domingo, 12 de fevereiro de 2012

Quo Vadis, Canha?

A Praça da República, em Canha, onde decorreram as cerimónias

A vila de Canha assinalou, no passado dia 11 de Fevereiro, o seu 840.º aniversário e institucionalizou o dia 10 do mesmo mês como Dia da Vila de Canha.
O dia escolhido, 10 de Fevereiro, resulta da conjugação dos três forais conhecidos: o Foral outorgado por D. Afonso Henriques, em 1172; o Foral de 1235 concedido à Vila Nova de Canha por Paio Peres Correia; e o Foral Manuelino de 1516, de 10 de Fevereiro.

Convidou-me a Comissão Comemorativa do Dia de Canha a participar na cerimónia comemorativa e, na altura, a proferir algumas palavras.

Desbragadamente, a presidente da Câmara Municipal de Montijo, Dr.ª Maria Amélia Antunes, num gesto que atenta violentamente contra a autonomia das freguesias, contra a nossa ordem constitucional e fere as mais elementares normas de ética e da boa conduta cívica, desconsiderou a Junta Freguesia de Canha e a Comissão Comemorativa e, num inqualificável e condenável acto censório e persecutório, a lembrar outros tempos de má memória, proibiu a minha participação activa na cerimónia.

 Mas como “não há machado que corte a raiz ao pensamento”, publico o essencial da  minha reflexão sobre Canha.

«Com esta vila, que conheço há mais de trinta e dois anos, e que me encanta pela hospitalidade das suas gentes, pela pacatez da sua harmonia, pela riqueza e beleza do seu património histórico e natural, do qual me permito destacar, simbolicamente e pelo todo, a imagem de Santa Basilissa, da Igreja de N.ª Senhora de Oliveira, cujo esposo, S. Julião, deu o nome ao primitivo cemitério de Canha, com esta vila, dizia, só me é permitido despojar-me num gesto de partilha, de franca amizade, de sã solidariedade.

Há, em Canha, uma história de Mouros por contar, uma banda de música, que tocou no coreto, que já ninguém conhece, por descobrir, os dias agitados da 1.ª República por escrever e tantas outras histórias de uma vila plena de pergaminhos.

Há episódios da história de Canha que urge registar conservando-se, assim, a memória da Vila e legando-a às gerações futuras.

Acredito que a instituição do Dia da Vila de Canha será também a semente que reacenderá o interesse dos canhenses pela sua História, que melhor os ajudará a debater o seu presente e a traçar o seu futuro.

A História do concelho de Canha é rica em vicissitudes.

O Concelho de Canha foi constituído por única freguesia (Canha), até 1833, estando então integrado na Comarca de Setúbal e Província da Estremadura.

Pelo Decreto de 28 de Junho de 1833, o Concelho de Canha passou a integrar a província do Alentejo e, em 1835, o Distrito de Lisboa.

O Decreto de 6 de Novembro de 1836 extinguiu o Concelho de Canha e integrou a vila de Canha no Concelho de Montemor-o-Novo.

Dois anos depois, pela Lei de 2 de Janeiro de 1838, o Concelho de Canha foi restabelecido com a inclusão das Freguesias de Cabrela, Landeira, Lavre e S. Lourenço, retiradas ao Concelho de Montemor-o-Novo.

Nesse mesmo ano, o Concelho de Canha foi nova e definitivamente extinto, e a vila e freguesia de Canha passou a integrar o Concelho de Aldeia Galega do Ribatejo, o actual Montijo.

Mais recentemente, em 1956, foram redefinidos os limites entre a Freguesia de Canha e as freguesias de Coruche e Vendas Novas.

A criação das freguesias de Santo Isidro de Pegões de de Pegões obrigou a que se redifinissem os limites de Canha.

Afirmei, que, em 1838, o Concelho de Canha fora definitivamente extinto.

Será válida esta afirmação?

O Governo apresentou, o ano passado, o “Documento Verde da Reforma da Administração Local» em que «evidencia a sua vontade política de realizar, conjuntamente com os autarcas e a sociedade portuguesa, uma reforma de gestão, uma reforma de território e uma reforma política do Poder Local.»

O Governo reconhece que «Este Documento Verde da Reforma Administração Local pretende ser o ponto de partida para um debate» sobre a Reforma Administrativa, e, no que concerne às Freguesias, afirma que A Reforma da Administração Local no âmbito da Organização do Território visa, entre outros objectivos, reorganizar o mapa administrativo através da redução do número de Freguesias; criar novas Freguesias, com ganhos de escala e dimensão, gerando a descentralização de novas competências e o reforço da sua actuação e considerar a contiguidade territorial como um factor determinante.

Não é esta a altura propícia para discutirmos a Reforma Administrativa.

Porém, parece-me que este é o momento exacto para introduzir uma reflexão acerca de uma questão que não deve ser escamoteada sob pena de se lesarem os interesses de Canha e da sua população.

Perdida a autonomia municipal, há 174 anos que os Canhenses se dirigem penosamente a Montijo para tratarem dos mais variados assuntos.


O concelho de Montijo é um dos raros no País que apresenta uma divisão geográfica peculiar, que de todos é conhecida. Canha e Pegões distam mais de trinta Kms de Montijo e estão separados da sede do concelho pelos concelhos de Alcochete e Palmela.

Sustenta-se, como explicação para a extinção do Concelho de Canha e a sua integração no Concelho de Montijo, que a maioria dos grandes lavradores de Canha residiria em Montijo, pelo que se não justificaria que pagassem as suas contribuições noutro concelho que não fosse o da sua residência.

Portugal reencontrou-se com a Democracia e é hoje «uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária» (Art.º 1.º CRP).

O momento é propício a que Canha se interrogue sobre o seu futuro, oiça a sua população e decida se quer manter a ligação a Montijo ou se outros serão os caminhos que melhor servem os seus interesses.

Ontem, falou a voz mais forte dos proprietários rurais. Hoje, é a voz soberana do povo que deve ditar o seu futuro.

Permitam-me que termine a minha intervenção com uma pergunta: para onde vais, Canha?

Rui Aleixo

2 comentários:

  1. É interessante que a freguesia de Canha comemore as suas datas históricas e isso, para além do mais, é uma prova de vitalidade. A intervenção de Rui Aleixo na comemoração, abortada por alguém que abusou do poder, é lamentável e perigosa. É uma nódoa, que se perpetuará e ficará histórica. Se o tivesse havido intervenção, dentro de algum tempo poucos dela se recordariam, como é normal. Assim, a não-intervenção, fica como acto histórico.
    Uma observação de conteúdo. A voz do povo nem sempre é rigorosa quanto à descrição de factos. É verdade que muitos proprietários em Canha moravam em Montijo, como, por exemplo, o prof. António Rodrigues Caleiro e a família Serra, mas não esquecer que Aldeia Galega era a terra mais importante (comarca) da região a mais próxima de Canha. O concelho de Palmela foi criado em 1926, sendo à altura uma freguesia de Setúbal, e veio a formar-se com alguns espaços que pertenceram aos limites de Aldeia Galega. É um assunto que merece ser melhor aprofundado, passando para além dos "boatos". Parabéns ao Rui pela sua intervenção cívica.

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  2. Uma pequena correcção no texto. Na quarta linha, onde está escrito, "se o tivesse havido intervenção", pode-se conferir que o o está a mais.

    Joaquim Carreira Tapadinhas

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