sexta-feira, 20 de julho de 2012

Poemas a Deus

A Procura do Caminho na Poesia

                 "Na mão de Deus, na sua mão direita”…
                                          Antero de Quental

                  
Colecção particular - década de 40 (?)
      Obstinação

À procura de Deus, andamos todos nós,
Poetas, desde quando a Poesia é Poesia…
Caminho que nos leva aonde principia
A dúvida maior, a ânsia mais atroz.
Mas sempre em nós renasce a esp’rança de que um dia
Talvez a Sua Voz responda à nossa.
                              Carlos Queiroz

Colecção particular - 1943
                  Oração da Manhã

Feliz ou infeliz, que eu me não queixe,
Senhor! Se uma vez mais a vida principia;
E, quer te esqueça, ou não, durante o dia,
Tua presença me não deixe.

Tua presença entorne claridade
No íntimo do que me parece opaco,
E alongue pela sombra o que, restrito e fraco,
Reduza eu à minha exiguidade.

Assim não possa já caluniar aquilo
Que não entenda, ou por demais julgue entender.
Assim, nos meus irmãos, não fira o próprio Ser,
E possa, ao vir a noite, adormecer tranquilo.
                          José Régio

Colecção particular - 1944

                  Falando com Deus

Só Vos conhece, Amor, quem se conhece;
Só Vos entende bem quem bem se entende;
Só quem se ofende a si, não Vos ofende,
E só Vos pode amar quem se aborrece.

Só quem se modifica em Vós floresce;
Só é Senhor de si quem se Vos rende;
Só sabe pretender quem vos pretende,
E só sobe por Vós quem por vós desce.

Quem tudo por Vós perde, tudo ganha,
Pois tudo quanto há, tudo em Vós cabe.
Ditoso quem no Vosso amor se inflama,

Pois faz troca tão alta e tão estranha!
Mas só Vos pode amar o que Vos sabe,
Só Vos pode saber o que Vos ama.
            Jerónimo Baía

Colecção particular - 1945

                     Palavras do Senhor

 Eu tenho-Te a meu lado, e não Te vejo,
- Sou como os peregrinos de Emaús!
Mas basta que Tu voltes um lampejo
P’ra que, em verdade, eu diga: - «Este é Jesus!»

Vivo a buscar-Te no maior desejo,
- Vivo a buscar-Te por atalhos nus…
E tenho-Te ao meu lado, e não Te vejo,
- Sou como os peregrinos de Emaús!

Na graça que semeias e derramas,
Meus tristes olhos limpa-mos de escamas,
P’ra que nos cegue todo o Teu fulgor!

Pois, sendo como sou argila impura,
Como é que posso erguer-me a essa altura,
Sem que venhas ajudar, Senhor!
                    António Sardinha

Colecção particular - 1944
        Salmo

Esperemos em Deus! Ele há tomado
Em suas mãos a massa inerte e fria
Da matéria impotente, e, num só dia,
Luz, movimento, acção, tudo lhe há dado.

Ele, ao mais pobre de alma, há tributado
Desvelo e amor; Ele conduz à via
Segura quem lhe foge e extravia,
Quem pela noite andava desgarrado.

E a mim, que aspiro a Ele, a mim, que O amo,
Que anseio por mais vida e maior brilho,
Há-de negar-me o termo deste anseio?

Buscou quem O não quis; e a mim que O chamo,
Há-de fugir-me, como a ingrato filho?
Ó Deus, meu pai e abrigo, espero!... eu creio.
                       Antero de Quental

Colecção particular - 1955
 Meu ser Evaporei na Lida Insana

Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de mil paixões, que me arrastava;
Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.

De que inúmeros sóis a mente ufana
Existências falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal que avida em sua origem dana.

Prazeres, sócios meus e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus, oh Deus!... Quando a morte a luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube.
                   Bocage


Catequese
Reza comigo, se te queres salvar.
Deus é pura poesia.
E o poema uma humilde petição
No templo sacrossanto da eternidade.
Reza comigo, a ler-me e a memorar
Os versos que mais possam alargar
O teu entendimento
                                                  De ti, do mundo e do negro inferno
De cada hora.
Purificada neles, terás então
No coração
A paz aliviada que te falta agora.
   Miguel Torga




Um comentário:

  1. Em alguns momentos da vida o ser pensante que é o homem transcende-se e procura, com pouca ou muita avidez, o conforto extra-terrestre de algum ser que imagina poder existir e nisso encontra algum refrigério. É uma procura natural que não devia ser considerada menor por aqueles que tudo sabem, faltando-lhes apenas a modéstia de reconhecerem a sua ignorância nos infindos conhecimentos que há a ser encontrados no que é transcendental. Estes momentos de reflexão, próprios dos homens não banais, marcam a diferença entre a vulgaridade e o sublime.

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