quarta-feira, 13 de agosto de 2014

D. Manuel I e Aldeia Galega do Ribatejo (2)

Os Enigmas do Foral de Aldeia Galega do Ribatejo


Capitular do Foral dado por D. Manuel I a Alcochete e a Aldeia Galega do Ribatejo

1. Em 15 de Setembro de 1514, D. Manuel I, “por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar em África e senhor da Guiné e da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia”, deu foral a Aldeia Galega do Ribatejo.
Cinco meses depois, em 17 de Janeiro de 1515, o mesmo monarca outorgou foral conjunto às vilas de Alcochete e Aldeia Galega.

Ignoram-se os fundamentos da decisão, que constitui um dos enigmas da História de Aldeia Galega/Montijo.

Aldeia Galega do Ribatejo e Alcochete integravam o concelho do Ribatejo, que, no século XIII, estava sediado em Sabonha e em Alhos Vedros.
Nos finais do séc. XIV e princípio do séc. XV, Sabonha e Alhos Vedros evoluíram para concelhos autónomos, extinguindo-se o concelho do Ribatejo.
Além daquelas duas povoações, Montijo, Samouco, Lançada e Sarilhos, então minúsculas póvoas, passaram a integrar também o concelho de Sabonha, sede paroquial.

Apesar de Aldeia Galega do Ribatejo pertencer ao concelho de Sabonha, não impediu que os Reis lhe concedessem prerrogativas de lugar exclusivas dos seus moradores.
Assim, D. Fernando, em 1381, fez «graça e mercê aos vizinhos de Aldeia Galega e seu Termo» para que não fossem obrigados a «pagar jugada de pão nem de vinho senão pela condição e maneira que pagavam em tempo de outros reis que ante de nós foram».
Mais tarde, em 1385, D. João I confirmou «todos os privilégios e liberdades que foram dados e outorgados por el-Rei Dom Afonso e por el-Rei Dom Pedro e por el-Rei D. Fernando» e «todos os seus bons usos e costumes e foros que sempre houveram e costumaram em tempos de outros Reis».

Defende Joaquim Tapadinhas, a quem muito devem a História e a Cultura de Montijo, que estes documentos confirmam a hipótese de que Aldeia Galega tivesse foral já no século XIV, e, nesse caso, «o foral de 15 de Setembro de 1514, doado por D. Manuel I, tratar-se-ia de um foral novo, por conseguinte uma confirmação.» (In “Aldeia Galega No Tempo Dos Descobrimentos” – 2.ª Edição).
O autor fundamenta a sua hipótese na referência textual à jugada, no documento emanado de D. Fernando, porque, «de acordo com Joel Serrão, no seu Dicionário de História de Portugal, segundo as «Ordenações do Reino», a jugada era um direito real que os reis reservavam para si, nas terras a quem davam forais


Freguesia de S. Francisco, Concelho de Alcochete, onde outrora se localizou Sabonha.

Ora, atendendo a que a instituição foralenga fora posta também ao serviço do povoamento, oferecendo-se privilégios ao povoador de um lugar como forma de atracção, e atendendo ao povoamento de Aldeia Galega, não se poderá encontrar aqui, também, mais um elemento que reforça a hipótese aventada por Joaquim Tapadinhas?

Aceitando-se a bondade da hipótese de Joaquim Tapadinhas, é legítimo admitir que Aldeia Galega se afirmava no seio do concelho de Sabonha, ganhando crescente autonomia e importância em relação às demais localidades, mantendo, contudo, a sua ligação umbilical a Sabonha.

2. Em 15 de Setembro de 1514, D. Manuel I deu foral a Aldeia Galega do Ribatejo. Cinco meses depois, em 17 de Janeiro de 1515, o mesmo monarca outorgou foral conjunto às vilas de Alcochete e Aldeia Galega.
Por que é que foram dados dois forais a Aldeia Galega do Ribatejo?

Mário Balseiro, na sua Monografia do Concelho de Alcochete (Séculos XII-XVI) interroga-se também: «O que é que, na verdade , se terá passado: com o segundo foral ter-se-á pretendido anular o primeiro – hipótese que já foi defendida por João Luís da Cruz? Ou terá havido erro do copista?
Em rigor e com os documentos chegados até nós é muito difícil sabê-lo, uma vez que na Torre do Tombo encontram-se guardados os processos realizados para alguns dos forais manuelinos da região – como os de Palmela e de Setúbal -, mas não os de Alcochete e de Aldeia Galega», conclui aquele dedicado Investigador.

Certo é que a Câmara Municipal de Alcochete guarda o exemplar do Foral Manuelino de 17 de Janeiro de 1515, mas a Câmara Municipal de Montijo (Aldeia Galega do Ribatejo) não tem nenhum dos exemplares dos forais que lhe foram outorgados em 1514 e 1515.
Conhece-se a existência do Foral de 1514 pelo treslado feito, um século depois, por  Mateus de Aguiar.

Apesar de terem sido doados forais a Aldeia Galega do Ribatejo e Alcochete ambas as povoações mantiveram-se agregadas e integradas no concelho de Sabonha.

