quarta-feira, 6 de agosto de 2014

D. Manuel I e Aldeia Galega do Ribatejo (1)

Pescadores e Barqueiros


Aldeia Galega do Ribatejo foi uma das 237 localidades a quem D. Manuel I outorgou foral, em 1514. Entre 1500 e 1520 seriam dados 589 forais.

Foral ou carta de foral é, na esteira do Dicionário da História de Portugal, de Joel Serrão, «o diploma concedido pelo rei, ou por um senhorio laico ou eclesiástico, a determinada terra, contendo normas que disciplinam as relações dos seus povoadores ou habitantes entre si e destes com a entidade outorgante.»

Por Carta Régia de 22 de Novembro de 1497, D. Manuel I «ordenou que se recolhessem de todas as cidades, vilas e lugares, todos os forais, tombos e escrituras, que sobre este assunto houvesse, em os próprios originais, para se ordenarem outros novos», atendendo aos abusos que se haviam introduzido nos forais, denunciando então os municípios as opressões de que eram vítimas.

Francisco Nunes Franklin, na sua obra “MEMÓRIA PARA SERVIR DE ÍNDICE DOS FORAES DAS TERRAS DO REINO DE PORTUGAL E SEUS DOMÍNIOS”, classificou os forais em: «Forais assim antigos, novos e novíssimos: na classe dos primeiros entram todos os que foram dados desde o princípio da Monarquia, e até mesmo no reinado do Sr. Rei D. Manoel, os que se expediram antes da Reforma (…); à classe dos segundos pertencem todos aqueles que se expediram na sobredita reforma do SR. Rei D. Manoel; os Forais novíssimos, isto é, os que se deram depois.»

Assim, forais antigos são os que foram dados desde o princípio da Monarquia e antes da reforma de D. Manuel I; forais novos, os que se expediram na reforma manuelina;  e forais novíssimos, aqueles que foram dados posteriormente.

Com Reforma do rei D. Manuel I, os forais perderam o carácter de estatutos político-concelhios, matéria que passou a ser regulada pela lei geral, e preocuparam-se em fixar os encargos e os foros a pagar pelos concelhos ao rei e aos donatários. Por outro lado, transformaram-se também num instrumento útil à centralização do poder régio.

O actual concelho de Montijo regista a existência de três forais – O Foral de Aldeia Galega do Ribatejo (1514); O Foral de Alcochete e Aldeia Galega do Ribatejo (1515); e o Foral de Canha (1516). Perdeu-se o primeiro.

Por ora, analisaremos tão-só dois aspectos do Foral de Aldeia Galega do Ribatejo, realçados no subtítulo.

D. Manuel I deu foral a Aldeia Galega do Ribatejo, em 15 de Setembro de 1514. Dele apenas se conhece o treslado feito por Mateus de Aguiar, em 1614. Afiança o escrivão que o treslado foi feito «do próprio foral que está no cartório da dita Câmara d’Aldegalega do Ribatejo e com ele este concertei com o Juiz dos ditos tombos e com o escrivão da dita câmara.»

O Foral é parco no que respeita à pesca e aos pescadores, registando, em essência que o pescado está sujeito à dízima, à excepção «do que tomarem para comer», e que os pescadores que «saírem com o seu pescado fresco em terra haverão dele seu conduto por aquele dia que houverem de repousar sem dele pagarem dízima.»

Quanto aos barqueiros, o Foral reconhece Aldeia Galega do Ribatejo como o principal porto de passagem para Lisboa e os inconvenientes e as despesas que resultam para os passageiros «pela desordenança das barcas» e, por isso, determina que se cumpra a postura municipal existente.

Assim, «a barca a que chamam da carreira» devia cumprir o calendário e o horário estabelecidos, partindo no momento da maré, com os passageiros que ali se apresentassem, «muitos ou poucos que ao tal tempo achar, sem mais aguardar outra maré ou tempo, nem mesmo levar mais dinheiro nem preço por pessoa nem (por) coisas». Deste modo, fosse a barca com muitos ou poucos passageiros, o barqueiro estava obrigado «a tanger o seu búzio à hora (marcada) e cumprir todos os outros costumes e obrigações da dita passagem. Isto é, o Foral densificou a postura existente, obrigando a que se cumprisse o horário e respeitasse o preço de passagem, que não poderia oscilar em razão do número de passageiros ou da carga transportada. Houvesse «muitos ou poucos» o preço a pagar seria sempre o mesmo, não podendo variar consoante o número de passageiros ou da carga transportada.

Caso a lotação da carreira estivesse esgotada, previa o Foral que «então outras barcas se poderão concertar com as partes que nelas quiserem embarcar», mas, se não houvesse acordo entre as partes, então «os juízes farão partir a qualquer tempo e hora, em que se puder navegar, pagando por toda a viagem duzentos reais somente, sem mais outra coisa nenhuma ora seja com muitos ou com poucos.»

E para que não se continuasse a verificar a «desordenança das barcas», o Foral introduziu um aditamento à postura municipal, estatuindo pesadas multas para os barqueiros ou arrais das ditas barcas da carreira que «não partirem logo à maré».

Avulta destas disposições do Foral, a necessidade de se disciplinar a carreira, pela importância assumida pela ligação Aldeia Galega a Lisboa, e vice-versa, principal porto de acesso ao sul do País e ao estrangeiro.

A carreira Aldeia Galega/lisboa/Aldeia Galega foi sangue vivo a animar o coração da localidade.

Quando, no século XXI, ignorando-se as lições e a sabedoria da História, se deslocalizou o cais para o Seixalinho, Montijo deixou de ouvir tanger o búzio e feneceu. 

Ruky Luky

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