel», — além de carne de vaca da Beira e da Terra e capado.
Outros documentos referem-se ao movimento mercantil
derivado do porco, como o ofício datado de 8 de Fevereiro de 1850 e enviado
pela Alfândega de Lisboa ao Administrador do Concelho de Aldegalega, no qual
informava da existência de uma guia passada «para 56 porcos vivos, com
destino a Villa Franca de Xira, e de lá para Chãos de Tira-Corda».
Os porcos eram criados em montados, em Canha, onde em
1850, havia 200 porcos a engordar, e, na vila do Montijo, em «fazendas ou
quintais a que chamão suvões».
Em meados do Século XIX, já havia fábricas de
transformação de carne de porco e Aldeia Galega já exportava os seus produtos,
quer para vários pontos do país, quer para outros países, nomeadamente da América
Latina, Venezuela e, sobretudo, Brasil.
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A Fábrica TÓBOM, cujo edifício se localiza na Praça da República |
Foi o Encarregado dos Negócios deste País, que gerou o
primeiro incidente diplomático, por causa da carne de porco, como se retira da
acta da reunião da Câmara Municipal de Aldegalega de 11 de Outubro de 1852.
«Tendo chegado ao conhecimento da Câmara, pela
leitura que faz do jornal do Comércio de 19 de Agosto último — do Rio de
Janeiro —, o inexacto e calunioso officio que de Lisboa dirigio ao seo governo
o Encarregado dos Negócios do Império do Brazil em Portugal, António de
Menezes Vasconcellos Drumont, no qual desenvolve a mais perfídia e aleivosa
acusação, declarando que a Polícia deste Districto descobrira por denúncia
huma Fábrica de paios e chouriços nesta Villa, aonde se commette toda a espécie
de falsificação na manufactura d'aquelles objectos, misturando-se de envolta
com a carne de porco outras carnes de animais nocivos à saúde pública,
acrescentando que até havião desconfiança de que a carne humana entrava
n'aquella manufactura. A Câmara cheia do maior horror por ver que a matéria do
dito ofício é huma pura falsidade e calumnia digna da mais acre censura, por
ter o cunho da malvadez, lançando hum horrível anathema sobre os géneros da
nossa exportação delibera que (…), pois que se trata do crédito e reputação
dos seos concidadãos tão infammente injuriados, que se fizesse uma reclamação
aos Ex.mo Senhor Governador Civil, para este tomar em consideração este
objecto de tanta transcendência, e pedir ao governo de S. Majestade reclame
do Ministro do Império do Brasil huma reparação e retractação do que
infundadamente [se declara] no dito officio, fazendo assim publicar na Folha
Official, e que sendo estes factos tão graves, e devendo ter toda a publicidade
para obstar a torrente infamante que aquelle indiscreto officio produzio no público,
se inserisse em alguns periódicos da capital o contehudo da reclamação que a
Câmara faz para dar hum público testemunho da innocência dos habitantes
deste Concelho tão atrozmente aviltados.»
Ruky Luky
quarta-feira, 10 de abril de 2013
Visita da Rainha D.ª Maria II
Aldegalega “capital” do Império por um dia
Embora constasse que sua Majestade, a Rainha D. Maria
11, se deslocaria ao Alentejo, a Câmara Municipal de Aldegalega só tomou
conhecimento «da jornada de Suas Majestades», na reunião de 28 de Setembro de
1843. Então, ficou inteirada, através do oficio do Governo Civil de Lisboa que
deveria tomar, «imediatamente todas as providências para, terraplanar e
arranjar a Estrada Real que vai para Évora, e bem assim que faça quanto estiver
ao seu alcance para que por esta ocasião se dêm todas as maiores demonstrações
de regozijo e prazer com a chegada de Suas Majestades (e) finalmente que a sua
recepção seja de tal modo que se manifestem os sentimentos d'amor e veneração
às Augustas Pessoas de Suas Majestades, e dando assim hum novo testemunho de
lealdade e gratidão.»
[Foi natural
que o Governador Civil se tivesse referido à oportunidade que Aldegalega tinha de
dar novo testemunho da lealdade e gratidão à Rainha, porque não fora pacífica a
aceitação da Monarca pela vila, visto que o auto de legítima aclamação da
Rainha tinha sido mandado trancar pelas forças rebeldes, em 23 de Julho de
1833, e só no dia 4 de Agosto se procedeu à aclamação e reconhecimento da
«única, legitima e verdadeira Rainha dos Portugueses a Senhora Dona Maria
Segunda»].
Para anunciar a visita a Câmara deliberou afixar
editais e convidar os moradores a adornarem «as janelas de sedas ou damascos,
segundo as circunstâncias de cada um».
A recepção da Família Real e do seu séquito traduziu-se,
também, como a seu tempo se verá, numa avultada despesa extraordinária para a
qual o cofre do município não tinha meios suficientes. Para ultrapassar a
situação os Vereadores Francisco Pereira Duarte e Joaquim José Marques «se
prestarão a adiantar a quantia de 1 668 666 reis, cuja quantia lhe será
satisfeita pelo produto da importância da renda do Imposto na Carne e Vinho do
mez de Outubro».
