Foi, em 1870, que se constituiu a Comissão
Provisória da Associação Fraternal do Monte-Pio da villa de Aldegalega do
Ribatejo sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição.
Embora dirigida por uma Comissão
Provisória, a Associação estava de facto constituída, uma vez que, no início
daquele ano, reunira já a Assembleia para a aprovação dos estatutos.
Por outro lado, em 10 de Agosto de 1871, a
Comissão Provisória requereu ao Governador Civil de Lisboa licença para abrir um
bazar nos dias 26, 27 e 28 desse mês, em benefício do Monte-Pio. No ano
seguinte, pela mesma altura, o Governador Civil já se dirigia à “Direcção do
Monte-Pio d’essa villa”, o Administrador do Concelho intimava o “O Presidente
da Direcção do Monte pio” e o pároco Francisco António da Costa assinava como
Presidente da Direcção.
Formalmente, a associação só se constituíu
no dia 18 de Novembro de 1872, quando, El-Rei D. Luís I “considerando que as
sociedades d’esta natureza tendem a melhorar a sorte dos associados e muito
contribuem para a sua moralisação” houve
por bem aprovar os seus estatutos.
A nova instituição era interclassista e
terá resultado das antigas confrarias sediadas na Igreja Matriz do Divino
Espírito Santo e, a exemplo da irmandade instituída pelos mareantes, invocou o
nome de Nossa Senhora da Conceição. O Montepio surgiu num momento em que
aquelas estavam praticamente extintas e a Santa Casa da Misericórdia
atravessava uma grave crise.
Um ano após a sua legalização, a Associação
Fraternal tinha 865 sócios. A população de Aldeia Galega rondava, nessa altura,
os cinco mil habitantes.
Os rendimentos do Montepio provinham da
venda dos seus estatutos pelo preço de 160 reis cada exemplar, da jóia dos
sócios na razão de 500 reis, das quotas semanais de 40 reis pagos por cada
associado e de donativos, legados, doações ou produtos de benefícios.
Apesar da acção que passou a desenvolver, -
os seus fins eram coadjuvar os sócios em suas doenças e prisões, promover os
meios de sustentação quando se inabilitassem por qualquer acidente ou moléstia,
cuidar dos funerais e bens da alma, assim como promover a instrução e a
moralidade de todos os sócios - o Governador Civil de Lisboa considerou, em
1877, que o Montepio não praticava “actos de beneficência, uma vez que mesmo os
sócios pobres pagam uma quota”. Por esse motivo indeferiu o pedido feito pela
Associação Fraternal para organizar um bazar “por não reverter o produto da
especulação em favor de acto algum de beneficência ou instrução, mas sim de
indivíduos que se ligaram por um contrato bilateral (...) e que à custa do
público se querem manter”.
Os sócios tinham direito, nas suas doenças,
a socorros pecuniários de 160 réis diários, facultativo e botica, enquanto
estivessem de cama, ou a 300 réis diários sem facultativo nem botica e ainda
aos mesmos 300 réis diários se se quisessem tratar em qualquer hospital. No
entanto, se a moléstia os inabilitasse perpétua ou temporariamente, tinham
direito a 80 réis diários.
Se o facultativo prescrevesse o uso de
banhos minerais ou sulfúreos, os sócios tinham direito à quantia de 300 réis
diários, incluindo os dias de viajem de ida e volta. O estatuto negava,
contudo, qualquer quantia para banhos no mar “por poderem aqui fazer uso
d’elles”.
Nos casos em que o sócio adoecesse fora da
vila, tinha direito à quantia de 360 réis diários, enquanto estivesse acamado,
e a facultativo e botica.
As sócias não tinham “direito algum a
receber socorros em seus partos, mas sim nas moléstias que sobrevierem aos
mesmos”.
A associação conferia aos sócios presos a
quantia de 80 réis diários ”por todo o tempo que durar a pena imposta por
processo correcional”, porém, em qualquer outro processo, só tinham esse
direito até ao dia da pronúncia. No entanto, caso adoecessem, na prisão, tinham
todos os direitos consignados nos estatutos para a protecção na doença.
