quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Impasse na Junta de Freguesia Montijo/Afonsoeiro

Quando o Vazio nos Bate à Porta

Sede da União das Freguesias de Montijo e Afonsoeiro. A Freguesia tem Presidente, mas não tem Junta.

Pela primeira vez na história da democracia, em Montijo, há um impasse na constituição da Junta de Freguesia.
Há razões políticas e jurídicas que o fundamentam. Deixemos, para um segundo plano, as decisões de ordem política, e foquemos a nossa atenção no figurino legal.

A versão original da Lei 169/99, de 18 de Setembro, estatuía que o presidente da junta é o cidadão que encabeçar a lista mais votada na eleição para a assembleia de freguesia, e, no que respeita á composição da junta de freguesia, que os vogais são eleitos pela assembleia de freguesia, de entre os seus membros.
A alteração posterior à lei modificou este articulado passando a dispor, e reportamo-nos agora somente à junta de freguesia, uma vez que se não alterou a eleição para o presidente da junta, que os vogais são eleitos pela assembleia de freguesia mediante proposta do presidente da junta.
Esta alteração substancial no modo de constituição da junta de freguesia não permite a constituição de executivos minoritários nem tão-pouco que a assembleia de freguesia procure no seu seio consensos para a formação do executivo da freguesia, ficando sujeita à vontade e às escolhas do presidente, que podem não coincidir com a vontade da maioria dos eleitos locais.

Tomemos o exemplo da Freguesia de Montijo.
Nos últimos dezasseis anos, o Partido Socialista tem governado a Freguesia de Montijo.
No mandato de 2005/2009, por não ter maioria absoluta, a Junta de Freguesia resultou de um acordo celebrado entre o PS, o PSD e a CDU.
No mandato, que agora findou, o PS obteve a maioria de relativa dos mandatos, mas os suficientes para poder candidatar uma lista e constituir a Junta de Freguesia exclusivamente com os seus membros.
Nas eleições realizadas, em 29 de Setembro, para a União das Freguesias de Montijo e Afonsoeiro, O PS alcançou 6 mandatos, a CDU obteve o igual número de mandatos (6), o PSD 5 mandatos e o BE 2 mandatos.


Nos termos do n.º 1 do Artigo 24-º, da Lei das Autarquias Locais, nas freguesias com mais de 150 eleitores, o presidente da junta é o cidadão que encabeçar a lista mais votada na eleição para a assembleia de freguesia, e, nos termos da alínea c) do n.º 2 do mesmo artigo, nas freguesias com 20000 ou mais eleitores há seis vogais.
No nosso caso, o presidente da Junta é o candidato do PS.

Porém, o PS elegeu 6 membros (neste número inclui-se o presidente da junta) o que não lhe permite apresentar uma candidatura para a eleição da Junta de Freguesia, uma vez que esta é composta por 7 membros.

Como não alcançou um acordo com as outras forças políticas, gorou-se a possibilidade de constituir a junta de freguesia.

E agora? O que diz a lei? Nada! Como ultrapassar o impasse? Só há dois caminhos – ou impera o bom senso e prevalecem os interesses da Freguesia e os partidos entendem-se e constituem a Junta de Freguesia, ou provocam-se novas eleições, que só poderão ser realizadas daqui a seis meses.

A questão não é virgem pois já tinha sido detectada em 2005, em Vendas Novas, quando, após as eleições para a assembleia de freguesia, não foram eleitos membros para constituir a junta de freguesia.
Então, sobre este assunto, a Junta de Freguesia de Vendas Novas solicitou parecer à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, nomeadamente, para saber se:
1.Não havendo junta constituída, como se poderia proceder à alteração orçamental, uma vez que a junta de freguesia tinha necessidade de proceder a pagamentos cuja dotação era insuficiente?
2. Como deveria ser interpretado o artigo 80º da Lei nº 169/99 de 18 de Setembro, alterada pela Lei nº 5-A/2005 de 11 de Janeiro (deve ou não continuar em exercício todo o executivo do mandato anterior).”?
O parecer exarado pela Dr.ª Gertrudes Gonçalves, em 2007, do qual se extraem alguns excertos, defende o seguinte:
«1. Na esteira do entendimento homologado por Sua Excelência, o Secretário de Estado da Administração Local em 18/02/02 (mediante despacho exarado na Informação Técnica nº 35/DSJ, de 15/2/02, da Direcção-Geral das Autarquias Locais), compete ao Governador Civil a designação da comissão administrativa que vai substituir temporariamente o órgão executivo da freguesia, bem como marcar a eleição intercalar para a assembleia de freguesia, a qual só poderá ter lugar em data posterior ao decurso de 6 meses após as últimas eleições gerais autárquicas. Sustenta-se tal entendimento sobretudo nos artigos 222º e 223º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, na redacção da Lei Orgânica nº 3/2005 de 29 de Agosto.

