Largo do Poço. Largo da Misericórida. Actual Praça 1.º de Maio |
«Ai, vida!
Ai, vida
Louco desejo,
Assim vivida!
Junto do Tejo.»
Joaquim Serra
Não cuidemos de precisar as datas. Situemo-nos num tempo oscilante entre os finais do século XIX e as primeiras três décadas do século XX, em Aldegalega do Ribatejo.
As águas do tejo correm serenas e límpidas. A azáfama é constante: pescadores, marítimos e descarregadores animam o cais.
Cinquenta fragatas asseguram a ligação a Lisboa e um barco a vapor faz seis carreiras diárias entre Aldegalega e a capital.
O Bairro dos Pescadores, de casario baixo e modesto bordeja a margem do rio.
O rio é rico, a classe pobre. «Há corvinas no rio, como pedras na calçada», exclama, contente, um pescador. Nas margens, ranchos de raparigas apanham ostras, que serão disputadas noutros mercados.
Os moinhos de maré cumprem o seu ritual.
Mas, o rio não é só lugar de trabalho. Se a labuta, no Cais das Faluas, não permite o folguedo, em dias de canícula, os mais afoitos vão a banhos à Ponte dos Vapores. E de tal modo o fazem, jovens e adultos, que D. Carlos Pereira Coutinho, então o administrador do Concelho de Aldegalega do Ribatejo determiou que:
«Convindo cohibir o abuso muitas vezes observado na Ponte dos Vapores desta Villa, onde a quaisquer horas do dia aparecem indivíduos, que a título de tomarem banho se apresentam em completo estado de nudez, escandalizando com tal procedimento as pessoas honestas que ali concorrem e offendendo a moral e a decência pública; E convindo, outrosi, obstar a que alguns menores, por incúria dos paes ou das pessoas a cujos cuidados ficaram entregues, se metam nadando, diante dos vapores e de outros barcos, prejudicando a navegação e expondo-se a perigos que de certo desconhecem; Faço saber:
1. É prohibido a quaisquer indivíduos tomar banhos nas praias ou cais d'esta villa em estado de completa e indecorosa nudez;
2.° Para que a navegação não seja prejudicada e, sobretudo, para evitar qualquer desastre fica prohibido desde hoje tomar banho na Ponte dos Vapores.»
Além dos
indivíduos visados pelo Edital, conta o Ti
Zé da Areia que grupos de senhoras utilizavam o Moinho de Maré como balneário e banhavam-se na parte mais
escondida da Caldeira.
Mas o rio de águas límpidas era uma forte tentação e um lugar para a prática de
desporto. Celebrizaram-se, as provas de natação entre o Moinho e a Ponte dos
Vapores.
«Forçoso é confessar, que [em 1850]não era próspero o seu estado
económico, e que a villa apresentava um aspecto pouco edificante. No entanto, a julgarmos pelo número de festas que se realizavam durante o ano, parece que o povo não se
considerava infeliz. Havia, então as seguintes festas: a da Senhora da Purificação, a de S. Pedro, a da Senhora da Piedade e a da Senhora da
Conceição. Além disto, os pescadores costumavam organizar um círioà Senhora da
Atalaia, e os manatas também dois outros, à mesma Senhora, sendo os três círios
ordinariamente muito concorridos.»
Logo no primeiro dia do ano, fazia-se uma festa, a que chamavam de
Menino Jesus.»«É uma terra de amores
onde há sol, moscas e flores,
e tanganhos
De Inverno, quando há chuveiros,
Temos rios e ribeiros para banhos». (1)
Na Aldeia Velha
e um pouco por toda a vila estão perto de vinte
“quintais” onde se «matam por ano quarenta mil porcos, para exportação; e em mais de 100 casas de chachineiros, se apromtam as carnes, verdes e ensacadas».
Se, no
princípio do século XX, a indústria da carne
de porco é já uma das principais fontes de riqueza de Aldegalega, no
dealbar da segunda década, a acreditar no repórter do “Diário de Notícias” as importantes fábricas de
cortiça constroem-se dia a dia.
No entanto,
convém recordar que a construção do Caminho de Ferro, a partir do Barreito, para o Sul, cujas obras se iniciaram em 1855, veio desviar a
ligação que se fazia através de Aldegalega e lançar a vila numa profunda crise
económica. Porém, ao visitá-la, em 1904, Alberto Pimentel afirmou que «Aldea
Gallega é (...) uma das mais ricas e
desenvolvidas povoações do Ribatejo. ( ... ) Tinha razão o Dr. Manuel de Arriara quando me asseverou
que na vila não havia pedintes».