Para melhor receber Suas Majestades, foi decidido que «se
fizessem dois Arcos e um Pavilhão e que neste houvesse pronto um refresco decente
para se ofertar às Augustas Pessoas, que viesse uma Banda de Música para
assistir ao desembarque, e que nesse dia houvesse iluminação nos Arcos e Casa da
Câmara e Vila e que as janelas da Casa da Câmara fossem armadas».
Aldegalega do Ribatejo aprimorou-se para receber a Família
Real.
No dia 2 de Outubro de 1843, a Câmara Municipal foi
informada que Suas Majestades tinham resolvido «passarem o dia de 4ª-feira, 4
do corrente, em Aldegalega, onde pernoitarão, partindo de Lisboa às 10.00 da
manhã, no Barco de Vapor Terceira e seguir a sua jornada a Évora no dia 5.»
O Cais e a Vila animaram-se. Começaram a desembarcar
os criados, os utensílios de cozinha, as camas, os apetrechos para a comodidade
real e parte do séquito. A Vila ganhou um novo rosto e a Câmara e a Igreja
Matriz foram decoradas a preceito.
De Lisboa a Câmara recebera ordens protocolares
precisas. A Rainha e a Família Real pernoitariam na Casa da Câmara, assim como
a sua comitiva, ou seja, «o Duque do Porto, uma dama, uma governanta, o Duque
Estribeiro Mor, o Presidente do Conselho de Ministros, um gentil-homem da
Câmara, um Ajudante de Campo d’El Rey e 3 criadas». Noutra casa deveriam ser
alojados «um dos Ministros do Estado, o Médico, os criados de mesa e o Ajudante
de Campo do Presidente do Conselho de Ministros».
No dia 4 de Outubro, a Rainha, D.ª Maria II e o marido,
D. Fernando II, e os filhos, D. Pedro e D. Luís, chegaram ao Terreiro do Paço,
às 10.00, onde, depois dos cumprimentos protocolares, tomaram lugar no barco
a vapor “Terceira”, que levava a bordo uma guarda de honra, com banda de música.
Durante a travessia, foi servido o almoço às reais pessoas e à sua extensa comitiva.
«Viva a Rainha!», vibrou a multidão que a esperava no
Cais, conjuntamente com a Vereação, juiz da Comarca, o Administrador do Concelho
e outras autoridades.
A Rainha foi recebida debaixo do pálio e depois de lhe
terem sido entregues as chaves da vila, o Presidente da Câmara dirigiu-lhe a
seguinte mensagem:
«Senhora: A Câmara Municipal de Aldeia Galega do
Riba-Tejo, entregando a Vossa Majestade as chaves desta notável vila, vem
submissa e respeitosa apresentar a V.M. os protestos de amor e lealdade que consagra
à Augusta Pessoa de V.M.; a seu Esposo, EI-Rei Senhor D. Fernando, e aos
Sereníssimos Príncipes, seus Filhos, em quem a Nação contempla o mais seguro
penhor da nossa futura glória. Os habitantes deste município aceitam a visita
que V.M. se digna de fazer a esta rica e fértil província, como um novo
testemunho de solicitude com que V.M, por meio do seu previdente governo,
empenha os seus desvelos a bem dos povos, que a Divina Providência confiou aos
seus maternais cuidados, consolidando assim a Carta Constitucional da
monarquia, e promovendo a prosperidade dos seus súbditos. Possam as bênçãos do
céu acompanhar por toda a parte a V.M. e à sua Augusta Família, assim conto as
bênçãos destes povos, e as demonstrações singelas mas puras do seu regozijo
lhe testemunham a sua adesão e o seu respeito».
A Rainha respondeu: «Fico certa do amor e lealdade
que consagrais à Família Real.
Continuarei a adoptar todas as medidas conducentes a
consolidar a Carta Constitucional da monarquia, e a promover a prosperidade
dos meus súbditos».
A seguir organizou-se um cortejo, que era enorme, que
se dirigiu à Igreja do Espírito Santo, onde houve Te Deum laudamus, em acção de
graças. Suas Majestades, terminadas as cerimónias na igreja, que estava
ricamente engalanada, recolheram-se, por entre alas da guarda de honra do
Regimento de Infantaria 16, aos Paços do Concelho, tendo, para isso, de passar
sob um artístico arco. À porta do domus municipalis, encontrava-se uma banda de
música, que tocou o Hino da Carta. Devida à aglomeração de pessoas, foi
necessário o regimento fazer alas para Suas Majestades passarem e atravessarem
o largo para se dirigirem para os Paços do Concelho, onde lhes foi servido um refresco.
