Eu sou povo e canto esperança
De amanhecer tempo novo
Esperança que se não cansa
De correr atrás do Povo
Eu sou Povo e canto a vida
Num grito de MadrugadaQuero a minha gente unida
Caminhando nova estrada
Um sol igual para todos
Cantigas de agasalharCom alegria nos modos
Sem modos de censurar
As crianças quero vê-las
Sem olhos de espanto e medoA brincar com as estrelas
Para lhes saber o segredo
Que a justiça seja força
Mas só força de razãoE a verdade se não torça
Quando se reparte o pão.
O Senhor do Meu Cuidado
Ai se o vento sossegasse
Sua doida agitaçãoE em brisa recordasse
Afagos da tua mão
Ai se o vento sossegasse
O meu tonto coração
Ai se este vento soprasse
Como asa como velaE a minha alma navegasse
No rumo da tua estrela
Ai brisa da tua face
Que saudades tenho dela
Ai se o vento redimisse
A sua ira em pecadoE em brisa consentisse
Que Deus ouvisse o recado
E em amor restituísse
O Senhor do Meu Cuidado.
Gente do Mar
Eu nasci olhando o mar
Com movimento de genteRemando contra a maré
Mas no duro moirejar
Não deixa de olhar de frente
A vida tal como é
Gente com a pele curtida
Queimada de sol e sal
No rigor dos temporais
Vidas lutando pela vida
Longe deste vendaval
De lutas para cá do cais
Eu nasci ouvindo o vento
Em fragas e areais
Soprando em velas redondas
Aprendi corpo ao relento
Entre moços e arrais
O alfabeto das ondas
Gente para quem o Norte
É o pão de cada dia
E diz só o que é preciso
O pão às vezes é morte
E o mar quando se arrelia
Quase nunca traz aviso.
Simplesmente Cantigas
São simplesmente cantigas
Que canto p’ra toda a gente Não são guerras não são brigas
Não são figas nem intrigas
São cantigas simplesmente
E é importante cantar
Na vida com alegriaAmar e saber lutar
Cada um no seu lugar
Pelo pão de cada dia
E sinto em cada fado
A gente do meu lugarCom palavras de entender
Enquanto o povo quiser
Estarei de pé a cantar
Somos da mesma equipagem
Filhos da mesma família
Se estamos cá de passagem
E é tão curta esta viagem
Para quê tanta quezília?
Não são guerras não são brigas
São cantigas simplesmenteNão são figas nem intrigas
São simplesmente cantigas
Ao gosto da minha gente.
Rosa da Madragoa
No Bairro da Madragoa
À janela de LisboaNasceu a Rosa Maria
Filha de gente vareira
Foi criada na Ribeira
Entre peixe e maresia
Flor mulher naquela Rosa
É a moça mais airosa
Que a lota já conheceu
E toda a malta do largo
Suspira ao vê-la passar
De chinela e perna ao léu
Lá vai a Rosa Maria
Que é a alegria desta RibeiraOuve e ri à gargalhada
Qualquer piada por mais brejeira
Vai bugiar meu menino
Não deites barro à parede
Que esta Rosa é peixe fino
Para a malha da tua rede
O jovem Xico Fateixa
Já jurou que não a deixaPois a paixão é teimosa
É de tal modo a cegueira
Que deu à sua traineira
O nome daquela Rosa
E a flor da Madragoa
Ao ver escrito na proa
Seu nome Rosa Maria
Abriu os braços ao Xico
Começou o namorico
E vão casar qualquer dia.
Ovelha Negra
Chamaram-me ovelha negra
Por não aceitar a regraDe ser coisa em vez de ser
Rasguei o manto do mito
E pedi mais infinito
Na urgência de viver
Caminhei vales e rios
Passei fomes, passei frios
Bebi água dos meus olhos
Comi raízes de dor
Doeu-me o corpo de amor
Em leitos feitos escolhos
Cansei as mãos e os braços
Em negativos abraçosDe que a alma foi ausente
Do sangue das minhas veias
Ofereci taças bem cheias
À sede de toda a gente
Arranquei com os meus dedos
Migalhas grão-segredosDa terra escassa de pão
Mas foi por mim que viveu
A alma que Deus me deu
Num corpo feito razão.
Renascer
Só quem ama tem razão
Mulher dá-me a tua mãoApressemos a partida
Solta os cabelos ao vento
Os dois à frente do tempo
Vamos saudar esta vida
Vamos beber rios e fontes
Caminhar vales e montesE sonhar ao mais profundo
Há flores à nossa espera
E um canto de Primavera
Em cada canto do mundo
E na mais alta colina
A luz do sol luz divinaVestirá nossa nudez
Se em amor fomos nascidos
Por milagre dos sentidos
Nasceremos outra vez.
Quem percorrer a História do Fado escrita pela voz dos que o cantam surpreender-se-á, talvez, com a vasta contribuição do lirismo de João Dias para a chamada canção nacional. A pequeníssima amostra agora publicada não passa de uma pequena gota de água do oceano poético do autor montijense, mas que Montijo teima em não reconhecer.
Valeu-lhe, até hoje, a homenagem prestada pela edilidade, em 1988, a que se aliou Rodrigo para proporcionar um dos espectáculos mais memoráveis de que regista Montijo, com o Cinema-Teatro Joaquim de Almeida a transbordar de um público que, em religioso silêncio, escutou cada fado/poema de João Dias e ouviu a história do fado que é João Dias contada pelo fadista que fora seu amigo.
João Dias merecia um livro que recolhesse toda a sua obra dispersa pela Biblioteca Municipal, pela Sociedade Portuguesa de Autores e pelos amigos que guardam poemas do poeta aldeano.
Mas João Dias não tem sequer uma rua com o seu nome.
Ruki Luki
Mais uma letra de João Dias
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=bTengRZ67Eo