sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Bombeiros Voluntários de Montijo

Como tudo começou…


D. João I, através da Carta Régia de 23 de Agosto de 1395, tomou a primeira iniciativa de promulgar a organização do primeiro Serviço de Incêndios de Lisboa, ordenando que: "...em caso que se algum fogo levantas-se, o que Deus não queria, que todos os carpinteiros e calafates venham àquele lugar, cada um com seu machado, para haverem de atalhar o dito fogo. E que outros sim todas as mulheres que ao dito fogo acudirem, tragam cada uma seu cântaro ou pote para acarretar água para apagar o dito fogo".
Embora, no reinado de D. João V, tivesse sido fundada, no Porto, a Companhia do Fogo ou Companhia da Bomba, constituída por 100 "homens práticos", capazes de manobrarem a "Bomba, machados e fouces", e, em 17 de Julho de 1834, a primeira Companhia de Bombeiros de Lisboa, instituída pela Câmara Municipal, só mais tarde se encontrarão referências a Aldegalega do Ribatejo.
Foto: Atrelado para combater incêndios da antiga fábrica Mundet (Montijo), espólio dos BVM.

Em 31 de Agosto de 1842, a Câmara Municipal de Aldegalega aprovou uma postura que regulamentava o combate ao fogo.
Nos termos da Postura, a Companhia do Cais passava a ser responsável pelo combate aos incêndios, mas «sendo unicamente a villa fornecida de água por carros com pipas, ficarão de ora em diante os donos destes obrigados a terem as mesmas pipas cheias de água e a acudirem em qualquer incêndio quando se manifeste de quaisquer sinais das igrejas ou cadeia desta vila» (edifícios onde estavam instalados os sinos).
A Postura estabelecia um sistema de gratificação para «o condutor da primeira pipa que conduzir esta cheia de água ao ponto de incêndio», que recebia de gratificação a aquantia de 800$00 (oitocentos reis), mas sancionava «todos os donos de pipas de fornecimento de água por cada uma das vezes que faltarem seus carros com pipas cheias de água» com a multa de 5.00$0 (cinco mil reis) e «todos os donos das pipas que não conservarem em todas as noites as pipas cheias (pagavam) por cada uma das vezes que de noite lhe for encontrada a pipa vazia 1.000$0 (mil reis). Para manter um sistema eficaz de vigilância, a câmara municipal pagava 500$00 reis ao zelador que denunciasse a infracção
Penas pesadas incidiam também sobre «todo o homem da Companhia do Cais por cada uma das vezes que (faltasse) a acudir a qualquer incêndio com os objectos de que (estava) encarregado», que pagava de multa 3.000,00 (três mil reis). O capataz que cometesse igual transgressão pagaria o dobro.
O cargo de Encarregado do Tratamento e Arranjo da Bomba, que fora adquirida em 1845 pela quantia de 144$000 (cento e quarenta e quatro mil reis), foi extinto em 1848, por necessidade de restrição de despesas, ficando o equipamento a cargo da Companhia Braçal do Cais.


No princípio do século XX, Aldegalega perorava pela falta de pessoas competentes para lidarem com o material de combate a incêndios, reconhecendo a edilidade a desorganização dos seus serviços nesse sector, e almejava pela constituição de uma Corporação de Bombeiros Municipais.
Por essa altura, em 25 de Maio de 1906, Cândido José Ventura, presidente da Sociedade Filarmónica 1.º de Dezembro, fez aprovar, em reunião da direcção, uma proposta visando a organização de uma  quermesse, cujo produto seria aplicado na constituição de um Corpo de Bombeiros Voluntários.
Nessa mesma noite, conta Cândido José Ventura,
«Falei com o Eugénio Borges Sacoto, para se encarregar de falar a pelo menos uns vinte rapazes operários, para constituir uma Corporação de Bombeiros Voluntários.
Logo no dia seguinte entregou-me uma lista (…).
Tinha já o pessoal, mas faltava tudo o mais.
Falei com o senhor Francisco da Silva que era então Presidente da Câmara, pedindo-lhe que consentisse que os Bombeiros se servissem do material da Câmara, o que da melhor vontade autorizou.
Oficiámos à Corporação Municipais de Lisboa, pedindo-lhes que mandasse aqui todos um domingos um técnico competente, para instruir o nosso pessoal, pois pagaríamos todas as despesas e a devida remuneração.
Veio um instrutor, que só exigiu que lhe pagasse as despesas, não aceitando remuneração alguma.
Os primeiros exercícios foram feitos na Praça dois Touros.
Depois do pessoal devidamente instruído, vieram dois técnicos para procederem ao seu exame.
Terminado este acto, os Examinadores declararam que o pessoal se achava habilitado para exercer bem o Mister de Bombeiros.
Com o pequeno recurso que a quermesse ia dando conseguimos comprar fardamentos, cinturões, machados, capacetes, mangueiras, escada de gancho e também mangueira de salvação.»


Em 7 de Março de 1908, a direcção da Sociedade Filarmónica 1.º de Dezembro decidiu «separar da Sociedade a Corporação dos Bombeiros Voluntários», passando a Corporação dos Bombeiros a reunir-se na casa do material de incêndios, com autorização da autarquia.
Foi então eleita uma direcção constituída por Francisco Feire Caria, Justiniano António Gouveia, Álvaro Valente, Joaquim dos Santos Oliveira e Cândido José Ventura.
Aprovados os estatutos, ganhou vida própria aquela que viria a ser a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Montijo.

Foto: Cândido José Ventura [5.11.1859 - 18.04.1953], a quem se deve a fundação da Corporação dos Bombeiros Voluntários de Montijo. 