No mesmo sentido
testemunhara já José de Sousa Rama: «os habitantes (devido à crise económica) em lugar de implorarem
socorro dos governos preferiram aumentar os esforços e procurar novos meios de trabalho, havendo até quem trocasse a enxada pelo saco de
batatas, e o leme pelo cabaz de carne ensacada... e, sem outro auxílio que a sua inteligência e probidade (conseguem),
com o tempo e muita perseverança, tornarem-se respeitáveis negociantes e possuidores de bons meios de fortuna».
O
desenvolvimento económico da vila
não significou riqueza e bem-estar para todos os seus 8129 habitantes.
A pobreza impera e origina os três dos mais
sublimes casos de solidariedade que a
história desta localidade regista: a
doação de José Joaquim Marques para a
construção do Asilo de S. José, para
albergar as pessoas idosas
desvalidas; a criação do Orfanato pelo médico e benemérito Dr. César Ventura,
que tinha o seu consultório na Rua Direita,
n.os 64 e 66, e impresso nas suas receitas «grátis aos pobres», e a acção do Dr. Manuel da Cruz Jr., que
cumpre todo sacerdócio de
médico dedicando-se aos mais pobres.
A eclosão da primeira Guerra Mundial, em que
Portugal participou, e os filhos de Aldegalega se viram envolvidos no «front», vai acentuar mais o desnível existente entre as várias
classes sociais de Aldegalega.
Entre os pregões que acordavam e alegravam Aldegalega um era o mais esperado: o do homem da água, que passava com a sua carroça a vender água potável a 5 réis a bilha.
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«Todos tapam suas ventas
passa a pipa da cerveja.
Pelas portas espalhadas,
com arames concertadas,
Muitas tijelas estão.
Que rico cheiro que têm...» (1).
Pequena vila, de ruas planas e largas, anima-se com as carroças que a atravessam, com o comércio da Rua Direita e Pç. Serpa Pinto (hoje, Praça da República), ouve o martelar dos ferreiros, tanoeiros e funileiros, transforma as farmácias em tertúlias e sente o mau cheiro que invade a vila.
Não há esgotos. Os despejos domésticos correm pelas ruas, em reganos, valas que correm junto aos prédios.
Os dejectos são recolhidos pelo homem da pipa.
«Ainda me lembro do Ti Manel da Pipa. O meu pai pagava-lhe $50 por semana para ele recolher a tijela. Vinha sempre altas horas da noite, com a sua carroça e uma grande pipa. Penso que ele passava por nossa casa, ali à Calçada, por volta das 2 horas da manhã). Era um pivete...»
recordava, em 1991, a senhora Alexandrina Soeiro, (81 anos).
Este estado de coisas mantém-se ao longo dos anos, denunciando, o “Notícias de
Montijo – Semanário Regionalista”, em 15 de Maio de 1932, «o fétido repugnantíssimo das sargetas por toda esta
vila fora.0 pessoal encarregado de lhes deitar água, faz esse serviço à Ia diable; a canzoada bebe a pouca água que esse pessoal lhes deita e o calor vai fazendo das suas...»
Se, durante o dia, os aldeanos têm de ver bem onde põem os pés, à noite, têm de ter cuidados redobrados porque a vila está mal iluminada. Os 150 candeeiros a petróleo ou a gás, que virão a ser paulatinamente substituídos pelos de luz eléctrica, não respondem aos receios da população se afoitar a noite.
Entre os pregões que acordavam e alegravam Aldegalega um era o mais esperado: o do homem da água, que passava com a sua carroça a vender água potável a 5 réis a bilha. Estes comerciantes, alguns com publicidade paga nos jornais locais [Prefira a Água do Carro Amarelo], depois de terem aplacado a sede aos seus conterrâneos eram obrigados a manter as pipas cheias, durante a noite, para prestar apoio a eventuais incêndios.
A par de uma intensa vida política, Aldegalega tem uma vida social e cultural de relevo, sediada nas associações existentes: Sociedade Filarmónica 1.° de Dezembro, Grupo Musical Baltazar Manuel Valente, que depois se denominou de Musical Clube Alfredo Keil e a Banda Democrática 2 de Janeiro. O aparecimento desta instituição trouxe um novo fôlego ao panorama Cultural de Aldegalega.
Além destas associações, o aldeano podia divertir-se no teatro ou no animatógrafo, excursionar ou vibrar nas touradas, ir ao futebol ou assistir ao Concurso da Eleição da Miss Mercado, dançar, ao fim de semana, até de madrugada, e, em chegando a Primavera, partir, montado em burros ou carroças, para um pic-nic, na praia ou no campo.
Ruky Luky
Só uma perguntinha? Também não existiam as festas de São Sebastião? A minha avó tem um copo referente a esse evento. Ainda pensava que fossem algumas comemorações anteriores às festas de São Pedro, mas com aquilo que tenho estado a aprender, não me parece. Qual é a sua opinião??
ResponderExcluirAdorei ler e ver as fotos. Parabéns por mais um excelentre trabalho.
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