Montijo Visto Pelo Foral de 1514
É
Aldeia Galega do Ribatejo, que, em 1930, mudou o nome para Montijo, povoação
antiquíssima, cujos registos remontam ao séc. XIII.
O
concelho pertenceu à Ordem de Santiago de Espada, cuja sede se localizou em
Palmela, e ganhou real autonomia, em 11 de Janeiro de 1540, quando o Mestre da
Ordem confirmou a separação de Aldeia Galega de Alcochete e se pôs termo ao
concelho de Sabonha.
Ao longo da sua História, Aldeia Galega recebeu várias
prerrogativas reais e, em 14 de Setembro de 1514, D. Manuel I, O Venturoso, concedeu-lhe
Foral.
Foral ou Carta de Foral é um diploma dado pelo rei, ou por um senhorio
laico ou eclesiástico, a determinada terra, contendo normas que disciplinam as
relações dos seus povoadores ou habitantes entre si e destes com a entidade
outorgante.
Diz Francisco Ribeiro da Silva que «Uma leitura rápida
dos forais leva facilmente à ideia de que os beneficiários dos tributos eram o
rei, a igreja, os senhorios laicos ou eclesiásticos a quem o rei outrora fizera
doação. Raramente são os concelhos, o que mais uma vez e até certo ponto
contraria a ideia feita, mas não verdadeira, de que os forais foram dados em
favor dos municípios ou do municipalismo.»
O Foral que D. Manuel I outorgou a Aldeia Galega
do Ribatejo é um documento onde se fixam
os direitos
e os tributos a pagar ao(s) senhorio(s), mas também as
isenções e privilégios, e, concomitantemente, se regularizam, sobretudo, as estalagens, os
transportes e as portagens - passagem e venda de mercadorias.
A primeva Aldeia Galega era, essencialmente, uma
povoação rural, cujo núcleo principal se localizava a oriente da vila, onde se
edificou a Igreja de S. Sebastião, primeira Igreja do concelho.
No rio que a banhava, Aldeia Galega procurava o
peixe, o sal e a força motriz para mover os moinhos, que demonstram a intensa
actividade moaogeira da localidade.
No século XIV, estava construído o porto novo de
Aldeia Galega, que passou a concorrer com os portos de Alhos Vedros e do Barreiro e se transformou,
paulatinamente, na principal porta de acesso a Lisboa e passagem obrigatória
para quem demandasse o sul do País ou o estrangeiro.
A vila, até então rural por excelência,
descobria no rio um novo pólo de desenvolvimento, baseado no transporte
de gentes e mercadorias. Quando lhe foi outorgado foral, Aldeia galega corria
em direcção rio, sem ter abandonado o campo.
O intenso movimento de pesssoas e de bens
originou o estabelecimento de estalagens e o desenvolvimento dos transportes de
pessoas e mercadorias, que não escaparam à atenção dos inquiridores que o Rei enviara
a Aldeia Galega, assim como a «todollos lugares do Reyno».
O Foral liberalizou o estabelecimento de estalagens e proibiu, por um lado, «que no ditto lugar (Aldeia Galega)nam haja estalagem privilligiada
assy da ordem como do conselho», e, por outro, autorizou que qualquer pessoa pudesse hospedar
em sua casa e dar cama e de comer a «quaisquer
pessoas, assim de graça como por dinheiro, assim de noite como de dia».
Quanto às bestas, em que as pessoas se faziam
transportar assim como os seus bens, tinham de, em primeiro lugar, permanecer
na estalagem, mas «quando na ditta estalagem não
poderem bem caber as bestas declaramos que se possam por aquella vez agasalhar onde quiserem
assy de graça como
por dinheyro».
De
tal modo se desenvolveram as estalagens que, no século XVIII, as estalagens de
Aldeia Galega do Ribatejo ainda eram consideradas das melhores do País.
A
postura municipl, que regulava a «barca
da carreira», não era respeitada, reinando assim uma forte indisciplina no
que concerne ao cumprimento de horários e à prática de preços, causando a «desordenança das barcas» muitos
transtornos e despesas aos passageiros
Por isso, o Foral determinou o
cumprimento da dita postura e que o «barco da carreira» observasse os horários,
quer houvesse muitos ou poucos passageiros, não podendo ser alterados os
horários e os preços em função do número de passageiros e/ou de mercadorias a
transportar.