Ruky Luky




















sábado, 30 de novembro de 2013

Uma Viagem ao Passado (2)

 O Bairro da Cadeia
Aspecto da Praça da Republica,  em 1961 

À medida que a população se foi deslocando para o centro da vila e se construiu o “porto novo”, o “pequeno rossio”, que era então a actual Praça da República, tornou-se, paulatinamente, no centro de Aldegalega do Ribatejo.

No século XIX, a praça, além da Igreja do Divino Espírito Santo, era ladeada, a poente, pela cadeia e um conjunto de casas nobres e, a sul, pela Estalagem das Caleças (antiga Fábrica TÓBOM). Ao conjunto edificado da cadeia e das casas nobres, que corresponde hoje ao espaço ocupado pelo Banco Santander Totta até ao antigo Centro de Convívio de Reformados, denominava-se Bairro da Cadeia. Entre o Bairro da Cadeia e o actual Mercado Municipal, encontrava-se o açougue e a eira pública.

A Praça era o local privilegiado para a realização de festas, de cunho sagrado ou profano, como as festas do Divino Espírito Santo e de outras confrarias, e para a realização de mercados.
Em 1839, estabeleceu-se o mercado das hortaliças e, prosperando também o mercado suinícola, a Câmara Municipal de Aldegalega deliberou proibir que “os porcos fossem expostos ou demorados nos sítios da Praça, Cadeia e Caleças”, isto é, os três sítios que constituem, hoje, um todo denominado Praça da República.

Em 1850, a actual Praça da República estava por empedrar, era percorrida por carroças, algumas caleças e assaltada pela vozearia dos comerciantes. A dois passos dali, no então edifício da câmara municipal (actual galeria municipal) funcionava, no rés-do-chão, o mercado de peixe e, no primeiro andar, o Tribunal e a Câmara Municipal.
O adro da igreja e o seu interior continuavam a servir de cemitério da vila.

 Foi, em meados do século XIX, que se começou a desenhar, de modo mais sólido, a fisionomia da Praça da República.
Em Abril de 1853, a Câmara Municipal de Aldegalega deliberou proceder à plantação de árvores, realizou obras e proibiu a passagem de «carros, carretas, cavalgaduras maiores ou menores ou gado de qualquer espécie pelo terreno da praça de novo aterrado e terraplanado» com o fim de dar à Praça «um aformoseamento tal que com comodidade e segurança na mesma se pudesse transitar e passear, sem se incorrer no perigo iminente de ser atropelado.» A questão do trânsito, da segurança e do “excesso” de velocidade é um problema antigo…

Por essa altura, já estava construído o imponente imóvel de António Pereira Duarte (Praça/R. Alm. Cândido dos Reis).

Na linha das obras que vinha realizando, a câmara deliberou, em 1867, vender o edifico da cadeia e construir uma nova. O edifício foi adquirido por António Máximo Ventura e, mais tarde, o seu filho, Cândido José Ventura, ali construiu um admirável chalé, que foi demolido em 1993. A cadeia situava-se na esquina da Praça da República/R. Guerra Junqueiro.

Em 1869, foi construído o primeiro coreto, todo em madeira, por iniciativa da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, que se degradou e foi substituído, trinta anos depois, por outro em ferro, construído por subscrição pública e colocado “no pequeno largo fronteiriço à R. Direita, largo que faz parte da Praça Serpa Pinto.” Por essa altura, já a Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro tinha ali a sua sede, no local que hoje se conhece.

O primitivo topónimo do lugar foi Praça Serpa Pinto, em “homenagem e agradecimento ao explorador pela maneira briosa porque sustentou a honra e o nome de Portugal nas longínquas paragens africanas.”

A Praça da República foi a jóia da Vila de Montijo. Mercado, centro cívico, local de convívio, centro nevrálgico do pequeno mundo aldeano, transformou-se, nos últimos anos, em peça de pechisbeque tão maltratada tem sido. Quem a conheceu chora, hoje, a saudade da sua harmonia. Cada fachada da Praça da República guarda uma história, que será contada mais tarde.


Ruky Luky

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Praça da República

Uma Viagem ao Passado (1)

O "pequeno rossio" do século XV apresentava este aspecto no início do século XX.

