Timidamente, as Festas Populares de S. Pedro organizadas por uma Comissão da Marcha Popular do Bairro dos Pescadores e patrocinadas pela Câmara Municipal do Montijo, apresentaram-se em 1951. A concretização das Festas Populares de S. Pedro satisfez, por um lado, as aspirações da população do Montijo, «pois não fazia sentido que se passassem anos seguidos sem que se realizassem festas à altura das tradições locais» e, por outro, os desígnios políticos do então Presidente da Câmara, José da Silva Leite, fortemente empenhado num projecto de desenvolvimento e divulgação do concelho. Sob a direcção de Humberto de Sousa as Festas Populares de S. Pedro foram tomando crescente importância ao ponto de passarem a ser consideradas as mais importantes do Sul do País. A partir de 1952, o dia 29 de Junho, Dia de S. Pedro, passou a ser considerado o feriado municipal.
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Igreja do Divino Espírito Santo |
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Rua Direita/Almirante Cândido dos Reis |
A realização das Festas Populares de S. Pedro ultrapassou todas as expectativas e, em 1953, Humberto de Sousa já sugeria que se passassem a chamar «Festas do Montijo». No mesmo sentido se pronunciou o semanário Gazeta do Sul, de Montijo, no ano seguinte, defendendo que «a designação de Festas Populares de S. Pedro, nome que anda ligado à sua tradição e que os contemporâneos não quiseram alterar, dá ao forasteiro, especialmente ao que reside longe daqui, uma ideia um tanto errada sobre o valor intrínseco do acontecimento. Ele pode supor, de início, que se trata de um festejo de acentuado sabor popular, com o arquinho, o balão e a fogueira crepitante. As Festas de S. Pedro em Montijo são festas de pompa e esplendor (...)». Até ao final da década de cinquenta, repetiu-se a legenda dumas festas que «renovavam-se esplendorosamente, numa apoteose de cor e alegria, de música e vibração, fazendo convergir para o Montijo os olhares curiosos de milhares de portugueses, admiradas e incrédulas de tanta grandiosidade (...).»
3. O Plano Inclinado das festas Populares de S. Pedro
O êxito do primeiro ciclo das Festas Populares de S. Pedro, definido pela direcção de Humberto de Sousa, e que se encerrou com a morte do maestro, em 1962, ficou a dever-se não só a uma direcção atilada, solícita e inteligente, mas também à colaboração condigna e eficiente prestada às festas e ao seu brilhantismo, uma colaboração incondicional de vontades anónimas, que produziu efeitos quase milagrosos, e ao apoio da Câmara Municipal do Montijo, que as integrou no ciclo de grandes realizações que então levou a efeito.
Na reunião da Câmara Municipal realizada em 1961, o presidente esclareceu que a Comissão de Festas apresentara a sua demissão e que dadas as dificuldades económicas do País, por motivos da situação criada pelos acontecimentos de Angola, (início da guerra colonial), propunha que se não realizassem as festas do próximo ano. A proposta não teve acolhimento, vingando a ideia de que se deveriam realizar, embora «com redução do dispêndio aconselhado pelas circunstâncias». As Festas continuaram o seu curso, «apesar dos enormes encargos que acarretam para o município», conforme registou a Edilidade. Na reunião de 21 de Julho de 1969, a Câmara Municipal «considerando que estas festas (Populares de S. Pedro) atingiram uma grandiosidade que exige um esforço de organização que por repetido causou a saturação; considerando que exigem igualmente uma mobilização temporária de grande parte dos serviços municipais que se reflecte no seu rendimento; considerando também o seu elevado custo que exige uma comparticipação municipal cada vez mais elevada; a Câmara deliberou, em princípio, não organizar as Festas no ano próximo, sem embargo de vir a conceder o seu patrocínio e comparticipação financeira a qualquer iniciativa particular tendente à sua realização em novos moldes a considerar oportunamente.» Apesar da decisão municipal, as Festas acabaram por se realizar, «embora com muito menos afluência de visitantes em relação aos anos anteriores». Em 1971, a Edilidade decidiu não realizar as Festas Populares de S. Pedro com os seguintes fundamentos: «Considerando o insucesso da organização do ano findo, não só sobre o aspecto de festividades como ainda e especialmente no que respeita ao funcionamento da respectiva comissão na sua organização interna; considerando a impossibilidade de conseguir a colaboração de pessoas de reconhecido mérito que possam constituir a respectiva comissão; considerando o comprovado desinteresse da maior parte das entidades comerciais e industriais e parte da população no que respeita à concessão de donativos ou outra colaboração; considerando que o encargo da Câmara no ano de mil novecentos sessenta e oito foi de duzentos e nove mil novecentos quarenta e um escudos e dez centavos, em mil novecentos sessenta e nove foram de cento e sete mil setecentos e dezoito escudos e sessenta centavos, em mil novecentos e setenta foi de duzentos cinquenta e oito mil duzentos noventa e três escudos e sessenta centavos; considerando que para além deste encargo em dinheiro, as festas mobilizam por largo tempo grande parte de pessoal, transportes e materiais diversos, o que causa a quase paralisação de alguns serviços municipais, o que para além de representar volumoso encargo prejudica boa parte da população. A câmara deliberou não realizar no corrente ano as Festas Populares de S. Pedro.» A Câmara Municipal respondia assim à Comissão de Festas que, no seu programa de 1970, questionava: «continuarão a existir Festas? As respostas só podem ser dadas pela Edilidade Montijense, patrocinadora dos festejos, pelas Sociedades Recreativas da Vila, pela sua população e por todas as pessoas de boa vontade que venham a fazer parte de futuras Comissões. No entanto é firme convicção desta Comissão que as Festas da nossa terra continuarão cada vez maiores e melhores para prestígio da terra e gáudio dos seus habitantes e dos milhares de forasteiros que todos os anos a visitam. ASSIM SEJA!!!»
