O Banquete
Ilustração: Rafael Bordalo Pinheiro |
As portas estão escancaradas
ao nepotismo, ao compadrio e à injustiça porque o poder tudo corrompe.
Esqueceu-se, hoje, o que se
exaltava e se defendia, ontem.
Cega o poder quando entendido
como absoluto, e embriaga com o néctar da imortalidade.
A iniquidade habita
paredes-meias com a insensatez e o pudor há muito que abandonou o quarteirão.
A regra é a vontade de quem se
julga do poder a emanação, num jogo de encenação em que a palavra, já falida,
se quebra como ressequida folha outonal, logo levada pelo vento.
O sorriso mostra-se diamantino
para amigos e camaradas, mas soltam-se as matilhas aos pés de quem,
serenamente, observa e diz: «A rainha vai nua e o séquito real também.»
O banquete corre voraz. Só a
vergonha, do banquete ausente, se ruboriza enquanto um operário resiste acossado
pelos ratos.
Contorcem-se a moral e a ética
ao grito triunfante de os amigos primeiro, os camaradas sempre!
Ai de quem não acudir a moral
ferida, a ética extenuada. Perecerá também no turbilhão da náusea.
Que se corra o pano, que se
cubra a cena do impróprio espectáculo, pesadelo vivo na cidade (ir)real.
Rui
Aleixo
Nova Gazeta,
15.04.94
Infelizmente este texto mantém actualidade mesmo que os personagens sejam os mesmos ou diferentes. Os bons escritos são intemporais e por isso valem uma eternidade. Neste caso específico, é pena que se retrate um estado de sítio que se agrava desde há muito, mas, para mal dos nossos pecados esta situação alastra por todo o território e como epidemia não tem cura em tempo útil. Ficam as palavras, dos que estão atentos, para relatarem os factos, para que fiquem em memória.
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