No século XV, o local que hoje se denomina de Praça da República era descrito como um “rossio pequeno em redor da Igreja do Espírito Santo”, em oposição ao maior, que se localizava na actual Praça 1º de Maio, outrora o centro da vila e dominado pela Santa Casa da Misericórdia.
Naquele século, crescendo a vila em direcção ao rio, o povo aldeano solicitou ao Mestre da Ordem de Santiago, D. Jorge, filho de D. João II, que fosse construída uma nova igreja mais no meio da povoação. O pedido foi indeferido, mas o povo aldeano, numa lição que os montijenses devem reter, não baixou os braços. Permitiu que a câmara municipal lançasse um imposto destinado à construção da nova igreja e, como descreve o Pe. António Carvalho da Costa «o braço do povo (a) fez e ornou de prata e ornamentos». Em 1498, estava pois construída a Igreja do Espírito Santo, no “rossio pequeno”.
Como é consabido as igrejas eram também utilizadas como cemitério e, assim, dentro da Igreja do Espírito Santo e no seu adro foram enterrados milhares de corpos ao longo de mais de três séculos. A Praça da República foi o principal cemitério de Aldeia Galega, até ao século XIX. Na década de 50 e 60, do século XX, quando a Praça foi sujeita a obras de remodelação, foram desenterradas muitas ossadas do primitivo cemitério. Ainda hoje, quem passear junto à igreja facilmente verificará a existência de lajes tumulares.
À medida que a população se foi deslocando para o centro da vila e se construiu o “porto novo”, o “pequeno rossio” transformou-se, paulatinamente, no centro de Aldeia Galega do Ribatejo.
Desde muito cedo, ali se ergueram palanques para as corridas de touro, que era reprovado pelo visitador da Ordem de Santiago, que considerava muito indecente que os homens se sentassem perto das mulheres. Contudo, apesar da pesada ameaça de excomunhão, as touradas continuaram a realizar-se no adro da igreja.
No século XIX, o pequeno rossio, além da Igreja do Divino Espírito Santo, era ladeado, a poente, pela cadeia e um conjunto de casas nobres e, a sul, pela Estalagem das Caleças (antiga Fábrica TÓBOM). O conjunto edificado da cadeia e das casas nobres, que corresponde hoje ao espaço ocupado pelo Banco Santander Totta até ao antigo Centro de Convívio de Reformados (Av.ª dos Pescadores), denominava-se Bairro da Cadeia. Entre o Bairro da Cadeia e o actual Mercado Municipal, encontrava-se o açougue e a eira pública.
A Praça era o local privilegiado para a realização de festas, de cunho sagrado ou profano, como as festas do Divino Espírito Santo e de outras confrarias, e para a realização de mercados.
Em 1839, estabeleceu-se o mercado das hortaliças e, prosperando também o mercado suinícola, a Câmara Municipal de Aldegalega deliberou proibir que “os porcos fossem expostos ou demorados nos sítios da Praça, Cadeia e Caleças”, isto é, os três sítios que constituem, hoje, um todo denominado Praça da República.
Em 1850, a actual Praça da República estava por empedrar, era percorrida por carroças, algumas caleças e assaltada pela vozearia dos comerciantes. A dois passos dali, no então edifício da câmara municipal (actual Galeria Municipal) funcionava, no rés-do-chão, o mercado de peixe e, no primeiro andar, o Tribunal e a Câmara Municipal.
O adro da igreja e o seu interior continuavam a ser o cemitério da vila.

Ruky Luky






segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Um Passeio por Montijo

Descendo a Rua da Graça


Esquadra da Polícia de Segurança Pública. Nada na sua fachada nos diz que poderemos estar face a um dos edifícios mais antigos de Montijo.

Deixemos a Igreja de S. Sebastião, primeira Matriz de Montijo, e a Casa da Roda e vamos Rua da Graça fora.
Montijo, Novembro de 2013.
O edifício está bem identificado e todos o conhecem, pois trata-se da Esquadra da Polícia de Segurança Pública. Nada na sua fachada nos diz que poderemos estar face a um dos edifícios mais antigos de Montijo. Contudo, um olhar mais perspicaz levar-nos-á a descobrir os dois pináculos, coroamento dos contrafortes, que eram muito usados na arquitectura gótica. Em 1842, já estavam extintas as ordens religiosas, o edifício passou a integrar o património municipal. Depois de sucessivas campanhas de obras, ficou apto a receber um aquartelamento militar e, posteriormente, as instalações do telégrafo, a escola primária e a actual esquadra da polícia. Inicialmente fora o convento e o hospício dos Frades da Graça, dai o nome por que ficou conhecida aquela zona da actual cidade de Montijo.
À excepção dos pináculos, nada resta que possa identificar os traços arquitectónicos da primitiva construção, que era vedada por uma cerca e tinha capela própria, que foi desmanchada em 1842, assim como a cerca da propriedade, cujos terrenos se estendiam até ao rio. Do destino dado á capela nada se sabe, quanto à cerca, parte dela foi utilizada para construir o muro do cemitério.
Por mera curiosidade, assinale-se que, no outro extremo da vila de Aldegalega (R. de Santo António/Avenida dos Pescadores) erguia-se o Convento de Nª Srª da Conceição, no quarteirão situado entre a Avª Luís de Camões e a Praça Brasília, que chegou a albergar uma Casa para Educação de Meninas Pobres e um recolhimento para idosos. A acabou consumido pelas chamas. A Travessa da Cerca (Av.ª Luís de Camões) recorda a cerca do convento.
O passeio deve continuar nem que seja só meia dúzia de passos.


À excepção dos pináculos, nada resta que possa identificar os traços arquitectónicos da primitiva construção
Aldegalega do Ribatejo, 1862.
Os aldeanos eram conhecidos pela sua têmpera, gente que fazia e que não estava à espera que uma mão protectora resolvesse os seus problemas.
Naquele ano, por altura das Festas da Piedade, os principais habitantes de Aldegalega resolveram mandar construir uma praça de touros, nos terrenos anexos ao Convento da Graça. Vinte anos após a sua construção aquela praça foi demolida e, no mesmo local, edificada outra com capacidade para três mil espectadores e um diâmetro exterior de quarenta e dois metros, respeitando o projecto do Mestre de Carpintaria, José Vito da Silva. A Praça de Touros de Aldegalega foi inaugurada em 29 de Junho de 1888. No final da primeira metade do século XX, devido aos sinais evidentes de degradação que ostentava, a praça foi encerrada e, no seu local, foi construído o Cinema Teatro Joaquim de Almeida.



Rua da Graça. O convento, que albergou as tropas napoleónicas comandadas pelo General Loison, "O Maneta", e, contígua, a Praça de Touros.
Ainda hoje há quem ao olhar para o edifício do cinema se lembre das tardes de glória protagonizadas na praça de touros, que ali existiu, e outros velhos montijenses recordam aquela tarde em que um touro desembolado entrou nas instalações municipais – a abegoaria –, contíguas à praça, e trespassou as mulas que ali estavam. A Travessa da Praça de Touros lembra a existência daquela praça nas imediações.
Mas isso passou-se no tempo em que os touros vinham a pé e as carroças municipais eram puxadas por mulas.


