A Póvoa do Montijo
«Tem (a Vila de Aldeia Galega do Ribatejo) hua
povoaçam que se chama a Povoa hua legoa da villa a ponente que tem homze
moradores (…).».
Título da villa d Aldea
galega”, registo estatístico da vila, mandado elaborar, em 1532, por D. João
III.
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Aqui se ergueu, no século XIII, a Póvoa do Montijo. Terra fértil, ali verdejavam pinhais, vinhas e laranjais da China. |
D.
Sancho I, a quem foi atribuído originariamente o cognome de “Lavrador”, mas que
o viu alterado para “Povoador”, doou o Castelo de Palmela e o território
compreendido entre os rios Tejo e Sado à Ordem de Santiago da Espada, corria o
ano de 1186.
Vão
assim constituir-se, sob a jurisdição dos freires espatários, um conjunto de
póvoas ribeirinhas, de dimensões muito reduzidas, e agrupadas administrativamente
no concelho dos Lugares do Ribatejo, cuja sede paroquial da região oriental do
referido concelho era a Igreja de Nossa Senhora de Sabonha (popularmente
designada Cegonha, segundo José de Sousa Rama), «igreja muito antiga e
edificada em tempo que os mouros ocupavam o campo de Ourique e o Algarve. É
matriz e cabeça das igrejas de Alcochete e Aldeia Galega e do Samouco e da Póvoa
e de Sarilhos, porque todos estes lugares são sua freguesia» (Visitação de
1512).
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Datam
do século XIII ou XIV, as primeiras referências às povoações de Montijo,
Lançada, Aldeia Galega, Sarilhos, Sabonha (hoje, freguesia de S. Francisco) e Samouco.
Entre as povoações numeradas elegemos para objecto do nosso estudo a Póvoa do
Montijo.
Localizada
no cabo de Montijo, na área ocupada, hoje, pela Base Aérea n.º 6, a Póvoa de
Montijo é já referida em documentos datados de 1245 e 1248.
Povoado
mais antigo do que Aldeia Galega do Ribatejo, teve hospital (albergaria)
mandado edificar por João Martins, prior da Igreja de Santa Marinha de Outeiro,
que, em 1248, instituiu o sobrinho, Pedro Domingues, como senhor, patrono e
defensor do hospital que construiu «no lugar que se chama Montigio (Montijo)»
e, segundo o Título da Vila de Aldeia Galega, mandado lavrar por D. João III,
em 1532, a Póvoa de Montijo dista uma légua da vila, a poente, e tem onze
moradores, dos quais são duas viúvas, e nas quintas vivem dez moradores e
destes uma é viúva.
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Escudo português, com escudetes nacionais e o campo em distribuição triangular, evocando o ramo familiar dos Cunhas (Condes e Marqueses de Unhão) - que encimava o portão de acesso à área da ermida. |
Constituída
essencialmente por quintas, O Pe. Luís Cardoso registou, em 1747, a existência
das seguintes: «Quinta do Marquês de Montebelo, que consta de vinhas e pinhais;
Quinta de D. Fernão Martins Mascarenhas, no sítio da Póvoa junto à Igreja de
Santiago: tem bons edifícios, pomar de laranja da China e outras castas de
fruta, vinha e pinhais; e a Quinta do Conde de S. Vicente, com bastantes casas,
pomar de laranja da china, vinhas e pinhais.» Actualmente, ainda se referenciam
as do Batedouro, da Casa Branca, do Rodelo, da Póvoa e Rota.
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Quinta da Póvoa: silharia brasonada que remata um dos portões |
Na
Póvoa do Montijo existiu uma ermida sob a invocação do apóstolo Santiago,
mandada edificar por João Soareia, no séc. XIV, que se localizava entre a
Quinta da Póvoa e a Quinta da Rota.
A
capela-mor tinha um altar de alvenaria e nele a imagem de Santiago «de madeira
bem pintada», e no corpo da ermida sobressaíam dois altares. As paredes eram de
pedra e cal e estava madeirada de castanho e coberta de telha vã.
Subsistem,
no edifício do Comando da Base Aérea n.º 6, dois painéis de azulejos azuis e
brancos, que retratam cenas da vida de Nossa Senhora. Segundo Luís Graça, «a similitude
com os cartões existentes na matriz de Montijo, autorizam a sua atribuição ao
mesmo pintor, Manuel dos Santos».
No
mesmo edifício, está colocado um marco de pedra, que tem gravado, na parte
superior a esfera armilar e, no lado oposto, o escudo nacional quatrocentista,
trancado pelo meio, por traçado relevado que corre de cima para baixo e da
direita para a esquerda.
Diz
Luís Graça que «servia, provavelmente, à demarcação de terras pertencentes à
jurisdição do duque de Beja, senhor de Viseu, Covilhã e Vila Viçosa, governador
do mestrado de Cristo, condestável do Reino e fronteiro-mor de Entre-Tejo e
Guadiana, ou seja, D. Manuel I – daí a esfera armilar, emblema de que fez uso, mesmo
antes de ser jurado rei, em 1495 – e os domínios sob tutela de D. Jorge, filho
bastardo de D. João II – daí a marca da bastardia no escudo nacional – que, em
1492, foi nomeado mestre das Ordens de Santiago e de Avis.»
O
marco data de 1521, ano da falecimento de D. Manuel I.
O
assoreamento da cala de Alhos Vedros e consequente construção do porto novo, em
Aldeia Galega, o estabelecimento da Posta e o desenvolvimento de Alcochete terão
contribuído decisivamente para o estiolamento da Póvoa de Montijo.
Já
no início do século XVI a Ordem determinava que a festa do Apóstolo Santiago,
que se realizava, em exclusivo, na ermida da Póvoa, de passasse a celebrar
também em Aldeia Galega do Ribatejo e Alcochete, porque «são lugares grandes e
populosos».
Esfumou-se
da memória colectiva de Montijo a existência da Póvoa de Montijo. Os anciãos ainda
recordavam, há anos, a figura do senhor da Quinta do Batedouro, ricamente
vestido, de luvas brancas, conduzindo uma carruagem puxada por garbosos cavalos.
Uma quinta rica, e poderosa, quando alguém da Quinta vinha no barco da
carreira, o barco fazia, ali, uma primeira paragem, assim afiançavam.
Da
Póvoa de Montijo, a população retém ainda os pic-nics na Praia Branca, os
banhos praia fluvial e pouco mais…
Dali,
Montijo ligava-se a Lisboa, por ali se começou a demandar o interior.
Ruky Luky