segunda-feira, 31 de dezembro de 2012


... depois há o cacto para nos lembrar, em 2013, que se pode (sobre)viver na mais inóspita condição e, ainda assim, florir.
Bom Ano.
Os meus agradecimentos pela atenção e pelo apoio  que me dispensam.
 
Ruky Luky


domingo, 30 de dezembro de 2012

Joaquim Serra

O Tempo Político

Amadeu de Moura Stoffel, à esquerda, e Joaquim Serra foram dois intelectuais que agitaram o panorama cultural de Aldegalega do Ribatejo, na década de 20.

«Não fazia ideia que o Joaquim Serra era um ateu tão ferrenho e tão contra a religião.»
                                                                       
                                                                    Jubylee
 
 
«É preciso conhecer o homem e o mundo que o rodeia. O que está em causa é a sua capacidade de raciocínio, a sua inteligência e profundidade de pensamento. Joaquim Serra cresce e vive em plena república jacobina e anti-idólatra. Bebe toda a sua filosofia de vida sob a inspiração de Guerra Junqueiro. Morre muito novo sem hipótese de aferir as suas ideias e pensamentos filosóficos. Se tem vivido mais que 25 anos poderia ter reformulado algum do seu radicalismo anti-religioso. Ficaremos sempre sem o saber. Temos de admirar, concordemos ou não com a sua linha de pensamento, que um miúdo com 13 anos tivesse uma tal capacidade de expressão idealista. No meu ponto de vista o grande valor intelectual de Joaquim Xavier Serra é no campo das ideias e só secundariamente pode ser observado como poeta. É uma opinião, não é um dogma.»
                
                                         Joaquim Carreira Tapadinhas

«Ou este povo hoje muito adeantado politi­camente faz echoar em to­dos os recantos do paiz a palavra Liberdade demons­trando assim o seu progres­so cívico, ou baqueará san­cionando a suprema affron­ta com que pretendem es­magal-o — o que é inevitá­vel.» in (0 Domingo — Semanário Repubbcano Independente — Aldegalega 03-11-1907),

 
A notícia publicada no jor­nal “Evolução”, de 25 de No­vembro de 1917, ilustra o modo como como os aldea­nos sentiam a República. As­sim rezava:
«Faleceu, no dia 18 do corrente, o sr. Pedro Piloto, a quem o povo trata­va por Mestre Pedro Calafa­te. ( ... ) Era um republicano da velha guarda. ( ... ) Era tão arreigada a sua convicção e a sua fé na República, que quando do seu advento, ele disse ao autor destas linhas que a implantação da Repú­blica, para ele, representa­va uma fortuna.»
No mesmo sentido, conta­va outro jornal local que um aldeano de boa cepa revolu­cionária, abordara, certa vez, o Dr. Celestino de Almeida, dizendo-lhe:
«Se V. Exa. com a sua lanceta de médico abrisse o coração de todos os habitantes de Aldegale­ga, em todos encontraria gravada a palavra República.»

Muito cedo se fizeram ecoar em Aldegalega os ideais republicanos. Em meados do século XIX, o Governa­dor Civil de Lisboa chamava a atenção do Administrador do Concelho para os desmandos praticados por anarquistas, que faziam os maiores excessos, «desmoralizando e desvairando a opinião pública», e que proferiam publicamente os vivas e os hinos da revolta.

A chama do novo ideal en­controu em Aldegalega o ambiente profícuo à sua pro­pagação porque, como es­creveu o Professor Dr. A. M. de Oliveira Marques, «republicano, por 1890, 1900 ou 1910, queria dizer ser contra a Monarquia, contra a Igreja e os Jesuítas, contra a corrupção política e os partidos monárquicos, con­tra os grupos oligárquicos.
O Republicanismo impli­cava um regime perfeito do povo para o povo, basea­do em completa liberdade, autêntica igualdade e perfeita fraternidade sobre a terra.»

Quer pelo ambiente acolhedor às novas doutrinas quer pela proximidade de Lisboa, Aldegalega recebeu sempre com hospitalidade e fervor republicano os gran­des tribunos, arautos do no­vo regime.

O comício, realizado no dia 6 de Janeiro de 1907, pela sua imponência e repercursão na imprensa de Lisboa, obrigou o Presidente da Câ­mara a convocar uma reunião extraordinária da edilidade para que fosse aprovado «um voto de protesto contra as doutrinas expandidas no Comício, proclamando nós bem alto que este concelho é, e foi sempre monarchico constitucional, desde que o sistema que nos rege se im­plantou no país, e que os habitantes de Aldegalega, possuídos de nobre orgulho, repellem a acção de vizinhos que pretendem guiá-los pa­ra o mal.»

Apesar do protesto das autoridades, da sua confis­são de fé na monarquia e da vigilância reforçada fei­ta à vila, os republicanos não esmoreceram na difusão dos seus ideais e, em 16 de Fevereiro de 1908, voltaram a realizar, na Praça de Touros, um imponente Co­mício, com as presenças de António José de Almeida, Agostinho Fortes e Cunha e Costa, no qual foi aprovada uma moção em que se exigia «a revogação de toda a obra da ditadura (de João Franco)».
Quinze dias após o regicídio, Aldegalega grita­va com mais força ainda  Viva a República.!

