sábado, 5 de outubro de 2013

Luís Calado Nunes

Carta de Cruz Magalhães

Luís Elói Calado Nunes. Aldegalega do Ribatejo, 19.06.1866 - Santarém, 16.09.1918.

O Meu Moinho
         
                             A Cruz Magalhães

  À luz do sol poente
Vejo aquele moinho trabalhando…
     Estou-o comparando
A esta vida, que tão breve passa!

Movem-lhe as velas alternadamente
O vento da Fortuna e da Desgraça.
E, sem piedade, no seu giro, a mó
- a convivência humana – meu amigo,
Reduzindo-o a pó,
Vai triturando o trigo:
O Amor, a Fé, os Sonhos, a Ilusão,
            Em suma: o coração.

Mas o moleiro – a alma – vai cantando
  Ou triste ou jovial, de quando em quando.

Luís Calado Nunes

«Eu quero propalar, finalmente, tudo que julguei e julgo, do teu carácter, do teu coração, da tua alta e culta inteligência. E do teu talento artístico, também como poeta, músico, caricaturista, desenhador, etc., etc. Tu foste modesto em extremo, Amigo de quarenta anos. Nasceste numa linda vila – Aldegalega – talvez dela te viesse a modéstia.»


        Numa Folha de Hera

Envio-te esta humilde folha de hera
Tradicional emblema da Amizade,
Que a ausência não consome, não altera.
Sou-te leal, mantenho a mesma fé.
Ao veres esta folha com saudade,
Faze de conta que me tens ao pé.
Mas tu, pensando em mim, não digas: era
Antes repete com firmeza: é.

             Luís Calado Nunes

«Tu, humorista exímio; tu, cavaqueador incomparável; tu, cuja inteligência encantadora, ao serviço de uma figura insinuante, transpunha os limites dos conhecimentos humanos, de todos podendo falar com brilhantismo, quase sempre com profunda erudição!... Tu, que até sabias de cor «Os Lusíadas».
Falei do teu humorismo. Não se revelou só em soberbas ironias epigramáticas, postas em verso, saía-te espontâneo na conversação. Recorto uma anedota. Mandaste-ma numa carta, escrita de Ponta Delgada:
“Sabes uma coisa que nestes longuíssimos dias me tem feito, às vezes, sorrir?
É um criado do hotel. É original e define-se assim: se a gente o chama, não ouve; se ouve, não entende, mas se entende, não faz caso, e se faz caso…esquece-se!”».

     Retrato

Este…Não tinhas mais de treze anos. É lindo!
Uma rosa em botão que vai agora abrindo.
Ponde passas fica um luminoso rastro,
Como se ali passasse incandescente um astro.
Há no teu coração, esplêndido de sol,
Cantando a toda a hora um doido rouxinol
Ainda não deixaste o vestidinho curto,
Mas, quando sais à rua, olhas p’ra trás, a furto,
Ingenuamente a ver se a fímbria dele arrasta.

A curva do teu peito, airosamente casta,
Começa de avultar. Lembra um barquinho, quando
fresca brisa lhe vai as velas enfunando…
Ontem, na missa, viste um jovem de luneta;
O Cupido apontou esta primeira seta;
Mas não a despediu, que o moço enamorado
Seguiu-te até à porta e foi-se envergonhado.
Não hás-de esquecer, nem ele te esqueceu,
Mas pensa agora mais no exame do Liceu.

               Luís Calado Nunes

«Nunca te louvei bastante a coragem, a tenacidade, a valentia cerebral, com que, depois de quarenta anos, conseguiste fazer o curso de grego, nos dois anos da praxe.
Tinhas o Curso Superior de Letras – Recurso Inferior de Tretas, como, brincando, lhe chamavas – mas faltava-te o grego, e não te consentia o ânimo essa lacuna.
Fiquei sempre, é certo, na dúvida, mas pendendo muito para a convicção, de que estudaste o grego para mais conscienciosamente traduzires as “Odes de Anacreonte».

«No meu moinho” há páginas primorosas, e todo ele é um mimo encantador, salpicado de humorismo, e de epigrama. As tuas traduções de Horácio são um primor de honestidade e perfeição, somente igualadas, creio que excedidas, nas “Odes de Anacreonte”, com que produziste um livro pequeno no tamanho, mas grande no valor.»

 
       
A Tua Boca

A tua boca vermelha,
A que devo compará-la?
Doçura… o favo da abelha
Tem menos que a tua fala.

A tua boca! Ao beijá-la,
Toda a aminha alma ajoelha!
Foge da Terra… abala…
Em teu lábio Deus se espelha.

