terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Cultura, A Culpa é da Crise?


A Câmara Municipal de Montijo reconheceu, já em 2002, que a Biblioteca Municipal Manuel Giraldes da Silva é uma «biblioteca tradicional que necessita de ser repensada de forma a torná-la mais activa, dinâmica e apelativa».  

«As questões relacionadas com as actividades culturais e de fruição de tempos livres são questões incontornáveis em qualquer processo de mudança social de uma dada comunidade, fazendo parte dos processos de desenvolvimento a ela associados», lê-se no capítulo dedicado à “Cultura, Desporto e Ocupação de Tempos Livres”, in “Diagnóstico Social do Concelho de Montijo, 2002”.

O documento alertava para que «Deve, ainda, ter-se em conta a proximidade geográfica de Lisboa que, em termos de oferta cultural, apresenta um forte poder polarizador no contexto da AML e do próprio país, não facilitando um desenvolvimento diversificado da cultura no concelho de Montijo. A arte dos dirigentes locais em produzir processos de planeamento das actividades culturais e de fruição de tempos livres reside, muito especificamente, na forma como tornar este condicionamento exógeno provocado pela centralidade de Lisboa, numa potencialidade para o desenvolvimento cultural do município. Neste contexto, deverá ser traçado um plano concelhio que incorpore uma visão metropolitana, articulada com os diferentes eixos estratégicos das políticas culturais dos concelhos limítrofes. Se existe área problemática onde produzir um plano local sem uma visão global é uma acção condenada, à priori, essa área é, sem dúvida, a cultura.

Ao referir-se aos equipamentos culturais o Diagnóstico refere-se à recuperação do Cinema Teatro Joaquim de Almeida, e às potencialidades de dinamização cultural que então se abriam, e acrescentava que «Esta recuperação é acompanhada da projecção de um outro espaço cultural, este construído de raiz – Casa da Música – que tem como objectivo principal promover a área específica da música em consonância com uma já longa tradição concelhia, gerada pela figura emblemática do maestro Jorge Peixinho.»

«O que o concelho possui, actualmente (2002), em termos de equipamentos culturais restringe-se a uma Biblioteca Municipal, cuja capacidade de expansão física é nula, o que a torna bastante limitada, e cuja diversidade de obras disponibilizadas para consulta está muito aquém daquilo que um concelho como o do Montijo exige, como muitos jovens no ensino secundário e superior. É uma biblioteca tradicional que necessita de ser repensada de forma a torná-la mais activa, dinâmica e apelativa. Importa, igualmente, criar pólos da biblioteca municipal disseminados pelas freguesias do concelho, criando, desta forma, uma rede de leitura pública. No momento em que o DS do concelho é ultimado, apenas existe um pólo da Biblioteca Municipal localizado na freguesia de Afonsoeiro, estando todas as outras (6 freguesias) a descoberto.»
                                                       Sala de leitura da Biblioteca Manuel Giraldes da Silva

«Em termos de museus a situação é semelhante, ou seja, muito deficitária existindo apenas o Museu Municipal, e os Museus Agrícola e de Arte Sacra situados na freguesia de Atalaia. Neste ponto, a necessidade de tornar os museus mais dinâmicos, interactivos, repensar os horários de funcionamento, criar espaços de convívio no interior dos museus, é em tudo semelhante às necessidades sentidas para a Biblioteca Municipal.»

Dez anos passados, o que foi realizado?

A Biblioteca Municipal Manuel Giraldes da Silva, «cuja diversidade de obras disponibilizadas para consulta está muito aquém daquilo que um concelho como o do Montijo exige (e) é uma «biblioteca tradicional que necessita de ser repensada de forma a torná-la mais activa, dinâmica e apelativa» reduziu por completo a oferta de novos livros, suspendeu a leitura de diários e periódicos, transformou-se numa mera sala de estudo para os alunos do secundário e é, hoje, um equipamento cultural anacrónico.
É certo que foram criados novos pólos da Biblioteca em várias freguesias, mas A Biblioteca Municipal Manuel Giraldes da Silva, está « muito aquém daquilo que um concelho como o do Montijo exige» (e) é uma «biblioteca tradicional que necessita de ser repensada de forma a torná-la mais activa, dinâmica e apelativa».