O sócio que viesse a falecer, na vila,
tinha direito aos utensílios da associação e a mais 4$000 réis para despesas do
seu funeral, mas o viúvo, viúva ou outros herdeiros tinham de apresentar a
justificação das despesas com o funeral. Estava garantido ao sócio, além das
despesas com o funeral, “a serem acompanhados por 18 sócios e a três missas de
160 réis, ditas por uma só vez para sufragar a sua alma” e, se fossem sócios
benfeitores, seriam “acompanhados por 24 sócios em seus funerais”.
A associação proibia todas as questões
pessoais, políticas e religiosas, bem como palavras que ofendessem a moral, os
poderes constituídos e a religião do Estado.
A primeira direcção eleita foi constituída
pelo Padre Francisco António da Costa, Presidente; Luiz Eloy Nunes,
Vice-Presidente; Arthur Manuel Vianna Canede, Secretário; João Pedro Baptista,
Vice-Secretário; António Victorino Rodrigues, Tesoureiro; António Joaquim
Soeiro, Vice-Tesoureiro e José Vito da Silva, Vogal.
A Associação modificou os seus estatutos em
30 de Dezembro de 1894, conformando-os com o Decreto de 28 de Fevereiro de
1891. Era então Presidente da Direcção António Máximo Ventura, rico
proprietário e comerciante, coadjuvado pelo Padre Theodoro de Sousa Rego, pelo
funcionário público e comerciante Frederico Ribeiro da Costa e ainda por
Joaquim Manuel Mendes, António Pedro da Cunha, João Pedro Baptista e José
Germano Serra.
Com os novos estatutos, a instituição
passou a denominar-se “Associação de Socorros Mútuos Monte-Pio Nossa Senhora da
Conceição da villa de Aldegallega do Ribatejo” e os seus fins passaram a ser
coadjuvar os sócios em suas doenças, auxiliar os seus funerais e sufragar as
suas almas e estabelecer pensões aos sócios, permanentemente inabilitados de
trabalhar.
As mulheres casadas só podiam ser admitidas
como sócias mediante autorização dos maridos e não podiam ser admitidos os
indivíduos do sexo masculino com mais de 50 anos, os do sexo feminino com mais
de 40, os menores de 15 anos e os que padecessem de moléstia crónica ou
contagiosa.
A quota semanal era de 40 réis e, no acto
da inscrição, o sócio pagava uma jóia de 500 réis e estava obrigado a comprar
os estatutos, que custavam 200 réis.
As vicissitudes porque passou o Montepio
Nossa Senhora da Conceição prendem-se com a situação económica e social do
concelho e com o consequente reflexo na vida das populações.
São escassas as fontes para o estudo do
mutualismo em Aldegalega. No entanto, pelos exíguos registos que nos chegaram
somos levados a admitir que esta Associação ganhou a confiança e a estima dos
aldeanos congregando os esforços das várias classes sociais, podendo afirmar-se
que na sede da associação a ganga do operário cruzava-se com o casaco do
patrão.
Foi este entendimento que permitiu que se
concretizasse a proposta de sócio Zeferino Rodrigues para que se comprasse uma
farmácia.
No dia 26 de março de 1912, no Cartório do
Notário Manuel das Neves Coutinho Ribeiro compareceram os sócios do Montepio
Nossa Senhora da Conceição, José Luiz Gouveia e José Augusto de Sousa Rego,
proprietários; António Tavares Marques, soldador; José Rodrigues Futre,
caixoteiro; Manuel Ladislau, soldador; Joaquim Tavares Castanheira Sobrinho,
trabalhador e Augusto Gregório da Silva, pedreiro, que constituíam a Direcção,
que declararam que “ficam por fiadores e principais pagadores do resto do
preço, acima dito, na importância de um conto quatrocentos e cinquenta mil
réis, e assim tomam solidariamente sobre si todas as obrigações da associação,
sua afiançada”.
A farmácia foi adquirida a José Augusto
Simões da Cunha “pelo preço de um conto e setecentos mil réis, por conta do
qual (já recebeu) da referida associação a quantia de duzentos e cinquenta mil
réis (e) que os restantes um conto quatrocentos e cinquenta mil réis serão
pagos até o termo de três anos, contados d’hoje, por meio de prestações, das
quais, e até perfazer a quantia de quatrocentos e cinquenta mil réis, nenhuma
das prestações será inferior a cinquenta mil réis, e a restante quantia de um
conto de réis será paga em quatro prestações (...) ”.
