segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O Movimento Associativo em Montijo

Retrato Sinóptico

 
Sede da União Mutualista Nossa Senhora da Conceição, fundada em 1872. Foto 1961
O Constitucionalismo marca o desenvolvimento do movimento associativo em Portugal.
Segundo Fernando Marques da Costa, “a partir dos anos 50, [1800] com a estabilização da vida política, começam a desenvolver-se diversas formas de associativismo, que não se revestem ainda, naturalmente, das características do associativismo de classe.
O próprio peso da tradição corporativa conduz essas novas formas de associativismo para o mutualismo. A forma adoptada é frequentemente interclassista, reunindo indistintamente operários, patrões e mesmo comerciantes, num aclassismo que é bem expressão de uma realidade predominantemente pré-industrial”.
De facto, o associativismo de classe só se desenvolveria a partir da década de oitenta, com o advento do ideário socialista, tendo sido também, a partir daquela data, que se desenvolveu o movimento anarquista.
Assim aconteceu também em Aldeia Galega do Ribatejo, onde a progressiva substituição da manufactura pela máquina se viria a tornar fonte de novos conflitos, contradições e interesses, numa sociedade que, depois de ter ultrapassado uma grave crise económica e social, mostrava já sinais de prosperidade no início do século XX. “Comparando este recenseamento com o de 1890 verificou ainda a Comissão (de Recenseamento) que no prazo de 10 anos (1890-1900) houve neste concelho um aumento de 403 fogos habitados (...) e de 1382 habitantes (...)”, esclarecia o Administrador do Concelho.
Confrarias e corporações, instituições associativas tradicionais, precedentes históricos das associações cedem então lugar, segundo Albert Meister, a mais complexos e especializados processos associativos: patrióticos, educativos, de socorros mútuos, comerciais, agrícolas, de classe, etc.
Em 1837, a Rainha D. Maria II aprovou os Estatutos da Sociedade Patriótica “que alguns Cidadãos de Aldegallega do Riba-Tejo pretendem estabelecer naquella Villa, com o fim de sustentar por todos os meios legítimos o Systema Representativo, e promover conjunctamente com elle a felicidade da Pátria”.

Herdeira da Sociedade Recreativa, a Sociedade Filarmónica 1.º de Dezembro só viu os seus estatutos aprovados em 1906.
Dezassete anos depois, foi fundada a Sociedade Recreativa que deu origem à Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, cujos estatutos, aprovados em 1906, compendiavam a actividade que vinha a desenvolver: “A Sociedade tem por fim abrir aulas gratuitas nocturnas de música, abrir aulas diurnas ou nocturnas de instrução primária, de dança, de ginástica e de esgrima; prestar socorros nos incêndios ou em outros quaisquer sinistros; promover tudo quanto seja necessário ao bem estar, moralidade e instrução dos sócios”.
Os ideais mutualistas e a laicização do associativismo oriundo das confrarias originaram o aparecimento, em 1872, da Associação Fraternal do Montepio de Aldegalega sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição e, quatro anos mais tarde, do Montepio Divino Espírito Santo. Em 1886 foi instituído o Montepio Nova Aliança e, em 1905, o Montepio Aldegalega Operária.
A partir da segunda metade do século XVIII começou a moldar-se um novo figurino para a vila. Por essa altura, intensificou-se o movimento emancipador contra a monarquia, de forte pendor anarquista, que ocasionou, mais tarde, em 1908, a eleição do primeiro presidente republicano da Câmara, Manuel Ferreira Giraldes, eleito pelo Partido Republicano Português, e, no plano social, fermentou o desabrochar de inúmeras associações, que transportavam consigo o ideal republicano e de classe.
Estas associações, além de fixarem como objectivo da sua constituição a luta pelos interesses profissionais dos seus associados, preocupavam-se também com a divulgação cultural. Assim, por exemplo, a Associação dos Operários da Indústria Corticeira delimitava como fins a atingir, além do estudo e defesa dos interesses económicos, sociais e profissionais comuns aos seus associados em especial e em geral da classe que a associação representava, o estabelecimento de mais escolas, bibliotecas e gabinetes de leitura. Pretensão semelhante, prosseguia a Associação de Classes dos Trabalhadores Rurais Aldegalenses. Assiste-se mesmo, nesta altura, a um fenómeno curioso. Devido à preocupação que as associações punham na divulgação da leitura, havia pessoas que sabiam ler, mas não sabiam escrever.