À hora (maré) prevista, os barqueiros
eram obrigados a partir, a «tanger o búzio e a cumprir todos os costumes e
obrigações da dita passagem.»
Porém, se a «barca de carreira não pudesse levar
mais gente nem cousas», e aproveitando a mesma maré, era permitido ao barqueiro
da barca seguinte negociar livremente o preço da passagem e do transporte de
mercadorias, mas, caso as partes não alcançassem acordo, caberia aos juizes
ordenarem que partisse logo que houvesse maré de feição, pagando-lhe «por toda viagem daquella vez duzentos reaes somente
sem mais outra nenhuma cousa por ora seja cõ muytos ou com poucos
(passageiros e mercadorias)».
Além de densificar a postura municpal, o Foral estabeleceu um regime sancionatório para os
barqueiros e arrais incumpridores, sujeitando-os a uma multa de dez cruzados pela
violação do horário e dos preços.
A importância de Aldeia Galega como porto principal
para a ligação da capital do Reino ao sul do País e ao estrangeiro acabou por
ser confirmada e ganhou acrescida projecção quando o Correio-Mor, Luís Afonso,
estabeleceu ali a Posta, carreira de Correios para o sul do país e para a
fronteira espanhola, em 1533.
Na actualidade, olhando-se para a época em que o Foral lhe foi
atribuído, alcança-se Aldeia Galega do Ribatejo como um importante entreposto
comercial. Ali aportavam as mais desvairadas gentes, ali comerciavam, ali
pernoitavam, dali partiam para outras paragens com as suas mercadorias,
sobretudo para a capital do Reino, que se animava com a empresa dos Descobrimentos, apesar da
peste que, por vezes, a assolava. Não havia uma feira em Aldegalega, mas tão-só
um agitado e intenso comércio.
O
exame minucioso das mercadorias e das pessoas que deviam ou não pagar portagem, das que estavam isentas e das
condições que fundamentavam essa isenção acaba por ocupar substancialmente o
conteúdo do foral. Mas não é tema que seja por
ora e aqui abordado.
Que
bens e pessoas se transicionavam em Aldeia Galega do Ribatejo, alguns dos quais
se destinavam ao abastecimento das naus que «davam novos mundo ao mundo»?
Através
das taxas de portagens previstas no foral
é possível identificá-los:
Pão, vinho, sal, fruta verde, hortaliça,
legumes, pescado, marisco, queijos secos, manteiga salgada, trigo, centeio, cevada,
milho, painço, linhaça, aveia, vinagre, melões, queijadas, biscoitos, farelos, castanhas e
nozes verdes e secas, ameixas passadas, amêndoas, pinhões por britar, avelãs,
boletas, mostarda, lentilhas, legumes secos,
cebolas secas, alhos, sumagre1, azeite, mel, unto.
Especiarias, boticarias, tinturas
e afins.
Panos de lã, linho, seda
e algodão.
Couros curtidos ou por curtir, calçado,
peles de
coelho ou cordeiro e de qualquer outra pelitaria.
Cera e cevo.
Prata
lavrada, aço,
estanho, ferro, telha e tijolo, louça
de barro, vidrada ou não, objectos de pedra, de barro e de
pau.
Objectos feitos de esparto, palma ou
junco. Vassouras
Erva,
vides, canas, carqueja, tojo, palha e lenha.
Pez, resina,
breu, alcatrão, cal e sabão.
Escravo ou
escrava ainda que seja parida.
Estas eram as principais
mercadorias à disposição dos nossos avoengos, embora nos choque, hoje, considerar uma pessoa (escravo) mercadoria.
A pesca, ao contrário do que poderíamos
presumir nos nossos dias, não é
assunto substantivo do Foral, indiciando que não terá sido a actividade
principal ou única de quem a ela se dedicava.
