A Santa Casa da Misericórdia
Igreja da Misericórdia, sede da Santa Casa da Misericórida. |
A história do concelho de Aldeia
Galega dá-nos a conhecer a existência de um rico movimento associativo de
natureza religiosa, que se desenvolveu a partir do século XVI.
A importância da função e dos
interesses religiosos originou a criação de confrarias, instituições de
carácter fraternal, cuja acção assentava no culto divino, no sufrágio das almas
e no auxílio mútuo, mas também em manifestações de carácter profano-religiosas.
De tal sorte eram os excessos que pela Visitação dos Freires da Ordem de
Santiago, 16 de Janeiro de 1571, se determinou que «nos dias de festa pellos
grandes excessos qe se fazem no gasto do Comer A custa das Confrarias Mando que
Da Qui endiante se não possa gastar mais a Conta da Confraria em festa alguma
De dous mil rs».
No início do século XVII, foi
instituída a Irmandade do Bem-aventurado Mártir São Sebastião pelos mancebos
solteiros de Aldegalega.
Eram estas confrarias que prestavam
assistência à população e aos peregrinos.A Confraria dos Pescadores, por exemplo, além da ajuda e assistência que prestava aos pescadores, quase todos sócios da Irmandade, organizava a festa anual de S. Pedro e outra promovida pelo seu círio na Ermida de Nossa Senhora da Atalaia.
Por sua vez, a Irmandade de Nossa Senhora da Purificação tinha por fim render cultos de veneração a Nossa Senhora da Purificação e prestar socorros espirituais e temporais aos indigentes.
Entre as invocações das
confrarias de caridade, é de realçar a do Espírito Santo, que administrava o
hospital.
O “Tombo do Hospital, Albergaria e
Capelas de Aldeia Galega do Ribatejo, 1489 a 1501 anos” contém referências ao
“provedor do hospital, capela e albergaria” e aos “confrades da albergaria”,
que, preocupados em salvar as suas almas, praticavam o bem ao próximo.Esta confraria, que não tinha estatutos, vivia das esmolas, doações e legados e destinava-se a auxiliar os peregrinos, embora acumulasse as funções de abrigo e hospital.
Porém, não existindo então outra associação em Aldeia Galega, a Albergaria teria por obrigação, na esteira da confraria instituída, em Lisboa, pelo Almirante Nunes Fernandes Cogominho e a sua mulher, D. Margarida Albernaz, no reinado de D. Dinis, «enterrar os mortos, visitar e socorrer os enfermos e os encarcerados e acompanhar os que iam padecer pelos crimes».
Estes princípios que se irão confundir com o ideário da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, apoiam a tese, segundo a qual, a Albergaria teria evoluído naturalmente passando a corporizar, no século XVI, a nova associação, que se tornou herdeira do seu rico património espiritual e material.
Não é possível precisar a data da
fundação da Santa Casa da Misericórdia.
O Padre António Carvalho da Costa
diz na sua “Corografia Portuguesa”, de 1709, que a “Igreja da Misericórdia se
fundou no ano de 1533”, o que deixa supor que a Irmandade seria anterior.
O Padre Luís Cardoso, no “Dicionário
Geográfico”, de 1745, toma aquela data como a da fundação da Irmandade, sendo
seguido por Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, na obra “Portugal -
Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico,
Numismático e Artístico”, de 1904.
A Provedoria da Santa Casa da
Misericórdia de Aldeia Galega do Ribatejo, na resposta ao questionário
formulado pela Administração do Concelho de Aldegalega, em 22 de Maio de 1885,
indica o ano de 1520 e a “Relação das Irmandades e Confrarias Existentes no
Concelho de Aldegalega do Ribatejo”, de 1841, refere-se ao ano de 1512, como
tendo sido a data da fundação da Santa Casa da Misericórdia de Aldeia Galega do
Ribatejo.
É natural que a Irmandade, que terá
resultado da Albergaria, seja contemporânea da Misericórdia de Lisboa, embora
só viesse a «guardar compromisso tirado pela Confraria da Misericórdia de
Lisboa, cabeça que emanavam todas as demais casas de Confrarias de Misericórdia
deste Reino de Portugal», a partir de 1589 e obtido confirmação real em 1625.
Cabia à Santa Casa da Misericórdia
prestar assistência aos desvalidos e peregrinos, quer recolhendo-os no seu
Hospital quer dando-lhes esmola.
Em 1588, por exemplo, entre os meses
de Agosto a Dezembro, o Tesoureiro deu de esmola cinquenta reis a um cativo,
dois vinténs a um pobre francês, dois vinténs a um pobre castelhano e igual
quantia a um peregrino e a um pobre italiano. Um estudante pobre recebeu meio
tostão, “cinco cativos que vinham da terra dos mouros” receberam cento e
cinquenta reis e um clérigo castelhano pobre teve de esmola cinquenta reis.
Melhor sorte teve “uma mulher castelhana que o Provedor mandou agasalhar no
hospital”, que recebeu de esmola cento e sessenta reis, uma vez que um cativo
fora contemplado com trinta reis de esmola e um pobre italiano com dois
vinténs.
