Notas Soltas (1)
A antiga Fábrica BERTOM, na R. de Serpa Pinto, que foi local de abate e de transformação de carne de porco. |
A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia,
em 1985, e a consequente exigência de que o nosso Pais passasse a respeitar a
legislação comunitária contribuíram para que, em Montijo, se quebrasse a ligação
existente entre a comunidade e o porco.
Até então, as unidades de transformação de carnes estavam
instaladas no centro da cidade — Praça da República, R. Comandante Francisco
da Silva Júnior e, um pouco mais afastada, na R. Serpa Pinto, entre outras.
Para atestar a importância económica da criação de
porcos dizia-se jocosamente que cada montijense criava um porco e, por outro
lado, enfatizando-se o número de porcos abatidos nas várias chacinarias, se
proclamava que Montijo era a terra mais limpa de Portugal porque era abatido todo
o porco que entrasse no concelho.
De facto, numerosas famílias eram proprietárias de
varas de porcos, que, em alguns casos, constituíam um apoio suplementar aos
rendimentos familiares.
Na década de 80 do século XX, ainda circulavam pelas
ruas da cidade, a céu aberto, camionetas carregadas com as vísceras dos animais
abatidos, os magarefes exerciam intensa actividade, as moscas infestavam as
residências e, em dia de matança, o rio corria vermelho.
Os apoios da Comunidade Europeia vieram revolucionar o
tecido empresarial montijense. Algumas pequenas e médias empresas fundiram-se
num projecto de grandes dimensões (v.g. Carmonti), e outras, por falta de
condições e de capacidade de adaptação, acabaram por se extinguir.
No início do século XX, a indústria transformadora de
carne de porco perdera o lugar de relevo que tinha ocupado na economia
montijense. A venda da Fábrica Izidoro simbolizou a queda da suinicultura em
Montijo.
Contudo, para se alcançar o patamar a que se
tinha alcandado a suinicultura em Montijo, foi necessário percorrer um longo e árduo
caminho.
Cais dos Vapores - Em dia de abate de porcos, o rio corria vermelho de sangue. |
Não estão definidas as raízes da criação e transformação de carne
de porco em Aldeia Galega/ Montijo.
As fontes são escassas e algumas duvidosas.
O Anuário de Estatística de Portugal não regista qualquer
abate do porco, em Aldegalega, nos anos de 1888 e 1889, o que não parece
verosímil, porque, já no início do século passado, é assinalado um forte
comércio de carne de porco e transacções de porcos vivos.
No dia 4 de Abril de 1838, o Administrador do Concelho
de Estremoz informava ao seu homólogo de Aldeia Galega que «Antônio Cordeiro
da freguesia d'Aldea do Cortiço conduzia 40 porcos gordos de montado para esse concelho!»
Dois anos mais tarde, o substituto do Regedor da
Paróquia do Divino Espírito Santo (Aldegalega), informava o Administrador do
Concelho, em 26 de Fevereiro, que não podia fiscalizar as contas das
Irmandades da Igreja Matriz porque desde o princípio de Dezembro até ao
Carnaval quase todos moradores desta Vila são incertos em suas casas, pelo
giro de negócio das carnes de porco, que os obriga a transitarem de contínuo,
ora para a Província, ora para Lisboa (…)».
No contrato celebrado pelo «marchante contratador do
fornecimento das carnes verdes para consumo desta vila» este obrigava-se (entre
Dezembro e até ao Entrudo) a dar carne de «porco pelo preço de cinquenta e
cinco reis cada arrátel», — além de carne de vaca da Beira e da Terra e capado.
Outros documentos referem-se ao movimento mercantil
derivado do porco, como o ofício datado de 8 de Fevereiro de 1850 e enviado
pela Alfândega de Lisboa ao Administrador do Concelho de Aldegalega, no qual
informava da existência de uma guia passada «para 56 porcos vivos, com
destino a Villa Franca de Xira, e de lá para Chãos de Tira-Corda».
Os porcos eram criados em montados, em Canha, onde em
1850, havia 200 porcos a engordar, e, na vila do Montijo, em «fazendas ou
quintais a que chamão suvões».
Em meados do Século XIX, já havia fábricas de
transformação de carne de porco e Aldeia Galega já exportava os seus produtos,
quer para vários pontos do país, quer para outros países, nomeadamente da América
Latina, Venezuela e, sobretudo, Brasil.
A Fábrica TÓBOM, cujo edifício se localiza na Praça da República |
Foi o Encarregado dos Negócios deste País, que gerou o
primeiro incidente diplomático, por causa da carne de porco, como se retira da
acta da reunião da Câmara Municipal de Aldegalega de 11 de Outubro de 1852.
«Tendo chegado ao conhecimento da Câmara, pela
leitura que faz do jornal do Comércio de 19 de Agosto último — do Rio de
Janeiro —, o inexacto e calunioso officio que de Lisboa dirigio ao seo governo
o Encarregado dos Negócios do Império do Brazil em Portugal, António de
Menezes Vasconcellos Drumont, no qual desenvolve a mais perfídia e aleivosa
acusação, declarando que a Polícia deste Districto descobrira por denúncia
huma Fábrica de paios e chouriços nesta Villa, aonde se commette toda a espécie
de falsificação na manufactura d'aquelles objectos, misturando-se de envolta
com a carne de porco outras carnes de animais nocivos à saúde pública,
acrescentando que até havião desconfiança de que a carne humana entrava
n'aquella manufactura. A Câmara cheia do maior horror por ver que a matéria do
dito ofício é huma pura falsidade e calumnia digna da mais acre censura, por
ter o cunho da malvadez, lançando hum horrível anathema sobre os géneros da
nossa exportação delibera que (…), pois que se trata do crédito e reputação
dos seos concidadãos tão infammente injuriados, que se fizesse uma reclamação
aos Ex.mo Senhor Governador Civil, para este tomar em consideração este
objecto de tanta transcendência, e pedir ao governo de S. Majestade reclame
do Ministro do Império do Brasil huma reparação e retractação do que
infundadamente [se declara] no dito officio, fazendo assim publicar na Folha
Official, e que sendo estes factos tão graves, e devendo ter toda a publicidade
para obstar a torrente infamante que aquelle indiscreto officio produzio no público,
se inserisse em alguns periódicos da capital o contehudo da reclamação que a
Câmara faz para dar hum público testemunho da innocência dos habitantes
deste Concelho tão atrozmente aviltados.»
Ruky Luky
O esforço para trazer à tona a história de Montijo e das actividades que em tempo tornaram esta vila famosa tem de basear-se em informações com mais rigor. O foto que aqui se insere é já muito depois do 25 de Abril, bastando olhar para a discoteca "In Loco". As ruas Gago Coutinho, Aldeia Velha e Sacadura Cabral e adjacentes, em 1980 tinham cerca de 20 fábricas de chacinaria. A primeira fábrica Izidoro, no princípio do século XX, estava estabelecida nessa área. Em meados do século, após a II Guerra Mundial, Montijo, segundo as informações da Junta Nacional dos Produtos Pecuários (JNPP), era o 2.º maior produtor de carnes de suíno do país. A indústria começou a decair estrondosamente a partir dos anos 90. As indústrias de carnes, cortiça e cerâmica foram baluartes deste concelho. Patrioticamente foram acompanhando a decadência industrial do país.
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