Os Enigmas do Foral de Aldeia Galega do Ribatejo
Capitular do Foral dado por D. Manuel I a Alcochete e a Aldeia Galega do Ribatejo |
1. Em 15 de Setembro de 1514, D. Manuel I, “por
graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, daquém
e dalém mar em África e senhor da Guiné e da conquista, navegação
e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia”, deu foral a Aldeia Galega do
Ribatejo.
Cinco meses depois, em 17 de Janeiro de 1515, o
mesmo monarca outorgou foral conjunto às vilas de
Alcochete e Aldeia Galega.
Ignoram-se os fundamentos da decisão,
que constitui um dos enigmas da História de Aldeia Galega/Montijo.
Aldeia
Galega do Ribatejo e Alcochete integravam o concelho do Ribatejo, que, no
século XIII, estava sediado em Sabonha e em Alhos Vedros.
Nos
finais do séc. XIV e princípio do séc. XV, Sabonha e Alhos Vedros evoluíram
para concelhos autónomos, extinguindo-se o concelho do Ribatejo.
Além
daquelas duas povoações, Montijo, Samouco, Lançada e Sarilhos, então minúsculas
póvoas, passaram a integrar também o concelho de Sabonha, sede paroquial.
Apesar
de Aldeia Galega do Ribatejo pertencer ao concelho de Sabonha, não impediu que
os Reis lhe concedessem prerrogativas de lugar exclusivas dos seus moradores.
Assim,
D. Fernando, em 1381, fez «graça e mercê aos vizinhos de Aldeia Galega e seu
Termo» para que não fossem obrigados a «pagar jugada de pão nem de vinho senão
pela condição e maneira que pagavam em tempo de outros reis que ante de nós
foram».
Mais
tarde, em 1385, D. João I confirmou «todos os privilégios e liberdades que
foram dados e outorgados por el-Rei Dom Afonso e por el-Rei Dom Pedro e por
el-Rei D. Fernando» e «todos os seus bons usos e costumes e foros que sempre
houveram e costumaram em tempos de outros Reis».
Defende
Joaquim Tapadinhas, a quem muito devem a História e a Cultura de Montijo, que
estes documentos confirmam a hipótese de que Aldeia Galega tivesse foral já no
século XIV, e, nesse caso, «o foral de 15
de Setembro de 1514, doado por D. Manuel I, tratar-se-ia de um foral novo, por
conseguinte uma confirmação.» (In “Aldeia
Galega No Tempo Dos Descobrimentos” – 2.ª Edição).
O
autor fundamenta a sua hipótese na referência textual à jugada, no documento
emanado de D. Fernando, porque, «de
acordo com Joel Serrão, no seu Dicionário de História de Portugal, segundo as
«Ordenações do Reino», a jugada era um direito real que os reis reservavam para
si, nas terras a quem davam forais.»
Freguesia de S. Francisco, Concelho de Alcochete, onde outrora se localizou Sabonha. |
Ora,
atendendo a que a instituição foralenga fora posta também ao serviço do
povoamento, oferecendo-se privilégios ao povoador de um lugar como forma de
atracção, e atendendo ao povoamento de Aldeia Galega, não se poderá encontrar
aqui, também, mais um elemento que reforça a hipótese aventada por Joaquim
Tapadinhas?
Aceitando-se
a bondade da hipótese de Joaquim Tapadinhas, é legítimo admitir que Aldeia
Galega se afirmava no seio do concelho de Sabonha, ganhando crescente autonomia
e importância em relação às demais localidades, mantendo, contudo, a sua
ligação umbilical a Sabonha.
2. Em 15 de Setembro de 1514, D. Manuel I deu
foral a Aldeia Galega do Ribatejo. Cinco meses depois, em 17 de Janeiro
de 1515, o mesmo monarca outorgou foral conjunto às vilas
de Alcochete e Aldeia Galega.
Por que é que foram dados dois
forais a Aldeia Galega do Ribatejo?
Mário Balseiro, na sua Monografia do Concelho de Alcochete
(Séculos XII-XVI) interroga-se também: «O
que é que, na verdade , se terá passado: com o segundo foral ter-se-á
pretendido anular o primeiro – hipótese que já foi defendida por João Luís da
Cruz? Ou terá havido erro do copista?
Em
rigor e com os documentos chegados até nós é muito difícil sabê-lo, uma vez que
na Torre do Tombo encontram-se guardados os processos realizados para alguns
dos forais manuelinos da região – como os de Palmela e de Setúbal -, mas não os
de Alcochete e de Aldeia Galega», conclui aquele dedicado Investigador.
Certo é que a Câmara Municipal
de Alcochete guarda o exemplar do Foral Manuelino de 17 de Janeiro de 1515, mas
a Câmara Municipal de Montijo (Aldeia Galega do Ribatejo) não tem nenhum dos
exemplares dos forais que lhe foram outorgados em 1514 e 1515.
Conhece-se a existência do
Foral de 1514 pelo treslado feito, um século depois, por Mateus de Aguiar.
