1. Em nome do
Pai…
In Memoriam Guilherme Aleixo – 20-11-1911 – 22.01.1985
A partilha da cultura levou o cinema aos mais pobres dos pobres. |
Meu Pai, modesto lisboeta que, na década de
trinta do século XX, procurou, em Angola, o conforto que a Pátria lhe negava,
apareceu, certo dia lá em casa, com uma máquina de projectar Eumig 8 e um filme
de Charlot. Depois, espaçadamente, foram aparecendo outros: Ali Babá e os 40
Ladrões, Bucha e Estica, Gary Cooper e poucos mais. Todos de 8/mm e a preto e
branco. Quantas vezes passaram aqueles filmes, vistos sempre com o mesmo
entusiasmo, com a mesma alegria e com o mesmo espanto…
Sei, hoje, o sacrifício que custou aquela máquina
a quem tinha um magro ordenado, mas a paixão pelo cinema falara mais alto e o
sacrifício foi compensado pela alegria que brotara na família e que acabou por
transbordar para o bairro.
O Bairro da Fronteira, em Benguela, República de
Angola, era um bairro limítrofe, pobre, com ruas esburacadas e sem asfalto, sem
iluminação pública nem água canalizada. Poucos portugueses ali viviam nas suas
modestas casas rodeadas de cubatas. O meu Pai era um deles. Fê-lo por amor à
mulher por quem se apaixonara e já enfeitiçado pela magia de África.
Homem de coração aberto e alma generosa, ao
sábado, à noite, pegava na máquina, colocava-a no quintal, de modo que se visse
da rua, e assim dava início à sessão de cinema. O portão da nossa casa nunca
esteve fechado e, por isso, os vizinhos do bairro ao saberem que havia cinema,
entravam, acomodavam-se, abarrotavam o quintal e o espectáculo começava. As
sessões eram indescritíveis, tal o gozo proporcionado por Charlie Chaplin ou o
frenesim das coboiadas de Gary Cooper. Três ou cinco minutos era quanto durava
a projecção de cada filme, mas pareciam uma espantosa eternidade a quem,
pela primeira vez, via um filme… Em todas as sessões de Charlot estavam bem presentes as
exclamações «uuááá!...uuááá!...viabááá», que acompanhavam cada
"finta" do actor, num jogo do gato e do rato, no ginásio das termas, e
que se repetiam com o mesmo entusiasmo em cada visionamento.
Tirando o Salão de Baile da Dona Sofia, na década
de 50, cujo terreiro tinha de ser constantemente regado para aplacar a poeira
levantada pelos pares dançantes, não havia outro divertimento senão o cinema em
casa do senhor Guilherme Aleixo. E a entrada era gratuita.
Ruky Luky
É bom reviver o passado e ter nele, não diria um certo orgulho, porque é palavra que não cabe muito bem no meu vocabulário, mas uma dose de encanto e e de amor, talvez nostalgia, e conforto de quem não esquece as raízes. É bonito e é saudável. Parabéns ao Rui.
ResponderExcluir