Legalidade e Bom Senso
Uma tempestade num copo de água da Assembleia Municipal fez naufragar o presidente da Câmara Municipal de Montijo. |
1. A Lei nº 75/2013, de 12 de
Setembro de 2013, que estabeleceu o regime jurídico das autarquias
locais e de transferência e delegação de competências, e aprovou o
estatuto das entidades intermunicipais e o regime do associativismo autárquico,
consubstancia uma resposta parcial à reivindicação dos autarcas e da sua
associação de reforço das competências das Freguesias.
Neste
quadro, a Lei prevê um elenco não taxativo das atribuições das Freguesias,
novas competências da Assembleia de Freguesia, acréscimo de competências
próprias da Junta de Freguesia, a figura da transferência de competências do
Estado para as autarquias locais e a criação da figura da delegação legal de
competências da Câmara Municipal na Junta de Freguesia.
Circunscreve-se
o texto à delegação legal de
competências da Câmara Municipal na Junta de Freguesia.
Nos
termos do Art.º 33º, nº 1, alíneas I), m) e n), da Lei n.º 75/2013, compete à câmara
municipal discutir
e preparar com as juntas de freguesia contratos de delegação de competências e
acordos de execução e submeter à assembleia municipal, para efeitos de autorização,
propostas de celebração de contratos de delegação de competências com o Estado
e propostas de celebração e denúncia de contratos de delegação de competências com
o Estado e as juntas de freguesia e de acordos de execução com as juntas de
freguesia e propostas de resolução e revogação dos contratos de delegação de
competências e dos acordos de execução.
A
delegação de competências visa a a aproximação das decisões aos cidadãos, a promoção da
coesão territorial, o reforço da solidariedade inter-regional, a melhoria da
qualidade dos serviços prestados às populações e a racionalização dos recursos
disponíveis e deve obedecer aos seguintes
princípios: igualdade, não discriminação, estabilidade, prossecução do
interesse público, continuidade da prestação do serviço público e necessidade e
suficiência dos recursos.
De
acordo com a Lei, consideram-se delegadas mas juntas de freguesias as seguintes
competências das câmaras municipais: gerir e assegurar a manutenção de espaços
verdes; assegurar a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros;
manter, reparar e substituir o mobiliário urbano instalado no espaço público, com
exceção daquele que seja objeto de concessão; gerir e assegurar a manutenção
corrente de feiras e mercados; assegurar a realização de pequenas reparações
nos estabelecimentos de educação pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino
básico; e promover a manutenção dos espaços envolventes dos estabelecimentos
atrás referidos.
Consideram-se
ainda delegadas nas Juntas de Freguesia, quando previstas em lei, as
competências de controlo prévio, realização de vistorias e fiscalização das
câmaras municipais nos domínios previstos no nº 2 do Art.º 132º da Lei nº
75/2013.
Trata-se,
pois, de uma delegação que decorre da lei, devendo os municípios e freguesias
levar a efeito Acordos de Execução, no prazo de 180 dias, após a respectiva
instalação, o qual carece de deliberação favorável da assembleia municipal e da
assembleia de freguesia.
2. A Câmara Municipal de Montijo discutiu e preparou
acordos de execução com as cinco juntas de freguesia do concelho. Os acordos de
execução mereceram deliberação positiva da Assembleia Municipal (votos
favoráveis do PS e do BE, abstenção da CDU e votos contra do PSD), mas devido
às críticas tecidas pela bancada do PSD, o presidente da Câmara Municipal
decidiu submetê-los ao visto prévio do Tribunal de Contas.
Por
seu lado, o PSD declarou que irá apresentar queixa à Inspecção-Geral das Finanças
e ao Tribunal de Contas por entender que o presidente da câmara municipal, Nuno
Canta, e os vereadores do PS e da CDU violaram “grosseiramente a lei”, por ser
“gritante a violação dos princípios da igualdade e da legalidade, (e) a
coligação PS/CDU gasta(r) o dinheiro dos Montijenses a seu belo prazer.”
