De Aldeia Galega do Ribatejo a Montijo
Aldeia Galega do Ribatejo resultou da fusão de três núcleos populacionais distintos: Aldeia Velha, Aldeia Galega e Aldeia da Posta.
O primeiro núcleo, Aldeia Velha, localizado a nascente da povoação, foi habitado por fazendeiros e trabalhadores do campo e ali foi edificada a primeira paróquia, a de S. Sebastião (Igreja do Cemitério).
A Aldeia da Posta, a poente, foi constituída, sobretudo, por empregados do Correio-Mor e por pessoas que viviam com os serviços da Posta.
A Aldeia Galega, localizada ao centro, foi a zona preferida para a edificação de estalagens e, consequentemente, onde o comércio se instalou.
No século XVI, já estava construída a Igreja Matriz do Divino Espírito Santo e o núcleo populacional mais importante instalado numa área circunscrita ao «rossyo pequeno [largo da Igreja do Divino Espírito Santo], à rua Direita e ao Largo da Misericórdia.
De tal forma Aldeia Galega ganhou importância que, em 1533, o Correio-Mor do Reino, Luís Afonso, a escolheu para sede da Mala Posta, que demandava terras estrangeiras.
A História é madrasta para as classes sociais sem recursos económicos ou sem intervenção social protagonizada. Por isso, são escassas as referências à classe piscatória da Vila de Aldeia Galega do Ribatejo.
A existência de pescadores, contemporânea com o aparecimento da vila, não contradiz a afirmação já proferida que “ na sua origem Aldeia Galega foi essencialmente uma terra de camponeses (...) ”, porque é a partir do núcleo dos fazendeiros que a vila se desenvolve, recebendo, posteriormente o forte contributo dos mareantes.
Na Igreja Matriz há uma capela de invocação a Nossa Senhora da Conceição onde está gravada a inscrição: “Esta capela de madre Deos fizerão hos mariantes desta vila 1575”. Do lado da epístola encontra-se outra de invocação a Nossa Senhora da Purificação com o letreiro: “Esta capela de Nossa Señora da Purificação estituíram os omeis trabalhadores desta vila ano de 1607 ” . Os pescadores possuem um pequeno altar onde jaz a imagem de S. Pedro. “Mareantes e Omeis Trabalhadores” ajudaram a edificar a igreja assim como já o tinham feito com a vila.
No final do século XVI, princípios do século XVII, a vila de Aldeia Galega do Ribatejo era habitada essencialmente por “ Omeis trabalhadores”, mareantes, pescadores, clero e nobreza, representada por alguns cavaleiros do reino, e recebia quotidianamente uma considerável população flutuante que procurava alcançar Lisboa ou terras Alentejanas ou estrangeiras. A terra era pobre e só o tráfego fluvial a animava e “ por ser escalla e passagem para a banda do Alentejo he mais povoada que não por abundância de sítio”. Dividia-se, então, por dois núcleos: Aldeia Galega e Aldeia Posta, onde se edificou o bairro dos pescadores no século XVIII, isolado quer da vila quer do convento, este edificado no século XVII.
O bairro foi-se dispondo “ por várias artérias regulares, cortadas por travessas do mesmo tipo e era constituído por casario humilde, térreo ou de andar, na vizinhança de viveiros de peixe, abrigados por diques de terra batida (...)”.
Aldeia Galega do Ribatejo integrava, no séc. XIII, o concelho do Ribatejo, grémio municipal rudimentar que era constituído, no dizer de Virgínia Rau, por “uma poeira de lugarejos”, que tinham a sede paroquial em Santa Maria de Sabonha.
A vila, que pertenceu ao termo de Alhos Vedros, recebeu foral doado por D. Manuel I, em 15 de Setembro de 1514 e, em 17 de Janeiro do ano seguinte, recebeu novo foral conjunto com Alcochete.
Segundo Joaquim Carreira Tapadinhas, “poderíamos concluir (...) que o foral de D. Manuel seria um foral novo e não o primitivo do concelho. Essa conclusão seria apressada e só o aparecimento do documento ou cópia credível poderão fazer fé. Contudo não é descabido pensar que, embora de forma rudimentar, Aldeia Galega (nos séculos XIV e XV) tinha estruturas de concelho”.
O concelho ganhou autonomia plena quando estabeleceu um acordo com o de Alcochete, em 27 de Janeiro de 1559, para “separar jurisdições e ofícios”.
