1. Nossa Senhora de Sabonha e o
Divino Espírito Santo
Festas do Divino Espírito Santo, em 1903. Os coretos e as quermesses dominavam a actual Praça da República, que, à noite, resplandecia com «as iluminações à Veneziana e à moda do Minho». |
Quem palmilhar a história do Montijo, que,
até 6 de Junho de 1930, se denominou Aldegalega ou Aldeia Galega do Ribatejo,
pelo lado das festas, encontrará nos primórdios um povo temente a Deus que
louvava os seus santos protectores em busca de salvação da alma e de conforto
para a vida terrena. Por isso, a história do concelho dá-nos a conhecer a
existência de um rico movimento associativo de carácter religioso ou
corporativo cujo desenvolvimento se intensificou a partir do século XVI.
A importância da função e dos interesses
religiosos originaram a criação de confrarias, instituições de carácter
fraternal, cuja acção assentava no auxílio mútuo, mas também em manifestações
essencialmente religiosos, mas também em realizações profanas pelas festas em
honra do santo protector.
A confraria do Espirito Santo, que terá
sido instituída, em
Aldeia Galega do Ribatejo, no século XV, uma vez que datam
dessa época as primeiras notícias da Albergaria e do Hospital, instituições
usualmente vinculadas àquela irmandade, celebrava a festa do Divino Espirito
Santo.
Dª Antónia da Silva, que foi provedora da
Santa Casa da Misericórdia de Aldegalega, no século XVI, deixou em testamento
uma doação à instituição a que presidira para ”que se compre quarenta alqueires
de trigo para se darem em pão amassado aos pobres necessitados pelas festas do
Natal, Páscoa e Espírito Santo e para a carne destas festas, ” o que revela a
importância que a festa do Espírito Santo já tinha assumido.
As vilas de Alcochete e Aldeia Galega
pertenceram ao termo de Alhos Vedros e à freguesia de invocação de Nossa
Senhora de Sabonha, sediada na actual localidade de S. Francisco, onde se
encontram actualmente as ruínas do convento. Embora Aldeia Galega e Alcochete tenham
logrado alcançar foral em 1514/1515, em 1525, a Igreja de Sabonha continuava a ser a
matriz de todas as povoações do antigo “Concelho do Ribatejo”, onde se incluíam
aquelas vilas, e por isso os freis visitadores da Ordem de Santiago estatuíram
que a ela “ He ordenado e mãdado que todollos moradores dallcouchete e dalldea
galegua e povoa do samouco e sarilhos vãao aas feestas primcipaes ouvir missa e
a dita igreija o que elles nã fazem e deixam esquecer a devaçã de huma amtiga
casa” e que” vão à missa à dita igreja
(pelas festas) sob pena de pagar quen nã for vynte réis.”
As festas em honra do Divino Espírito Santo
concorriam com as de Nossa Senhora da Sabonha, mas após a separação das
paróquias, tornaram-se as mais importantes da vila e dos arredores, de tal modo
que a Câmara Municipal de Aldegalega, na reunião de 19 de Março de 1841,
deliberou que “ hoje avante esta Câmara e as futuras sejam protectoras daquelas
festas (Divino Espírito Santo) concorrendo com os meios precisos para se festejar
o orago da freguesia, de que ora em diante deverá a despesa daquela festa ser
em toda a consideração para esta câmara” e encarregou o Vereador Fiscal de “promover quanto puder para que a festa ao
Espírito Santo se faça com equidade possível e bom arranjo”.
A Revolução Liberal e o encerramento dos
conventos de Aldegalega são algumas das causas que explicam a municipalização
das festas do Divino Espírito Santo.
Em 1901, após três anos de interregno, uma
comissão composta pelos senhores António Luiz Oliveira, Manuel Cipriano Pio,
Jacinto Tavares Ramalho, Domingos António Saloio, Joaquim Augusto da Silva,
João Epifânio das Neves e José Luís da Silva decidiu voltar a celebrar as
festas do Divino Espírito Santo.