Ruky Luky

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Impasse na Junta de Freguesia Montijo/Afonsoeiro

Quando o Vazio nos Bate à Porta

Sede da União das Freguesias de Montijo e Afonsoeiro. A Freguesia tem Presidente, mas não tem Junta.

Pela primeira vez na história da democracia, em Montijo, há um impasse na constituição da Junta de Freguesia.
Há razões políticas e jurídicas que o fundamentam. Deixemos, para um segundo plano, as decisões de ordem política, e foquemos a nossa atenção no figurino legal.

A versão original da Lei 169/99, de 18 de Setembro, estatuía que o presidente da junta é o cidadão que encabeçar a lista mais votada na eleição para a assembleia de freguesia, e, no que respeita á composição da junta de freguesia, que os vogais são eleitos pela assembleia de freguesia, de entre os seus membros.
A alteração posterior à lei modificou este articulado passando a dispor, e reportamo-nos agora somente à junta de freguesia, uma vez que se não alterou a eleição para o presidente da junta, que os vogais são eleitos pela assembleia de freguesia mediante proposta do presidente da junta.
Esta alteração substancial no modo de constituição da junta de freguesia não permite a constituição de executivos minoritários nem tão-pouco que a assembleia de freguesia procure no seu seio consensos para a formação do executivo da freguesia, ficando sujeita à vontade e às escolhas do presidente, que podem não coincidir com a vontade da maioria dos eleitos locais.

Tomemos o exemplo da Freguesia de Montijo.
Nos últimos dezasseis anos, o Partido Socialista tem governado a Freguesia de Montijo.
No mandato de 2005/2009, por não ter maioria absoluta, a Junta de Freguesia resultou de um acordo celebrado entre o PS, o PSD e a CDU.
No mandato, que agora findou, o PS obteve a maioria de relativa dos mandatos, mas os suficientes para poder candidatar uma lista e constituir a Junta de Freguesia exclusivamente com os seus membros.
Nas eleições realizadas, em 29 de Setembro, para a União das Freguesias de Montijo e Afonsoeiro, O PS alcançou 6 mandatos, a CDU obteve o igual número de mandatos (6), o PSD 5 mandatos e o BE 2 mandatos.


Nos termos do n.º 1 do Artigo 24-º, da Lei das Autarquias Locais, nas freguesias com mais de 150 eleitores, o presidente da junta é o cidadão que encabeçar a lista mais votada na eleição para a assembleia de freguesia, e, nos termos da alínea c) do n.º 2 do mesmo artigo, nas freguesias com 20000 ou mais eleitores há seis vogais.
No nosso caso, o presidente da Junta é o candidato do PS.

Porém, o PS elegeu 6 membros (neste número inclui-se o presidente da junta) o que não lhe permite apresentar uma candidatura para a eleição da Junta de Freguesia, uma vez que esta é composta por 7 membros.

Como não alcançou um acordo com as outras forças políticas, gorou-se a possibilidade de constituir a junta de freguesia.

E agora? O que diz a lei? Nada! Como ultrapassar o impasse? Só há dois caminhos – ou impera o bom senso e prevalecem os interesses da Freguesia e os partidos entendem-se e constituem a Junta de Freguesia, ou provocam-se novas eleições, que só poderão ser realizadas daqui a seis meses.

A questão não é virgem pois já tinha sido detectada em 2005, em Vendas Novas, quando, após as eleições para a assembleia de freguesia, não foram eleitos membros para constituir a junta de freguesia.
Então, sobre este assunto, a Junta de Freguesia de Vendas Novas solicitou parecer à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, nomeadamente, para saber se:
1.Não havendo junta constituída, como se poderia proceder à alteração orçamental, uma vez que a junta de freguesia tinha necessidade de proceder a pagamentos cuja dotação era insuficiente?
2. Como deveria ser interpretado o artigo 80º da Lei nº 169/99 de 18 de Setembro, alterada pela Lei nº 5-A/2005 de 11 de Janeiro (deve ou não continuar em exercício todo o executivo do mandato anterior).”?
O parecer exarado pela Dr.ª Gertrudes Gonçalves, em 2007, do qual se extraem alguns excertos, defende o seguinte:
«1. Na esteira do entendimento homologado por Sua Excelência, o Secretário de Estado da Administração Local em 18/02/02 (mediante despacho exarado na Informação Técnica nº 35/DSJ, de 15/2/02, da Direcção-Geral das Autarquias Locais), compete ao Governador Civil a designação da comissão administrativa que vai substituir temporariamente o órgão executivo da freguesia, bem como marcar a eleição intercalar para a assembleia de freguesia, a qual só poderá ter lugar em data posterior ao decurso de 6 meses após as últimas eleições gerais autárquicas. Sustenta-se tal entendimento sobretudo nos artigos 222º e 223º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, na redacção da Lei Orgânica nº 3/2005 de 29 de Agosto.

Esta comissão administrativa vai desempenhar as suas funções por um período de tempo relativamente curto, somente até à instalação dos órgãos resultantes da nova eleição.

2. A questão que se coloca é saber quem deve “assumir a junta de freguesia” até à nomeação da comissão administrativa pelo Governador Civil – facto que ainda não ocorreu – sabendo-se que o disposto no nº 2, do artigo 223º, da Lei Orgânica nº 1/2001, se refere à situação de eleições intercalares, que ocorrem no decurso de um mandato, e que não é o caso concreto, visto na presente situação ter havido um mandato terminado, sem que se tenha iniciado novo mandato.