No que respeita ao acordo de execução a celebrar com a
União das Freguesias de Montijo e Afonsoeiro, o PSD questiona: “Como pode o
executivo da junta PS/BE aprovar um protocolo onde as escolas da Freguesia
recebem 4 vezes menos que as das restantes freguesias? A junta logrará manter e
conservar o seu parque escolar com quase menos um milhão de euros? É este o tão
apregoado conceito de escola pública do PS?”
A atitude assumida pelas partes, presidente da câmara
e partido político, se não suspende a celebração dos acordos, inviabiliza,
contudo, a transferência das verbas correspondentes às competências a delegar
nas juntas de freguesia.
3.A violação dos princípios da legalidade e da igualdade
constitui o cerne da polémica,
que levou o presidente da câmara a titubear e, por motu próprio, a solicitar o
visto prévio do tribunal de contas e fundamentou também a queixa do PSD.
Sob a epígrafe Igualdade e não discriminação, estatui
o Art.º 135.º da Lei n. 75/2013:
1 — Na concretização da delegação de competências, e
no respeito pelos princípios da igualdade e da não discriminação referidos nas
alíneas a) e b) do artigo 121.º, os municípios consideram, designadamente, critérios
relacionados com a caraterização geográfica, demográfica, económica e social de
todas as freguesias abrangidas pela respetiva circunscrição territorial. 2 — É
aplicável, com as devidas adaptações, o disposto no n.º 3 e no n.º 4 do artigo
115.º.
Por seu turno, sob a epígrafe Recursos, dispõe o Art.º
115:
1 — A lei deve prever expressamente os recursos
humanos, patrimoniais e financeiros necessários e suficientes ao exercício
pelos órgãos das autarquias locais e das entidades intermunicipais das
competências para eles transferidas. 2 — Na previsão dos recursos referidos no
número anterior, a lei faz obrigatoriamente referência às respetivas fontes de
financiamento e aos seus modos de afetação. 3 — O Estado deve promover os
estudos necessários de modo a que a concretização da transferência de
competências assegure a demonstração dos seguintes requisitos: a) O não aumento da despesa pública global; b) O aumento da eficiência da gestão dos recursos pelas autarquias locais ou
pelas entidades intermunicipais; c) Os ganhos de eficácia do
exercício das competências pelos órgãos das autarquias locais ou das entidades intermunicipais;
d) O cumprimento dos objetivos referidos no artigo 112.º; e) A articulação entre os diversos níveis da administração pública. 4 — Os
estudos referidos no número anterior são elaborados por equipas técnicas
multidisciplinares, compostas
por representantes dos departamentos governamentais envolvidos,
das comissões de coordenação e desenvolvimento regional, da Associação Nacional
dos Municípios
Portugueses e da Associação Nacional de Freguesias. 5
— A lei deve obrigatoriamente fazer referência aos estudos referidos no n.º 3.
Na sessão da Assembleia Municipal de 21 de Março,
defendeu o PSD que a câmara municipal não tinha promovido os estudos
necessários de modo a concretizar a transferência de competências de acordo com
a lei.
Opinião diferente sustentou o presidente da câmara
municipal, alegando que os acordos de execução estavam acompanhados de notas
explicativas sobre os valores encontrados para a sua realização,
designadamente, da valoração dos critérios de interioridade e ruralidade, o
preço de mercado de construção das escolas, por metro quadrado, o preço de
mercado para arranjos exteriores novos e de limpeza de vias e espaços públicos,
que resultaram de estudos elaborados pelos serviços municpais.
4. Para que se concretize a descentralização administrativa
a lei determina que o Estado deve promover os estudos necessários elaborados por
equipas técnicas multidisciplinares, compostas por representantes dos
departamentos governamentais envolvidos, das comissões de coordenação e
desenvolvimento regional, da Associação Nacional dos Municípios Portugueses e
da Associação Nacional de Freguesias.
Contudo, no caso dos acordos de execução, o disposto
no parágrafo anterior, é aplicável com as devidas adaptações.