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Avenida dos Pescadores |
A decisão política não se concretizou por se temer os efeitos nefastos da mesma. Por isso, o presidente da Câmara encetou conversações com algumas individualidades e acabou por convidar o Eng. José Samuel Lupi para organizar as Festas Populares de S. Pedro. A edilidade deliberou então «dar o seu patrocínio à organização das Festas por reconhecer que são de grande interesse para a propaganda e prestígio do Concelho (...) e conceder um subsídio até à importância de cento e cinquenta mil escudos e a habitual colaboração em pessoal e material, incluindo o fornecimento de energia eléctrica.» José Samuel Lupi passou a presidir à Comissão de Festas, que se empenhou na renovação do figurino das Festas, aceitando a sugestão do vereador João Relógio para que fosse dado um espaço mais alargado a outras manifestações culturais cuidando-se da variedade do programa e da promoção do evento. O jornal “ O Setubalense” de 29 de Junho de 1973 destacava que «O Montijo está em festa. As tradições mantêm-se mas sente-se que um sopro de renovação areja o programa das festas.» Por sua vez, o Diário de Notícias, de Lisboa, referia-se «à variedade de números que o programa estabelecera» e aos «milhares de forasteiros que percorreram as ruas locais, vistosamente engalanados». “A Casa de Bernardo de Alba”, de Frederico Garcia Lorca, levada à cena no Parque Municipal, foi apontada como o testemunho claro da renovação pretendida para o figurino das festas.
4. As Festas e a Democracia
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Entre 1974 e 1978, as festas Populares de S. Pedro foram organizadas pela Comissão Popular de Pescadores [SCUP] |
A Revolução de 25 de Abril de 1974 interrompeu a acção da Comissão de Festas presidida pelo Eng. Samuel Lupi, que rejeitou o convite que lhe fora endereçado pela Câmara Municipal para continuar a presidi-la. Na reunião de 6 de Maio de 1974, o vereador João Relógio da Silva lastimava-se com mágoa por julgar estar em vias de extinção «um dos meios de maior divulgação da vila do Montijo» e propunha para que tal não viesse a acontecer que «a presidência da Câmara tente arranjar, apelando para o bairrismo dos montijenses, uma nova Comissão.» A Câmara Municipal foi dissolvida e em 18 de Junho de 1974, e o Presidente da Comissão Administrativa, Joaquim Tapadinhas, nomeado para dirigir o Município, logo informou os restantes membros que as Festas Populares de S. Pedro seriam realizadas, nesse ano, pela «Comissão Popular dos Pescadores, (Sociedade Cooperativa União Piscatória) em moldes mais modestos mas com respeito das tradições da classe piscatória.» A Comissão Administrativa deliberou então «subsidiar a organização até à importância de cinquenta mil escudos e conceder apoio material, de pessoal e transportes. As festas realizaram-se e terminando com um saldo positivo de dezanove mil duzentos e trinta escudos. Segundo fez saber a Comissão Popular dos Pescadores, «estas centenárias comemorações de S. Pedro, patrono dos pescadores, voltam outra vez à origem. Nasceram do povo e ao povo regressam.» Durante quatro anos aquela Comissão organizou as Festas Populares de S. Pedro, voltando posteriormente a vingar a “municipalização das festas”, isto è, a nomeação da Comissão das Festas pela Câmara Municipal, sistema que fora utilizado após a demissão de Humberto de Sousa. A partir de 1979, a constituição das comissões das festas voltou a ser de iniciativa municipal correspondendo o perfil do presidente ao ideário político da força política maioritária no Município. O brilho das festas continuou a empalidecer apesar dos lampejos fugazes originados ou por um arrojo de imaginação ou por melhor dotação orçamental da organização oriunda, sobretudo, dos cofres municipais. Os períodos difíceis vividos pelo País, após a Revolução de 25 de Abril de 1974, repercutiram-se também na roupagem que adornou as Festas Populares de S. Pedro, sem contudo lhe alterar o figurino e o calendário, que sempre foram cumpridos.
