quarta-feira, 5 de março de 2014

Assembleia e Mesa da Assembleia Municipal de Montijo

Cooperação ou Conflito? Subsídios para um debate.

Assembleia Municipal - Mesa da Assembleia: Cooperação ou Conflito?

A necessidade de rever e adaptar o Regimento da Assembleia Municipal de Montijo à Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, tem sido um dos temas das reuniões dos líderes dos Grupos Políticos com representação naquele órgão autárquico.

Marcada que foi a data da sessão da Assembleia Municipal para o dia 21 de Fevereiro, o Bloco de Esquerda e, posteriormente, a CDU, apresentaram atempadamente propostas de alteração do Regimento, solicitando à Mesa da Assembleia que as mesmas fossem agendadas de acordo com a lei.

O pedido foi indeferido pela presidente da Mesa da Assembleia Municipal com o fundamento na «ilegitimidade» das pretensões daqueles partidos políticos, tendo originado uma acesa discussão na primeira reunião da sessão Assembleia Municipal.

Alegou a presidente da Mesa da Assembleia Municipal, Maria Amélia Antunes, que «a elaboração do projeto de Regimento da Assembleia Municipal é da competência da Mesa ou, em alternativa, de um Grupo de Trabalho, a propor para o efeito pela Mesa, nos termos do Artigo 29.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro.» Neste quadro, esclareceu a autarca, «a mesa entendeu elaborar um projeto de Regimento», sem embargo a que «os senhores deputados Municipais durante o período de análise, discussão e votação da proposta da Mesa, [apresentem] as alterações que considerem relevantes, à proposta da Mesa.»
Defendeu também a autarca que «a admitir-se a possibilidade de os representantes dos Grupos Municipais ou Deputados Municipais, individualmente considerados, apresentarem projetos de Regimento para agendar na ordem de trabalhos estariam, tão só, a usurpar as competências que o legislador claramente e sem dúvida atribui apenas e só à Mesa.»

Isto é, segundo a presidente da Mesa da Assembleia Municipal, a elaboração do projecto do Regimento é uma competência exclusiva da Mesa.

Por seu turno, o Bloco de Esquerda julgou legítima a apresentação da sua proposta de Regimento e argumentou que, nos termos do Artigo 53.º da Lei 75/2013, a ordem do dia deve incluir os assuntos indicados pelos membros do respetivo órgão, desde que sejam da competência deste e o pedido correspondente seja apresentado por escrito atempadamente, o que acontecera. No cumprimento da lei, defendeu o BE, a Mesa tinha de agendar a proposta, cabendo, posteriormente, à Assembleia Municipal deliberar sobre a sua aceitação ou não. Por outro lado, lembrou também aquele partido, a elaboração e a aprovação do Regimento eram competências da Assembleia Municipal. Sendo certo que a lei atribui também à Mesa da Assembleia a competência de elaborar o projecto de Regimento, não é mesmo certo e dúvidas não subsistem que o Regimento em vigor atribui aos deputados municipais o poder de apresentar, por escrito, projectos de Regulamento, Propostas e Moções e alterações ao Regimento.
O BE lembrou ainda que seria impraticável discutir numa única reunião as propostas apresentadas pelos partidos, sugerindo que fosse criado um grupo de trabalho, que fundiria os vários projectos, evidenciando, para ulterior discussão, as matérias controvertidas.

Na mesma direcção seguiu a CDU, mas esgrimindo os seus argumentos com o texto do Regimento.  
Por considerar que a presidente da Assembleia Municipal não tinha cumprido nem o Regimento nem a Lei, a CDU recorreu da decisão da Mesa para o Plenário e propôs que o ponto da Ordem de Trabalho, que abordaria a discussão e a aprovação do Regimento fosse retirada e que se criasse «um grupo de trabalho com um representante de cada partido, para elaborar uma proposta de regimento para apreciação e decisão do plenário.»

