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A Banda Democrática 2 de Janeiro
A
Banda Democrática 2 de Janeiro resultou de uma forte clivagem
político-ideológica no seio da Sociedade Filarmónica 1.º de Dezembro.
A
Banda do Centro Democrático, que se viria a chamar Banda Democrática 2 de
Janeiro, constituída essencialmente por músicos, que, na sua totalidade, eram
trabalhadores rurais da vila, oriundos da Academia Musical União e Trabalho, de
Sarilhos Grandes, e dissidentes da Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, de
Montijo, e dirigida por Eduardo Alvarez Blanco, apresentou-se com os acordes da
marcha “O Democrata”, de Henrique Lopes, em 1914, na Praça da República, sem instrumental
próprio nem fardamento.
Na
altura, já ali existia um coreto, propriedade da Sociedade Filarmónica 1º de
Dezembro, que não podia ser utilizado pela nova filarmónica, devido ao
antagonismo político e social que as separava.
Como a Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro tinha
tornado a Praça da República o seu auditório ao livre, a Banda Democrática
começou por realizar os seus concertos na Praça 1º de Maio, antigo Largo da
Misericórdia, construindo, ali, em 1915, «um lindo coreto de madeira feito por
subscrição pública, de iniciativa de um grupo de amigos da Banda Democrática,
sob a direcção do distinto artista José Rodrigues Pancão».
Este coreto serviu durante quatro anos, altura em
que foi substituído por outro, também de madeira, que foi inaugurado no dia 26
de Julho 1919.
Ficámos a saber, pela leitura dos jornais da
época, que «foram deslumbrantes os festejos realizados em consequência da
estreia dos fardamentos da simpática e distinta Banda Democrática de Aldegalega
e do novo coreto da Praça 1º de Maio» e que «com extraordinária concorrência
realisou-se á noite, na Praça 1º de Maio, o arraial que durou até depois das
duas horas do dia imediato.»
Vida curta teve este coreto, porque, em 28 de
Setembro de 1921, a direcção da Banda Democrática pedia à Câmara Municipal «a
devida autorização para a demolição do seu coreto existente na Praça 1º de Maio,
para em sua substituição ser construído um de pedra, cal e ferro a fim de
embelezar a respectiva Praça(...)».
O novo coreto foi inaugurado no dia 20 de Outubro
de 1923.
O coreto foi construído sobre uma base octogonal
de pedra e cimento onde assentavam oito colunas de ferro , ligadas entre si, na
base, por uma guarda metálica, e, no topo, por um fino arco gótico em ferro,
que suportavam uma cúpula em ferro zincado, construída por Francisco José da
Silva e António Feliciano Canastreiro, que custou 7.500$00.
A obra totalizou 12.969$83, «não contando com o
valor das oito colunas oferecidas pela firma Armstrong, Schola e Cª, com as
ofertas de areia e os fretes de carroça dos senhores António Costa, António da
Silva Russo Jr., José Anaia, José António Issa Jr, entre outros».
Embora a direcção tivesse considerado que o coreto era «uma obra que ficará perpetuando muitos sacrifícios, muita força de vontade e muito amor pelo progresso da nossa terra», reconheceu, em Junho do ano seguinte, que a praça tornara-se pequena para as ambições da Banda Democrática e passou a almejar um espaço mais amplo à medida da importância que já tinha alcançado durante a primeira década de vida.
Na assembleia geral
realizada em Junho de 1924, foi apresentada uma proposta para a constituição de
uma “comissão para a mudança do coreto para a Praça da República”, com o
fundamento que «o largo onde se encontra o coreto é tão pequeno e acanhado que
as festas que ali se promovam não dão receita para a banda viver e só redundam
em estonteante sacrifício para os executantes e seu regente, sem proveito que
recompense, o que se não dá na grandiosa e ampla Praça da República, onde à
vontade pode ocorrer o povo e especialmente as senhoras que profundamente
lastimam o facto de não poderem abrilhantar as nossas festas no acanhado largo
em que está o coreto, pelo facto da sua limitada área.»
A proposta, apesar de ter sido aprovada por uma
expressiva maioria de votos, não deixou de ser contestada por um grupo de
sócios que propôs que a mudança fosse feita para a Largo das Palmeiras (Praça
Gomes Freire de Andrade).
Porém, a assembleia considerou que aquele Largo
«não possuía condições de asseio e embelezamento» e, por outro lado, já
constava «que a câmara projectava fazer ali o mercado de peixe e hortaliças».
Em cumprimento da decisão da assembleia geral, a
direcção requereu à Câmara Municipal autorização para desarmar o coreto e
colocá-lo em frente à Igreja Matriz, comprometendo-se em concluir a obra em
sessenta dias e afiançando que a mesma iria contribuir «para melhor
embelezamento da referida Praça, e por conseguinte, da vila.»
A banda da Banda e o seu coreto. |
A Banda
Democrática 2 de Janeiro era uma instituição assumidamente laica e anticlerical
e, por isso, a pretensão não foi vista com bom olhos pelas forças conservadoras
da vila.