Como é sabido, o órgão Junta de Freguesia não é eleito directamente, mas sim por eleição de entre os membros da Assembleia de Freguesia, esta Assembleia é que é eleita pelos cidadãos recenseados na área de freguesia – vide artigos 4º e 9º nº 1, da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, na redacção da Lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro – sendo certo que os vogais da junta saem obrigatoriamente da Assembleia recém eleita. Ora, a Junta de Freguesia anterior às eleições de Outubro de 2005, terminou o respectivo mandato, quando a nova Assembleia de Freguesia foi instalada, não podendo utilizar-se o disposto no artigo 80º, desta mesma lei para colmatar a falta de junta e dizer que a anterior junta deve continuar o mandato até a nova tomar posse, pois a junta anterior saiu de uma assembleia de freguesia que actualmente já não existe.
(sublinhado nosso).

Parece-nos, que o disposto no artigo 80º, da Lei nº 169/99, na redacção actualizada, que dispõe que “Os titulares dos órgãos das autarquias locais servem pelo período do mandato e mantêm-se em funções até serem legalmente substituídos”, deve ser aplicado para situações ocorridas no decorrer de um mandato, não podendo os eleitos manterem-se em funções, depois de ter havido eleições directas e já estar constituído novo órgão.
(sublinhado nosso).

Nestes termos, parece-nos, que na situação concreta, e até que seja nomeada comissão administrativa pelo Governador Civil – esperando que esta entidade tenha sido informada da situação – deverá ser o membro eleito directamente, que é o cidadão que encabeçou a lista mais votada na eleição para a assembleia de freguesia, a ficar na junta.

3. Porém, este cidadão não pode exercer as competências do órgão junta de freguesia, temos que ter sempre em conta que na presente freguesia, este órgão não existe, por isso, este cidadão nada pode fazer, já que as competências existentes na lei pertencem ao órgão ou ao presidente do órgão, que no caso concreto não existe.

Actualmente, até os próprios órgãos têm as respectivas competências limitadas no período que medeia entre a realização de eleições e a tomada de posse dos novos órgãos eleitorais, pela Lei nº 47/2005 de 29 de Agosto. Assim, não nos choca que num caso como o presente se decida no sentido de que o cidadão mais votado não detenha qualquer poder - competência – para o que quer seja.

4. Assim, somos de parecer, salvo melhor opinião, que estando em exercício apenas o cidadão que tiver encabeçado a lista mais votada, visto ainda não ter sido nomeada a comissão administrativa pelo governador civil, não pode ser efectuada qualquer alteração orçamental, visto este cidadão não deter competências para o efeito.

5. De facto, a lei não consagra solução para a situação concreta, e pelo menos até à nomeação da comissão administrativa pelo governador civil, não haverá ninguém que execute as atribuições públicas que a lei encarregou a freguesia de prosseguir.»
(sublinhado nosso)

O mesmo entendimento perfilhou a Caixa Geral de Depósitos quando decidiu recusar o pagamento de cheque por motivo de saque irregular porque não tendo sido conseguida a formação junta de freguesia, no decurso das eleições autárquicas de 2009, a solução encontrada interinamente para ultrapassar o referido impasse ditou que, em violação do normativo legal vigente (que exige para assegurar a regularidade do saque a intervenção do tesoureiro), o cheque em causa fosse assinado pelo presidente, então eleito, da Junta de Freguesia de (…) e pelo secretário eleito no mandato anterior.      
Na situação em causa, entendeu a CGD não ter aplicação o artigo 80.º da Lei das Autarquias Locais [“Os titulares dos órgãos das autarquias locais servem pelo período do mandato e mantêm-se em funções até serem legalmente substituídos”], cujo espírito que lhe subjaz sugere que o preceito seja unicamente aplicado às situações ocorridas no decorrer de um mandato, não podendo os eleitos do executivo anterior manter-se em funções depois de ter havido eleições directas e já estar constituído a nova assembleia de freguesia, órgão de onde dimanam os vogais que constituirão o órgão executivo (a junta de freguesia).

Face à lacuna a doutrina diverge na interpretação e na aplicação do normativo legal.
Em sentido oposto, por exemplo, manifestou-se a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, em 2010.
 Consultada por determinada junta de freguesia sobre a eleição dos vogais da junta de freguesia e o princípio da continuidade do mandato, a Dr.ª Elisabete Frutuoso, exarou o seguinte despacho (excertos):

«Embora a lei (Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro) no referido art. 9º, nºs 3 e 4, estabeleça critérios de desempate, não estabelece uma solução legal que permita fundamentadamente resolver a impossibilidade de eleger os vogais por não aceitação da proposta aquando da votação. Não se prevê, com efeito, que após a realização de várias eleições de vogais, sem que estes tenham sido eleitos, se verifique um outro procedimento ou uma outra forma de os propor, designadamente através de listas alternativas. Como já referimos, é clara e expressa a intenção do legislador em atribuir tal competência apenas ao presidente da junta. (sublinhado nosso).
Posto isto e na ausência de uma solução legal para o efeito, só nos é dado apelar, tendo em conta o princípio da prossecução do interesse público, a um entendimento convergente que permita eleger os vogais da junta de freguesia e nessa medida contribuir para o regular funcionamento dos órgãos autárquicos.
Em Reunião de Coordenação Jurídica de 15 de Novembro de 2005 (1) foi neste sentido aprovada a seguinte conclusão:
“De acordo com o disposto no nº2 do artigo 24º da Lei nº 169799, de 18 de Setembro, os vogais da junta de freguesia são eleitos pela assembleia de freguesia ou pelo plenário de cidadãos eleitores, de entre os seus membros, mediante proposta do presidente da junta, nos termos do artigo 9º, pelo que o presidente da junta deve apresentar tantas propostas quantas as necessárias para que se alcance um consenso com a assembleia de freguesia ou com o plenário de cidadãos eleitores, conforme os casos, seja apresentado novas listas ou recorrendo à eleição uninominal dos vogais”.
Não tendo sido, todavia, eleitos os vogais da Junta de Freguesia, deverão os vogais da anterior Junta de Freguesia, por força do princípio da continuidade do mandato, previsto no art. 80º da Lei nº 169/99, manter-se em funções até serem legalmente substituídos. (sublinhado nosso).

