Como Tudo Começou
O cinema começou por partilhar o espaço do teatro. Aconselha-se a leitura do cartaz. |
Era
no Largo da Caldeira, actual Praça Gomes Freire de Andrade, ou em algum armazém
arrendado ou cedido graciosamente para o efeito, que as companhias de teatro, o
circo e as trupes instalavam as suas barracas ou as tendas, alegrando, em
curtas temporadas, as horas de ócio da «elite da nossa sociedade».
Num
domingo frio do mês de Dezembro de 1901, realizou-se em Aldegalega, «uma
surpreendente sessão de ilusionismo pelo artista Augusto Fortuna, no extenso armazém
pertencente aos senhores Ventura, que generosamente lho cederam». O espectáculo
contou com a colaboração do «actor Correia, do teatro d’Avenida, que num dos
intervalos desempenhou uma cena cómica», e do actor Ródão, que «mimoseou a
plateia com um belo fadinho».
No
mês seguinte, foi a Troupe Bertini, «que se tem feito ouvir nos principais
teatros e clubes do nosso país e assim como em Espanha numa série de concertos
em diversos casinos», que, pelas vinte e trinta, se apresentou no salão do
senhor José Maria Mendes, na Rua do Forno, num espectáculo constituído por
trechos de opereta, monólogos, fados e, no final, baile.
No
Natal de 1902, o “Teatro Electro-Mágico”, que manteve a sua «bem construída
elegante barraca de fantoches articulados, únicos que têm os movimentos iguais
aos do corpo humano», no Largo da Caldeira, obteve boa adesão popular.
No
mesmo local e data, instalou-se também o “Teatro Oriental”, que levou à cena os
dramas “Os Dois Vadios”, em 6 actos, e “A Louca do Moinho”, em 5 actos, concluindo
o espectáculo com «alguns quadros de animatógrafo».
Reconhecia,
no final de 1902, o jornal “O Domingo”, que «São uma das distracções mais úteis
e de mais enlevo para o espírito os espectáculos teatrais. Passam-se ali horas
agradáveis, esquecendo-se até, por vezes, a vida amargurada dos que mourejam
noite e dia para alcançarem o pão quotidiano. E esta vila não possui ainda,
para vergonha sua, uma casa de espectáculos. Mas a todo o tempo se pode
remediar esse mal.»
O
comportamento dos espectadores não era, por vezes, o mais desejado, tanto assim
que, na sua edição de 28 de Dezembro de 1902, o mesmo jornal chamava a atenção
das autoridades administrativas para o facto de o teatro ser «frequentado pela
«elite» da nossa sociedade» e reclamava «para bem da decência, (que) sejam
castigados com o rigor da lei uns imoralões que ali são certos, incomodando os
espectadores com as suas babosices e acções repugnantes.»
Em
18 de Janeiro de 1903, a companhia do Teatro Electro-Mágico regressou a
Aldegalega e estreou uma “comédia de animatógrafo” e, no dia 25 do mesmo mês,
“doze quadros de animatógrafo sobre a Vida de Cristo”.
É
provável que, em data anterior, tenham sido apresentados em Aldegalega
espectáculos com “fotografia animada” e “quadros de animatógrafo”, visto que o
primeiro espectáculo cinematográfico foi realizado no nosso País, em 18 de
Junho de 1896, em Lisboa, no Real Coliseu, à Rua da Palma, no qual participou o
actor aldeano Joaquim de Almeida, representando alguns monólogos. Atendendo à
proximidade de Lisboa, aliada ao facto de Aldegalega ser um lugar de passagem
obrigatório, é de presumir que as primeiras projecções tenham acontecido em
anos anteriores.
O
“Correio da Noite”, de 15 de Junho de 1896, relatou, assim, o acontecimento:
«Chegou hoje de Madrid Mr. Rosuby, que vem apresentar em cinco espectáculos, no
Real Coliseu, o Animatógrafo e o Cinematógrafo de Edison, que, por meio de
projecções com luz eléctrica, apresenta os mais perfeitos quadros da vida real
em tamanho natural e sem omissão do mais insignificante movimento e do menor
detalhe. O Animatógrafo só está conhecido em Londres, Paris e Madrid, sendo
Lisboa a quarta cidade que vai admirar o último prodígio de Edison.» (As duas
vidas de Joaquim de Almeida”, de António Cabrita, in Expresso, de 15.06.1996.)
