domingo, 23 de março de 2014

Panorama das Festas de Montijo

1. Nossa Senhora de Sabonha e o Divino Espírito Santo

Festas do Divino Espírito Santo, em 1903. Os coretos e as quermesses dominavam a actual  Praça da República, que, à noite, resplandecia com «as iluminações à Veneziana e à moda do Minho».
  
Quem palmilhar a história do Montijo, que, até 6 de Junho de 1930, se denominou Aldegalega ou Aldeia Galega do Ribatejo, pelo lado das festas, encontrará nos primórdios um povo temente a Deus que louvava os seus santos protectores em busca de salvação da alma e de conforto para a vida terrena. Por isso, a história do concelho dá-nos a conhecer a existência de um rico movimento associativo de carácter religioso ou corporativo cujo desenvolvimento se intensificou a partir do século XVI.

A importância da função e dos interesses religiosos originaram a criação de confrarias, instituições de carácter fraternal, cuja acção assentava no auxílio mútuo, mas também em manifestações essencialmente religiosos, mas também em realizações profanas pelas festas em honra do santo protector.

A confraria do Espirito Santo, que terá sido instituída, em Aldeia Galega do Ribatejo, no século XV, uma vez que datam dessa época as primeiras notícias da Albergaria e do Hospital, instituições usualmente vinculadas àquela irmandade, celebrava a festa do Divino Espirito Santo.
Dª Antónia da Silva, que foi provedora da Santa Casa da Misericórdia de Aldegalega, no século XVI, deixou em testamento uma doação à instituição a que presidira para ”que se compre quarenta alqueires de trigo para se darem em pão amassado aos pobres necessitados pelas festas do Natal, Páscoa e Espírito Santo e para a carne destas festas, ” o que revela a importância que a festa do Espírito Santo já tinha assumido. 

As vilas de Alcochete e Aldeia Galega pertenceram ao termo de Alhos Vedros e à freguesia de invocação de Nossa Senhora de Sabonha, sediada na actual localidade de S. Francisco, onde se encontram actualmente as ruínas do convento. Embora Aldeia Galega e Alcochete tenham logrado alcançar foral em 1514/1515, em 1525, a Igreja de Sabonha continuava a ser a matriz de todas as povoações do antigo “Concelho do Ribatejo”, onde se incluíam aquelas vilas, e por isso os freis visitadores da Ordem de Santiago estatuíram que a ela “ He ordenado e mãdado que todollos moradores dallcouchete e dalldea galegua e povoa do samouco e sarilhos vãao aas feestas primcipaes ouvir missa e a dita igreija o que elles nã fazem e deixam esquecer a devaçã de huma amtiga casa” e  que” vão à missa à dita igreja (pelas festas) sob pena de pagar quen nã for vynte réis.”


Coreto em forma de galeão, junto ao Cais das Faluas, construído por José Rodrigues Pancão para as Festas do Divino Espírito Santo, 1903, devido à iniciativa de António Pedro da Silva, proprietário dos estaleiros.

As festas em honra do Divino Espírito Santo concorriam com as de Nossa Senhora da Sabonha, mas após a separação das paróquias, tornaram-se as mais importantes da vila e dos arredores, de tal modo que a Câmara Municipal de Aldegalega, na reunião de 19 de Março de 1841, deliberou que “ hoje avante esta Câmara e as futuras sejam protectoras daquelas festas (Divino Espírito Santo) concorrendo com os meios precisos para se festejar o orago da freguesia, de que ora em diante deverá a despesa daquela festa ser em toda a consideração para esta câmara” e encarregou o Vereador Fiscal de    “promover quanto puder para que a festa ao Espírito Santo se faça com equidade possível e bom arranjo”.
A Revolução Liberal e o encerramento dos conventos de Aldegalega são algumas das causas que explicam a municipalização das festas do Divino Espírito Santo.
Em 1901, após três anos de interregno, uma comissão composta pelos senhores António Luiz Oliveira, Manuel Cipriano Pio, Jacinto Tavares Ramalho, Domingos António Saloio, Joaquim Augusto da Silva, João Epifânio das Neves e José Luís da Silva decidiu voltar a celebrar as festas do Divino Espírito Santo.
Do vasto programa destacou-se a procissão, que saiu acompanhada por três bandas de música, a missa cantada, a quermesse, as iluminações à veneziana e à moda do Minho, fogo-de-artifício, concertos musicais, arraial e tourada.
As festas não se realizaram no ano seguinte por desacordo entre os membros da comissão nem em 1905 devido à morte do presidente da câmara municipal, Domingos Tavares.
A partir de 1910, devido à implantação da República, as festas do Divino Espírito Santo deixaram de ser comemoradas, apesar do relevo social que tinham alcançado.

