do Azeite à Electricidade
Verde foi o meu nascimento
E de luto me vesti
Para dar luz ao mundo
Mil tormentos padeci.
O que é?
A advinha, cuja resposta é a azeitona, acompanhou a instrução primária de muitas gerações e chamava a atenção para o azeite enquanto combustível que alimentava as candeias nos lares e nas igrejas.
A Iluminação Pública também se alimentou de azeite…
Em 1841, a Câmara Municipal de Aldegalega (Montijo) ao lançar o concurso para “luz pública” impunha aos arrematantes as seguintes condições:
1. O azeite que se der deverá ser de boa qualidade e com abundância;
2. Logo que anoitecer deverão acender os candeeiros devendo apagá-los uma hora depois que fora nascida a lua;
3. Deverão ter torcidas e fazer limpeza dos referidos candeeiros;
4. Que no caso de pela noite em diante em que forem obrigados a ter os candeeiros acesos se encontre algum apagado pagarão a multa de seis mil reis para o Concelho;
5. Que todo e qualquer vidro que ele arrematante e seus criados quebrar no acto de limpeza ou por qualquer outro motivo será obrigado a pô-lo em bom estado.
Nas noites mais invernosas, o encarregado estava ainda onerado no dever de deitar mais azeite e atiçar os candeeiros «de forma a não se apagarem durante toda a noite.»
Nesta época, a lua era uma fonte primordial de iluminação porque, em noites de luar, o arrematante devia apagar os candeeiros «uma hora depois que fora nascida a lua.»
O postal ilustra a actual Avenida dos Pescadores, no início do século XX, com os candeeiros alimentados a azeite |
Em 1845, o orçamento municipal destinava 160$000 para Despesas com Iluminação Pública – Azeite.
Não foi possível determinar quando a iluminação pública passou a ser alimentada a petróleo, embora se saiba que, em 1893, quando a câmara municipal municipalizou o serviço de iluminação pública, já esta era fornecida a petróleo.
Na reunião ordinária de 18 de Julho de 1887, a câmara analisou uma carta de «Alexandre Pomaréde, apresentando as propostas para a iluminação a gás desta vila e para particulares», e decidiu «oferecer a quantia de 800$000 para a Companhia lhe oferecer 100 bicos de gás, encarregando o sr. Vereador Francisco da Silva de assinar e comunicar com o sr. Pomaréde.»
O contrato com o sr. Pomaréde acabou por se não celebrar e, em 27 de Abril do ano seguinte, a câmara municipal recebeu um requerimento de Adolpho Blumberg, residente em Lisboa, que solicitava autorização para montar um gasómetro para fornecimento de iluminação a gás, garantindo que o número mínimo de candeeiros em vias públicas seria de 120 e o prazo do contrato por 30 anos. A câmara acabou por celebrar contrato com Adolpho Blumberg.
Em Dezembro de 1902, o jornal “O Domingo” noticiava que «alguns estabelecimentos desta vila vão ser iluminados a gás acetylene» e, três anos mais tarde, fazia saber que «o magnífico Gasómetro Cosmopolita, invento do nosso amigo José Joaquim Caminha Figueira, é dos mais aperfeiçoados até hoje conhecidos. O sr. Figueira encarrega-se da instalação.» O Teatro na vila recebeu a iluminação a gás em fevereiro de 1907.
Iluminação a gás e o petróleo vão, porém, coexistir até serem substituídas gradualmente pela iluminação eléctrica.
Actual R.Joaquim de Almeida. Posto da Polícia e Praça de Touros. Em primeiro plano, uma lanterna.. |
Em Maio de 1913, «acabou-se, enfim, a luz de petróleo nas salas do tribunal desta comarca, bem como nas repartições ali instaladas, achando-se já substituída pela eléctrica», como informava o jornal “O Domingo”.
Datam do princípio do século XX as primeiras iniciativas municipais para dotar a rede pública de luz eléctrica.
No dia 1 de Dezembro de 1901, a Câmara Municipal de Aldegalega celebrou contrato com a empresa Cardoso, Dargent e C.ª para o fornecimento de luz eléctrica, que foi aprovado superiormente por decreto de 16 de Dezembro de 1901.
Não tendo os concessionários iniciado a obra, dois anos após a celebração da escritura, a câmara abriu novos concursos, que vão ficando sucessivamente desertos, passando, então, a autarquia a aceitar «qualquer proposta, independentemente do caderno de encargos». Em vão.
Só em 1909, em 19 de Dezembro, a obra para fornecimento de luz eléctrica para iluminação pública e particular foi adjudicada, através de concurso, «ao sr. João da Fonseca Cruz pelo preço de 11$995 reis cada lâmpada de 16 velas.» A base do concurso foi de 180 lâmpadas e importou em 2:159$10 por ano.
Os trabalhos para a instalação da rede eléctrica iniciaram-se em 4 de Setembro de 1910 e, em 16 de Abril de 1911, a empresa «começou a fazer instalações particulares na Farmácia Giraldes e consultório médico, no estabelecimento do sr. José Cypriano Salgado e na residência do sr. José Assis Vasconcelos.»
Nesse mesmo mês são feitas as primeiras experiências «com magníficos resultados» e a rede abrange já muitas instalações particulares.
No dia 1 de Maio de 1911, Aldegalega inaugurou a sua primeira rede eléctrica.
Apesar da novidade, a iluminação pública continuava incipiente, e poucos meses após a inauguração, o jornal local chamava a atenção «da digna Câmara para a iluminação pública que, sendo eléctrica, certas ocasiões nos faz lembrar a de petróleo. Tudo acaba por falta de energia. Até a luz.»
Praça da República, década de 40. Modernos candeeiros de iluminação pública |
As reclamações prosseguiram ao ritmo acelerado das interrupções de fornecimento de energia, obrigando à renovação da rede, que foi solenemente inaugurada no dia 29 de Junho de 1942, com a iluminação do Parque Municipal.
Permita-se uma nota de ironia, a terminar.
As deficientes condições da iluminação pública permitiram que germinassem histórias sobre fantasmas, que povoavam as ruas, ou do aparecimento do corfadário para os lados da Quinta do Saldanha, nos arrabaldes da vila, e de tal monta era o fenómeno que, em 1920, um jornal local registou:
«Há muitos anos que nesta vila não se falava no aparecimento de lobisomens. Pois agora é assunto de todas as conversações. Quase toda a gente desta terra tem visto o corfadário em forma de burro, de cão e até de pato, o que achamos mais natural, pois Aldegalega é hoje uma terra de patos que em patranhas de toda a raça acreditam.»
Ruky Luky
Estes retratos do passado são uma maravilha. Dou graças por haver alguém que retira do baú da história todos estes acontecimentos o que muito honra quem tem tal iniciativa. Os filhos naturais nem sempre amam a sua terra, mas os filhos do coração fazem-no sempre, e quando têm qualidades singulares, fazem-no com sentido e oportunidade. Eu fico feliz com toda esta descrição que, por motivos óbvios, para mim não é novidade. Quantos mais formos a semear maior será a seara e maior a colheita. Um grato abraço.
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