O gesto audacioso da Direcção, presidida
por José Luiz Gouveia, permitiu que o Montepio passasse a ter uma excelente
fonte de receitas, que, ainda hoje, lhe tem permitido corresponder às
necessidades sempre crescentes dos seus sócios e garantir a independência real
da associação.
Quando, em 1937, se processou a fusão das
várias associações mutualistas, o Montepio Nossa Senhora da Conceição era a
única que funcionava regularmente, devido à gestão da farmácia.
O Administrador do Concelho de Aldegalega,
no ofício que dirigiu ao Governador Civil de Lisboa, em 5 de Janeiro de 1877,
dava conta do “novo Monte pio do Divino Espírito Santo aprovado por Decreto de
12 de Junho de 1876”.
Perderam-se as notícias desta associação
embora se saiba que, no início deste século, estava fortemente ligado à
Farmácia Giraldes e que a sua direcção era constituída por António d’Oliveira
Canelas, Abílio Nicolau, Manuel Pedro Carirú, José Augusto Oliveira e Custódio
Dimas.
A Associação de Socorros Mútuos Montepio
Nova Aliança de Aldegalega já estava constituída em 1886 e tinha a sua sede na
actual Praça da República, embora não tivesse os estatutos provados.
Foi no reinado de D. Carlos I, sendo
Ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, o Conde de Paçô Vieira, que
foram homologados os estatutos da Associação de Socorros Mútuos Montepio Nova
Aliança de Aldegalega do Ribatejo, pelo alvará assinado em 10 de Junho 1903.
Os fins desta associação mutualista eram
socorrer os sócios na doença e auxiliar seus funerais.
Todos os indivíduos de ambos os sexos, dos
três anos aos cinquenta, podiam ser sócios, desde que tivessem um modo de vida
honesto e conhecido e não padecessem de qualquer doença, no acto de inscrição.
Os sócios tinham direito, na doença, a
facultativo, receituário e subsídio pecuniário, até ao prazo máximo de dois
anos, mas as sócias não tinham direito a socorros nos partos regulares, mas nos
complicados tinham direito a facultativo e receituário, e nas moléstias que
pudessem sobrevir tinham direito a socorros até ao total restabelecimento.
O Montepio não fazia o funeral dos sócios,
“mas auxilia-os com a quantia de quatro mil réis, que será entregue à família
do falecido”.
Proibia também “na casa d’esta associação
questões sociais, políticas ou religiosas”.
Em 9 de Outubro de 1905, El-Rei D. Carlos
aprovou os estatutos da Associação de Socorros Mútuos “Aldegallega Operária”, à
direcção do qual pertenceu António Tavares Marques. Além destas quatro
associações, que viriam a unir-se e a constituir a União Mutualista Nossa
Senhora da Conceição, fundou-se ainda a “Associação de Socorros Mútuos União
Piscatória”, por volta de 1910, e que se
dissolveu em 1912 para dar lugar à Sociedade Cooperativa União Piscatória.
Em 1907 houve uma tentativa para se
constituir a Associação de Socorros Mútuos “Popular Independente - Doutor
Guimarães”, que se gorou.
No campo económico, o mutualismo frutificou
através da Caixa Agrícola.
Ruky Luky
Ruky Luky
Todo este trabalho, de trazer à luz do dia um passado que traduz um ambiente de fraternidade, honra o autor e o povo que ele descreve. Este esforço cooperativo dos cidadãos onde se inscreve uma aliança que, de certa forma, irmana trabalhadores e patrões num objectivo comum, é um retrato das pessoas e da vida social da vila de Aldeia Galega e ao mesmo tempo reconhece uma capacidade de aglutinar em interesses que valorizam as relações pessoais. Poucas terras, da dimensão da nossa, terão criado tantas instituições de bem-fazer nos finais do séc. XIX, o que para além do espírito solidário, prova também alguma capacidade económica e muita cultura humanista. Aldeia Galega devia ser um orgulho para os actuais montijenses, mas, infelizmente a generalidade destes, pouco ou nada sabe do passado e, mais grave, não parece ter interesse em o conhecer. Um povo que não conhece as suas raízes está num estado letárgico e caminha para a extinção. Mas se há milagres, pode ser que neste torrão algum se proporcione. É bom ter alguma fé.
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