domingo, 14 de outubro de 2012

Vamos ao Cinema?

Notícia do Animatógrafo em Montijo

Num armazém, que existiu no mesmo lugar onde hoje está um moderno edifício que alberga um stand de automóveis, na Rua José Joaquim Marques, foi instalado o primeiro animatógrafo de Aldeia Galega do Ribatejo.
No Natal de 1902, no Teatro Electro-Mágico, instalado no Largo da Caldeira, representou-se um espectáculo de fantoches articulados. Ao lado, numa modesta barraca denominada “Teatro Oriental”, subiram à cena os dramas “Os Dois Vadios” e “A Louca do Moinho”.
No dia 18 de Janeiro de 1903, estreou-se uma “comédia de animatógrafo” e no dia 25 do mesmo mês, “doze quadros de animatógrafo sobre a Vida de Cristo”, no Teatro Electro-Mágico.
   É a primeira notícia da apresentação da “fotografia animada” em Aldegalega embora seja provável que tenham sido exibidos, anteriormente, outros “quadros de animatógrafo”, visto que o primeiro espectáculo cinematográfico foi realizado no nosso País, em 18 de Junho de 1896, em Lisboa, no Real Coliseu, à Rua da Palma, no qual participou o actor aldeano Joaquim de Almeida, representando alguns monólogos. Atendendo à proximidade de Lisboa, aliada ao facto de Aldegalega ser um lugar de passagem obrigatório, é de presumir que as primeiras projecções tenham acontecido em anos anteriores, visto que os cinemas ambulantes e as barracas de feira desempenhavam então um papel primordial na divulgação do cinema.

Passou-se um ano sem notícias do animatógrafo, até que, em 28 de Fevereiro de 1904, João Luciano Postes solicitou uma licença na Secretaria da Câmara Municipal de Aldegalega para “armar uma barraca de animatógrafo”, no Largo da Caldeira, que se veio a chamar “Animatógrafo Lumiére”.
O armazém, como hoje o novo edifíco, tinha um outro portão na Rua Santos Oliveira [a carrinha identifica-o].
   
     Testemunhos da época garantem que “unicamente e com grande satisfação podemos acrescentar que é o mais claro e de movimentos mais naturais que temos visto, quer nas personagens quer nos objectos, que se apresentam em tamanho natural.
São de um efeito deslumbrante as transformações, prestidigitação, fantasmagoria e cenas de alta magia apresentadas em cores.
Há funções todas as noites e sempre variadas.”

O “Animatógrafo Lumiére” foi inaugurado no dia 17 de Abril desse ano e a última função realizou-se no dia 24 do mesmo mês com “ o excelente espectáculo, “A Pesca do Bacalhau”, película com 300m e tempo de exibição de 20 minutos.”
   Embora o cinema começasse a disputar os espaços que até então eram exclusivos do teatro e a ocupar armazéns, salas de conferências ou qualquer outro local com as condições mínimas para a projecção de filmes, em Aldegalega do Ribatejo o teatro, as operetas, as récitas populares e os espectáculos de variedades continuavam como fonte primeira de diversão e cultura populares. As barracas de animatógrafo instalavam-se por brevíssimas temporadas no Largo da Caldeira [Praça Gomes Freire de Andrade] e logo partiam em busca de novos horizontes.


