«A Quadra é o vaso de flores que o Povo põe à janela da sua Alma.
Eugénio de Castro
A vida é negra, mais negra
Que a noite nos pinheirais…
Mas é nas noites mais negras
Que as estrelas brilham mais…
Triste de mim e de quantos
O desalento lanceia,
Do que foi rico e está pobre,
Da que foi linda e está feia!
Diademas não são apenas
Dos reis um ornamento vão:
Pobrezinhos há, bem pobres,
Que os trazem no coração.
Cantar é tarefa d’anjos,
Tarefa que agrada aos céus:
Cada canção é uma asa,
Que nos eleva até Deus!
Canções Desta Negra Vida - 1922
Quem por amor se perdeu
Não chore, não tenha pena,
Uma das santas do céu
-É Maria Madalena…
Nós temos o mesmo fado,
Oh fonte d’água cantante,
Quem te quer, pára um bocado,
Quem não quer, passa adiante…
Se aquilo que a gente sente,
Cá dentro tivesse voz,
Muita gente… toda a gente
Teria pena de nós!
E há no mundo quem afronte
Uma mulher quando cai!
Nasce água limpa na fonte,
Quem a suja é quem lá vai
Luar de Janeiro – 1909
Correia de Oliveira
De hora a hora Deus melhora,
Podes ter fé no rifão.
Mas não durmas: vai buscando
Remédio por tua mão.
Mais vale a ajuda de Deus
De que muito madrugar;
Mas, quem madrugar, ajuda
A Deus que o pode ajudar.
O céu é de quem o ganha.
Toda a ventura se encerra
Em ganhar na terra o céu,
Transformando em céu a terra.
- Mais vale tarde que nunca.
Medidas que o tempo tem:
Para o mal é sempre cedo;
Nunca é tarde para o bem.
Dizeres do Povo – 1911
Tem por abelhas os sons,
Que fabricam, valha-me isso,
Fadinhos de mel, tão bons.
Os teus peitos são dois ninhos
Muito brancos, muito novos,
Meus beijos os passarinhos
Mortinhos por porem ovos.
Ó fogueiras, ó cantigas,
Saudades! Recordações!
Bailai, bailai, raparigas!
Batei, batei, corações!
Nossa Senhora faz meia
Com linha branca de luz:
O novelo é a lua cheia,
As meias são para Jesus.
João de Deus
A rosa que tu me deste
Peguei-lhe, mudou de cor;
Tornou-se de azul-celeste
Como o céu do nosso amor
Quando eu era pequenino
Que chorava a bom chorar
A mãe beijava o menino,
No beijo se ia o pesar.
Se tua mãe te vigia,
Faz tua mãe muito bem;
Com joias de tal valia
Não há fiar em ninguém.
Faça Deus maior o mundo,
Terra, mar e céu maior,
Não faz nada tão profundo,
Tão vasto como este amor.
Campo de Flores – 1893
António Botto
Chamaste-me tua vida,
Eu a alma quero ser.
A vida acaba na morte,
A alma não pode morrer.
Triste de quem tem amores,
Triste de quem os não tem;
De toda a maneira é triste
Sentir saudades de alguém.
Tenho um craveiro no peito
Que dá cravos todo o ano;
Só os dou ao meu amor
Em troca de um desengano.
Anda um ai na minha vida
Que me lembra a cada passo
A distância que separa
O que eu digo do que eu faço.
Canções de António Botto – 1922
Meu coração é máquina de fogo,
Luz de magnésio, floresta incendiada.
Combustar-se é o seu próprio desafogo.
Arde por tudo, inflama-se por nada.
Diferente de quanto existe
Só a dor que me reparte.
Enquanto em mim morro triste,
Nasço alegre em toda a parte.
Tremi no escuro da selva,
Alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
Mulheres de todas as cores.
O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo a sal.
Não se nasce impunemente
Nas praias de Portugal.
Fernando Pessoa
Quando compões o cabelo
Com tua mão distraída
Fazes-me um grande novelo
No pensamento da vida.
Dá-me um sorriso daqueles
Que te não servem de nada
Como se dá às crianças
Uma caixa esvaziada.
Chamam-te boa, e o sentido
Não é bem o que eu supunha.
Boa não é apelido:
É, quando muito, alcunha.
A vida é um hospital
Onde quase tudo falta.
Por isso ninguém se cura
E morrer é que é ter alta.
Quadras ao Gosto Popular – 1935
António Aleixo
Engraxadores sem caixa
Há aos centos na cidade,
Que só usam a tal graxa
Que envenena a sociedade.
Quem canta por conta sua
Quer ser, com muita razão,
Antes pardal, cá na rua,
Que rouxinol na prisão.
O teu amor, minha querida,
Livrou-me de me afogar
No mar imenso da vida
No mar imenso da vida
Onde supus naufragar.
Vim ao mundo sem saber
Que vinha a ser o que sou;
Agora morro sem querer
sem saber para onde vou.
Este Livro que vos Deixo - Inéditos
Anónimo
Chorai fadistas, chorai,
que uma fadista morreu.
que uma fadista morreu.
Hoje mesmo faz um ano
Que a Severa faleceu.
Lá nesse reino celeste,
Com tua banza na mão,
Farás dos anjos Fadistas,
Porás tudo em confusão
Até o próprio S. Pedro
À porta do céu sentado,
Ao ver entrar a Severa
Bateu e cantou o fado.
Ponde no braço da banza
Um sinal de negro fumo,
Que diga por toda a parte
O Fado perdeu seu rumo.
Severa, linda Severa,
Foste a princesa do Fado;
A rainha das fadistas
O sol do teu bem-amado
O fadinho da Severa
Vai direito ao coração;
Cantai o fado da musa
Da rua do Capelão.
Nesta bela ocasião;
O seu Fado é de encantar
Vai direito ao coração.
Quando a Severa faleceu,
O Vimioso adorado
Disse, vertendo lágrimas:
Morreu o mimo do dado!
Chorai fadista, chorai
Que a Severa se finou;
O gosto que tinha o Fado
Tudo com ela acabou.
Cancioneiro Popular Português
Fim
Meu caro director deste espaço
ResponderExcluirÉ assim, com esta diversidade, que este blogue está para lá da vulgaridade. Não só pelos assuntos que trata e bem relacionados com a nossa "aldeia", como vai até ao fim do mundo, com a divulgação desta poesia cujos autores são merecedores de todo o nosso apreço, com a devida vénia, esse imortal Fernando Pessoa.
A propósito de Fernando Pessoa, a quem eu não atribuía o dom popular de fazer quadras, encontrei num alfarrabista um exemplar, editado em 1999 por Assírio e Alvim para Câmara Municipal de Lisboa, titulado "Quadras Populares" de Fernando Pessoa, que insere 132 quadras do autor, onde constam as que agora e em boa hora vêm à luz.
Parabéns e que o ânimo individual não vos falte, para ultrapassar este período de desânimo quase colectivo.