Há 100 anos, assim aconteceu
No Centro Republicano Democrático, palacete que é hoje propriedade de Izidoro de Oliveira, preparou-se a resposta ao indeferimento do pedido, como nos conta Armando Iça: |
«O
acto político em perspectiva corria o risco de não ser devidamente realçado com
a indispensável música, se não fora o facto de alguns filarmónicos da Sociedade
[1º de Dezembro], mais simpatizantes e admiradores do Partido Democrático,
resolverem atender o pedido do Centro.
Músicos
de feição democrática havia-os, o que porém não existiam eram os instrumentos.
Tinha
então a vizinha freguesia de Sarilhos Grandes a sua banda desorganizada e esta
circunstância soluciona o caso: envidam-se esforços, trocam-se pedidos e
gentilezas e, assim, o Centro obtém a cedência do instrumental. Manuel Cipriano
Pio, Joaquim da Silva Mascarenhas e António Luiz Gouveia Júnior são os homens
de confiança do Centro que vão buscar os instrumentos emprestados.
E
de Sarilhos Grandes voltaram, trazendo em dois carros de tracção animal o
ambicionado instrumental.
À
roda deste incidente político avolumam-se discussões, azedam-se os ânimos,
estimulam-se os caprichos e deste modo o referido Centro arranja mais de duas
dezenas de executantes, uns sócios do Partido e outros elementos da outra Banda
que não concordaram com a atitude desta, aderindo pois à nova causa.
Com
regularidade e bastante concorrência começam os ensaios a 12 de Dezembro de
1913, sob a direcção do ensaiador da Filarmónica de Sarilhos, Senhor Eduardo
Alvarez Blanco, até que chegou o dia da grande festa, que ficou gravada no
coração de todos. Nesse mesmo dia ficou logo resolvido que fosse tornada
efectiva a Banda, que um caso político organizara.
Jacinto
Augusto Tavares Ramalho foi o entusiasta que generosamente ofereceu o primeiro
instrumental à novel colectividade.»
«Pelas
13H00 de 2 de corrente, a Banda Democrática de Aldegalega, constituída por cidadãos
republicanos e sinceros democrátas, teve a sua inauguração com o Ino Nacional
tocado defronte do Centro Republicano Portuguez que se achava lindamente
embandeirado, sendo n’essa ocasião lançadas ao ar bastantes girândolas de
foguetes. D’ali a banda foi, acompanhada de muito povo, à estação dos caminhos
de ferro esperar os ilustres deputados por este círculo, srs. Gastão Rodrigues,
Luiz Derouet e Aníbal d’Azevedo, cumprimentando-os à chegada tocando a
«Portugueza», ouvindo-se n’essa ocasião muitos vivas ao dr. Afonso Costa, aos
deputados por este círculo e á República. A banda, em seguida aos cumprimentos,
marchou com a «Portugueza» até ao Centro, sendo acompanhada por milhares de
pessoas que entusiasticamente lhe davam vivas. Ás trez horas saiu novamente a
cumprimentar a nova vereação dando em seguida uma volta pelas principaes ruas
da vila, indo depois jantar ao Hotel República onde a alegre rapaziada trocou
afetuosos brindes. Á noite foi novamente tocar defronte dos paços do concelho,
cujo frontispício se conservava iluminado a electricidade percorrendo de novo
algumas ruas da vila.»
A
banda era então constituída por vinte e sete elementos e foi dirigida
provisoriamente pelo maestro da Academia Musical União e Trabalho, Eduardo
Alvarez Blanco.
Banda
Democrática, claro! E poderia lá ter sido outro o nome? O Partido denominava-se
Democrático e o Centro também. Se os progenitores eram Democráticos que outro
apelido poderia ter a descendente senão Democrática?
Anos
mais tarde, o Dr. Paulino Gomes recordava, deste modo, a sua fundação:
«Muitas
pessoas não sabem nem podem calcular quanto representa em esforço, em boa
vontade e em sacrifício a existência da Banda Democrática 2 de Janeiro. Banda
Democrática é o seu verdadeiro nome; é o seu brasão. Filha do povo, para ele se
fez e com ele se tem criado e progredido. Nasceu de uma simples conversa havida
ali no antigo Centro Democrático, que serve hoje de residência particular e não
habitual do Sr. Izidoro Maria de Oliveira e onde se travaram lutas espirituais
de certo relevo.(...)Meia dúzia de rapazes destemidos e enérgicos
prontificaram-se a constituir a Banda do Centro e para o Centro. Não havia
dinheiro mas havia alma; não havia auxílios estranhos mas havia vontade. Tanto
bastou(...).
Porque
se intitula democrática e o é na verdade, há quem nutra pela distinta
corporação um ódio por vezes oculto, mas que depressa é reconhecido. Pois
aquela designação é o seu maior título de glória Democrática, porque não?»