O
Foral não se refere aos pescadores e nele encontrámos um único parágrafo referente
ao pescado, que assim determina: «Paguaze do pescado sua dizema e dr.to ordenado, cõ
declaração que do que tomarem para comer não pagarão se não dizema a D's e do
que tomarem cõ rede pee aynda que seja ia pera vender pagarão soomente a dizema
velha e não a nova. E do que tomarem aa fisga, ou aa mãao nam paguaram dr.to
Quando os pescadores sayrem, cõ o seu pescado fresco em terra averão delle seu
conduto por aquelle dia que ouverem hy de repousar sem delle pagarem dizema.»
Isto é, o pescado estava sujeito à dízima, que
consistiria em 10% do valor do pescado. Porém, «do que (os pescadores) tomarem
para comer não pagarão senão se não dizema a
D's». A dízima a Deus valia 8,3% do pescado, ou seja, por cada doze peixes, um
era para a Igreja.
«Dízima velha e não a nova» pagariam os
que pescassem com rede-pé (rede de arrastar), ainda que fosse para vender.
Seguindo
Francisco Ribeiro da Silva, a dízima velha do
pescado trazido às terras da Ordem de Santiago por pescadores residentes nas
áreas da mesma Ordem pertencia à dita Ordem; a dízima nova era paga ao rei.
Aldeia Galega do Ribatejo só estava sujeita à
dízima velha, ao contrário de outras localidades em que todo o peixe pescado estava
sujeito a uma dupla dízima: a dízima velha e a dízima nova, no montante de cerca
de 20%.
Quem pescasse com
meios rudimentares, “à fisga ou à mão (cana
ou linha) “estava isento de dízima”.
Por fim, o Foral
estabelece que «Quando os pescadores
sayrem, cõ o seu pescado fresco em terra averão delle seu conduto por aquelle dia que ouverem hy de repousar sem delle
pagarem dizema.»
Conduto era o privilégio pelo qual os mestres dos navios e os
pescadores eram autorizados a retirar do pescado fresco, que trouxessem para
vender, uma porção para a sua alimentação de cada dia, de acordo com o número
de pessoas que viessem no navio.
O pescado estava ainda sujeito à
taxa de portagem a pagar por «homens de fora
della que hy trouxerem cousas de fora a vender ou as comprarem hi e tirarem para fora da Villa e termo», nomeadamente,
pescado e marisco.
No
século XVI, o rio assumiu importância fundamental para o desenvolvimento de
Aldeia Galega do Ribatejo, cuja localização a tornou uma porta privilegiada de
acesso à capital, com reflexos benignos no desenvolvimento dos transportes, das
estalagens e do comércio, e disto nos dá conta o Foral de 15 de Setembro de
1514.
Ao lado de uma
comunidade rural, «os homens trabalhadores», afirmava-se uma outra, a dos
mareantes. Esta construiu a Capela de Nossa Senhora da Conceição, na Igreja do
Divino Espírito Santo, em 1575; aquela instituiu, no mesmo templo, a Capela de
Nossa Senhora da Purificação, em 1607.
Assim
se ergueu Montijo.
(1) - Sumagre – Arbusto cujas folhas e casca eram utilizadas no curtimento de couros
e peles e como tintureira na indústria
têxtil. Pode também ser usado como condimento, extraído dos frutos.
Ruky Luky
Muito interessante. Se pensarmos o que sofremos hoje, quer com transportes quer com impostos, vamos ver que é uma história que já vem de bem longe.
ResponderExcluirParabéns
Julgo saber que quer a Igreja de São Sebastião, quer a do Espírito Santo são ambas originárias do século XV, sendo a igreja paroquial ou do Espírito Santo erecta em paróquia em 1528 e feita de novo no segundo quartel do século XVI.
ResponderExcluirContudo, no concelho do Montijo e anterior às igrejas da antiga Aldeia Galega será certamente a Igreja de Canha, doada pelo Bispo de Lisboa à Ordem de Santiago em 1252 .... e até a própria Igreja de São Jorge de Sarilhos que, de acordo com os documentos coligidos por Mário Balseiro Dias nos Arquivos da Ordem de Santiago, fora edificada em 1390 com licença do então Bispo de Lisboa, D. João Anes (Arcebispo desde 1394).