Segundo Despacho do Secretário de Estado da
Administração Local, datado de 11 de Março de 2014, «O município e freguesias
envolvidos (na negociação) devem, conjuntamente, realizar um trabalho prévio de
estudo e de preparação dos acordos de execução, desde logo para avaliar os
recursos humanos, patrimoniais e financeiros para a concretização da delegação
legal. Esses estudos devem também analisar e procurar soluções que consagrem o
cumprimento dos requisitos previstos na lei, designadamente o não aumento da
despesa pública global, o aumento da eficiência da gestão dos recursos pelas
autarquias locais e os ganhos de eficácia do exercício de competências pelos
órgãos das autarquias locais.»
Ora, não são equipas técnicas multidisciplinares as
que se constituíram com os técnicos dos vários serviços da autarquia e das
juntas de freguesia e que elaboraram as notas explicativas dos valores
encontrados para a celebração dos acordos de execução?
Não consideraram as autarquias envolvidas nesse estudo
prévio (Notas Explicativas dos Valores Encontrados Para os Acordos de Execução),
município e respectivas freguesias, os critérios relacionados com a
caraterização geográfica, demográfica, económica e social de todas as
freguesias abrangidas pela respetiva circunscrição territorial, quando o
concelho de Montijo está fendido em duas partes distintas separadas por outros
dois concelhos?
E não procuraram as autarquias celebrantes dos acordos
de execução as soluções que consagrem o cumprimento dos requisitos previstos na
lei, designadamente o não aumento da despesa pública global, o aumento da
eficiência da gestão dos recursos pelas autarquias locais e os ganhos de
eficácia do exercício de competências pelos órgãos das autarquias locais?
Parece curial afirmar-se que a resposta às questões
formuladas é positiva, enfatizando ainda que a lei é nova, não é clara na sua
interpretação e aplicação de tal modo que mereceu um despacho interpretativo do
Secretário de Estado da Administração Local, alguns meses após a sua
publicação.
5. O conteúdo do acordo negocial resulta da vontade das
partes, município e freguesias, concedendo a Lei n.º 75/2013 «uma relevante
margem decisória ao município e à freguesia sobre o conteúdo do acordo quanto
ao modo concreto de executar a delegação e de exercer as competências e quanto
à definição concreta dos recursos a afetar.»
Os factos demonstram que a Câmara Municipal de Montijo
e as cinco Juntas de Freguesia do concelho celebraram livremente acordos de
execução, que permitirão a delegação de competências nas Juntas de Freguesia e,
consequentemente, a aproximação das decisões aos cidadãos, a promoção da coesão
territorial, a melhoria da qualidade dos serviços prestados às populações e a
racionalização dos recursos disponíveis.
Das cinco freguesias do concelho, duas são geridas
pelo PS, outra liderada pelo PS com o apoio do Bloco de Esquerda e as outras
duas pelo PSD e pela CDU, mas todas elas aceitaram livremente os termos e a
bondade dos acordos de execução.
Cabe agora às Assembleias de Freguesia autorizarem a
celebração dos mesmos.
A democracia alimenta-se do confronto de opiniões. O
PSD provocou uma tempestade num copo de água e Nuno Canta, presidente da câmara
municipal, que não sabe nadar no mar da política, afogou-se.
RuKi Luki
Independentemente da necessidade de regulamentar as relações entre as autarquias, começa a haver leis a mais, às vezes impeditivas das acções imediatas e urgentes, e trabalho a menos. Os partidos que deviam zelar pelo bem comum, muitas vezes, vivem num mundo à parte onde as realidades não entram. Olhando para o benefício partidário que pode resultar de certas atitudes, deixam para trás o interesse das populações que deviam representar. O erro começa logo na legislação que regulamenta a apresentação de listas aos órgãos autárquicos e a todas as outras eleições, cujo monopólio, na prática, pertence aos partidos instalados. São muitos anos de vícios acumulados e agora não há medicamentos para as moléstias, pois o que devia ter existido, para evitar a epidemia, eram vacinas, que os partidos nunca propuseram criar. Agora, sem reconhecer erros, a lengalenga continua.
ResponderExcluirUma pergunta! Do ponto de vista das Juntas de Freguesia as receitas resultantes dos acordos são receitas consignadas?
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