Apesar de a proposta da CDU ter obtido os votos favoráveis da CDU, do PSD e do BE, os votos contra do PS e uma abstenção de um deputado municipal socialista, a presidente da Assembleia Municipal, Maria Amélia Antunes, declarou que não aceitava a deliberação e que iria impugná-la judicialmente, informando que continuaria em vigor o anterior Regimento, onde não fosse contrário ao regime jurídico das autarquias.

A Mesa da Assembleia Municipal tem competência para opor-se à admissão de propostas, no caso, apresentadas pelo Bloco de Esquerda e pela CDU? Provavelmente, não.
Primeiro, porque não é competência que lhe esteja legalmente atribuída (vide Art.º 29.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro), depois, porque, no cumprimento do Art.º 53.º da lei atrás citada, a ordem do dia deve incluir os assuntos indicados pelos membros do respetivo órgão, desde que sejam da competência deste e o pedido correspondente seja apresentado atempadamente por escrito, e tem de ser entregue a todos os membros do órgão com a antecedência mínima de dois dias úteis sobre a data do início da sessão.

A Mesa não goza também de competência exclusiva para elaborar o Regimento.
O Art.º 29.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 75/2013, estatui que compete à mesa elaborar o projeto de regimento da assembleia municipal ou propor a constituição de um grupo de trabalho para o efeito.
Contudo, o Art.º 26.º, n.º 1, alínea a), da mesma lei, determina que compete à assembleia municipal elaborar e aprovar o seu regimento.

Segundo a interpretação da Mesa, o Art.º 29.º derroga o Art.º 26.º, na parte citada, porque «o legislador claramente e sem dúvida atribui apenas e só à Mesa», tal competência, e, se assim se não entendesse, «estaríamos perante uma interpretação absurda, irracional e consequentemente ilegal.» Mais diz a Mesa: «A interpretação da lei deve ser racional, coerente, clara, entendível, sistémica, procurando a sua razão de ser (ratio legis).

Salvo melhor opinião, outra é a ratio legis.
A Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro, primeira lei do poder local democrático, atribuiu à assembleia municipal a competência exclusiva de elaborar o regimento (Art.º 48.º, n.º 1, alínea b)). Pelo mesmo caminho seguiram a Lei n.º 100/84, de 29 de Março, e a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.
A competência atribuída à mesa da assembleia para elaborar o projecto de regimento da assembleia municipal ou propor a constituição de um grupo de trabalho para o efeito, foi introduzida pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro (vide Art.º 46.º A, n.º 1, alínea a)).

Ora, quisesse o legislador que a Mesa da Assembleia fosse dotada de competência exclusiva e ter-lhe-ia atribuído essa competência, mas não o fez, apenas permitiu que a Mesa passasse a partilhar uma competência que, até então, era exclusiva da Assembleia Municipal.

De facto, assim tem agido o legislador, como se passa a demonstrar.

A Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na versão original, estatuía no Art.º 53.º, n.º 2, alínea a), que competia à Assembleia Municipal, em matéria regulamentar e de organização e funcionamento, sob proposta da câmara, aprovar posturas e regulamentos. E no Art.º 64.º, n.º 7, alínea a), da mesma lei, que competia à câmara municipal elaborar e aprovar posturas e regulamentos em matérias da sua competência exclusiva. 
A questão controversa que se suscitou foi saber se todos os regimentos municipais, mesmo aqueles que não fossem dotados de eficácia externa, teriam de ser aprovados pela Assembleia Municipal, uma vez que a lei estabelecia tão-só que era competência da Assembleia Municipal aprovar posturas e regulamentos.

A questão foi resolvida pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, que alterou a Lei n.º 169/99, e dotou o Art.º 53.º, n.º 2, alínea a) com a seguinte redacção: «Compete à Assembleia Municipal, em matéria regulamentar e de organização e funcionamento, sob proposta da câmara, aprovar posturas e regulamentos do município com eficácia externa. 

Mutatis mutandis, quisesse o legislador cercear as competências da Assembleia Municipal no que concerne à elaboração do Regimento e tê-lo-ia feito do mesmo modo.

Há, contudo, uma questão prévia, que deve ser dirimida, e que não foi abordada na sessão da Assembleia Municipal a que fizemos alusão, que nos leva a indagar – estamos face à elaboração de um novo regimento ou à revisão do regimento já existente?