Apesar de terem sido doados
forais a Aldeia Galega do Ribatejo e Alcochete ambas as povoações mantiveram-se
agregadas e integradas no concelho de Sabonha.
Segundo o livro intitulado
“Das regalias da câmara d’Aldegallega”, citado pelo Padre Manuel Frederico
Ribeiro da Costa, (in “Narrativa
Histórica da Imagem de Nossa Senhora de Atalaia”), só em 17 de Novembro de
1539, as duas vilas «dividiram e separaram as jurisdições e ofícios» e os Juízes Ordinários,
vereadores, procuradores do concelho e outros homens bons do povo de ambas as
vilas decidiram amigavelmente «que a vila
de Alcochete e moradores dela fiquem com
a igreja de Santa Maria de Sobonha e administração dela com todos os seus
ornamentos e cousas, contando que trespassem por todo o Direito, posse e propriedade que sempre tiveram e tinham na ermida de Nossa Senhora de Atalaia e administração dela».
O acordo foi submetido pela
Câmara de Aldeia Galega a D. Jorge, Mestre da Ordem de Santiago, que o
confirmou, em 11 de Janeiro de 1540. A título de curiosidade, refira-se que o
documento «Vay sem sello por falta de cera…».
Apesar da composição amigável
de interesses entre as duas câmaras, mais tarde, teve de ser dirimido um conflito originado pelas dúvidas surgidas à volta da demarcação dos termos de Aldeia Galega.
Com a extinção do concelho de
Sabonha, após a separação de Aldeia Galega de Alcochete, estas povoações alcançaram,
finalmente, a sua autonomia.
Qual dos forais estava em
vigor?
É líquido que Alcohete
guardava o Foral de 1515, pois não tivera outro.
E Aldeia Galega do Ribatejo,
que foral aplicava: o de 1514 ou o de 1515? Teria este revogado aquele e apesar
de separadas ambas as vilas respeitavam idêntico foral?
Há um facto que nos leva a presumir
que o Foral de 1514 vigorou sempre em Aldeia Galega do Ribatejo.
Em 1640, a Ordem solicitou à
Câmara de Aldeia Galega que apresentasse o seu foral ao escrivão da Ordem, que
estava hospedado em Alcochete. O foral, que foi presente a Mateus de Aguiar, foi
o de 15 de Setembro de 1514, que o tresladou, na vila de Alcochete, no dia 14
de Julho de 1614.
Como registou o “escrivão dos
tombos, das comendas da mesa mestral da Odem de cavalaria do Mestrado de
Santiago»: «tresladei do próprio foral que está no cartório da dita câmara de
Aldeia Galega(…). E o dito foral tornei ao escrivão da dita câmara.»
Havendo foral conjunto, não
nos parece curial que a Ordem se preocupasse em tresladar um documento que
estaria revogado há mais de cem anos. Com que fim?
Terá Aldeia Galega do
Ribatejo, que alcançara preponderância face às demais povoações, tomado o foral
de 1514 como marco da sua autonomia e, não havendo diferenças substanciais
entre ambos os diplomas, o continuou a respeitar? Em bom rigor só
os documentos poderiam responder. Neste caso, a História emudeceu.
Os forais de Montijo desapareceram,
assim como se perderam outros documentos importantíssimos para a História da
velha Aldeia Galega do Ribatejo/Montijo. Vicissitudes várias terão contribuído
para isso, mas de nenhuma temos indícios. Contudo, a título de exemplo acerca
do respeito que mereciam os “papéis velhos”, como muitas vezes foram encarados
e tratados, conte-se que o Foral Manuelino de Canha foi encontrado num sótão,
dentro de um armário, entre ferramentas e outros apetrechos, no início da
década de oitenta do século XX.
Ruky Luky
É muito interessante e formativo todo este esforço do Rui para trazer à luz do dia o historial da nossa terra. A forma limpa como aborda alguns factos, sem a carga de bairrismo que alguma vezes certos interessados o fazem, valoriza ainda mais a sua intervenção. A dedução que João Luís da Cruz apresenta sobre a revogação do 1.º foral da Aldeia Galega não faz o mínimo sentido, até porque não há memória de revogação de forais feitas pelo próprio monarca que os concedeu. Até porque isso seria um descrédito, porque ainda valia o provérbio popular, de que palavra de rei não volta atrás. Por outro lado, se isso fosse uma excepção teria de haver qualquer documento justificativo. O mais provável, e isto é apenas uma hipótese, é que sendo as duas vilas ribeirinhas muito iguais e aproximadas, e não tendo ainda pronto o foral de Alcochete, e por quaisquer circunstâncias não se apercebendo que já fora outorgado o de Aldeia Galega, fez-se um documento que serviria para as duas vilas. Como a história se faz de documentos e não de hipóteses, a realidade é que Aldeia Galega tem 2 forais, o que não é caso único, pois há povoações que no seu historial há mais que 1 foral. Comemorar o 1.º foral que se conhece é normal, não invalidando a suposição de que já anteriormente haveria outros documentos, onde se validavam as relações sociais, desde o pagamento de impostos, rendas e foros, como muitas vezes é referido.
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