Esta comissão administrativa vai desempenhar as suas funções por um período de tempo relativamente curto, somente até à instalação dos órgãos resultantes da nova eleição.

2. A questão que se coloca é saber quem deve “assumir a junta de freguesia” até à nomeação da comissão administrativa pelo Governador Civil – facto que ainda não ocorreu – sabendo-se que o disposto no nº 2, do artigo 223º, da Lei Orgânica nº 1/2001, se refere à situação de eleições intercalares, que ocorrem no decurso de um mandato, e que não é o caso concreto, visto na presente situação ter havido um mandato terminado, sem que se tenha iniciado novo mandato.

Como é sabido, o órgão Junta de Freguesia não é eleito directamente, mas sim por eleição de entre os membros da Assembleia de Freguesia, esta Assembleia é que é eleita pelos cidadãos recenseados na área de freguesia – vide artigos 4º e 9º nº 1, da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, na redacção da Lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro – sendo certo que os vogais da junta saem obrigatoriamente da Assembleia recém eleita. Ora, a Junta de Freguesia anterior às eleições de Outubro de 2005, terminou o respectivo mandato, quando a nova Assembleia de Freguesia foi instalada, não podendo utilizar-se o disposto no artigo 80º, desta mesma lei para colmatar a falta de junta e dizer que a anterior junta deve continuar o mandato até a nova tomar posse, pois a junta anterior saiu de uma assembleia de freguesia que actualmente já não existe.
(sublinhado nosso).

Parece-nos, que o disposto no artigo 80º, da Lei nº 169/99, na redacção actualizada, que dispõe que “Os titulares dos órgãos das autarquias locais servem pelo período do mandato e mantêm-se em funções até serem legalmente substituídos”, deve ser aplicado para situações ocorridas no decorrer de um mandato, não podendo os eleitos manterem-se em funções, depois de ter havido eleições directas e já estar constituído novo órgão.
(sublinhado nosso).

Nestes termos, parece-nos, que na situação concreta, e até que seja nomeada comissão administrativa pelo Governador Civil – esperando que esta entidade tenha sido informada da situação – deverá ser o membro eleito directamente, que é o cidadão que encabeçou a lista mais votada na eleição para a assembleia de freguesia, a ficar na junta.

3. Porém, este cidadão não pode exercer as competências do órgão junta de freguesia, temos que ter sempre em conta que na presente freguesia, este órgão não existe, por isso, este cidadão nada pode fazer, já que as competências existentes na lei pertencem ao órgão ou ao presidente do órgão, que no caso concreto não existe.

Actualmente, até os próprios órgãos têm as respectivas competências limitadas no período que medeia entre a realização de eleições e a tomada de posse dos novos órgãos eleitorais, pela Lei nº 47/2005 de 29 de Agosto. Assim, não nos choca que num caso como o presente se decida no sentido de que o cidadão mais votado não detenha qualquer poder - competência – para o que quer seja.

4. Assim, somos de parecer, salvo melhor opinião, que estando em exercício apenas o cidadão que tiver encabeçado a lista mais votada, visto ainda não ter sido nomeada a comissão administrativa pelo governador civil, não pode ser efectuada qualquer alteração orçamental, visto este cidadão não deter competências para o efeito.

5. De facto, a lei não consagra solução para a situação concreta, e pelo menos até à nomeação da comissão administrativa pelo governador civil, não haverá ninguém que execute as atribuições públicas que a lei encarregou a freguesia de prosseguir.»
(sublinhado nosso)

O mesmo entendimento perfilhou a Caixa Geral de Depósitos quando decidiu recusar o pagamento de cheque por motivo de saque irregular porque não tendo sido conseguida a formação junta de freguesia, no decurso das eleições autárquicas de 2009, a solução encontrada interinamente para ultrapassar o referido impasse ditou que, em violação do normativo legal vigente (que exige para assegurar a regularidade do saque a intervenção do tesoureiro), o cheque em causa fosse assinado pelo presidente, então eleito, da Junta de Freguesia de (…) e pelo secretário eleito no mandato anterior.      
Na situação em causa, entendeu a CGD não ter aplicação o artigo 80.º da Lei das Autarquias Locais [“Os titulares dos órgãos das autarquias locais servem pelo período do mandato e mantêm-se em funções até serem legalmente substituídos”], cujo espírito que lhe subjaz sugere que o preceito seja unicamente aplicado às situações ocorridas no decorrer de um mandato, não podendo os eleitos do executivo anterior manter-se em funções depois de ter havido eleições directas e já estar constituído a nova assembleia de freguesia, órgão de onde dimanam os vogais que constituirão o órgão executivo (a junta de freguesia).

