quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Quem és tu, Joaquim Serra?


O que disse Joaquim

Joaquim Xavier Serra. Aldegalega do Ribatejo, 28.12.1907 - Montijo, 28.04.1933 
 
«Queremos, sim, nós, os sinceros, os sequiosos da ver­dade e da justiça, os paladi­nos da felicidade na terra, artistas e sonhadores, escra­vos e plebeus, caminhar deli­rantemente para a conquista da Liberdade absoluta».(25 anos).


«“A Mocidade”1 há-de arrancar do organismo de todos a ideia pela religião, pela injustiça, e pela monarquia. A monarquia é o regime mais injusto e carrasco que pode haver no mundo, e a religião é a crença mais supersticiosa e fanática, porque os que acreditam em Deus são se­res supersticiosos» (13 anos).

«0 povo não precisa de ter fé em Deus. Isso é o eterno desprezo da luta pela vida em face dum fantasma que a imaginação dos homens criou e que não sabe definir levemente o que seja.
O Cristianismo, que é bem uma ideologia elevada e que conduziria os homens à sua perfeita perfeição ( ... ) foi absorvido pelo Império e de­generou em fé.
O Cristianismo é a Anar­quia Pura. O Cristianismo é o fio condutor das justas rei­vindicações humanas que há-de construir a perfeição da vida e a beleza da sociedade futura. O Cristianismo é a Revolução Francesa que des­truiu as tiranias do feudalis­mo. O Cristianismo é a Re­volução Russa que destruiu os convencionalismos do Amor e abalou o Capitalis­mo universal, sustentáculo da burguesia reles que é quem nos dá ordens na vida, a nós, sonhadores, pensado­res e artistas.
É preciso criar ateus para criar homens robustos e sãos, homens mais fortes e mais perfeitos.
Procuremos, pois, no Cris­tianismo puro a nova morai! que emancipará a Raça. (24 anos)

«Quando é que o sangue dos paladinos da Liberdade, dos filósofos do desespero e dos poetas da negação, desses ateus emancipadores, fe­cundará a terra inteira? Es­tes é que são os verdadeiros «cristãos, os apóstolos queri­dos que têm difundido os princípios mais puros do cristianismo» (25 anos).

«Seguiremos por isso a evolução da nossa cons­ciência e da nossa inteligên­cia, apoiada na livre discus­são da doutrina, para fugir a queda do dogmatismo Políti­co ou místico que é tudo quanto há de pior para a to­tal emancipação do homem, quer no campo das suas rei­vindicações, quer no campo intelectual.» (24 anos).

«Nós seguiremos avante constituindo uma nova fa­lange, pronta a sacrificar-se por tudo o que represente uma causa justa, uma falan­ge de almas novas, de almas livres, que não se submeterão jamais a peias nem a precon­ceitos, almas que não se ven­dem e que hão-de marchar unidas para a conquista dos seus objecttivos.» (24 anos).

«Não seguimos nenhuma determinada corrente política, nem aceitamos filiações partidárias que servem, quase sempre, para restringir a liberdade de acção daqueles que querem produzir algo de útil para a Colectividade.» (24 anos).

«Enquanto para ti só exis­tes «tu», para mim existem milhões de seres humanos. «Cada um trate de si» é a tua divisa. «Tratemos de to­dos» é a minha.
Eu vivo segundo os dita­mes da minha consciência. Tudo o que ela me diz é o que eu faço». (25 anos).

«A Arte é o sonho do su­blime, o Ideal da perfeição humana. E o Ideal é o sonho do infinito, a Arte de amar a vida em tudo quanto ela tem de belo e de natural.
Procuramos desvendar a Arte da mesma forma que procura­mos desvendar o Ideal: ten­tando extrair da grandiosida­de da natureza a beleza in­génita que ela encerra, como a planta extrai do húmus da seiva bruta o gérmen produ­tivo da sua florescência. Se alguma diferença entre am­bos se pode notar a diferen­ça consiste no seguinte: a Arte trabalha para a sua realização, o Ideal caminha para a suprema perfeição. O limite da primeira é o su­blime, o limite do segundo é o infinito. A Arte procura a forma, o Ideal busca o Con­ceito. Por esse motivo nós não podemos admitir que ha­ja Arte sem Idealismo nem que exista um verdadeiro Ideal sem intuição artística.» (20 anos).

 «A Ciência, apesar de tu­do, há-de continuar a cami­nhar como a Arte. A primei­ra para o progresso mecâni­co da vida; a segunda para o progresso Ideal. Dessa co­munidade é que há-de surgir a verdadeira religião, a reli­gião da Verdade e do Bem. E serão juntas, as duas, Ciência e Arte, que hão-de dar amanhã realização a to­das as nossas aspirações de Liberdade integral, aniqui­lando dogmas e religiões, ti­ranos e tiranias, soldados e guerras, juízes e leis, estadistas e estados, fazendo res­surgir, das cinzas do passa­do aviltante e ridículo, uma humanidade mais sã e mais bela, sem direitos hierárquicos, sem preconceitos estul­tos, filha duma moral mais elevada, onde a inteligência humana inicie o vôo atrás duma nova Ideia, porque a ansiedade da alma aspirará o além do infinito, no dia em que conseguir encontrar o infinito, porque a cons­ciência será feita de aspira­ção e, só de aspiração, en­quanto a imagem divina não for mais do que o seu reflexo, enquanto o homem for o único, o verdadeiro e o poderoso deus conhecido em to­do o universo.» (20 anos).

«Deixai livre de todos os preconceitos a consciência. O homem consciente e de valor não deve obedecer a escolas que sempre restringem os seus méritos. Olhos postos no ideal, acima das mediocridades da vida e longe da ser­vidão social, assim deve ca­minhar o artista para poder ser útil e para ser sublime». (22 anos).

 
(1)     A Mocidade – jornal manuscrito editado por Joaquim Serra, aos 13 anos.

 
Ruky Luky

2 comentários:

  1. Não fazia ideia que o Joaquim Serra era um ateu tão ferranho e tão contra a religião.

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  2. É preciso conhecer o homem e o mundo que o rodeia. O que está em causa é a sua capacidade de raciocínio, a sua inteligência e profundidade de pensamento. Joaquim Serra cresce e vive em plena república jacobina e anti-idólatra. Bebe toda a sua filosofia de vida sob a inspiração de Guerra Junqueiro. Morre muito novo sem hipótese de aferir as suas ideias e pensamentos filosóficos. Se tem vivido mais que 25 anos poderia ter reformulado algum do seu radicalismo anti-religioso. Ficaremos sempre sem o saber. Temos de admirar, concordemos ou não com a sua linha de pensamento, que um miúdo com 13 anos tivesse uma tal capacidade de expressão idealista. No meu ponto de vista o grande valor intelectual de Joaquim Xavier Serra é no campo das ideias e só secundariamente pode ser observado como poeta. É uma opinião, não é um dogma.

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