O regime jurídico das autarquias locais esclarece que enquanto não for aprovado novo regimento, continua em vigor o anteriormente aprovado (Art.º 45.º, n.º5, da Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro).

Quando abordou a revisão do regimento, em reunião de líderes dos Grupos Municipais, a presidente da Mesa alvitrou que os partidos tivessem a proposta de alteração ao regimento em vigor apresentada pelo Partido Socialista como base de apoio e ponto de partida para ulterior discussão e deliberação.

Posteriormente, a presidente informou que a Mesa apresentaria um projecto de regimento.

Confrontada pelo Bloco de Esquerda que apresentaria também o seu projecto de alteração, a presidente da Mesa não se opôs.

A Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro, como já referimos, atribui à assembleia municipal a competência para elaborar o regimento, e nada mais acrescenta. Historicamente, é a primeira lei que estabelece o regime do poder local democrático e marca a cisão umbilical, em termos autárquicos, com o Código Administrativo.

A Lei n.º 100/84, por sua vez, veio determinar que «enquanto não for aprovado regimento, continuará em vigor o anteriormente aprovado.»

Posteriormente, a Lei n.º 169/99, estatuiu que «enquanto não for aprovado novo regimento, continua em vigor o anteriormente aprovado», norma que continua em vigor.

Ora, o Regimento da Assembleia Municipal vigora, pelo menos, desde 2002. Desde esta data, não se registaram alterações profundas no regime jurídico das assembleias municipais, nem tão pouco estas enfrentaram vicissitudes que lhes tivessem alterado a fisionomia e as obrigassem a utilizar um novo regimento. Não parece, pelo exposto, que se estivesse face a um novo regimento, antes que se discutiria a alteração do regimento em vigor.

Pelo exposto, quer se trate de alteração do Regimento, solução que se perfilha, quer da elaboração de um novo Regimento, os deputados municipais não podem ser cerceados de direitos/competências que são inerentes ao exercício das suas funções. Ora, havendo uma partilha de competências entre a Assembleia Municipal e a Mesa da Assembleia Municipal, nada obsta a que um grupo municipal ou um deputado municipal apresente propostas de alteração ou projectos de Regimento.

Declarou a presidente da Assembleia Municipal, Maria Amélia Antunes, que não aceitava a decisão e que a iria impugnar judicialmente, informando que continuaria em vigor o anterior Regimento, em tudo em que não fosse contrário ao regime jurídico das autarquias.

Se é certo que a lei atribui ao presidente da assembleia municipal a competência de assegurar o cumprimento da lei e a regularidade das deliberações (Art.º 30.º, n.º 1,, alínea e), da Lei n.º 75/2013), não se pode obnubilar que das deliberações da mesa da assembleia municipal cabe recurso para o plenário e, por outro lado, que só aos tribunais cabe anular uma decisão da assembleia municipal.

A presidente da Mesa pode não concordar com a decisão da Assembleia Municipal; pode e deve impugná-la judicialmente, fazendo jus, no seu entender, ao cumprimento da lei e à regularidade das deliberações, não pode, contudo, recusar-se a cumprir a decisão tomada pela Assembleia Municipal, a “Casa da Democracia”.

Mas se, porventura, a presidente da Assembleia Municipal não acatar a decisão da Assembleia Municipal? Mais do que o Direito, que responda a Política, depois de avisada pela Ética.

Rui Aleixo


4 comentários:

  1. Na falta de um jornal que semanalmente trate de nos informar sobre a vida política na nossa terra, este blogue, sempre oportuno, remedeia alguma coisa, e vai fazendo o que lhe é possível, pelo o que lhe devemos estar gratos pelo serviço que presta à cidade.

    ResponderExcluir
  2. As fachadas da autarquia nestas fotografias são da C.M.Montijo ?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Este foi o edifício dos Paços do Concelho até à década de 60 do século XX. Actualmente, ali residem a Assembleia Municipal e a Galeria Municipal.

      Excluir