O espectáculo era misto, porque  a emancipação do cinema foi gradual. Aqui, a voz do "Rouxinol Humano", Amparito Vals, a melhor cantadeira de fados, intercalava com a projecção das fitas, que eram acompanhadas ao piano.
     No início de 1907, correu a notícia que “o sr. Artur Carlos Costa, proprietário da Eléctrica, brevemente apresentará no teatro desta vila, em diversas sessões, quadros de fotografia animada e, por isso, com ansiedade esperamos a sua realização para passarmos algum tempo esquecidos da monótona vida que levamos.”
    O sonho de Artur Costa não se realizou, mas, no final do ano, anunciava-se que “no dia 16 de Novembro, Aldegalega tem ocasião de admirar o mais perfeito animatógrafo até hoje conhecido no País. Na realidade, uma sociedade constituída por aldeanos resolvera “comprar, em Paris, uns aparelhos para o animatógrafo, que será montado no teatro desta vila”, à Rua da Fábrica [Rua José Joaquim Marques]. Porém, devido ao atraso na entrega dos aparelhos, António Máximo Ventura, um dos sócios, contratou “The Wonderful”, o animatógrafo que fizera a estação de Verão, com enorme sucesso, no Jardim de Inverno do Teatro Dª Amélia, em Lisboa. As sessões inauguraram-se, no dia 8 de Dezembro de 1907, e todas as noites apresentavam-se “quadros grandiosos, o que tem dado lugar a que o vasto salão se torne pequeno para acomodar tão grande número de espectadores.”

O primeiro animatógrafo foi inaugurado finalmente no dia 23 de Fevereiro de 1908 e era propriedade “de uma empresa composta por indivíduos desta vila, que resolveu dar espectáculos para assim termos um bom passatempo. E Empresa do Salão Animatógrafo adquiriu o último modelo em aparelho animatógrafo, sendo o seu autor o célebre engenheiro francês Gaumon, e também o grande fonógrafo “Pathé”, que está reconhecido como o melhor do género.”
O Salão Animatógrafo passou a denominar-se Teatro Recreio Popular e situava-se num armazém na Rua da Fábrica.

Este armazém propriedade de José Maria de Vasconcelos, acabou por se transformar numa das primeiras salas de espectáculos de Aldegalega, quando, em 1904, a Troupe do Teatro Popular, que apresentava os seus espectáculos num elegante teatro barraca montado no Largo da Caldeira (Praça Gomes Freire de Andrade), ali se refugiou para fugir das intempéries de um Inverno excessivamente rigoroso. Devido ao êxito que alcançou, a companhia prolongou a sua estada em Aldegalega e o armazém passou a ser conhecido como “Salão Recreio Popular”. Por iniciativa de António Máximo Ventura foi remodelado e adaptado definitivamente a Salão Teatro e inaugurado no dia 8 de Outubro de 1905.
 
«Só para ver este belo quadro merecia gastar o dobro». Mas, ainda assim, «Preços do costume».
 
  Ao referir-se ao animatógrafo, o jornal “O Domingo”, em 1908, realçava que o animatógrafo “é uma boa distracção ao alcance de todas as bolsas e que é de boa justiça que o público concorra para assim evitar que até isso deixe de existir, (visto que) é o único recreio que esta terra possui.”
     Não havia, afinal, razões, para qualquer receio porque o mesmo jornal reconhecia, algum tempo depois, que “o animatógrafo continua a ser muito concorrido.”

   O cinema passava a ser o principal recreio dos aldeanos. Havia duas funções, uma às 19H00 e a outra às 21H00. Quem assistisse à primeira podia ficar para a segunda sem que para isso tivesse de pagar mais. A crítica afiançava: “Temos assistido a este género de espectáculos e com franqueza o dizemos, ainda não vimos melhor. É o que há de mais perfeito em fotografia animada.”

Ruky Luky
 

2 comentários:

  1. Palavras para quê? Só uma camada de mentecaptos que dominam a cena local não reconhece o empenho e a dedicação que Rui Aleixo tem dedicado à história de Montijo, que é a história de todos nós e também a história de Portugal. Pequenos atritos pessoais, que bloqueiam as mentalidades das pessoas que não vêem para lá do seu nariz, vão coartando as possibilidades dum convívio melhor e mais são entre os montijenses. É o mundo que temos e até que os cérebros se abram temos de ir assim vivendo.

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  2. Deixo aqui expresso a minha concordância em absoluto com o comentário do meu amigo Tapadinhas.
    E não é por cortesia para com ele ou o Rui, é simplesmente pelo que tenho aprendido com estes trabalhos.
    Obrigado por isso, Rui.

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