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Baile de Roda - Arrematação das Bandeiras e de S. Pedro |
Distinguem-se, ainda hoje, nas Festas Populares de S. Pedro, aspectos religiosos, outros de puro divertimento e um terceiro, que se perde com a tradição Ribatejana e telúrica, ligado à festa dos touros, na linha do que se reconhecia no Programa das Festas de 1959: «Três facetas notáveis se distinguem nelas, na actualidade:-A Festa Civil, a Religiosa, a Festa Ribatejana. A primeira, é constituída pelas ornamentações dos arraiais, iluminações, grupos folclóricos, sessões de fogo, Feira Franca, etc. A segunda, pela missa solene, procissão, bênção dos barcos, ornamentação, iluminação da Igreja Matriz, etc. A terceira, pelas «largadas» e corridas de toiros, correspondendo igualmente à tradição regional.» As três facetas formam um todo harmónico e empolgante, que se conjuga no programa das festas.
As Festas Populares de S. Pedro impuseram-se, nas décadas de cinquenta e sessenta, como o principal acontecimento social, cultural e recreativo, forte clarão a reluzir por momentos numa sociedade conservadora e reprimida. As costureiras, os alfaiates e o comércio em geral animavam-se pois tornara-se costume estrear roupa nova por altura das festas. E não era só o fato ou vestido. Toda a roupa interior e calçado eram novos. Os bailes da couve, os bailes da roda, a lavagem, a animação da festa, enfim, criavam a ilusão dum mundo de maior harmonia, esbatiam barreiras e preconceitos e permitiam formas de convivialidade, que, usualmente, estavam arredadas do quotidiano. Eram momentos propícios aos namoricos e a uma vivência vicinal de cooperação levada aos extremos. Não bastava vestir o fato novo. Era necessário preparar a casa para a festa. Por essa altura, as fachadas eram pintadas e o interior revirado numa profunda limpeza, hábitos que se vão esbatendo numa sociedade apressada e numa comunidade que perde assustadoramente os traços fundamentais da sua identidade.
O anacronismo conceptual das festas, o aparecimento da televisão, a democratização dos transportes e da cultura, a saturação do programa festivo, tão pouco inovador, e a evolução social, sobretudo a partir da década de setenta, que quebrou tabus e liberalizou os costumes, relegaram as Festas Populares de S. Pedro para um plano comum, notabilizando-se ou não consoante a riqueza e o ineditismo dos programas que apresenta. As Festas Populares de S. Pedro não voltaram a encontrar o fulgor da primeira década da sua realização e, por isso, não conseguiram afirmar-se como um forte pólo de atracção turística ou cartaz maior da promoção da Montijo. A Festa é hoje não só a intensa e multicolor luz do arraial, embora cada vez mais pálida, mas também as pequenas festas que se fazem em roda de amigos, em locais privados, podendo então afirmar-se que os montijenses saem à rua para saudar S. Pedro, mas é no recanto de cada uma das suas pequenas festas, que se multiplicam por esta altura, que a alegria é mais castiça e a tradição reluz. Registe-se que esta tradição também se está a esbater. Corre-se às largadas, festeja-se a noite da sardinha, louva-se Baco e em devoção leva-se S. Pedro até ao rio em procissão, para que as águas continuem mansas e o peixe, se possível, volte a saltar. Ribombam morteiros e enche-se a noite de fogo-de-artifício. Intenso e breve como a festa. A genuína tradição está cativa dum pequeno núcleo de famílias – os pescadores – cada vez mais reduzido. A marcha inexorável do tempo apagá-la-á paulatinamente do quotidiano para a guardar na memória ténue e imprecisa das futuras gerações. A luz pálida da estrela de S. Pedro ainda ilumina a cidade, em Junho, mas sente-se que já está extinta.
O Bairro dos Pescadores localizava-se nos arrabaldes da vila, dispunha-se «por artérias regulares e era constituído por casario humilde, térreo ou de andar, na vizinhança de viveiros de peixe, abrigados por diques de terra batida (...).» Foi assim e ali que, um dia, há cerca de quinhentos anos, tudo começou…
Ruky Luky
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