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Actual edifício da Assembleia Municipal outrora Paços do Concelho. Aqui pernoitou a Rainha D. Maria II. O Paço Municipal foi Paço Real por um dia. |
Às 19 horas, serviu-se o jantar, para o que foram
convidados o presidente da Câmara, que foi agraciado com o Hábito de Cristo, o
Juiz de Direito e o administrador do concelho. A seguir, houve recepção, tendo
S.M. recebido os cumprimentos da Câmara, das pessoas da sua comitiva, dos
párocos do arciprestado e de outras pessoas notáveis da vila. A Sua Majestade
foram apresentadas diversas petições para o progresso da vila. Não se sabe
quais foram e menos se foram atendidas.
Os pobres da vila e as instituições de caridade não
foram esquecidos neste momento. Aos primeiros foram distribuídos 100$000 réis;
às recolhidas do hospício foram dados 19$200 reis. Os «presos também receberam
provas da real munificência». A guarda de honra que acompanhou a Rainha recebeu
144$000 réis.
Suas Majestades, à noite, deram um passeio pela vila que
«apareceu espontaneamente iluminada». À porta dos Paços do Concelho, que tinha
também luminárias, encontrava-se uma banda de música a expensas do município.
Às 22 horas, foi oferecido pelo município um refresco
a Suas Majestades, e aproveitando a passagem do aniversário do dia em que o
visconde da Serra do Pilar tinha iniciado as vitórias para a restauração da
Carta, a Rainha agraciou-o com a Comenda da Ordem de Torre e Espada.
Após estas cerimónias, Suas Majestades recolheram aos
seus aposentos.
No dia seguinte, pelas seis horas da manhã, a Rainha
e a sua comitiva partiram, entre os vivas da multidão, que enchia as ruas, em
direcção a Évora, apeando-se, antes, em Atalaia para ali fazer as suas orações.
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A Rainha apeou-se em Atalaia para fazer as suas orações. |
No final do ano, na reunião de 13 de Dezembro, a Câmara
decidiu analisar as despesas feitas coma recepção de Suas Majestades e apurou
que tinha gasto as seguintes quantias, no total de 886$085:
·
A António Caetano de
Oliveira - como director da construção dos arcos
e participação de madeiras para os mesmos e mais objectos que se compraram para
eles como pregos e ferragens a quantia de 388$835.
·
A
José Joaquim - carpinteiro por
jornais que fez nos arcos, coreto para a música e no mais em que foi ocupado a quantia de 20$640.
·
A Domingos Mesquita
- pelos reparos nas Estradas de Aldegalega
a quantia de 14$460.
·
A José Gregório
Ferreira de Mira - pelos reparos na Estrada de Canha a quantia de 5$800.
·
A
José Luiz de Couto - pela cera para o The deum a quantia de 2$020.
·
A Filippe José - pelo buxo e arranjo dos arcos como (aos) jardineiros a quantia de 16$800.
·
A
Francisco da Silva - pelo aluguer
de camas para a musica vocal
e marcial a quantia de 12$805.
·
A João Alberto de Sousa - pela pintura que fez no arco a quantia de 27$200.
·
A Manuel Patrício
de Bastos - pela música vocal para o Te deum
a quantia de 18$000.
·
A João José Bastos
- pela musica marcial a quantia de 67$200.
·
A Francisco António
Crespo pelo frete de carretas empregadas em
conduzir areia para a vila e para a estrada a quantia de 15$400.
·
A Francisco José de
Souza Carmo - pelo fogo a quantia de 25$800.
·
A Manuel de Souza -
pelo aluguer lanternas precisas para a iluminação dos arcos e casas da Câmara
a quantia de 31$130.
·
A
Manoel Peres pelo copo de água que se
apresentou a S.S. Majestades a quantia de 96$000.
·
A Francisco de
Paula Lopes pela armação da igreja e casas da Câmara a quantia de 144$000.
A recepção de Suas Majestades e da sua comitiva,
embora tivesse enchido de júbilo os aldeanos, deixou
os cofres da Câmara vazios.
Aldeia Galega transformara-se, por vinte e quatro horas, na capital
do Pais e a câmara municipal, em Paço
Real, mas quando a Vereação se
reuniu para apurar os resultados da real visita concluiu que «no cofre
não havia dinheiro que pudesse satisfazer todas as despesas». Valeu ao município
a fortuna do Vereador Fiscal, Francisco
Pereira Duarte, que se prontificou a emprestar o dinheiro para que fossem
soldadas as dividas, sendo «embolsado pela venda do imposto na carne e vinho
do mez de Dezembro».
Porém, como o
imposto, por si, não reparava o défice, a câmara municipal aprovou um orçamento suplementar apresentado pelo Presidente, que previa o lançamento de
taxas de «cinco réis em cada alqueire de trigo em grão ou farinha; cinco réis em
cada alqueire de cevada, centeio e milho em
grão ou farinha e 120$000 em cada uma
carga de pescaria».
Ficou cara aos aldeanos visita de Sua Majestade a Rainha D.ª Maria II.
Ruky Luky
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