Mais de cinco séculos contemplam a história da Santa Casa da Misericórdia de Montijo |
O Hospital da Misericórdia, que se
situava na actual Rua do Hospital, era constituído por «huua casa diamteira e
camara e na casa diamteira estão três leitos com três camas a saber em cada
cama huu Almadraque e huu chumaço e huua manta e mais cinquo cubertas que se
repartem por estas três camas. A casa he de pedra e caal e madeirada de
castanho e cuberta de telha vaã (...) e na dita casa estaa huua chamine onde se
aquentam os pobres. (Na camara) se recolhe o espritaleiro».
O primitivo hospital, que servia
também de Albergaria acabou por ser vendido por setenta e cinco mil reis, em
1591, tendo a Misericórdia construído, de seguida, uma nova «albergaria e
esprital em que se acolhem os pobres junto a Casa da Misericórdia». Segundo a
Visitação dos Freires da Ordem de Sant’Iago, de 1614, «tem a ditta albergaria
tres leytos e hu altar».
Mas, o apoio que concedia a
indigentes e a pobres doentes era de tal modo considerável que, em 1643, pedia
ao Arcebispo de Lisboa que «lhes faça esmola de conceder licença para que o
páteo se benza e sejão sepultados os pobres que falecerem no dito hospital»,
porque «a Santa Casa tem seu hospital em que falecem muitos pobres e que a dita
Santa Casa tem grande detrimento em os sepultar por não ter simitério separado
para esse efeito (...)».
Era este pequeno hospital, com três
camas e um altar, que servia de albergaria e amparo aos doentes, pobres e
peregrinos, o único local de assistência pública à população aldeana.
Em 1860, a Santa Casa de
Misericórdia, arrematou pela quantia de 188$000 reis duas casas adjacentes ao
hospital, «para a construção de uma nova enfermaria para os doentes pobres».
Apesar dos esforços da Irmandade
para bem servir a população, o hospital mostrava-se dia a dia desajustado às
novas exigências da medicina, recorrendo-se então aos hospitais de Lisboa.
Em 1915, o General Madureira Chaves
lançou um movimento de opinião para a construção dum hospital em Aldegalega,
que, de imediato, recebeu o apoio da Câmara Municipal, que se dispôs a
concorrer com a importância de mil escudos.
Acreditava o General que «quando
Aldegalega altruísta, filantrópica e unida se convencer que, contando em si uma
população de 10.000 habitantes, não possui ainda um hospital, embora modesto,
(...) então o hospital, como outros melhoramentos, depressa começarão e se
concluirão com aquele aprazimento de quem tem a consciência de que eziste
n’este mundo para si e ... para os outros».
A ideia acabou por fenecer e as
enfermarias da Santa Casa da Misericórdia registaram o seu último paciente em
12 de Janeiro de 1931.
Hospital da Santa Casa da Misericórdia, hoje, denominado Hospital de Montijo, à data da sua inauguração - 1954.
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Em 1943, a Santa Casa da
Misericórdia lançou a primeira pedra para a construção dum Pavilhão Hospital. O
Provedor, Reverendo Padre Gomes Pólvora, dirigindo-se à população afirmou:
«Não
há vaidades a pôr em foco, não há retaliações a fazer; há um amplexo forte e
sadio a unir esta Mesa com todos os habitantes de Montijo, na mesma ideia de
proteger a execução de tão útil melhoramento.
Precisa de tudo: - crítica ampla mas
sincera aos seus actos, esmolas de todos, para que dessa união resulte alguma
coisa de bom para Montijo».
Em Julho de 1954, foi inaugurado o
novo hospital.
Volvamos agora à história da
instituição.
O Provedor da Santa Casa da
Misericórdia de Aldegalega foi, até ao século XVIII, o verdadeiro mecenas da
Irmandade, que, embora recebesse doações várias e pequenas esmolas, se
sustentava da riqueza das famílias nobres e, nos séculos XVII e XVIII, também
da taxa «dos barcos dos cais desta villa que são obrigados a pagarem a esta
Santa Casa cada semana seis tostões, que soma em todo o ano 31.200 reis».
A decadência da nobreza em
Aldegalega e, posteriormente, as Invasões Francesas provocaram uma grave crise
na instituição, que não voltou a reencontrar a estabilidade financeira e
administrativa, embora tenha prosseguido com as suas obras de misericórdia.
Em 1799, achava-se «a Igreja da
mesma Misericórdia precisando de reforma por estar ameaçando ruína» e por isso,
o Provedor enviou à Rainha D. Maria I uma petição requerendo a abolição dos
vínculos da associação para «ocorrer às urgentes precisões da mesma».
O “Relatório das Contas 1807/1808”
revela que a administração fora descuidada: as vinhas estavam abandonadas, os
foros eram baixos e as propriedades estavam de tal modo degradadas «que se não
forem logo reparadas se tornariam inabitáveis».
A situação financeira continuou a
agravar-se e, em 1818, a Irmandade deixou de comemorar «o dia da Visitação de
S. Isabel, orago da Santa Casa, cuja penúria ou antes falta de economia tem
chegado a este ponto (...)».