Face à lacuna a doutrina diverge na interpretação e na aplicação do normativo legal.
Em sentido oposto, por exemplo, manifestou-se a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, em 2010.
 Consultada por determinada junta de freguesia sobre a eleição dos vogais da junta de freguesia e o princípio da continuidade do mandato, a Dr.ª Elisabete Frutuoso, exarou o seguinte despacho (excertos):

«Embora a lei (Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro) no referido art. 9º, nºs 3 e 4, estabeleça critérios de desempate, não estabelece uma solução legal que permita fundamentadamente resolver a impossibilidade de eleger os vogais por não aceitação da proposta aquando da votação. Não se prevê, com efeito, que após a realização de várias eleições de vogais, sem que estes tenham sido eleitos, se verifique um outro procedimento ou uma outra forma de os propor, designadamente através de listas alternativas. Como já referimos, é clara e expressa a intenção do legislador em atribuir tal competência apenas ao presidente da junta. (sublinhado nosso).
Posto isto e na ausência de uma solução legal para o efeito, só nos é dado apelar, tendo em conta o princípio da prossecução do interesse público, a um entendimento convergente que permita eleger os vogais da junta de freguesia e nessa medida contribuir para o regular funcionamento dos órgãos autárquicos.
Em Reunião de Coordenação Jurídica de 15 de Novembro de 2005 (1) foi neste sentido aprovada a seguinte conclusão:
“De acordo com o disposto no nº2 do artigo 24º da Lei nº 169799, de 18 de Setembro, os vogais da junta de freguesia são eleitos pela assembleia de freguesia ou pelo plenário de cidadãos eleitores, de entre os seus membros, mediante proposta do presidente da junta, nos termos do artigo 9º, pelo que o presidente da junta deve apresentar tantas propostas quantas as necessárias para que se alcance um consenso com a assembleia de freguesia ou com o plenário de cidadãos eleitores, conforme os casos, seja apresentado novas listas ou recorrendo à eleição uninominal dos vogais”.
Não tendo sido, todavia, eleitos os vogais da Junta de Freguesia, deverão os vogais da anterior Junta de Freguesia, por força do princípio da continuidade do mandato, previsto no art. 80º da Lei nº 169/99, manter-se em funções até serem legalmente substituídos. (sublinhado nosso).

No que concerne ao exercício de mandato do Presidente da Junta de Freguesia, importa referir que tendo sido já instalada a Assembleia de Freguesia, nos termos previsto do art. 8º da Lei nº 169/99 o cidadão que encabeçou a lista mais votada para esse órgão é o Presidente da Junta, que tem legitimidade, no âmbito das suas competências, para exercer o mandato para o qual foi eleito.
Nesta medida, a Junta de freguesia em causa é, até à eleição dos novos vogais, constituída pelo Presidente da Junta, que é o cidadão que encabeçou a lista mais votada para a Assembleia de Freguesia nas últimas eleições autárquicas, e pelos vogais da anterior Junta de Freguesia. Note-se que o Presidente da Junta anterior cessa o seu mandato e respectivas funções a partir do acto de instalação da Assembleia de Freguesia.
Sobre o regime da gestão limitada dos órgãos, através do qual os órgãos e os seus titulares apenas podem praticar actos correntes e inadiáveis, a Lei nº 47/2005, de 29 de Agosto, define um conjunto de matérias sobre as quais aqueles estão impedidos de deliberar ou decidir.
Assim, embora não esteja expressamente referida a matéria referente ao orçamento e às opções do plano, estes, enquanto instrumentos previsionais, estão seguramente fora do conceito de gestão corrente, devendo, nessa medida, continuar a vigorar as opções do plano e o orçamento do ano anterior.
Por último, refira-se que a realização de eleições intercalares só é admissível nos casos expressamente previstos na lei, nomeadamente quando após a renúncia do presidente da junta se verifica a impossibilidade de preencher a sua vaga na lista ou coligação a que o mesmo pertence, de acordo com os arts. 29º, nº 2 e 79º da Lei nº 169/99.»

Ruky Luky






Um comentário:

  1. Este é um bom apontamento para ajudar a esclarecer actual situação da freguesia Montijo/Afonsoeiro, pois os eleitos têm de tomar em conta que, quem votou, deseja que os cidadãos, que se candidataram e foram eleitos, sejam suficientemente responsáveis para decidirem a bem a freguesia, e não para manter impasses políticos que, por vezes, não passam de imbecilidades.

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