No
dia 22 de Março de 1903, Aldegalega assistiu à abertura da «excelsa barraca de
maravilhas, atractivos, ilusões e fantasmagorias fim de século.» Era uma
exposição composta por figuras em tamanho natural, luxuosamente vestidas, tendo
presente os mais notáveis quadros representando cenas históricas, batalhas e
quadros da vida religiosa. «Enquanto se examina o salão far-se-á ouvir o
célebre órgão-concerto, que executará óperas».
Desde sempre Aldegalega/Montijo acarinhou o fado. |
Os espectáculos e as exposições continuaram a realizar-se, mas passou-se um ano sem notícias do animatógrafo, até que, em 28 de Fevereiro de 1904, João Luciano Postes solicitou uma licença na Secretaria da Câmara Municipal de Aldegalega para «armar uma barraca de animatógrafo», no Largo da Caldeira, que se veio a denominar “Animatógrafo Lumiére”.
O
animatógrafo foi inaugurado em 14 de Abril de 1904, e «unicamente e com grande
satisfação podemos acrescentar que é o mais claro e de movimentos mais naturais
que temos visto, quer nas personagens quer nos objectos, que se apresentam em
tamanho natural.
São
de um efeito deslumbrante as transformações, prestidigitação, fantasmagoria e
cenas de alta magia apresentadas em cores.
Há
funções todas as noites e sempre variadas.”
Os
últimos espectáculos na barraca do “Animatógrafo Lumiére” realizaram-se no dia
24 de Abril de 1904, com «o excelente espectáculo, “A Pesca do Bacalhau”,
película com 300m e tempo de exibição de 20 minutos», que alcançaram duas
enchentes.
Veio
a revelar-se de significativa importância a instalação, no Largo da Caldeira,
do “elegante teatro-barraca” do Teatro Popular, companhia de Lisboa, que se
estreou, no dia 17 de Novembro de 1904, quarta-feira, com o drama em quatro
actos «A Filha do Saltimbanco» e, no domingo seguinte, levou à cena o drama “As
duas Órfãs”.
Devido
ao êxito alcançado, o Teatro Popular passou a apresentar os seus espectáculos
no armazém do sr. José Maria Vasconcelos, na Rua da Fábrica, onde as enchentes
se sucederam às quintas-feiras e aos domingos.
Aquele armazém transformou-se na primeira sala privada de
espectáculos de Aldegalega, quando, em 1904, a Troupe do Teatro Popular, que
apresentava os seus espectáculos num elegante teatro-barraca montado no Largo
da Caldeira (Praça Gomes Freire de Andrade), ali se refugiou para fugir das
intempéries de um Inverno excessivamente rigoroso. Contudo, devido ao êxito
alcançado, a companhia prolongou a sua estada em Aldegalega e o armazém passou
a ser conhecido como “Salão Teatro Recreio Popular”. Por iniciativa de António
Máximo Ventura foi remodelado e adaptado definitivamente a Salão Teatro e
inaugurado no dia 8 de Outubro de 1905. Passou a ser referenciado como o
«elegante teatro da vila». Aqui seria instalado o primeiro animatógrafo.
Ruky Luky
Na senda que trilhou, e que Montijo tem a felicidade de ser no seu espaço e na sua vivência que está a ser construída, o Rui continua a honrar-nos com um trabalho ímpar na história local. Infelizmente, quem hoje tem as rédeas do poder, por impreparação ou má consciência, não se apercebe do alcance de tão meritória tarefa. Mas ela não pode ser apagada e fica nos anais da história desta cidade como uma contribuição valiosa para que se conheça a valiosa contribuição que Aldegalega deu ao progresso social do povo. Bem haja, Rui.
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