quarta-feira, 16 de julho de 2014

Montijo de Outrora…


A Póvoa do Montijo

«Tem (a Vila de Aldeia Galega do Ribatejo) hua povoaçam que se chama a Povoa hua legoa da villa a ponente que tem homze moradores (…).».
        Título da villa d Aldea galega”, registo estatístico da vila, mandado elaborar, em 1532, por D. João III.


Aqui se ergueu, no século XIII, a Póvoa do Montijo. Terra fértil, ali verdejavam pinhais, vinhas e laranjais da China.


D. Sancho I, a quem foi atribuído originariamente o cognome de “Lavrador”, mas que o viu alterado para “Povoador”, doou o Castelo de Palmela e o território compreendido entre os rios Tejo e Sado à Ordem de Santiago da Espada, corria o ano de 1186.

Vão assim constituir-se, sob a jurisdição dos freires espatários, um conjunto de póvoas ribeirinhas, de dimensões muito reduzidas, e agrupadas administrativamente no concelho dos Lugares do Ribatejo, cuja sede paroquial da região oriental do referido concelho era a Igreja de Nossa Senhora de Sabonha (popularmente designada Cegonha, segundo José de Sousa Rama), «igreja muito antiga e edificada em tempo que os mouros ocupavam o campo de Ourique e o Algarve. É matriz e cabeça das igrejas de Alcochete e Aldeia Galega e do Samouco e da Póvoa e de Sarilhos, porque todos estes lugares são sua freguesia» (Visitação de 1512).





Datam do século XIII ou XIV, as primeiras referências às povoações de Montijo, Lançada, Aldeia Galega, Sarilhos, Sabonha (hoje, freguesia de S. Francisco) e Samouco. Entre as povoações numeradas elegemos para objecto do nosso estudo a Póvoa do Montijo.

Localizada no cabo de Montijo, na área ocupada, hoje, pela Base Aérea n.º 6, a Póvoa de Montijo é já referida em documentos datados de 1245 e 1248.

Povoado mais antigo do que Aldeia Galega do Ribatejo, teve hospital (albergaria) mandado edificar por João Martins, prior da Igreja de Santa Marinha de Outeiro, que, em 1248, instituiu o sobrinho, Pedro Domingues, como senhor, patrono e defensor do hospital que construiu «no lugar que se chama Montigio (Montijo)» e, segundo o Título da Vila de Aldeia Galega, mandado lavrar por D. João III, em 1532, a Póvoa de Montijo dista uma légua da vila, a poente, e tem onze moradores, dos quais são duas viúvas, e nas quintas vivem dez moradores e destes uma é viúva.


Escudo português, com escudetes nacionais e o campo em distribuição triangular, evocando o ramo familiar dos Cunhas (Condes e Marqueses de Unhão) - que encimava o portão de acesso à área da ermida.
Constituída essencialmente por quintas, O Pe. Luís Cardoso registou, em 1747, a existência das seguintes: «Quinta do Marquês de Montebelo, que consta de vinhas e pinhais; Quinta de D. Fernão Martins Mascarenhas, no sítio da Póvoa junto à Igreja de Santiago: tem bons edifícios, pomar de laranja da China e outras castas de fruta, vinha e pinhais; e a Quinta do Conde de S. Vicente, com bastantes casas, pomar de laranja da china, vinhas e pinhais.» Actualmente, ainda se referenciam as do Batedouro, da Casa Branca, do Rodelo, da Póvoa e Rota.


Quinta da Póvoa: silharia brasonada que remata um dos portões



Na Póvoa do Montijo existiu uma ermida sob a invocação do apóstolo Santiago, mandada edificar por João Soareia, no séc. XIV, que se localizava entre a Quinta da Póvoa e a Quinta da Rota.

A capela-mor tinha um altar de alvenaria e nele a imagem de Santiago «de madeira bem pintada», e no corpo da ermida sobressaíam dois altares. As paredes eram de pedra e cal e estava madeirada de castanho e coberta de telha vã.

Subsistem, no edifício do Comando da Base Aérea n.º 6, dois painéis de azulejos azuis e brancos, que retratam cenas da vida de Nossa Senhora. Segundo Luís Graça, «a similitude com os cartões existentes na matriz de Montijo, autorizam a sua atribuição ao mesmo pintor, Manuel dos Santos».







No mesmo edifício, está colocado um marco de pedra, que tem gravado, na parte superior a esfera armilar e, no lado oposto, o escudo nacional quatrocentista, trancado pelo meio, por traçado relevado que corre de cima para baixo e da direita para a esquerda.

Diz Luís Graça que «servia, provavelmente, à demarcação de terras pertencentes à jurisdição do duque de Beja, senhor de Viseu, Covilhã e Vila Viçosa, governador do mestrado de Cristo, condestável do Reino e fronteiro-mor de Entre-Tejo e Guadiana, ou seja, D. Manuel I – daí a esfera armilar, emblema de que fez uso, mesmo antes de ser jurado rei, em 1495 – e os domínios sob tutela de D. Jorge, filho bastardo de D. João II – daí a marca da bastardia no escudo nacional – que, em 1492, foi nomeado mestre das Ordens de Santiago e de Avis.»
O marco data de 1521, ano da falecimento de D. Manuel I.