Do vasto programa destacou-se a procissão,
que saiu acompanhada por três bandas de música, a missa cantada, a quermesse,
as iluminações à veneziana e à moda do Minho, fogo-de-artifício, concertos
musicais, arraial e tourada.
As festas não se realizaram no ano seguinte
por desacordo entre os membros da comissão nem em 1905 devido à morte do
presidente da câmara municipal, Domingos Tavares.
A partir de 1910, devido à implantação da
República, as festas do Divino Espírito Santo deixaram de ser comemoradas,
apesar do relevo social que tinham alcançado.
Aldegalega foi considerada a terra mais republicana
de Portugal. Os ideais republicanos conduziram à laicização da sociedade e a
uma atitude anti-clerical que, amiúde, confundia o clero com a igreja. Apesar
da publicação da Lei da Separação, as tradições religiosas sofreram um rude
revés. Quando o Padre António Pólvora celebrou a sua primeira missa, em
Aldegalega, no dia 4 de Janeiro de 1920, tinha a assisti-la três velhas
mulheres.
Esmoreceram, por isso, todas as
festividades devido ao seu carácter religioso. No entanto, resistiu sempre
oculta a vontade popular de fazer ressurgir as grandiosas Festas do Divino
Espírito Santo.
Com o Sidonismo a igreja ganhou um novo
alento e a partir da revolução de 28 de Maio de 1926 foi reconquistando a
posição influente que tivera socialmente, durante a monarquia.
No Montijo, foi decisivo o papel do padre
António Gomes Pólvora, homem inteligente, sensível e solidário, que verificando
que os seus paroquianos não iam à igreja decidiu ir ao seu encontro nas
associações, nos cafés, nas tabernas e nos próprios lares.
Festas do Divino Espírito Santo, 1903. Actuação da banda no coreto. |
Em 1923 e 1924, a Sociedade
Filarmónica 1º de Dezembro, reduto das forças conservadoras de Aldegalega,
organizou umas festas a que denominou do Divino Espírito Santo. Houve logo quem
tivesse visto nestas iniciativas um primeiro passo para o ressurgimento das
antigas festividades.
Outra, porém, foi a posição defendida pelo
Dr. Paulino Gomes, no jornal “A Liberdade”, e que se parece ajustar mais à
realidade. Argumentou o ilustre republicano e jurista:
” A Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro
desta vila organizou umas festas que estão decorrendo com brilho. Essas festas
que teem um carácter meramente particular ou, por outra, que não teem carácter
geral no que respeita á parte que a terra toma na sua organisação e na
comparticipação delas, há quem teime em chamar-lhes “Festas do Espírito Santo”.
Podemos contudo afirmar que nem a comissão encarregada de as levar a efeito
concorda com esta designação, nem as festas podem representar, por qualquer forma,
as antigas festas do Espírito Santo. As festas actuais são simplesmente um meio
de a sociedade promotora beneficiar o seu cofre, sem que se tenha constituído
uma comissão de cidadãos de Aldegalega, representando por isso a designação
forçada que se quere dar ás festas uma impertinência que desagrada á própria
comissão e ao povo Aldegalega. Que mania a de certa gente que parece apostada
em afastar o povo do concurso das festas.”
Se se não tratava do ressurgimento das festas
do Espírito Santo, o Padre António Gomes Pólvora mantinha-se incansável na
recuperação da comemoração da data do orago da vila e, por isso, naquele ano,
requereu autorização para realizar uma procissão para a celebração do Divino Espírito Santo.
Foi a última vez que se
anunciaram as Festas do Divino Espírito Santo.
Ruki Luki
Este trabalho de dar vida ao passado aldeano, que o Rui abnegadamente vem desenvolvendo, tratando-se, neste caso, de festas religiosas é quase um milagre, pois não há montijense de raiz que tanto se esforce nesta tarefa meritória. A vida é transitória, mas as recordações podem perpetuar-se no tempo. Como montijense, agradeço profundamente todo este ressurgir histórico que o Rui vem desenvolvendo.
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