Em 1836, declinou o convite feito
pelo Governo Civil de Lisboa e pela Câmara Municipal para apoiar os presos,
porque «não podia satisfazer o exigido por não ter meios para tal fazer (...)».
Quatro anos mais tarde, a Mesa
propôs ao Capelão «em consequência da falta de meios (...) se ele podia fazer
algum abatimento ao seu ordenado o que ele respondeu que nada abatia em
consequência das suas circunstâncias por não ter outros meios de subsistência e
ser o ordenado pequeno (...)», passando então os Irmãos Mesários a
responsabilizarem-se pelo ordenado do capelão, «porque os rendimentos desta
Confraria não são suficientes para esta sustentação, a Mesa se fintou propriamente,
e a si mesmo (...)».
Numa derradeira tentativa para suster
a crise e «tomando-se neste acto em consideração a falta de meios em que se
acha a mesma Misericórdia para satisfazer as despesas essenciais e ainda mesmo
as indispensáveis por falta de proventos e rendas da mesma Irmandade visto que
nenhum outro rendimento possue do que uns pequenos e limitados foros (...)
querendo a Irmandade reunida em volta da mesa que a representa conseguir os
fins da sua instituição (...) resolveu por unanimidade dos votos dos irmãos
presentes maioria absoluta da Corporação que cada um dos irmãos fica obrigado a
contribuir de hoje para sempre quanto vivo com a quotização anual de duzentos e
quarenta reis».
Apesar de terem participado sessenta
e sete irmãos, dois anos mais tarde, em quatro de Julho de 1843, só o Provedor,
o Escrivão e o Tesoureiro compareceram ao acto eleitoral, «para o que se tinha
mandado avisar os Mesários actuais e toda a Irmandade».
Na impossibilidade de se constituir
a Mesa, o Governador Civil nomeou, em 1844, uma Comissão Administrativa.
Segundo o Administrador do Concelho a Santa Casa da Misericórdia estava ao
abandono.
No entanto, por abnegação de alguns
parcos Irmãos a Santa Casa foi subsistindo.
Em 1882, devido ao reduzido número
de associados, foi enviada uma circular aos habitantes de Aldegalega
solicitando-lhes que se inscrevessem como irmãos da «nobre e piadoza
corporação».
Esvaía-se a Misericórdia, mais
sofriam os deserdados da sorte.
Em 1841, mantinham-se erectas, em
Aldeia Galega, as Irmandades do Santíssimo Sacramento, de Nossa Senhora da
Purificação e do Senhor Jesus da Misericórdia.
No final daquele século, em ofício
enviado ao Governador Civil de Lisboa, o Administrador dava conta da existência
da Irmandade do Santíssimo Sacramento e da Santa Casa da Misericórdia, e
retratava assim a situação das restantes:
«Na Igreja Matriz do Divino Espírito
Santo existe uma capela da invocação de N.ª Sr.ª da Conceição, dos mareantes ou
marítimos, com Irmandade, com compromissos aprovados em diferentes reinados, sendo
o último no da Senhora D. Maria I, em 27 de Outubro de 1784. Hoje, pode
considerar-se extinta, limitando-se há muitos anos os marítimos a fazerem no
dia 8 de Dezembro de cada ano uma simples eleição do Juiz, Tesoureiro e
Escrivão e mais festeiros que no ano seguinte festejam a dita Senhora.
Outra capela de Nossa Senhora da
Purificação, dos terreanos, vulgo trabalhadores, instituída em 1607, que se
regulava por um compromisso aprovado como acima, sendo o último no do Príncipe
Regente, em 30 de Abril de 1807. Pode considerar-se extinta, limitando-se a uma
eleição como os marítimos, no dia 2 de Fevereiro de cada ano e fazem a festa. [A
instituição findou-se «por falta de irmãos», em 1911].
Existe outra capela dedicada a S.
Pedro, privativa dos Pescadores, os quais imitam os marítimos e os
trabalhadores e no dia 29 de Junho, fazem a eleição do Juiz, Tesoureiro,
Escrivão e demais festeiros, que no ano seguinte hão-de festejar o Santo com o
produto das quotas, que espontaneamente destinam em cada custo dos lucros de
cada bote de pesca e das demais esmolas obtidas exclusivamente dos da sua
classe. Nunca teve aparência alguma de Irmandade nem compromisso porque se
regesse».
Ruky Luky
Este é mais um documento extraordinário que espero não passe despercebido como começa a ser tradição nesta cidade, que conforme foi subindo de estatuto, foi perdendo o interesse pelas raízes. Enorme, quando Aldeia Galega,sendo um dos concelhos mais importantes do distrito de Lisboa. Grande enquanto vila, com uma pujança industrial e comercial,sendo uma referência no distrito de Setúbal. Perdendo a importância, de forma continuada, desde que vaidosamente adquiriu o estatuto de cidade. Mas seja como for, nós os que por ela lutamos, amamo-la como ela e é faremos sempre o possível por honrá-la. Um muito obrigado ao Rui.
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