O Incêndio do Grande Cinema Independente
Na
noite de 14 de Setembro de 1924, a Companhia Dramática de José Clímaco
apresentou uma opereta, que agradou vivamente ao público,
ficando agendada nova representação para o dia seguinte.
Nessa
noite, porém, a população de Aldegalega foi acordada pelo repicar incessante do
sino da Igreja Matriz, que redobrava de alarme. Ardia com violência a barraca
do “Grande Cinema Independente”.
«De
toda a parte corre gente, meia dormida ainda, ouvem-se gritos aflitivos, há
choros e labaredas altas e ofegantes, lambendo as madeiras, atiram para o
espaço grandes faúlhas que o vento impele. Apercebemos imediatamente que ardia
com violência o edifício do Grande Cinema Independente. No edifício do Tribunal
e Cadeia – o mais próximo do cinema – as janelas do pavimento superior
começavam a ser beijadas pela ardência das bocas vermelhas que o incêndio, como
uma hidra, lhe envia. Os presos da cadeia estão aflitos. No Cais das Faluas vai
uma grande azáfama: as embarcações largam todas para longe, receando serem
atingidas. Socorros nenhuns! O espectáculo é horroroso. Um pavoroso incêndio,
um dos maiores – senão o maior – de todos a que temos assistido nesta vila. O
edifício está todo derruído; a cabine por terra e em fogo; o piano irreconhecível;
as bancadas reduzidas a cinzas; o palco, os bastidores, tudo, tudo está ardendo
e sob os escombros em ignição as malas da Companhia. E ninguém se mexe, nem
perante as lágrimas, nem perante o delíquo director do grupo, nem perante a
forte comoção que lançou por terra inanimado, quase alucinado, o empresário
cinematográfico sr. Frederico Guilherme Ribeiro da Costa.» Assim testemunhou o
incêndio o director do jornal “A Liberdade”, Dr. Paulino Gomes, que vivia a
dois passos do animatógrafo.
A
tragédia abalou Aldegalega, mas não colheu o espírito de solidariedade dos
aldeanos, que se mobilizaram para ajudarem a companhia de teatro, que perdera
todos os seus bens.
Extintas
as labaredas, a Sociedade Filarmónica 1.º de Dezembro logo organizou um bando
precatório que rendeu 1.866$00.
A
Banda Democrática 2 de Janeiro, por sua vez, promoveu um espectáculo, no Circo ideal, «enchendo-se
a casa por completo».
O
Musical Clube Alfredo Keil organizou um espectáculo no seu teatro.
O produto dos espectáculos reverteu para a companhia.
Apesar de estar ali colocada desde a data assinalada, poucas pessoas nela reparam. |
Em
Setembro, a Companhia regressou a Aldegalega para manifestar o seu perene agradecimento ao seu povo. No cunhal da
fachada principal do edifício do Tribunal e Cadeia, actual Câmara Municipal de Montijo, a
Companhia afixou uma lápide, que perdura, e onde se pode ler: «HOMENAGEM DA
COMPANHIA DRAMÁTICA JOSÉ CLÍMACO AO POVO DE ALDEGALEGA – 15-9-1924».
A
acção da população de Aldegalega foi também reconhecida pela Associação da
Classe dos Trabalhadores de Teatro, que «tendo tido conhecimento da forma
carinhosa como foram tratados os seus consócios que faziam parte da companhia
dramática José Clímaco, depois do incêndio, em que perderam todos os seus
haveres pessoais e material artístico consignou um voto de enternecido
agradecimento ao povo de Aldegalega».
Mas há mais histórias do cinema em Montijo para contar...
Ruky Luky
A acção do povo da vila de Aldegalega, ajudando a Companhia de Teatro, enobrece o nome desta actual cidade, herdeira de tais pergaminhos. Esta placa, devia ser um ponto de referência nas visitas guiadas à cidade, havendo alguém que contasse esta tão prestimosa história, nascida numa tragédia.
ResponderExcluirApenas uma pequena coincidência de datas. Em 1765, no dia 15 de Setembro, nasceu, em Setúbal, o poeta Manuel Maria Barbosa do Bocage e, por isso, essa data é o dia feriado da cidade. O foral manuelino de Aldegalega tem a data de 15 de Setembro de 1514. Em 15 de Setembro de 1962 realizei o meu casamento no Registo Civil de Montijo.
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