 
Antes da implantação da República, apareceu mais uma associação cultural e a primeira associação desportiva. Esta chamou-se Aldegalense Sport Club, fundada em 1909 e, em 1948, fundindo-se com outros dois clubes, o Avenida Futebol Clube e os Onze Unidos de Futebol, deu origem ao Clube Desportivo de Montijo. Quanto à associação cultural denominava-se Grupo Musical Baltazar Manuel Valente, fundado também em 1909. Posteriormente passou a chamar-se Musical Club Alfredo Keil, mantendo durante anos uma tuna musical e um orfeão.
Ainda nessa data, foi lançado um movimento de opinião “sobre a necessidade e a conveniência da fundação d’uma caixa económica em Aldegallega”, porque “baseadas no princípio da união e conjugação de interesses, no auxílio recíproco, para o embate das luctas da vida, que cada vez mais se encarniçam e dificultam, representam, quando bem comprehendidas e honestamente orientadas, forças poderosas que removem os inúmeros entraves que contrariam a expansão de muitas actividades e o aproveitamento de muitas energias.
Na vida commercial, como na vida agrícola (...) é onde mais intensamente se faz sentir a necessidade da instituição destes estabelecimentos, que facilitam as iniciativas e boas vontades dos que pretendem trabalhar e progredir, anniquilando a usura, que tanto suor absorve e tanto esforço invalida e inutilisa.
Aldegallega é, incontestavelmente, pelas condições especiais do seu meio, pela divisão da sua propriedade e pelo desenvolvimento sempre crescente do seu commercio, um terreno excelente, aonde a semente, uma vez lançada, há-de fructificar exuberantemente.
Aos serviços, aos trabalhadores, aos operários, a todos enfim os que arrancam dia a dia á força dos seus braços os mesquinhos salários com que se suprem, prestam as caixas económicas o incalculável serviço de lhes augmentar com um juro rasoavel as pequenas ecónomias que n’ellas depositam (...)”
Ao ser interpelado pelo Intendente de Sanidade Pecuária sobre “os trabalhos efectuados n’esse concelho no sentido da propaganda do Crédito Agrícola e quais as suas impressões acerca dos resultados dos mesmos, ou sejam as rasões da facilidade ou dificuldade da adaptação da citada lei a essa região”, o Administrador do Concelho respondia em 9 de Julho de 1913: “a propaganda do Crédito Agrícola tem sido feita n’este concelho com o maior enthusiasmo pelos senhores Manuel de Jesus Callado, José Pereira Fialho e Camillo Chaves e os resultados obtidos são de forma a merecer os meus elogios.
Por estes quinze dias deve estar já funcionando a Caixa de Crédito Agrícola que conta um número de sócios aproximadamente a 50.
A lei adaptou-se a este meio com relativa facilidade e hoje é aceite com todo o amôr”.




Os comerciantes tinham já constituído por esta altura a Associação Comercial.
Com o advento da República surgiram as primeiras formações partidárias, o Centro Republicano Democrático e o Centro Republicano Evolucionista 31 de Janeiro, que fomentaram conferências, palestras e encontros, em suma, o debate de ideias numa das épocas mais palpitantes da nossa história.
A associação mais importante, que se fundou no período pós-implantação da República, foi a Banda Democrática 2 de Janeiro, instituída em 1914, para satisfação do momento político, e que resultou duma profunda cisão da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro.
A Banda Democrática, cujos músicos eram simpatizantes do Centro Republicano, tornou-se o centro de animação do Partido Republicano.
Além desta e das já citadas, tomaram corpo nesta altura, as seguintes associações de carácter laboral e/ ou cultural: Junta Local do Livre Pensamento, Sindicato Agrícola de Aldeia Galega, Associação de Classe das Operárias Chacineiras, Associação de Classe dos Trabalhadores Rurais da Jardia, Lançada e Sarilhos Grandes,  Associação de Classe dos Trabalhadores Rurais de Canha, Associação de Classe dos Trabalhadores Rurais Aldegalenses,  Federação Operária Aldegalense,  Associação dos Operários da Indústria Corticeira,  Cooperativa União dos Trabalhadores Rurais Aldegalenses e a Sociedade Cooperativa União Piscatória.
 

Sociedade cooperativa de consumo, a União Piscatória, constituída, após a dissolução da Associação de Socorros Mútuos com o mesmo nome, em 1913, e prosseguindo como seus objectivos, segundo o artigo  2º do capitulo I dos seus estatutos, “o fornecimento aos sócios de géneros alimentícios, tabacos e artigos necessários ao uso doméstico”, é fruto do contexto social criado pelo desenvolvimento industrial, principal responsável pelo incremento do movimento cooperativista.
Como outras associações similares, a Sociedade Cooperativa União Piscatória canalizava também os seus esforços na formação social e cívica dos seus associados, os pescadores, promovendo e difundindo a instrução. Perpetuando a tradição de auxílio e assistência, a Sociedade apoiava também as viúvas e as filhas órfãs dos sócios falecidos.
Com o advento do Estado Novo muitas destas associações eclipsaram-se e outras ganharam forma de acordo com o novo contexto político. Surgiram então, a substituir as associações de carácter essencialmente profissional, os Sindicatos Nacionais dos Operários de Chacinaria, dos Descarregadores de Mar e Terra, dos Operários Corticeiros, a Casa do Povo de Montijo, a Casa de Povo de Canha, o Grémio da Lavoura de Montijo e o Grémio de Comércio de Montijo e Alcochete.
Em 1937, por despacho do Sub-Secretário de Estado da Providência Social, foram dissolvidas todas as Associações de Socorros Mútuos de Montijo, constituindo-se uma nova instituição com o nome de União Mutualista de Nossa Senhora da Conceição, veículo importante da solidariedade social e das formas fundamentais de assistência na saúde, na velhice, na viuvez, na inabilidade, etc.
 


