Amor
e Poesia
Joaquim Xavier Serra – Montijo, 28.12.1907 – 28.04.1933 |
A Liberdade
para evocar
o amor e a anarquia por bandeira.
O
amor para cantar, lírica, a
Liberdade, mas também o profundo respeito pela pessoa amada.
O
lirismo, que corre suave pela
obra de Joaquim Serra, encharca a
sua visão apaixonada da vida
e transforma-o num romântico brandindo espadas contra os algozes da frateridade e cantando hosanas à fraternidade universal.
Era
como se o autor procurasse
na poesia o descanso para
outros combates feitos em prosa, de pena
em riste, denunciando injustiças e clamando sempre e cada vez mais por Liberdade, Liberdade, Liberdade!
Mas
a Ideia foi também o amor,
que rompeu casto, puro,
límpido como as claras manhãs
que bordejavam a sua terra, e sensual como sensual é a vida no desabrochar das suas formas.
Liberdade e Amor, como se pudesse existir um sem a outra. Amor e Anarquia, como se o amor pudesse estar atado a
preconceitos e a regras caducas criadas por uma qualquer sociedade.
Gritar
Liberdade, pensando em amor,
fazendo a apologia do
amor vivido livremente, em profundo respeito.
Viver,
em 1930, em Montijo, digo, Aldegalega do Ribatejo, e ter a coragem de escrever «a castidade só falta aonde não existe
o amor. Até na própria
abstinência dos padres
há uma falta de castidade
absoluta. Acaso é o
matrimónio que tem influência
na atracção sexual? O
casamento é que pode trazer
a imoralidade, sobretudo desde
que se trate dum casamento de interesses».
O amor, como a
Ideia e a Inteligência, como chave, busca e resposta, porque «eu não posso amar uma mulher apenas misticamente. O amor-adoração
vive apenas no sentimentalismo de João de Deus e quejandos, que fizeram da mulher um
adorno de oratório depois de a profanarem coma sua volúpia inata. A moral no lar não depende do refreamento dos nossos
instintos em solteiros. A moral do lar depende exclusivamente do amor».
Assim sentia um coração que oscilava
entre os impulsos arrebatadores da paixão e
os laivos de sinceridade do amor.
De «suspiros que o
meu coração soltou nos momentos mais sossegados duma fantástica e ilusória paixão ( ... ) (e de)
Arpejos,
onde já fala, não aquele arrebatamento entusiástico ou desesperado
do coração, mas sim a salutar serenidade dum amor» construiu
Joaquim Serra a sua poesia.
Obra de uma profunda simplicidade, mas também «impossível de se produzir num coração», que não
fosse o seu, «dotado duma sensibilidade estranha».
E
em páginas avulsas ficou-nos
uma corrente lírica, expressão
dum romântico exaltado,
dum apaixonado pela mulher
amada, pela vida e
sobretudo pela Liberdade, luz que tudo
ilumina.
«Almas gentis, avante, avante!
Que a tradição velha, aviltante,
Já não desperta.
Lançai do amor toda a ardência,
Oh, proclamai essa Anarquia
Que vos liberta!
No amor livre, ébria canção,
Vosso sublime coração
Ide depor.Buscai em vós chamas mais vivas...
Livres, sereis sempre as cativas
Do nosso amor.»
E
se o poeta fingiu amar Maria,
se descobriu Laís, a lúbrica,
ou se se encantou com as
flores, o homem era, no
dizer de outro poeta, «uma alma combativa
de gigante com um coração cristalino ele criança. Amava os humildes por sentimento fraterno e não por pretensiosismo de popularidade. Era sensível demais para ser compreendido na terra em que nasceu».
E
o homem, confundindo-se
com o poeta, encheu a vida
de poesia, disse «Amo-te!» com voz de menino, acendendo uma luz intensa, estrela firme que brilha, lá
onde os homens se
libertam, cintilando em
noites escuras, para quem
o ouviu e respondeu «Amo-te também!».
Estrelas…
Avisou quando a sua estrela empalidecia:
«Não procureis o
Além entre as estrelas. Se não ficou na vida obra que a
imortalize, ai da alma, que morre apegada à podridão do cadáver.»
Flores…
«As flores – meu lirismo a elas devoTêm o viço da aurora a refulgir...»
Beleza...
«É um sonho tão profundoque nunca conseguimos alcançar.»
Como
Antero de Quental, o homem que foi poeta, porque sempre foi menino, acreditava que
«O Sumo Bem, o Verbo, a Essência, só se revelam aos homens e às nações no Céu incorruptível da Consciência.»
Tornou-se
belo pela causa da Justiça, da Liberdade e da
Fraternidade.
Partiu
em Abril, quando as flores
perfumam os campos e os
namorados oferecem as primeiras Rosas...
Rosas que o acompanham para sempre, porque
«Junto à campa dum poeta
Uma roseira resumeSeu peito desfeito em rosas,
Sua alma feita perfume.»
Tinha
25 anos e partiu. Era Primavera.Nunca deixou de
ser.
Não posso passar sem fazer um comentário a esta tão bela elegia que é poesia digna do homenageado e do autor, que podemos confundir como uma sequência do sentimento de Joaquim Serra. O poeta não morre porque a poesia é eterna e enquanto o homem não for robotizado ela será perene. As palavras podem ser uma maravilha se arrumadas com beleza e estilo, que é o caso. Parabéns.
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