sábado, 3 de agosto de 2013

Palavras de Ontem

O Banquete



Ilustração: Rafael Bordalo Pinheiro
As portas estão escancaradas ao nepotismo, ao compadrio e à injustiça porque o poder tudo corrompe.
Esqueceu-se, hoje, o que se exaltava e se defendia, ontem.
Cega o poder quando entendido como absoluto, e embriaga com o néctar da imortalidade.
A iniquidade habita paredes-meias com a insensatez e o pudor há muito que abandonou o quarteirão.
A regra é a vontade de quem se julga do poder a emanação, num jogo de encenação em que a palavra, já falida, se quebra como ressequida folha outonal, logo levada pelo vento.
O sorriso mostra-se diamantino para amigos e camaradas, mas soltam-se as matilhas aos pés de quem, serenamente, observa e diz: «A rainha vai nua e o séquito real também.»
O banquete corre voraz. Só a vergonha, do banquete ausente, se ruboriza enquanto um operário resiste acossado pelos ratos.
Contorcem-se a moral e a ética ao grito triunfante de os amigos primeiro, os camaradas sempre!
Ai de quem não acudir a moral ferida, a ética extenuada. Perecerá também no turbilhão da náusea.
Que se corra o pano, que se cubra a cena do impróprio espectáculo, pesadelo vivo na cidade (ir)real.

Rui Aleixo

Nova Gazeta, 15.04.94

Um comentário:

  1. Infelizmente este texto mantém actualidade mesmo que os personagens sejam os mesmos ou diferentes. Os bons escritos são intemporais e por isso valem uma eternidade. Neste caso específico, é pena que se retrate um estado de sítio que se agrava desde há muito, mas, para mal dos nossos pecados esta situação alastra por todo o território e como epidemia não tem cura em tempo útil. Ficam as palavras, dos que estão atentos, para relatarem os factos, para que fiquem em memória.

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