Se a Câmara Municipal, reunida extraordiriáriamente no dia 3 de Fevereiro de 1908, aprovara, por unanimi­dade, depois de ter ouvido respeitosamente de pé, o voto de profundo pesar por tão dolorosa perda para a Nação, apresentado pelo seu pre­sidente, «em vista do aten­tado horroroso de que fo­ram víctímas Sua Magesta­de El Rei o Senhor D. CarIo I e Sua Alteza Real o Se­nhor D. Luiz Fillippe, o jor­nal aldeano “0 Domingo”, de 9 de Fevereiro de 1908, informava todos os concida­dãos que «no estabelecimen­to do nosso, amigo e correlegionário, sr. António Vicente Nunes Marques, na Rua Direita, está aberta su­bscrição a favor dos filhi­nhos do professor Buíça, fe­rozmente assassinado em Lisboa, pela polícia, no dia um decorrente.
É Justo que todos concorram com o seu óbulo.»

A mesma edição do jornal analisava o regicídio do mo­do que, parcialmente, se descreve:
«Foi ainda ele (João Franco) que matou D. Carlos, o príncipe D. Luiz, o professor Buíça e dois caixeiros Alfredo Luz Costa e João Salino da Costa.
Pelas suas medidas odio­sas e asfixiantes espalhou uma atmosfera irrespirável que os tiros do Terreiro do Paço vieram dissipar.
Fera com figura humana, tarado hereditariamente, en­vaidecido pela posse do mando que um rei imprevi­dente e mal orientado lhe confiou, João Franco ignorando lições ou esquecendo as lições de história onde se pode ler sempre e iarvariavelmente o fim dos verdugos dos povos, só semeou ódio, lágrimas e a morte.»

Nove anos mais tarde, ao recordar o evento, 0 Do­mingo, na sua edição de 4 de Fevereiro, considerava que «o acto deste dia (1 de Fevereiro) foi a cólera da nação encarnada em Costa
Buíça e nos seus compa­nheiros de acção. ( ... ) Cos­ta e Buíça não foram crimi­nosos sedentos de sangue, nem foram levados por uma minoria que queria, também, oprimir. Levou-os a cólera de quem queria liberdade, liberdade e só liberdade.»




Em 1908, os republicanos d Aldegalega põem a correr «à assinatura de quem quiser, um protesto cujo fim é substituir o nome do Conselheiro João Franco a uma rua desta vi­la, por outro ainda que seja primitivo Rua Nova.»
Mudou-se o nome à rua e, em de 30 de Novembro de 1908, mudou-se, também, a vereação da Câmara Municipal, com a eleição de Manuel Ferreira Giraldes, Fran­cisco Freire Caria Júnior, José d'Assis Vasconcelos, Álvaro Tavares Mora e José Cipriano Salgado Júnior, do Partido Republicano Português. Manuel Ferreira Giraldes tornou-se no primeiro presidente repu­blicano da Câmara Munici­pal de Aldegalega, na fase final do regime monárquico.

Em Janeiro de 1909, Aldegalega prestava “uma ho­menagem de carinhoso afec­to e de entusiástica admiração pelo talento, elevação cívica e dedicação patriótica de António José de Almeida, con­ferindo o seu nome à então Rua José Maria dos Santos, [hoje, Avenida dos Pescado­res].
Na primeira reunião da Edilidade, em 10 de Outubro, já depois de implantada a República, foram homenagea­dos Cândido dos Reis, Mi­guel Bombarda, Machado dos Santos e Teófilo Braga, pas­sando os seus nomes a cons­tarem da toponímia da Vila.
Antes da reunião, o Presidente da Câ­mara enviara ao Presidente do Governo da República o seguinte telegrama:
«Em no­me do povo de Aldegalega— o formidável baluarte da de­mocracia, e em cuja Câma­ra Municipal tremulou desde o início da revolução a ban­deira da República, saúdo em V. Exa. a Pátria libertada pelo esforço generoso de to­dos os portugueses que co­operaram na obra gloriosa da sua redenção.»

Com a implantação da Re­pública acirrou-se a luta partidária, extremou-se o de­bate de ideais, quantas ve­zes transformado em con­fronto físico, intensificou-se combate ariticlerlcal. Dois partidos vão domi­nar a cena política de Alde­galega: o Partido Republi­cano e o Partido Evolucio­nísta, embora coexistam ou­tros de menor expressão, como o Partido Socialista, e meras tendências organizadas.
António Rodrigues Calei­ro, através do jornal Evolu­ção, e Paulino Gomes, com o apoio do jornal A Razão trocarão picardias e provo­cações pessoais, na mani­festação mais decadente do debate republicano, defen­dendo aquele o Partido Evolucio­nista e este o Partido Republicano.