O indeferimento da Câmara Municipal de Aldegalega
ao pedido formulado pela Banda Democrática, que não teve o apoio do presidente
do Senado Municipal, levou Paulino Gomes a bradar aos democráticos, nas páginas
do jornal “A Liberdade” : «a Praça da República também é vossa, tanto vossa
como deles, daqueles que receiam que os vossos fatos de trabalho roceguem pelas
suas vestes de protegidos da fortuna.
Para o Largo das Palmeiras que vão eles!Para a Praça da República é que devemos de ir e de cabeça erguida e coração ao largo.»
A Câmara Municipal de Aldegalega acabou por autorizar a construção do coreto na Praça Gomes Freire de Andrade, «no sítio entre o moínho e a Avenida em construção», conforme acabou por sugerir a direcção da Banda.
E porque era um tempo em que a palavra dada era
para ser honrada, sócios, dirigentes e amigos, sob a direcção de uma comissão
composta pelo maestro Amadeu de Moura Stoffel, José Luís Cardeira e José
Porfírio Ezequiel, empenharam todos os esforços, dedicação e muitos bens para
erguer o coreto, que custou cerca de 80.000$00, uma fortuna para a época.
Depois de ter sido lançada a primeira pedra pelo
maestro Amadeu de Moura Stoffel, o mestre pedreiro Custódio Pôlas
responsabilizou-se pelas obras respeitantes à alvenaria e uma empresa
industrial ofereceu as nove colunas para sustentar a cobertura do coreto.
Foi por esta altura que somou êxitos a revista “Coisas da Nossa Terra”, da autoria do poeta Joaquim Serra e do maestro Amadeu de Moura Stoffel, que, segundo o então director da colectividade, José Ramos Cardeira, «essa obra grandiosa para a nossa Banda e que honrou a nossa Terra, rendeu a receita líquida de 18.574$31, importância esta destinada ao acabamento do coreto».
E o Povo ocorreu «a ouvir os concertos da nossa
querida Banda, correspondendo, por essa forma, ao fim educativo e ao mesmo
tempo recreativo, que lhes proporcionava o nosso prestimoso agrupamento
musical».
A construção do Mercado Municipal, na Praça Gomes
Freire de Andrade, determinou a demolição do coreto, que foi decidida na
reunião do executivo municipal, de 29 de Dezembro de 1954, após a assembleia
geral da Banda, realizada em 22 de Novembro, ter ratificado a sua venda pela
quantia de 45.000$00, mais cinco contos do que a câmara municipal oferecera
inicialmente.
Para que a Banda Democrática pudesse continuar a
actuar a Câmara Municipal alcançou um acordo com a Sociedade Filarmónica 1º de
Dezembro, em 23 de Dezembro de 1954, segundo o qual esta associação cedia o
coreto ao município e permitia que passasse a ser utilizado pelas duas
sociedades «de modo a manter-se a actividade musical na nossa terra com a
emulação julgada necessária à sua existência.»
No dia 27 de Fevereiro de 1955, a Câmara
Municipal do Montijo tomou posse do coreto, desmantelou-o e ofereceu-o à
vizinha freguesia de Sarilhos Grandes.
O coreto tornou o Largo mais formoso e foi um exelente local de animação musical. |
E o que aconteceu ao velho coreto construído na
Praça 1º de Maio?
Em Abril de 1946, a Câmara Municipal do Montijo
propôs a demolição do coreto, por lhe parecer que não fazia falta à Banda e,
por outro lado, por razões de utilidade pública, porque pretendia fazer obras
de remodelação naquela praça.
Os tempos tinham mudado e o Estado Novo impunha
prepotente o seu imperium e disso estavam conscientes os dirigentes da
associação que, depois de terem discutido o assunto «e na impossibilidade de
evitar que mais cedo ou mais tarde o coreto venha a ser demolido, pois não se
não for agora próximo, com a aquiescência da colectividade, sê-lo-á quando for
iniciado o projecto do plano de urbanização, e, para evitar qualquer
animosidade contra a colectividade», constituíram uma delegação que, na reunião
com o presidente da Câmara Municipal, «manifestou o desejo, por o achar muito
justo, que a colectividade fosse compensada pela perda do coreto, cuja construção,
em 1924, importou em cerca de 17.000$00, compensação que podia consistir ou na
cedência do terreno necessário à construção de uma sede para a colectividade,
ou em quantia que se combinasse, com destino à criação da mesma sede».
A resposta do presidente foi pronta. Que lhe era
inteiramente impossível ceder qualquer terreno ou quantia, porque isso não lhe
permitia o Código Administrativo, que subtraíra a autonomia às câmaras
municipais.
Face a esta resposta, «a assembleia não vendo
utilidade pública de espécie alguma na demolição do coreto, e, não querendo
também opor-se à acção da Câmara Municipal, deixa-lhe liberdade de agir
conforme entender.»
Assim veio a acontecer.
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