No que concerne ao exercício de mandato do Presidente da Junta de Freguesia, importa referir que tendo sido já instalada a Assembleia de Freguesia, nos termos previsto do art. 8º da Lei nº 169/99 o cidadão que encabeçou a lista mais votada para esse órgão é o Presidente da Junta, que tem legitimidade, no âmbito das suas competências, para exercer o mandato para o qual foi eleito.
Nesta medida, a Junta de freguesia em causa é, até à eleição dos novos vogais, constituída pelo Presidente da Junta, que é o cidadão que encabeçou a lista mais votada para a Assembleia de Freguesia nas últimas eleições autárquicas, e pelos vogais da anterior Junta de Freguesia. Note-se que o Presidente da Junta anterior cessa o seu mandato e respectivas funções a partir do acto de instalação da Assembleia de Freguesia.
Sobre o regime da gestão limitada dos órgãos, através do qual os órgãos e os seus titulares apenas podem praticar actos correntes e inadiáveis, a Lei nº 47/2005, de 29 de Agosto, define um conjunto de matérias sobre as quais aqueles estão impedidos de deliberar ou decidir.
Assim, embora não esteja expressamente referida a matéria referente ao orçamento e às opções do plano, estes, enquanto instrumentos previsionais, estão seguramente fora do conceito de gestão corrente, devendo, nessa medida, continuar a vigorar as opções do plano e o orçamento do ano anterior.
Por último, refira-se que a realização de eleições intercalares só é admissível nos casos expressamente previstos na lei, nomeadamente quando após a renúncia do presidente da junta se verifica a impossibilidade de preencher a sua vaga na lista ou coligação a que o mesmo pertence, de acordo com os arts. 29º, nº 2 e 79º da Lei nº 169/99.»

Ruky Luky






segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Um episódio na Invasão Francesa

O Valente Carreteiro Francisco Brito

«As tropas francesas comandadas por Loison, «O Maneta», ficaram aquarteladas na residência pertencente aos frades da Graça (Agostinhos) - primeiro edifício, à esquerda, hoje esquadra da PSP. Nessa ocasião vivia ali apenas um capelão, estando o prédio a servir de celeiro para o recolhimento de trigo e cevada.»

«Corria o ano de 1809, quando os franceses aportaram a Aldeia Galega do Ribatejo, em sete barcos, com o fim de seguirem para Évora, sob o comando do general maneta Loison.
Falaram com o Juiz de Fora, o célebre Francisco Rodrigues Cardeira que, coagido (diz ele) os aquartelou - com o fim de evitar o aboletamento em casas particulares – na ermida e residência pertencente aos frades da Graça (agostinhos).
Loison dirigiu-se para o Alentejo e deixou na vila um seu lugar-tenente, por nome Foucoult, que ficou exercendo a supremacia das tropas francesas, na vila estacionadas, com o título de Governador.
Escusado será dizer que o ânimo do povo exasperou-se com tão inoportuna invasão.
Era porém preciso tratar do transporte das bagagens e numeroso trem militar que haviam de acompanhar o general e que aguardavam o seu destino no cais.
Foi chamado para esse fim o corajoso carreteiro Francisco Brito, o qual veio buscar o dito trem junto do cais, em duas carretas.
 Carregadas puseram-se a caminho. Mas o dito carreteiro, chegando ao sítio de N.S. da Atalaia, pouco povoado ainda, sendo insultado pelos dois soldados franceses que iam de guarda às bagagens avança contra eles e, num gesto de decidida valentia, deixa-se de contemporizações, e com o aguilhão que levava lança-os por terra e tanta pancada lhes dá que os prostrou quase mortos, tirando-lhes as armas.
Francisco Brito, é claro, foi perseguido pelo acto enérgico praticado, e grandes diligências se empregaram para conseguir a sua captura.
Todavia ele não trepida, vai de noite a sua casa e leva consigo o pai e foge, indo acoutar-se à protecção do seu amigo, reverendo Joaquim Rodrigues da Costa, prior da freguesia de S. João Baptista, de Alcochete.
De Alcochete, Francisco Brito parte para Alcácer do Sal, onde se conservou recatado em casa de Manuel Coelho, capitão-mor de Ordenanças e amigo do prior de Alcochete, até ser restaurada a soberania.»


Excertos do texto do P.e Alberto Gonçalves publicado na Gazeta do Sul, em 1937


Ruky Luky

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A Roda

Casa de Expostos

A Rua da Graça é escura. À noite, a ténue chama dos raros candeeiros a petróleo não alcança a extrema da vila onde se localiza a Ermida de S. Sebastião. Contígua à ermida há uma casa, aparentemente devoluta pelo silêncio que a envolve...