As vicissitudes porque passou o regime foram vivi­das, intensamente, em Alde­galega. Vivia-se com a von­tade indómita de defender a República. Sucediam-se as manifestações e bem se pderia dizer que Aldegalega tinha o pé na rua e o ouvido em Lisboa.

«Em Aldegalega ouvia-se nitidamente o troar do ca­nhão, por vezes com uma violência nunca experimen­tada em ocasiões de outros movimentos... Todo o povo desta vila se achava sob uma formidável excitação, procurando por todas as for­mas, receber informações do que se passava. Um gru­po de republicanos aluga um barco à vela, à falta da car­reira do vapor, e segue, pa­ra o campo da luta(...)
Pelas 21 horas chegou um telegrama oficial em que se afirmava que os revoltosos monárquicos tinham abando­nado vergonhosamente as suas posições, sendo com­pletamente derrotados pe­las tropas republicanas, pe­los marinheiros e pelos ci­vis. A alegre notícia correu veloz por toda a vila. Subi­ram imediatamente ao ar inúmeros foguetes, ao mes­mo tempo que a Câmara Mu­nicipal iluminava a sua fa­chada e várias casas parti­culares hasteavam bandei­ras e a Banda Democrática improvisava uma manifestação Assim relatava o jornal A Razão o comportamento do povo aldeano face ao mo­vimento restauracionista de Janeiro de 1919.

Após a sufocação da re­volta, democráticos, evolucionistas e unionistas irma­naram-se na sagrada união dos partidos da República, para defenderem o regime, mas a “perenidade da união”, então garantida, foi esquecida algum tempo depois. As acusações mútuas reacen­dem-se e findam-se em 1926.

Com o advento da Repú­blica surgiram, em Aldegalega, as primeiras associações partidárias: O Centro Republicano Democrático e o Centro Evolucionista 31 de Janeiro, que fomentam o debate de ideias.

É animada a publicação de jornais. O arauto dos novos tempos foi o jornal “0 Domingo, editado desde 1901 pelo repu­blicano José Augusto Sa­loio, embora só mais tarde viessa assunir declaradamente a sua feição republicana.

Com a República surgi­ram novos jornais, ligados às várias correntes partidá­rias:Evolução (1913), do Partido Evolucionista e pro­priedade do Centro Republi­cano Evolucionista 31 de Ja­neiro; A Razão (1915), do Partido Republicano e pro­predade do Centro Republi­cano Democrático; “A Liber­dade (1921), dirigido por Manuel Paulino Gomes, figu­ra destacada do Partido Re­publicano local. Em 1930, é editado o jornal Montijo —Semanário republicano de propaganda e defesa dos in­teresses de Aldegalega” que, de acordo com os novos tempos políticos, acabou por suprimir a expressão republicano.

Consumia-se a chama jor­nalística republicana. O canto do cisne da imprensa lo­cal é entoado pelo jornal “A Ideia” (1931), de Joaquim Serra. Não resistiu um ano. Perdeu-o a morte do seu fundador, estrangulou-o as malhas da censura.

Os tem­pos não corriam de feição para a exaltação dos ideais da liberdade e da justiça. No novo panorama, criado a partir de 1930, abra-se uma honrosa excepção à Gazeta do Sul.

No plano cultural, apesar de já estarem fundadas a So­ciedade Filarmónica 1.° de Dezembro e a Academia Musical União e Trabalho, de Sari­lhos Grandes, foi a Banda Democrática 2 de Janeiro, fundada em 1914, por mili­tantes do Partido Republica­no, que marcou a 1.ª República, em Montijo.

Além destas, tomaram ainda corpo as seguintes as­sociações de carácter laboral, cultural ou de se­lidariedade social: Junta Lo­cal do Livre Pensamento, Sindicato Agrícola de Aldeia Galega, Associação de Classe das Operárias Chacineiras, Associação de Classe dos Trabalhadores Rurais da Jardia, Lançada e Sarilhos Grandes, Associação de Classe dos Trabalhadores Rurais de Canha, Associa­ção de Classe dos TrabaIhadores Rurais Aldegalen­ses, Federação Operária AIdegalense, Associação dos Operários da Indústria Cor­ticeira, Cooperativa União dos Trabalhadores Rurais Aldegalenses, Sociedade Cooperativa União Piscató­ria e o Musical Clube Alfre­do Keil. Estas associações, além de fixarem como objec­tivo a luta pelos interesses profissionais e sociais dos seus associados, preocupa­vam-se, também, com a di­vulgação cultural.

Luta contra a tirania, amor à liberdade, anticlericalis­mo são princípios da República que irão imbuir Joaquim Xavier Serra. Outros dois ou­tros acontecimentos irão influenciar também o jovem aldeano: a Re­volução de 28 de Maio de 1926 e a situação na Alema­nha, após a I Guerra Mundial.

No campo intelectual será indelevelmente marcado por Antero de Quental.

Mas tudo isto são contas de um outro rosário.

 

Ruky Luky