Notas Soltas (2)
Uma malhada, cerca de 1920 |
Desde muito cedo que os poderes públicos, em Montijo, disciplinaram
a criação e matança de porcos, no
interior da vila.
A Postura 19.ª, publicada em 12 de Junho de 1837,
permitia que os porcos fossem criados, no interior da vila, mas «a pessoa, que quizer crear porcos, os deverá ter fechados,
sem os deixar divagar pelas ruas livremente.»
Porém, era livre a circulação das «varas de porcos,
que tranzitavam por esta villa, por motivo de commercio.»
Em 1839, o aditamento feito àquela postura, refere, pela
primeira vez, os «quintais de matança», que tinham
já adquirido importância económica.
Estatuía o parágrafo segundo, do art.º 1.º do
Aditamento à Postura 19.ª: «A disposição deste Artigo
não diz respeito às varas de porcos, que transitarem para embarque e quintais de matança.»
Por outro lado, o art.° 4.º do referido aditamento
determinava que «da data em diante fica expressa e
absolutamente proibido a toda a pessoa de qualquer classe ou hierarquia ter
porcos parados, ou expostos à venda em qualquer das praças, largos, ruas ou
travessas desta vila pois que se para o dito fim se acha destinado o terreno da
Vinha dos Frades da Graça no Corte Esteval.»
Cerca de trinta anos depois, o Administrador do
Concelho, pela Circular n.º 31, de 5 de Setembro de 1868, proibia a engorda de porcos no interior da vila e,
dez anos mais tarde, por Edital, alargava a proibição de «largar para as ruas e mais lugares públicos carneiros, ovelhas
e porcos.»
Em 2 de Julho de 1884, Dom João Pereira Coutinho, Administrador
do Concelho por Sua Majestade EI-Rei o Senhor Dom Luis Primeiro, determinava,
para salvaguardar a higiene e saúde públicas, que era
proibida a criação e engorda de gado suíno dentro da vila e suas proximidades e
a acumulação de estrumes e outras matérias nocivas à saúde quer em casas quer
em quintais, pátios, hortas e saguões.
Esta determinação foi acompanhada por outra que apontava
«o quintal denominado da praia pertencente a Francisco Freire Caria» para a
matança do gado suíno, em substituição do matadouro público, que não tinha as
condições necessárias.
Em 1888, o subdelegado de saúde escrevia ao
Administrador do Concelho informando-o que «se torna
necessário impedir que os chacineiros lancem para a rua o sangue dos porcos,
porções de vísceras e as águas que empregam na lavagem dos utensílios das suas
fábricas e que vêm carregadas de matérias orgânicas, que se corrompem e se
tomam focos de infecção.»
Outra medida de real importância para a saúde pública traduziu-se
na proibição da matança do gado suíno nos quintais da
vila, no período compreendido entre os meses de Agosto e Setembro, podendo ser
morto no matadouro público, seguindo outra recomendação do subdelegado
de saúde, que, em Agosto de 1894, protestava porque era «inconveniente que se faça chacina de porcos nesta localidade
e na actual estação, vista a facilidade com que as carnes corrompem e não
haver a plena certeza que na carne ensacada não vão germes prejudiciais à
saúde pública. Entendo pois que a chacina deve ser proibida na estação calmosa».
O período de proibição de matança do gado suíno no
concelho acabou por ser alargado pelo Edital de 23 de Abril de 1894 e passou a
vigorar entre 15 de Maio e 15 de Setembro.
No ano seguinte, e pela primeira vez, ficou determinado
que «todas as pessoas desta villa e concelho, que
quiserem matar porcos, ficam obrigadas desta data em diante a dar parte deste
serviço ao Ex.mo Sr. Fernando Carlos Corrêa Mendes, médico-veterinário,
comissionado pela autoridade superior a inspeccionar este serviço e a aguardar
a sua presença e instrução antes de começar a matança».
As preocupações de salvaguardar a higiene e a saúde
públicas tornaram-se uma constante na actuação do poder político, embora não
tivesse conseguido resultados assinaláveis.