Dez anos depois, nada se modificou, pelo contrário, apesar de a Câmara Municipal de Montijo defender que «Uma biblioteca pública contribui de forma importante para o desenvolvimento e prossecução de uma sociedade democrática na sua qualidade de fornecedora de acesso a um vasto e diversificado conjunto de conhecimentos disponíveis para todos em igualdade sem qualquer tipo de discriminação. Por isso é importante que a Biblioteca Pública proporcione o acesso aos novos suportes de informação disponíveis reflectindo as tendências actuais e a evolução da sociedade desenvolvendo os serviços audiovisuais, permitindo o acesso remoto à informação e procurando integra-la num sistema que permita ao utilizador seleccionar e localizar a documentação do seu interesse para que, posteriormente, a possa solicitar, se assim o pretender.
Assim quando falamos de biblioteca pública estamo-nos a referir a um espaço aberto à comunidade em que se insere e à qual disponibiliza serviços, nomeadamente:
- Serviços de leitura: que se prendem com a leitura presencial, a consulta de jornais, revistas e documentos audiovisuais, acesso à internet e o empréstimo domiciliário (…)»

É caso para se dizer, bem prega Frei Tomás!


                                                          Interior do Museu Agrícola de Atalaia

A oferta cultural, que sempre primou por um “elitismo provinciano», que ignorou o público real a que se destinava, a interligação com os vários agentes concelhios e os actores locais, está marcada por espectáculos cancelados, por falta de público, e, no caso do funcionamento dos museus e da Galeria Municipal, por horários semelhantes aos dos serviços públicos, durante a semana, estando encerrados aos fins-de-semana e nos feriados.

Não há, realce-se, um verdadeiro museu municipal. Há, no bom sentido do termo, algumas exposições permanentes a que a propaganda apelida de museu. Basta dar um salto à denominada Casa Mora para nos apercebermos do conceito de museu de que se fala.

A Casa da Música Jorge Peixinho é uma promessa para ser cumprida nas calendas gregas.

Quanto ao cinema Teatro Joaquim de Almeida, um verdadeiro “elefante branco, no modo como é gerido, mantém as suas portas “emperradas”  aos actores montijenses, a tal ponto que só alguns anos após a sua inauguração, e quando já se verificava que não conseguia atrair público, se permitiu que as escolas passassem a utilizar aquele espaço. Basta olhar para as alcatifas do teatro, bem cuidadas, é certo, para nos apercebermos do uso que o cinema (não) tem tido.

No que respeita a traçar-se «um plano concelhio que incorpore uma visão metropolitana, articulada com os diferentes eixos estratégicos das políticas culturais dos concelhos limítrofes» as iniciativas quedaram-se pela adesão à Artemrede e ao apoio à Orquestra Metropolitana de Lisboa.

A descentralização cultural para as freguesias é residual, praticamente inexistente.

Quanto ao apoio aos actores locais, o episódio, que passamos a transcrever, dá a verdadeira dimensão do respeito que há por quem, sem usufruir de apoios municipais, continua a investigar e a editar com recurso ao parco património pessoal:

«O Dr. Mário Balseiro questionou sobre uns livros que vendeu para a Biblioteca e até à presente data ainda não recebeu, são três exemplares da Tese, três exemplares das Visitações da Ordem de Santiago e três exemplares da Monografia de Alcochete.
A Senhora Presidente disse que desconhecia em absoluto a situação exposta, e que os livros iriam ser devolvidos e iria ser aberto um processo de inquérito para averiguar e apurar responsabilidades.» (in Acta da Reunião da CMM, de 2.09.2009).

A crise da cultura, em Montijo é, também, o corolário do défice democrático e de liberdade vivido no município.

 Ruki Luki

3 comentários:

  1. O Dr. Balseiro, como bom montijense que julgo ser, devia ter oferecido as suas obras à biblioteca e, por isso, não levantar problemas de cobrança. De certo que foi ele que lá levou os livros sem ter recebido requisição. Devem tê-los recebido à condição e por educação não os rejeitaram na altura. Ninguém sai bem nesta situação.

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  2. Uma funcionária da Biblioteca Municipal telefonou-me, no sentido de eu vender à Biblioteca exemplares de livros da minha autoria. Satisfiz o pedido, aqueles foram aceites e, mais tarde, pagos pela Câmara, no dia seguinte à interpelação à Presidente.

    Mário Balseiro Dias

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  3. Uma qualquer funcionária não tem autoridade para fazer aquisições de livros. As compras são decididas a nível superior. Para evitar mais conflitos desnecessários resolveram pagar a dívida. A Câmara nunca me pagou qualquer livro,o que aliás eu nunca quereria, mas cada um sabe de si e o Diabo sabe de todos. Um abraço ao Mário.

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