Segundo o livro intitulado “Das regalias da câmara d’Aldegallega”, citado pelo Padre Manuel Frederico Ribeiro da Costa, (in “Narrativa Histórica da Imagem de Nossa Senhora de Atalaia”), só em 17 de Novembro de 1539, as duas vilas «dividiram e separaram as jurisdições  e ofícios» e os Juízes Ordinários, vereadores, procuradores do concelho e outros homens bons do povo de ambas as vilas decidiram amigavelmente «que a vila de Alcochete  e moradores dela fiquem com a igreja de Santa Maria de Sobonha e administração dela com todos os seus ornamentos e cousas, contando que trespassem por todo o Direito, posse e propriedade que sempre tiveram e tinham na ermida de Nossa Senhora de Atalaia e administração dela».

O acordo foi submetido pela Câmara de Aldeia Galega a D. Jorge, Mestre da Ordem de Santiago, que o confirmou, em 11 de Janeiro de 1540. A título de curiosidade, refira-se que o documento «Vay sem sello por falta de cera…».

Apesar da composição amigável de interesses entre as duas câmaras, mais tarde, teve de ser dirimido um conflito originado pelas dúvidas surgidas à volta da demarcação dos termos de Aldeia Galega.


Largo da Misericórdia (hoje, Praça 1.º de Maio). Além da Igreja da Santa Casa da Misericórdia, ali se situou a Câmara Municipal  e o Pelourinho. Era o grande rossio de Aldeia Galega do Ribatejo, o centro cívico por excelência, quando foi outorgado o Foral. Repare-se no poço «de que bebe todo o povo», no lado esquerdo da foto, que já existia no século XV.

Com a extinção do concelho de Sabonha, após a separação de Aldeia Galega de Alcochete, estas povoações alcançaram, finalmente, a sua autonomia.
Qual dos forais estava em vigor?

É líquido que Alcohete guardava o Foral de 1515, pois não tivera outro.
E Aldeia Galega do Ribatejo, que foral aplicava: o de 1514 ou o de 1515? Teria este revogado aquele e apesar de separadas ambas as vilas respeitavam idêntico foral?

Há um facto que nos leva a presumir que o Foral de 1514 vigorou sempre em Aldeia Galega do Ribatejo.

Em 1640, a Ordem solicitou à Câmara de Aldeia Galega que apresentasse o seu foral ao escrivão da Ordem, que estava hospedado em Alcochete. O foral, que foi presente a Mateus de Aguiar, foi o de 15 de Setembro de 1514, que o tresladou, na vila de Alcochete, no dia 14 de Julho de 1614.
Como registou o “escrivão dos tombos, das comendas da mesa mestral da Odem de cavalaria do Mestrado de Santiago»: «tresladei do próprio foral que está no cartório da dita câmara de Aldeia Galega(…). E o dito foral tornei ao escrivão da dita câmara.»

Havendo foral conjunto, não nos parece curial que a Ordem se preocupasse em tresladar um documento que estaria revogado há mais de cem anos. Com que fim?
Terá Aldeia Galega do Ribatejo, que alcançara preponderância face às demais povoações, tomado o foral de 1514 como marco da sua autonomia e, não havendo diferenças substanciais entre ambos os diplomas, o continuou a respeitar? Em bom rigor só os documentos poderiam responder. Neste caso, a História emudeceu.

Os forais de Montijo desapareceram, assim como se perderam outros documentos importantíssimos para a História da velha Aldeia Galega do Ribatejo/Montijo. Vicissitudes várias terão contribuído para isso, mas de nenhuma temos indícios. Contudo, a título de exemplo acerca do respeito que mereciam os “papéis velhos”, como muitas vezes foram encarados e tratados, conte-se que o Foral Manuelino de Canha foi encontrado num sótão, dentro de um armário, entre ferramentas e outros apetrechos, no início da década de oitenta do século XX.

Ruky Luky


Um comentário:

  1. É muito interessante e formativo todo este esforço do Rui para trazer à luz do dia o historial da nossa terra. A forma limpa como aborda alguns factos, sem a carga de bairrismo que alguma vezes certos interessados o fazem, valoriza ainda mais a sua intervenção. A dedução que João Luís da Cruz apresenta sobre a revogação do 1.º foral da Aldeia Galega não faz o mínimo sentido, até porque não há memória de revogação de forais feitas pelo próprio monarca que os concedeu. Até porque isso seria um descrédito, porque ainda valia o provérbio popular, de que palavra de rei não volta atrás. Por outro lado, se isso fosse uma excepção teria de haver qualquer documento justificativo. O mais provável, e isto é apenas uma hipótese, é que sendo as duas vilas ribeirinhas muito iguais e aproximadas, e não tendo ainda pronto o foral de Alcochete, e por quaisquer circunstâncias não se apercebendo que já fora outorgado o de Aldeia Galega, fez-se um documento que serviria para as duas vilas. Como a história se faz de documentos e não de hipóteses, a realidade é que Aldeia Galega tem 2 forais, o que não é caso único, pois há povoações que no seu historial há mais que 1 foral. Comemorar o 1.º foral que se conhece é normal, não invalidando a suposição de que já anteriormente haveria outros documentos, onde se validavam as relações sociais, desde o pagamento de impostos, rendas e foros, como muitas vezes é referido.

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