Há um vento que sopra desde os primeiros tempos, que não sabemos quando aconteceram, e a esse vento chamamos tempo. E o tempo levanta uma ténue nuvem de poeira, que se vai depositando sobre as coisas, a que chamamos memória. Descobrir a memória do tempo é contarmos sem pretensão a história das coisas e das pessoas da terra que nos acolhe.
Recuemos no tempo. Século XVIII… XVII…
 A Rua da Graça é escura. À noite, a ténue chama dos raros candeeiros a petróleo não alcança a extrema da vila onde se localiza a Ermida de S. Sebastião.
Contígua à ermida há uma casa, aparentemente devoluta pelo silêncio que a envolve. Um vulto destaca-se na noite fria envolto em grossa capa. Desaparece na escuridão. Nada se distingue. Passados escassos momentos, de passo apressado, envolve-se, de novo, na escuridão da vila. Ninguém o viu – ou se o viu ignorou-o. Ignora-se sempre quem se dirige para aqueles lados, àquela hora, não vá o Corfadário tecê-las. O que faz ali aquela criatura, naquela noite fria? A casa responde à pergunta.
O silêncio da casa fora interrompido pelo tocar da sineta e pelo leve chiar de uma roda. Uma mulher, de aspecto pesado, levanta-se, faz uma ligeira pausa e lentamente dirige-se para a porta. Não a abre. Sabe que não o deve fazer. Conhece bem as regras. O silêncio é de ouro e não se deve ver, ouvir e falar. Baixa-se e da roda retira mais uma criança abandonada, um desvalido da sorte. Volta a colocar a roda na posição inicial. Repara nas roupas monogramadas, na boa qualidade dos tecidos e murmura aos seus botões que é filho de gente rica que passou à condição de Exposto da Roda. A criança chora. Aconchega-o. Mais tarde, redobrando a criança o choro, corre à casa da ama-de-leite e acorda-a. Há um menino para alimentar. As duas mulheres perdem-se na madrugada gélida. No dia seguinte a criança receberá o nome de Manuel e será levada para a Roda dos Expostos de Lisboa.
 A Roda dos Expostos de Aldegalega do Ribatejo localizava-se junto à Ermida de S. Sebastião. O livro de Descrição Geral dos Bens Próprios do Município de Aldegalega, elaborado na segunda metade do Século XVIII, descreve-a assim:
“Ermida de S. Sebastião e casas anexas com seu quintal contígua ao cemitério público, com sua sacristia, uma pequena casa de entrada e dois quartos onde outrora era a Roda dos Expostos”.
A rodeira recebia, no final do século XVII, $524, que eram suportados pela Câmara Municipal de Aldegalega. O cofre municipal era também responsabilizado pelas despesas com o enxoval para os expostos, o transporte dos desvalidos da sorte para a Roda de Lisboa e pelas remunerações às amas-de-leite e amas-secas.
Registe-se por todas, o nome de Antónia Reveza, que foi rodeira em 1798.

P.S. Rua da Graça = R. Joaquim de Almeida

Ruky Luky


sábado, 5 de outubro de 2013

Luís Calado Nunes

Carta de Cruz Magalhães

Luís Elói Calado Nunes. Aldegalega do Ribatejo, 19.06.1866 - Santarém, 16.09.1918.

O Meu Moinho
         
                             A Cruz Magalhães

  À luz do sol poente
Vejo aquele moinho trabalhando…
     Estou-o comparando
A esta vida, que tão breve passa!

Movem-lhe as velas alternadamente
O vento da Fortuna e da Desgraça.
E, sem piedade, no seu giro, a mó
- a convivência humana – meu amigo,
Reduzindo-o a pó,
Vai triturando o trigo:
O Amor, a Fé, os Sonhos, a Ilusão,
            Em suma: o coração.

Mas o moleiro – a alma – vai cantando
  Ou triste ou jovial, de quando em quando.

Luís Calado Nunes

«Eu quero propalar, finalmente, tudo que julguei e julgo, do teu carácter, do teu coração, da tua alta e culta inteligência. E do teu talento artístico, também como poeta, músico, caricaturista, desenhador, etc., etc. Tu foste modesto em extremo, Amigo de quarenta anos. Nasceste numa linda vila – Aldegalega – talvez dela te viesse a modéstia.»


        Numa Folha de Hera

Envio-te esta humilde folha de hera
Tradicional emblema da Amizade,
Que a ausência não consome, não altera.
Sou-te leal, mantenho a mesma fé.
Ao veres esta folha com saudade,
Faze de conta que me tens ao pé.
Mas tu, pensando em mim, não digas: era
Antes repete com firmeza: é.

             Luís Calado Nunes

«Tu, humorista exímio; tu, cavaqueador incomparável; tu, cuja inteligência encantadora, ao serviço de uma figura insinuante, transpunha os limites dos conhecimentos humanos, de todos podendo falar com brilhantismo, quase sempre com profunda erudição!... Tu, que até sabias de cor «Os Lusíadas».
Falei do teu humorismo. Não se revelou só em soberbas ironias epigramáticas, postas em verso, saía-te espontâneo na conversação. Recorto uma anedota. Mandaste-ma numa carta, escrita de Ponta Delgada:
“Sabes uma coisa que nestes longuíssimos dias me tem feito, às vezes, sorrir?
É um criado do hotel. É original e define-se assim: se a gente o chama, não ouve; se ouve, não entende, mas se entende, não faz caso, e se faz caso…esquece-se!”».

     Retrato

Este…Não tinhas mais de treze anos. É lindo!
Uma rosa em botão que vai agora abrindo.
Ponde passas fica um luminoso rastro,
Como se ali passasse incandescente um astro.
Há no teu coração, esplêndido de sol,
Cantando a toda a hora um doido rouxinol
Ainda não deixaste o vestidinho curto,
Mas, quando sais à rua, olhas p’ra trás, a furto,
Ingenuamente a ver se a fímbria dele arrasta.