Aldeia Galega do Ribatejo, vila que se formou pela fusão de três núcleos populacionais distintos, Aldeia Velha, Aldeia Galega e Aldeia da Posta, constituía, no século XVI, com “hua aldea que se chama çarilhos [Sarilhos Grandes]” e “hua povoação que se chama Póvoa [Base Aérea]”, o concelho com o mesmo nome.
Até 1833, data da remodelação da divisão territorial do país, o concelho de Aldeia Galega do Ribatejo era constituído pelas Freguesias do Divino Espírito Santo e de S. Jorge (Sarilhos Grandes).
Extinto o concelho de Canha, em 1838, integrou-se no concelho de Aldeia Galega com a categoria de freguesia, embora mantendo o título de vila, o mesmo acontecendo, em 1895, quando se extinguiram os concelhos da Moita e de Alcochete. Com a restauração destes concelhos, três anos mais tarde, o concelho de Aldeia Galega do Ribatejo passou a ser constituído pelas freguesias do Divino Espírito Santo, de S. Jorge (Sarilhos Grandes) e de N.ª Sr.ª de Oliveira (Canha).
Actualmente, o concelho, que passou a denominar-se Montijo, em 6 de Junho de 1930, apresenta uma descontinuidade geográfica, sendo constituída a parte Este pelas freguesias de Canha, St.º Isidro de Pegões e Pegões e a parte Oeste pelas freguesias do Montijo, Sarilhos Grandes, Alto Estanqueiro/Jardia, Afonsoeiro e Atalaia.
O “Título da Villa d’Aldea Galega”, mandado elaborar por D. João II, em 1532, registou que, “tem esta villa cento e seys moradores dos quaes sam vimte e nove viúvas e três molheres solteyras e tres crellegos”, número que não é, hoje, pacificamente aceite.
O Correio-mór, Luís Afonso, estabeleceu, em 1533, a Posta Principal, ao sul do Tejo, em Aldeia Galega, depois de ter conseguido de D. João III a mercê régia que lhe permitiu que a vasta jardia ao tempo deserta fosse atravessada pelo aguilhão para serviço exclusivo do correio-mór.
A Posta deu um novo impulso ao desenvolvimento da vila, que passou a receber o concurso das mais desvairadas gentes.
Como refere Ruy de Mendonça, «claríssimo é que só o extraordinário movimento causado pelo pessoal, - como postilhões, boleeiros e mais empregados -, seria suficiente para aumentar a população da terra.
Se nos lembrarmos que passou a haver uma população flutuante, diariamente a estacionar na vila, encontraremos perfeita compreensão dos motivos que levaram ao crescimento rápido do seu comércio e ao desenvolvimento, em paralelo, de todas as actividades da povoação.»A Câmara Municipal tinha as suas casas no “Rosyo da villa”, actual Praça 1º Maio, e pelas ruas empoeiradas de Aldeia Galega cruzavam-se os representantes da nobreza e do clero, o povo e muitos escravos, confundindo-se aqueles nos divertimentos taurinos mandados organizar por D. Manuel.
O rio era também a fonte de energia que fazia mover as “moendas de pam” e dos portos de Aldeia Galega e do Montijo partiam as barcas carregadas de sal, vinho, cereais e madeiras.
Entre Aldeia Galega e Almada, haveria perto de sessenta moinhos de maré e, segundo Virgínia Rau, «no ano de 1512, foram computados em 79 marinhas, com um total de 11052 talhos, as existentes tanto na ribeira “da ffooz de Sabonha”, como na ribeira de Aldeia Galega.»
Na segunda metade do século XVI, já estava instituída a Santa Casa da Misericórdia e os fiéis cultuavam nas Igrejas de S. Sebastião, da Misericórdia ou na do Divino Espírito Santo, todas elas construídas com o empenho e a devoção dos aldeanos.
Brasão de Aldegalega do Ribatejo |
Vão escasseando as notícias acerca de Aldeia Galega do Ribatejo, embora se saiba que, em 1709, a vila tinha «médico, boticário e cirurgião; um caes de cantaria que era dos melhores do Riba-Tejo; dezoito barcos; e sete padeiros. O concelho rendia setecentos mil reis por ano; tinha juiz de fora desde 1569; um prior, dois beneficiados e um tesoureiro; cinco moinhos de água, além de um que dividia o termo de Aldeia Galega do termo de Alhos Vedros, com quatro engenhos, dois de um termo e dois do outro.
Donde se conclui, que esta villa prosperou bastante durante os séculos XVI e XVII», como registou José de Sousa Rama.