A
Banda Democrática 2 de Janeiro foi, como acabámos de ler, no seu alvor e na
essência das suas funções, uma corporação cujos objectivos se confundiram com
os do Centro Democrático e os do Partido Democrático. Sócios e dirigentes
destas organizações viriam a corporizar também a Banda Democrática, como
aconteceu com o Dr. Manuel Paulino Gomes, que foi o primeiro presidente da câmara
eleito pelo Partido Democrático e o primeiro presidente da Banda Democrática 2
de Janeiro.
A
extinção do Centro Republicano Democrático de Aldegalega, em 1922, devido a uma
penhora de bens, deu à Banda Democrática o élan institucional necessário para
que de mera banda de música se viesse a transformar numa associação,
apropriando-se dos bens e da sede do Centro Democrático, de que fora legítima
depositária, e sustentando-se nos sócios do extinto Centro, que tinham sido
afinal os seus fundadores.
A
transição foi pacífica, mas na assembleia geral realizada no dia 17 de Janeiro
de 1923, os associados interrogaram-se sobre o futuro da instituição: “filha do
Partido Republicano” ou um novo ente cultural e recreativo sob a égide dos
princípios republicanos?
A
discussão tinha uma razão de ser. A Banda não tinha estatutos e os defensores
da posição mais radical escudavam-se na necessidade de mantê-la ligada ao Partido Democrático como garantia
que os seus ideais não seriam desvirtuados. Esclareceu então o Dr. Paulino
Gomes que a essência política da Banda Democrática caía a fundo sobre a reacção
clerical, que arrastava a população para uma falsa educação, ao contrário dos
amigos da Banda que só pensavam na amizade dos seus semelhantes, no trabalho e na realização dos verdadeiros princípios da
democracia. Era esta essência que se pretendia salvaguardar.
Mas,
em 1922, a Banda tinha iniciado um novo percurso, que a afastou de uma prática
política radical e a conduziu à construção de uma imagem de colectividade aberta
a todos os aldeanos, rumo que foi bem recebido «em geral pelo povo da nossa
terra, que vendo que a orientação da nossa sociedade não era de molde a acirrar
o ódio nem a alimentar discussões ou malquerenças nunca deixou de prestar
auxílio à nossa banda, quando lho solicitamos, sem distinguir cores políticas
ou convicções partidárias, apesar de nunca abdicarmos dos nossos princípios
afectos ao Partido Republicano Português», como frisou o então director José
Porfírio Ezequiel. Para corroborar as palavras do seu colega, o prestigiado
sócio José Leonardo da Silva rematou: «não pode ela viver exclusivamente do
Partido Democrático, que lhe deu o ser, porquanto sendo a cobrança mensal de
cento e tal escudos é, no entanto, a sua despesa de trezentos e tal. Não é com
o exclusivo concurso do Partido Democrático que se enchem as bancadas de um
teatro, as bancadas de uma praça de touros ou as prateleiras de uma quermesse,
mas sim com o valioso concurso de todos que pretendam auxiliar a Banda.». A
assembleia geral acabou por ratificar o pragmatismo da direcção, que se passou
a abster de «entrar colectivamente em questões políticas, não deixando contudo
de demonstrar o seu republicanismo, sempre que as circunstâncias o exigissem.»,
e a assembleia geral extraordinária realizada no dia 21 de Junho de 1923,
aprovou os Estatutos, que receberam consagração legal com o Alvará do Governo
Civil de Setúbal, de 16 de Julho de 1928.
O
Art.º 1.º daquele diploma definiu a Banda Democrática 2 de Janeiro como uma
sociedade de recreio, que tinha por fim manter uma banda de música,
proporcionar o ensino da música aos seus associados e filhos menores de 16
anos, de sexo masculino e proporcionar também o recreio aos seus associados por
meio de récitas, concertos, sessões solenes, soirées, jogos autorizados por lei
e quaisquer outras diversões que a direcção entendesse. Seguindo a lei vigente,
só se podiam associar os indivíduos do sexo masculino, de boa reputação, de
nacionalidade portuguesa e reconhecidamente republicanos.
Os
estatutos eram rigorosos quanto à exigência do cumprimento dos princípios da
boa moral republicana e, por isso, aos sócios que prevaricassem gravemente a
direcção podia elevar a pena imposta, inscrevendo, num quadro afixado na sala
da colectividade, o nome do prevaricador e a seguinte frase: “Indivíduo expulso
por indigno de pertencer a uma colectividade de homens de BEM”.
Ruky Luky
Caro Rui Aleixo, como sempre fico muito grato pelas suas publicações. Bem haja
ResponderExcluirSCosta