O assoreamento da cala de Alhos Vedros e consequente construção do porto novo, em Aldeia Galega, o estabelecimento da Posta e o desenvolvimento de Alcochete terão contribuído decisivamente para o estiolamento da Póvoa de Montijo.

Já no início do século XVI a Ordem determinava que a festa do Apóstolo Santiago, que se realizava, em exclusivo, na ermida da Póvoa, de passasse a celebrar também em Aldeia Galega do Ribatejo e Alcochete, porque «são lugares grandes e populosos».

Esfumou-se da memória colectiva de Montijo a existência da Póvoa de Montijo. Os anciãos ainda recordavam, há anos, a figura do senhor da Quinta do Batedouro, ricamente vestido, de luvas brancas, conduzindo uma carruagem puxada por garbosos cavalos. Uma quinta rica, e poderosa, quando alguém da Quinta vinha no barco da carreira, o barco fazia, ali, uma primeira paragem, assim afiançavam.

Da Póvoa de Montijo, a população retém ainda os pic-nics na Praia Branca, os banhos praia fluvial e pouco mais…

Dali, Montijo ligava-se a Lisboa, por ali se começou a demandar o interior.

Ruky Luky







quarta-feira, 9 de julho de 2014

Um episódio da História da Gazeta do Sul

A Cunha do Administrador do Concelho

Edifício da Gazeta do Sul. Av.ª D. Afonso Henriques/R. João XXIII, Montijo.
A «Gazeta do Sul – Semanário Regionalista» começou a ser publicado em 1 de Julho de 1930, em Vendas Novas, mudando a sede para Montijo em 1935.

Sob a direcção de Alves Gago, a Gazeta do Sul tornou-se num dos jornais regionais de maior expansão no País e com forte impacto nas comunidades portuguesas no estrangeiro.

O apoio e consideração que granjeou dos seus assinantes e leitores permitiu-lhe edificar sede própria, onde foi instalada também a oficina gráfica.

Embora tivesse mantido uma prudente distância em relação ao poder político, não deixou de cativar a atenção do Administrador do Concelho, que pretendeu ganhar os favores do jornal, como se alcançará pela leitura do ofício que, adiante, se publicará.
A iniciativa do Administrador do Concelho, que presumimos ter sido desconhecida do então director do jornal, não ecoou junto das instâncias superiores. A Gazeta do Sul não preencheria, talvez, os requisitos ideológicos exigidos por lei para obter a publicação de anúncios dos serviços públicos, porque não seguia os ditames do Estado Novo, e, por outro lado, o Administrador do Concelho reconhecia que um destacado membro do Partido Democrático era o secretário (chefe) da Redação

Ao mudar-se para Montijo, «A Gazeta do Sul» passou a contar com um leque plural de colaboradores, entre os quais se tomam como exemplos, o Dr. Jorge Antunes, apoiante do Estado Novo, e o Dr. Paulo Gomes, proeminente figura republicana, por representarem os extremos de uma paleta ideológica variada.

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Ofício dirigido pelo Administrador do Concelho de Montijo ao Director da Secretaria de Propaganda Nacional, em 1936:

«Publica-se nesta vila, semanalmente, um jornal que se intitula “Gazeta do Sul”, que é o periódico de mais expansão em toda a região do Ribatejo Sul e faz ainda uma edição para a vila do Barreiro.
Não ignora V.Ex.ª, decerto, haver ainda nesta região e mesmo nesta vila, grande número de elementos políticos de antigos partidos e embora o jornal em questão não tenha, até agora, acusado um ideologia definida, visto que nele têm colaborado indivíduos de todas as cores políticas, é de recear que muito em breve seja absorvido por elementos nocivos, especialmente do antigo partido Democrático, do qual um elemento de destaque já se encontra como secretário da Redação. Para mais, como a vida dos jornais da província nem sempre é desafogada, especialmente para quem deles vive, como sucede no caso presente com o Director e Proprietário da “Gazeta do Sul”, facilmente se compreende como poderão conduzir pessoas que o auxiliem materialmente, a verdade é que há um tempo a esta parte o jornal tem vindo sucessivamente melhorando de forma considerável.
Desta maneira, tomo pois a liberdade de sugerir a V. Ex.ª a vantagem de oferecer ao proprietário da “Gazeta do Sul”, qualquer subsídio com que o orçamento desse secretariado possa contribuir, no sentido de termos ao serviço do Estado Novo este elemento de valor, que está em risco de perder-se. Escusando lembrar a discrição com que tal proposta deve ser feita.»

A história da Gazeta do Sul, que foi extinta em 1990, está por contar e merece ser contada. Registamos, hoje, um pequeno episódio do seu rico percurso.


Ruky Luky