Contudo, não é ridente a situação da vila, em meados do século XIX, com deixa transparecer a carta, de 17 de Outubro de 1850, do Administrador do Concelho dirigida à Rainha, Dª Maria II:
«Senhora
Vossa Majestade não deixará de atender que este cais é um daqueles onde continuamente embarcam e desembarcam Artilharia Cavalaria e todo o género de munições e equipamentos para os Corpos da Província do Alentejo e do Algarve, assim como os imensos produtos destas duas Províncias, que tantos direitos depositam nos Cofres das Alfândegas e que por conseguinte é de absoluta necessidade existir um estado sólido e cómodo, o que será impossível se do pouco rendimento do dito imposto se deduzir a Terça parte a favor da Nação, que desfruta em grande escala os seus serviços: e isto num concelho, que na falta de Bens próprios, geme debaixo de um deficit superior a 2.000$000 e não tem uma fonte pública nem calçadas nem Cadeia segura e própria para uma comarca nem mesmo um passeio recreativo ou outro qualquer de utilidade e embelezamento da vila achando-se até os próprios templos ameaçando eminente ruína…»
Polemiza-se sobre a origem do nome, dividindo-se as opiniões. Uma corrente sustenta que o nome Galega resulta do facto de um dos primeiros núcleos de habitantes, que ali se instalou no reinado de D. Afonso Henriques, ser constituído por gauleses (Gália). Outros autores defendem que se chamou de Galega atendendo aos terrenos estéreis que caracterizavam o solo da vila. Terra Galega seria aquela com terrenos estéreis e não a habitada por gauleses.
Por outro lado, o povo, sempre romântico, atribui-lhe a origem a uma estalajadeira galega, de seu nome Alda, que se instalou na vila e se apaixonou por um pescador. Aldegalega, corruptela de Aldeia Galega, teria resultado, segundo a lenda, da junção das palavras Alda e galega. «Vamos à da Alda, a Galega?».
Entre a lenda e a história se embalou o nome de Aldeia Galega ortografado, ao longo do tempo, ao sabor da inspiração: Alda Gallega, Aldea Gallega, Aldegalega, Aldaguallega do Ribatejo, Aldegalega, Dalda Gualega ou Aldeia Gallega do Ribatejo, como registou o Foral outorgado por D. Manuel I, em 15 de Setembro de 1514.
E tal era a confusão de nomes que, em 2 de Fevereiro de 1879, a Câmara lhe fixou o nome em Aldegalega.
Porém, em 1881, os ilustres cidadãos de Aldegalega protestaram contra o nome: «Basta de sarcasmos! Chamar Galega a uma povoação de sete mil verdadeiros portugueses, parece-nos um verdadeiro absurdo.» Pediram, então, a El-Rei D. Luís que a terra se passasse a chamar Alda.
Alda? Como não havia consenso à volta de um nome, pois a História regista outras propostas, Linda Aurora do Ribatejo, Vila Flor, Vila Maior do Ribatejo, Aldegalega Lusitânia, Nova Lusitânia, Lusitânia e Vila Lusa, a localidade continuou a chamar-se Aldegalega ou Aldeia Galega do Ribatejo.
Em 1930, Aldeia Galega do Ribatejo era já uma pujante vila e correspondendo aos anseios dos seus moradores, Carlos Hidalgo Gomes de Loureiro, Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Aldeia Galega do Ribatejo, requereu, no dia 5 de Fevereiro, a mudança de nome para Montijo, nome ancestral da península e do antigo porto.
A proposta foi sancionada pelo Decreto nº. 18434 e a partir do dia 6 de Junho de 1930, a vila e o concelho de Aldeia Galega do Ribatejo passaram a denominar-se Montijo.
A isto chama-se não deixar morrer a história, ou seja, reviver o passado para que não esqueçamos as raízes. É uma seara que poucos cultivam, porque os senhores actuais, os donos do poder e das decisões, numa ignorância carregada de soberba, decidiram retirar a História do currículo do 1.º Ciclo, substituindo por uma disciplina raquítica, a que chamaram Meio Ambiente. Logo a desvalorização do passado começa nesta aparente simples actuação do Ministério da Educação. Este pessoal está muito cheio da sua empáfia e, num mundo onde o descaramento e a ignorância predominam, julgam que só porque existem, isso é um valor supremo, que dá para postergar todo o passado.
ResponderExcluirCultivar a história, além do valor cultural que encerra, é o respeito pelos nossos antepassados, pela verdade e pela justiça. Os dias de hoje não propícios a tais valores, mas tal não impede que eles sejam repescados, porque são eternos.