 Aldegalega foi considerada a terra mais republicana de Portugal. Os ideais republicanos conduziram à laicização da sociedade e a uma atitude anti-clerical que, amiúde, confundia o clero com a igreja. Apesar da publicação da Lei da Separação, as tradições religiosas sofreram um rude revés. Quando o Padre António Pólvora celebrou a sua primeira missa, em Aldegalega, no dia 4 de Janeiro de 1920, tinha a assisti-la três velhas mulheres.
Esmoreceram, por isso, todas as festividades devido ao seu carácter religioso. No entanto, resistiu sempre oculta a vontade popular de fazer ressurgir as grandiosas Festas do Divino Espírito Santo.

Com o Sidonismo a igreja ganhou um novo alento e a partir da revolução de 28 de Maio de 1926 foi reconquistando a posição influente que tivera socialmente, durante a monarquia.
No Montijo, foi decisivo o papel do padre António Gomes Pólvora, homem inteligente, sensível e solidário, que verificando que os seus paroquianos não iam à igreja decidiu ir ao seu encontro nas associações, nos cafés, nas tabernas e nos próprios lares.

Festas do Divino Espírito Santo, 1903. Actuação da banda no coreto.
Em 1923 e 1924, a Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, reduto das forças conservadoras de Aldegalega, organizou umas festas a que denominou do Divino Espírito Santo. Houve logo quem tivesse visto nestas iniciativas um primeiro passo para o ressurgimento das antigas festividades.

Outra, porém, foi a posição defendida pelo Dr. Paulino Gomes, no jornal “A Liberdade”, e que se parece ajustar mais à realidade. Argumentou o ilustre republicano e jurista:
” A Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro desta vila organizou umas festas que estão decorrendo com brilho. Essas festas que teem um carácter meramente particular ou, por outra, que não teem carácter geral no que respeita á parte que a terra toma na sua organisação e na comparticipação delas, há quem teime em chamar-lhes “Festas do Espírito Santo”. Podemos contudo afirmar que nem a comissão encarregada de as levar a efeito concorda com esta designação, nem as festas podem representar, por qualquer forma, as antigas festas do Espírito Santo. As festas actuais são simplesmente um meio de a sociedade promotora beneficiar o seu cofre, sem que se tenha constituído uma comissão de cidadãos de Aldegalega, representando por isso a designação forçada que se quere dar ás festas uma impertinência que desagrada á própria comissão e ao povo Aldegalega. Que mania a de certa gente que parece apostada em afastar o povo do concurso das festas.” 

Se se não tratava do ressurgimento das festas do Espírito Santo, o Padre António Gomes Pólvora mantinha-se incansável na recuperação da comemoração da data do orago da vila e, por isso, naquele ano, requereu autorização para realizar uma procissão para a celebração do Divino Espírito Santo.
Foi a última vez que se anunciaram as Festas do Divino Espírito Santo.

Ruki Luki










Um comentário:

  1. Este trabalho de dar vida ao passado aldeano, que o Rui abnegadamente vem desenvolvendo, tratando-se, neste caso, de festas religiosas é quase um milagre, pois não há montijense de raiz que tanto se esforce nesta tarefa meritória. A vida é transitória, mas as recordações podem perpetuar-se no tempo. Como montijense, agradeço profundamente todo este ressurgir histórico que o Rui vem desenvolvendo.

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