A curva do teu peito, airosamente casta,
Começa de avultar. Lembra um barquinho, quando
fresca brisa lhe vai as velas enfunando…
Ontem, na missa, viste um jovem de luneta;
O Cupido apontou esta primeira seta;
Mas não a despediu, que o moço enamorado
Seguiu-te até à porta e foi-se envergonhado.
Não hás-de esquecer, nem ele te esqueceu,
Mas pensa agora mais no exame do Liceu.

               Luís Calado Nunes

«Nunca te louvei bastante a coragem, a tenacidade, a valentia cerebral, com que, depois de quarenta anos, conseguiste fazer o curso de grego, nos dois anos da praxe.
Tinhas o Curso Superior de Letras – Recurso Inferior de Tretas, como, brincando, lhe chamavas – mas faltava-te o grego, e não te consentia o ânimo essa lacuna.
Fiquei sempre, é certo, na dúvida, mas pendendo muito para a convicção, de que estudaste o grego para mais conscienciosamente traduzires as “Odes de Anacreonte».

«No meu moinho” há páginas primorosas, e todo ele é um mimo encantador, salpicado de humorismo, e de epigrama. As tuas traduções de Horácio são um primor de honestidade e perfeição, somente igualadas, creio que excedidas, nas “Odes de Anacreonte”, com que produziste um livro pequeno no tamanho, mas grande no valor.»

 
       
A Tua Boca

A tua boca vermelha,
A que devo compará-la?
Doçura… o favo da abelha
Tem menos que a tua fala.

A tua boca! Ao beijá-la,
Toda a aminha alma ajoelha!
Foge da Terra… abala…
Em teu lábio Deus se espelha.

Mas não é por ser tão linda
(Formosura, o tempo a leva!)
Não é pela graça infinda,

Que atua boca me enleva,
Mas porque não mente ainda,
Coisa rara em filha d’Eva.

        Luís Calado Nunes


«Quem me incitou a colecionar Bordalo, a até, como lenitivo a dores inenarráveis, a constituir e fundar o “Museu Rafael Bordalo Pinheiro”? Tu, sempre tu.
Foste sempre um admirador de Columbano. O “Museu Rafael Bordalo Pinheiro” expõe duas dezenas de fidelíssimas reproduções, devidas à tua proficiente e inesgotável paciência. Mestre Columbano, examinando uma delas, proferiu esta frase: “mas isto não é uma cópia, é uma pura falsificação!” Quis, decerto, exprimir o rigor pacientíssimo com que havias copiado o grande actor Brazão no “Fura-vidas”.
De ti possuo emolduradas e no álbum algumas caricaturas.»


Provérbios

Não recuses abrigo
nem ao teu inimigo;
que a árvore também
não nega sombra a quem
pretende derrubá-la.
Fase por imitá-la.

     *
O bom nome é um amigo
de uma lealdade rara;
na solidão do jazigo,
nem ali nos desampara.

    *
A mão que pede está
por baixo da que dá;
e nisto claramente se descobre
a situação do rico e do pobre.

  *
A flor espalha o seu suave aroma,
segundo a direcção que a brisa toma.
Porém, a alma, de virtude cheia,
Dá seu perfume a tudo que a rodeia.
 *
Estuda, aprende e verás
a força de que dispões;
contra os soldados da Paz
pouco valem os canhões.

        Luís Calado Nunes




«Foi essa precoce multiplicidade de aptidões admiráveis, talvez, que produziu um grave erro na tua vida: hesitação na escolha, depois escolha errada.
Tu nasceste Artista, meu Luís, e, se chegaste a ser um proficiente, um ótimo professor, sabendo impor pela bondade a mais perfeita disciplina, e, pelo exemplo, o maior amor ao estudo e ao saber, foi porque: não podias ser medíocre em nada, nem mesmo no mister mais antípoda da tua vocação, das tuas tendências, da tua devoção. E foste um professor exemplar, devotíssimo.
É que havia em ti, inato, um sentimento nobre, belo e raro, hoje em dia: o que nos leva a cumprir, em tudo, e sempre, o nosso dever.»


De Musset

Podemos esquecer uma entrevista,
que nos foi concedida… uma conquista…
um remorso… o dia em que nascemos…
dinheiro que emprestámos!... Esquecemos
a companheira, amigos bons, leais,
o cão que nos estima; ainda mais:
pode enfim apagar-se da ideia
o céu da nossa pátria, a nossa aldeia…

E o ancião que a Morte já reclama,
pode esquecer-se até como se chama!
Nunca, porém, o louco, o moribundo,
o que perde a razão, ou deixa o mundo,
poderá esquecer a voz daquela,
que primeiro lhe disse esta singela,
meiga frase, tão pura no intuito,
proferida em segredo: «Amo-te muito»!

Luís Calado Nunes


«Em Santarém, lograste, finalmente, um sossego relativo, aparte a tua saudade de Lisboa, das livrarias, dos alfarrabistas, a Feira da Ladra… e do mais!...
Com todas as condições extraordinárias de talento e de trabalho, que te distinguiram, morreste, e somente dois jornais de Lisboa se referiram, em poucas linhas, à tua personalidade, porque o correspondente de Santarém as escreveu! Isto é revoltante.»
P.S. – Mal decorrido um mês, após a tua desoladora morte, deu-se o óbito dum equitador. Os jornais, publicando-lhe o retrato, deram largas às condolências… Corolário: nesta bela sociedade, mais vale ensinar cavalos do que preparar cérebros para a futura emancipação de Portugal!...»
*  Excertos da “Carta Para o Outro Mundo – A Luís Calado Nunes (Esboço biográfico)” – Cruz Magalhães

Ruky Luky