Em 1905, o Administrador-do Concelho estabelecia um novo
normativo para regular o funcionamento dos quintais/chacinarias, e proibia a matança do gado suíno, nos quintais, páteos e
lugares semelhantes, cujos solos não estivessem devidamente asfaltados ou lajeados,
de modo a que pudessem conservar-se rigorosamente limpos, para não produzir
inalações que pudessem incomodar os vizinhos. Por outro lado, obrigava a que,
feita a matança, fossem desinfectados com cloreto de cal, não só os terrenos,
mas também os pontos para onde tivessem ocorrido as águas da limpeza, e
proibia que se lançasse nas sargetas e nos canos de despejo o sangue e os despojos
dos animais mortos, os quais deviam ser conduzidos para locais apropriados.
Face à violação constante das normas legais, o Administrador
do Concelho foi obrigado a renovar a proibição de engorda de porcos no
interior da vila.
Em 1912, só podiam ser construídas malhadas a um quilómetro
das vilas ou de outras povoações do concelho.
O Código das Posturas Municipais de 1946 proibia que
se deixassem vaguear os suínos pela via pública e que os mesmos transitassem a
pé pelo perímetro urbano da vila de Montijo, compreendido no polígono formado
pelas ruas Almirante Reis, Machado dos Santos, Praça 1.º de Maio, Av. João de
Deus, R. Tenente Valadim, R. Miguel Pais e Praça da República, das 0 às 2
horas e das 5 às 24 horas.
A disciplina da criação, transporte e transformação da
carne de porco transformou-se numa árdua batalha para as autoridades.
Na reunião da Câmara Municipal de 8 de Fevereiro de
1955, lamentava-se o vereador Joaquim Brito Sancho:
«Decorrido um mês sobre a
minha posse, venho aqui hoje informar que me sinto impossibilitado de cumprir
com consciência a minha missão, em defesa da higiene e salubridade, sem que
seja removido um velho obstáculo que se depara diariamente. O obstáculo que atrás
me refiro é a condução dos porcos a pé pela via pública e desnecessário será
dizer em que estado miserável ficam essas ruas, após a passagem destes animais.
Portanto peço a solução urgente deste magno problema, que tem dado lugar a
justas reclamações de eco tão longínquo, que ouvimos com facilidade fora de Montijo,
o seu grave efeito. É facto que não é fácil a solução deste assunto, tanto mais
que a indústria atingida não está no seu apogeu, contudo é preciso um esforço mútuo
para que se elimine uma causa, que tem dado lugar a graves consequências
(...)»
Em Setembro de 1982, foi publicada a última postura municipal
sobre «Higiene e Salubridade no Exterior das Instalações de Suínos e
Similares», que responsabilizava os proprietários das instalações pecuárias
pelos despejos que efectuassem, autorizassem ou não evitassem, e pelo
extravasamento das fossas, assim como se lhes proibiu lançar ou deixar correr
dejectos, águas conspurcadas com urina de animais ou com resíduos ou
substâncias similares provenientes das instalações.
Apesar de todas as medidas, no final do século XX, uma
ou duas vezes por semana, junto ao Cais dos Vapores, o rio corria tinto do
sangue resultante da matança feita nas fábricas, existentes no interior da vila
de Montijo.
A legislação comunitária, a construção de estações de
tratamento de água, o despertar e o fortalecimento de uma consciência cívica
ambiental a que se aliou a crise da indústria suinícola acabaram por resolver
alguns dos problemas que afectavam o Montijo, resultantes da criação e abate de
suínos e da transformação da carne de porco.
Ruky Luky
Viva
ResponderExcluirQuero dar-lhe os parabéns pela qualidade blogue “Montijo e Tanto Mar” quer na forma como explana e ilustra os temas quer até pelo trabalho de investigação “das coisas da história local”, realmente muito interessante!
Destaco aqui a muito curiosa planta dos covais da Igreja Matriz de 1681, o primeiro que vejo publicado.
Refiro só uma dúvida, porque não cita a fonte, quando diz “Palácio de Rio Frio foi mandado construir por António Santos Jorge, em 1918. É um projecto do arquitecto José Ribeiro Júnior”. É que de acordo com a obra “José Luís Monteiro : marcos de um percurso = steps of a long journey / [org.] Divisão de Arquivos ; textos Fátima Ferreira... [et al.]. Lisboa : C.M., D.L. 1998”, vê-se que o projecto é do arquitecto José Luiz Monteiro (ver também: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Lu%C3%ADs_Monteiro; http://www.academia.edu/409124/Memoria_da_Herdade_de_Rio_Frio).