Pescadores e Barqueiros
Aldeia Galega do Ribatejo foi uma
das 237 localidades a quem D. Manuel I outorgou foral, em 1514. Entre 1500 e
1520 seriam dados 589 forais.
Foral ou carta de foral é, na
esteira do Dicionário da História de Portugal, de Joel Serrão, «o diploma
concedido pelo rei, ou por um senhorio laico ou eclesiástico, a determinada
terra, contendo normas que disciplinam as relações dos seus povoadores ou
habitantes entre si e destes com a entidade outorgante.»
Por Carta Régia de 22 de Novembro de 1497, D. Manuel I «ordenou que
se recolhessem de todas as cidades, vilas e lugares, todos os forais, tombos e
escrituras, que sobre este assunto houvesse, em os próprios originais, para se
ordenarem outros novos», atendendo aos abusos que se haviam introduzido nos
forais, denunciando então os municípios as opressões de que eram vítimas.
Francisco Nunes Franklin, na sua obra “MEMÓRIA
PARA SERVIR DE ÍNDICE DOS FORAES DAS TERRAS DO REINO DE PORTUGAL E SEUS
DOMÍNIOS”, classificou os forais em: «Forais assim antigos, novos e novíssimos:
na classe dos primeiros entram todos os que foram dados desde o princípio da
Monarquia, e até mesmo no reinado do Sr. Rei D. Manoel, os que se expediram
antes da Reforma (…); à classe dos segundos pertencem todos aqueles que se
expediram na sobredita reforma do SR. Rei D. Manoel; os Forais novíssimos, isto
é, os que se deram depois.»
Assim, forais antigos são os que foram
dados desde o princípio da Monarquia e antes da reforma de D. Manuel I; forais
novos, os que se expediram na reforma manuelina; e forais novíssimos, aqueles que foram dados
posteriormente.
Com Reforma do rei D. Manuel I, os forais
perderam o carácter de estatutos político-concelhios, matéria que passou a ser
regulada pela lei geral, e preocuparam-se em fixar os encargos e os foros a
pagar pelos concelhos ao rei e aos donatários. Por outro lado, transformaram-se
também num instrumento útil à centralização do poder régio.
O actual concelho de Montijo regista a
existência de três forais – O Foral de Aldeia Galega do Ribatejo (1514); O
Foral de Alcochete e Aldeia Galega do Ribatejo (1515); e o Foral de Canha
(1516). Perdeu-se o primeiro.
Por ora, analisaremos tão-só dois aspectos
do Foral de Aldeia Galega do Ribatejo, realçados no subtítulo.
D. Manuel I deu foral a Aldeia Galega do
Ribatejo, em 15 de Setembro de 1514. Dele apenas se conhece o treslado feito
por Mateus de Aguiar, em 1614. Afiança o escrivão que o treslado foi feito «do
próprio foral que está no cartório da dita Câmara d’Aldegalega do Ribatejo e
com ele este concertei com o Juiz dos ditos tombos e com o escrivão da dita
câmara.»
O Foral é parco no que respeita à pesca e
aos pescadores, registando, em essência que o pescado está sujeito à dízima, à
excepção «do que tomarem para comer», e que os pescadores que «saírem com o seu
pescado fresco em terra haverão dele seu conduto por aquele dia que houverem de
repousar sem dele pagarem dízima.»
Quanto aos barqueiros, o Foral reconhece Aldeia
Galega do Ribatejo como o principal porto de passagem para Lisboa e os inconvenientes
e as despesas que resultam para os passageiros «pela desordenança das barcas»
e, por isso, determina que se cumpra a postura municipal existente.
Assim, «a barca a que chamam da carreira»
devia cumprir o calendário e o horário estabelecidos, partindo no momento da
maré, com os passageiros que ali se apresentassem, «muitos ou poucos que ao tal
tempo achar, sem mais aguardar outra maré ou tempo, nem mesmo levar mais
dinheiro nem preço por pessoa nem (por) coisas». Deste modo, fosse a barca com muitos
ou poucos passageiros, o barqueiro estava obrigado «a tanger o seu búzio à hora
(marcada) e cumprir todos os outros costumes e obrigações da dita passagem.
Isto é, o Foral densificou a postura existente, obrigando a que se cumprisse o
horário e respeitasse o preço de passagem, que não poderia oscilar em razão do
número de passageiros ou da carga transportada. Houvesse «muitos ou poucos» o
preço a pagar seria sempre o mesmo, não podendo variar consoante o número de
passageiros ou da carga transportada.
Caso a lotação da carreira estivesse
esgotada, previa o Foral que «então outras barcas se poderão concertar com as
partes que nelas quiserem embarcar», mas, se não houvesse acordo entre as
partes, então «os juízes farão partir a qualquer tempo e hora, em que se puder
navegar, pagando por toda a viagem duzentos reais somente, sem mais outra coisa
nenhuma ora seja com muitos ou com poucos.»
E para que não se continuasse a verificar
a «desordenança das barcas», o Foral introduziu um aditamento à postura municipal,
estatuindo pesadas multas para os barqueiros ou arrais das ditas barcas da
carreira que «não partirem logo à maré».
Avulta destas disposições do Foral, a
necessidade de se disciplinar a carreira, pela importância assumida pela
ligação Aldeia Galega a Lisboa, e vice-versa, principal porto de acesso ao sul
do País e ao estrangeiro.
A carreira Aldeia Galega/lisboa/Aldeia Galega
foi sangue vivo a animar o coração da localidade.
Quando, no século XXI, ignorando-se as
lições e a sabedoria da História, se deslocalizou o cais para o Seixalinho,
Montijo deixou de ouvir tanger o búzio e feneceu.
Ruky Luky
Ruky Luky
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