As décadas de 30 e 40 são assim marcadas pela aridez que vai caracterizando a vida cultural do Concelho. A partir de 1926, à excepção do Ateneu Popular de Montijo, que surgiu em 1939 e que tem uma configuração retintamente cultural, as associações que se vão constituindo têm uma feição estritamente recreativa ou desportiva. O Ateneu, caracterizado pelos seus estatutos como tendo por fim “desenvolver entre os seus associados e familiares a educação intelectual e física, proporcionando-lhes meios de cultura e distracção e a expansão do desporto”, é o resultado do aparecimento em diversas zonas do país, principalmente no sul, do movimento esperantista. Neste sentido, o grupo que se formou começou por estudar a língua universal, o esperanto, para alargar, progressivamente, a sua acção ao domínio da instrução, criando cursos de alfabetização, uma biblioteca e cursos de História e Língua Pátria, Dactilografia e Oratória.
Apresentando como divisa “Cultura e Progresso”, o Ateneu Popular de Montijo tornou-se acérrimo promotor da cultura. Apesar da censura e da repressão, a vida cultural no concelho não se apagou totalmente, sustentada que foi pelas associações.


Registe-se a importância do Ateneu Popular de Montijo, como foco de resistência, e o papel empreendido na divulgação da música, como já foi mencionado, pela Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro e pela Academia Musical União e Trabalho, de Sarilhos Grandes. A Banda Democrática 2 de Janeiro desempenhou também um papel importante na defesa dos ideais republicanos e democráticos e teve uma acção notável no campo teatral e musical.
O aparecimento de associações de cultura e recreio alia-se à existência de tempos livres e, por esse motivo, a sua expansão é ainda limitada, em virtude do número de horas de trabalho diário ser elevado.
Surgiram no concelho entre 1926 e 1960 três sociedades recreativas: a Sociedade Recreativa Atalaiense (1946), cuja actividade começou por estar ligada, sobretudo, à realização de bailes e espectáculos musicais, a Sociedade Recreativa Progresso Afonsoierense (1952) apresentada pelos seus estatutos como uma “Sociedade de Recreio e Instrução”, que se fundou, conforme opinião emitida por alguns associados, como uma alternativa à taberna e que integrou durante algum tempo no seu seio um grupo cénico, e a Sociedade Recreativa Cruzamento de Pegões (1952).
 

Ainda neste período formou-se a Tertúlia Tauromáquica de Montijo (1948), que promove a festa taurina, e da qual resultou o Grupo de Forcados Amadores de Montijo, a Sociedade Columbófila (1950), o Agrupamento 72 do Corpo Nacional de Escutas (1957), apoiado pela Igreja Católica, nomeadamente pelo Centro Paroquial de Montijo e cujos fins são a formação integral dos jovens e três clubes desportivos: o Clube Desportivo de Montijo (1948) resultante como já foi referido atrás da fusão de outros três clubes, o Juventude Futebol Clube Sarilhense (1953) e o Clube Imperial Montijense (1959).
Daqui até 1974 vão fundar-se ainda três clubes desportivos e uma sociedade recreativa. Os primeiros são: União Futebol Clube Jardiense (1963), Águias Negras Futebol Clube (1964) e “O Palmeiras” - Clube Montijense de Desportos (1963). A sociedade recreativa formou-se no Bairro do Areias – Sociedade Recreativa do Bairro do Areias (1965).
Após a Revolução de 25 de Abril de 1974, brotaram novas associações, embora, a maior parte, de cariz eminentemente desportivo ou recreativo.


No campo etnográfico, da defesa de costumes e tradições, assistiu-se à formação, nas freguesias limítrofes ou rurais, de Ranchos Folclóricos. No campo cultural, é de realçar o aparecimento, em 1979, do Circulo Histórico-Cultural do Montijo, factor importante para a sensibilização, defesa e protecção do Património Histórico- Cultural, mas que teve vida efémera, embora influente.
A liberdade de associação permitiu que se constituíssem as mais variadas associações, que corresponderam a interesses imediatos ou a objectivos cuja concretização se prolongam no tempo.
A acuidade dos problemas sociais e, dentro destes, os relacionados com a terceira idade, conduziram ao aparecimento de Associações de Idosos, a partir de 1980. Em 1996, instituiu-se um centro de acolhimento para crianças e adolescentes integrado no Centro Social de S. Pedro do Afonsoeiro.

PS. A revisão deste estudo demonstrará que há associações que, entretanto, se extinguiram e outras que se ergueram. É um trabalho a empreender, brevemente, não só para o actualizar, mas também para que se preencham as lacunas que evidencia.

Ruky Luky

 

 

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