Mas não é por ser tão linda
(Formosura, o tempo a leva!)
Não é pela graça infinda,

Que atua boca me enleva,
Mas porque não mente ainda,
Coisa rara em filha d’Eva.

        Luís Calado Nunes


«Quem me incitou a colecionar Bordalo, a até, como lenitivo a dores inenarráveis, a constituir e fundar o “Museu Rafael Bordalo Pinheiro”? Tu, sempre tu.
Foste sempre um admirador de Columbano. O “Museu Rafael Bordalo Pinheiro” expõe duas dezenas de fidelíssimas reproduções, devidas à tua proficiente e inesgotável paciência. Mestre Columbano, examinando uma delas, proferiu esta frase: “mas isto não é uma cópia, é uma pura falsificação!” Quis, decerto, exprimir o rigor pacientíssimo com que havias copiado o grande actor Brazão no “Fura-vidas”.
De ti possuo emolduradas e no álbum algumas caricaturas.»


Provérbios

Não recuses abrigo
nem ao teu inimigo;
que a árvore também
não nega sombra a quem
pretende derrubá-la.
Fase por imitá-la.

     *
O bom nome é um amigo
de uma lealdade rara;
na solidão do jazigo,
nem ali nos desampara.

    *
A mão que pede está
por baixo da que dá;
e nisto claramente se descobre
a situação do rico e do pobre.

  *
A flor espalha o seu suave aroma,
segundo a direcção que a brisa toma.
Porém, a alma, de virtude cheia,
Dá seu perfume a tudo que a rodeia.
 *
Estuda, aprende e verás
a força de que dispões;
contra os soldados da Paz
pouco valem os canhões.

        Luís Calado Nunes




«Foi essa precoce multiplicidade de aptidões admiráveis, talvez, que produziu um grave erro na tua vida: hesitação na escolha, depois escolha errada.
Tu nasceste Artista, meu Luís, e, se chegaste a ser um proficiente, um ótimo professor, sabendo impor pela bondade a mais perfeita disciplina, e, pelo exemplo, o maior amor ao estudo e ao saber, foi porque: não podias ser medíocre em nada, nem mesmo no mister mais antípoda da tua vocação, das tuas tendências, da tua devoção. E foste um professor exemplar, devotíssimo.
É que havia em ti, inato, um sentimento nobre, belo e raro, hoje em dia: o que nos leva a cumprir, em tudo, e sempre, o nosso dever.»


De Musset

Podemos esquecer uma entrevista,
que nos foi concedida… uma conquista…
um remorso… o dia em que nascemos…
dinheiro que emprestámos!... Esquecemos
a companheira, amigos bons, leais,
o cão que nos estima; ainda mais:
pode enfim apagar-se da ideia
o céu da nossa pátria, a nossa aldeia…

E o ancião que a Morte já reclama,
pode esquecer-se até como se chama!
Nunca, porém, o louco, o moribundo,
o que perde a razão, ou deixa o mundo,
poderá esquecer a voz daquela,
que primeiro lhe disse esta singela,
meiga frase, tão pura no intuito,
proferida em segredo: «Amo-te muito»!

Luís Calado Nunes


«Em Santarém, lograste, finalmente, um sossego relativo, aparte a tua saudade de Lisboa, das livrarias, dos alfarrabistas, a Feira da Ladra… e do mais!...
Com todas as condições extraordinárias de talento e de trabalho, que te distinguiram, morreste, e somente dois jornais de Lisboa se referiram, em poucas linhas, à tua personalidade, porque o correspondente de Santarém as escreveu! Isto é revoltante.»
P.S. – Mal decorrido um mês, após a tua desoladora morte, deu-se o óbito dum equitador. Os jornais, publicando-lhe o retrato, deram largas às condolências… Corolário: nesta bela sociedade, mais vale ensinar cavalos do que preparar cérebros para a futura emancipação de Portugal!...»
*  Excertos da “Carta Para o Outro Mundo – A Luís Calado Nunes (Esboço biográfico)” – Cruz Magalhães

Ruky Luky














Um comentário:

  1. É interessante que neste dia 5 de Outubro, dia comemorativo da implantação da República, o Rui vá, ao baú buscar, para a luz do dia esta figura aldeana, de que Montijo muita se devia orgulhar, mas que, infelizmente quem tem a obrigação de o fazer não o faz. Há uma grande falta de respeito pelo passado, e daí está a resultar um desprezo imenso pelos valores do presente. Vivemos uma época de compadrio e de mísero oportunismo e daí resulta todo o estofo do relacionamento social vigente. Acima os homens bons desta cidade, sejam do passado ou do presente e se forem poetas, ainda melhor, porque se exprimem de forma ainda mais bela. Parabéns ao Rui, um homem que está ao serviço do bom nome de Montijo.

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